ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Distúrbios Psicossomáticos


O termo distúrbio psicossomático não possui uma definição precisa. Mais freqüentemente, o termo é aplicado a distúrbios físicos supostamente causados por fatores psicológicos. No entanto, nenhum distúrbio físico é causado exclusivamente por fatores psicológicos. Além disso, um distúrbio físico deve ter um componente biológico (um fator essencial para que a doença ocorra). Por exemplo, para que um indivíduo adquira uma tuberculose, ele deve ser infectado pela bactéria Mycobacterium, que causa a doença. Entretanto, muitos indivíduos infectados pelo Mycobacterium apresentam apenas uma doença leve ou simplesmente não a apresentam. São necessários outros fatores para que se produza a doença reconhecida como tuberculose, podendo incluir suscetibilidade hereditária, fatores ambientais (viver em aglomerações), desnutrição e tensão social ou psicológica (perda de um ente querido) e sua conseqüente reação emocional, a depressão. Os fatores biológicos, ambientais, sociais e psicológicos combinam-se para fazer com que alguém infectado pelo Mycobacterium apresente a tuberculose. O termo “psicossomático” abrange essa combinação dos fatores.

Interação entre a Mente e o Corpo

O estresse social e psicológico pode desencadear ou agravar uma ampla gama de doenças como, por exemplo, o diabetes mellitus, o lúpus eritematoso sistêmico (lúpus), a leucemia e a esclerose múltipla. No entanto, a importância relativa dos fatores psicológicos varia amplamente entre diferentes indivíduos com o mesmo distúrbio. A maioria dos indivíduos, baseando-se seja na intuição seja na experiência pessoal, acredita que o estresse emocional pode precipitar ou alterar a evolução mesmo de doenças físicas graves. Ainda não está claro como esses estressores poderiam fazê-lo. Evidentemente, as emoções podem afetar certas funções orgânicas como, por exemplo, a freqüência cardíaca, a sudorese, o padrão de sono e a evacuação intestinal, mas outras relações são menos evidentes. Por exemplo, ainda não foram identificadas as vias nem os mecanismos através dos quais o cérebro e o sistema imune interagem. A mente (cérebro) pode alterar a atividade dos leucócitos (glóbulos brancos) e, conseqüentemente, uma resposta imune? Em caso afirmativo, como o cérebro comunica-se com as células do sangue? Afinal de contas, os leucócitos movem-se por todo o corpo através do fluxo sangüíneo ou no interior dos vasos linfáticos e não estão unidos aos nervos. No entanto, as pesquisas revelaram que essas relações existem. Por exemplo, a urticária pode ocorrer em decorrência de uma alergia física ou de uma reação psicológica.

A depressão pode inibir o sistema imune, tornando um indivíduo deprimido mais suscetível a determinadas infecções, como as causadas pelos vírus que causam o resfriado comum. Portanto, o estresse é capaz de causar sintomas físicos mesmo que não exista uma doença física. O corpo responde fisiologicamente ao estresse emocional. Por exemplo, o estresse pode causar ansiedade, que ativa o sistema nervoso autônomo e hormônios (p.ex., adrenalina), os quais, por sua vez, aumentam a freqüência cardíaca, a pressão arterial e a sudorese. O estresse também causa tensão muscular, produzindo dor no pescoço, nas costas, na cabeça ou em outros locais. Quando o paciente e o médico supõem que os sintomas são causados por uma doença física, o distúrbio emocional desencadeador dos sintomas pode passar despercebido. Podem ser realizados muitos exames diagnósticos infrutíferos para se descobrir a causa do aumento da freqüência cardíaca, das cefaléias, das dores nas costas, etc. Os fatores psicológicos também influenciam indiretamente a evolução de uma doença. Por exemplo, algumas pessoas gravemente enfermas negam estar doentes ou negam a sua gravidade.

A negação é um mecanismo de defesa que ajuda a reduzir a ansiedade e torna uma situação ameaçadora mais tolerável. Se a negação aliviar a ansiedade, ela poderá ser benéfica, mas também impedirá que o indivíduo siga o programa terapêutico e isto pode acarretar graves conseqüências. Por exemplo, um indivíduo com diabetes e que nega a necessidade de injeções de insulina e um controle nutricional rigoroso fatalmente irá apresentar alterações significativas da glicemia (concentração de açúcar no sangue), apresentando um risco de complicações como, por exemplo, o coma diabético. Similarmente, uma porcentagem elevada de indivíduos com hipertensão arterial ou epilepsia deixa de tomar seus medicamentos. A interação entre a mente e o corpo é uma via de duas direções. Não somente os fatores psicológicos podem contribuir para o início ou para o agravamento de uma ampla variedade de distúrbios físicos, mas também as doenças físicas podem afetar o pensamento ou o humor de um indivíduo.

Os indivíduos com distúrbios potencialmente letais, recorrentes ou crônicos comumente apresentam depressão. Embora a depressão nessas circunstâncias possa parecer uma reação normal, o estado mental do indivíduo ainda merece atenção. A depressão pode piorar os efeitos da doença física e aumentar o sofrimento do indivíduo. Freqüentemente, o tratamento adequado (incluindo o uso de antidepressivos) melhora essas situações. Por outro lado, um indivíduo ansioso ou deprimido pode expressar uma preocupação sobre um problema físico. Esse fenômeno é mais comum em indivíduos deprimidos que parecem incapazes de aceitar seus sintomas como primariamente psicológicos. A depressão pode acarretar insônia, falta de apetite, perda de peso e fadiga. Em vez de dizer “Estou tão deprimido”, o indivído centraliza seus sintomas na crença de que eles são causados por um distúrbio físico. Isto é denominado depressão “mascarada”. Alguns são capazes de admitir a depressão, mas tentam justificá-la como sendo conseqüência de um distúrbio físico.

Sintomas de Conversão

A conversão é um mecanismo através do qual o estresse psicológico e social pode sugerir uma doença física. Na conversão, o indivíduo converte inconscientemente um conflito psicológico em um sintoma físico. Isto desvia a sua atenção de um problema perturbador para um problema físico menos temível. Praticamente qualquer sintoma imaginável pode tornar-se um sintoma de conversão. Às vezes, um sintoma de conversão é uma metáfora do problema psicológico existente. Por exemplo, uma dor no peito pode estar simbolicamente representando um coração ferido após a rejeição de uma pessoa amada ou uma dor nas costas pode representar problemas muitos difíceis de serem suportados.

Um sintoma de conversão também pode originar- se pela identificação com outro indivíduo que apresentou o sintoma. Por exemplo, um indivíduo pode sentir uma dor no peito, sugerindo um infarto do miocárdio, após um de seus genitores, de um irmão ou de um colega de trabalho ter sofrido um infarto. Ou um homem pode apresentar dor torácica à medida que se aproxima da idade em que o seu pai morreu de infarto do miocárdio. Finalmente, o sintoma de conversão pode não ser uma metáfora nem o resultado da identificação com outra pessoa, mas a reedição de um sintoma de um distúrbio físico prévio. Por exemplo, um indivíduo que sofreu anteriormente uma fratura óssea dolorosa pode voltar a sentir aquele tipo de dor óssea como um sintoma de conversão. Um indivíduo que apresentou episódios de dor precordial (angina) devido a uma doença coronariana pode algumas vezes apresentar uma dor similar como um sintoma de conversão (a dor é então denominada pseudoangina).

Metáforas que Sugerem Sintomas de Conversão


“Oh, minhas costas, como doem!”
“Não consigo engolir isso.”
“Só de pensar nisto eu fico doente.”
“É como se tivessem me apunhalado nas costas.” “Isto me dá vontade de vomitar.”

Os sintomas de conversão diferem do distúrbio de conversão, no qual os sintomas físicos mais freqüentemente assemelham-se aos de uma doença neurológica. Os sintomas de conversão são mais leves e transitórios e afetam os indivíduos que não apresentam qualquer doença psiquiátrica grave subjacente. Qualquer pessoa pode apresentar sintomas de conversão. Às vezes, é difícil para o médico diagnosticar os sintomas de conversão, e o paciente com esses sintomas pode ser submetido a diversos exames diagnósticos, para se assegurar de que não existe qualquer distúrbio físico subjacente. A maioria dos sintomas de conversão desaparecem muito rapidamente após uma avaliação clínica e uma conversa tranqüilizadora com o médico. Quando os sintomas de conversão retornam, não desaparecem ou tornam-se incapacitantes, a causa pode ser um distúrbio somatoforme.