ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

DOENÇA DIVERTICULAR DO CÓLON





1. Conceito



Um divertículo representa uma protrusão sacular de uma víscera oca. Um pseudo-divertículo é aquele constituído apenas pela mucosa e pela serosa do órgão (no caso de vísceras ocas intraperitoneais). Os divertículos de intestino grosso podem ser verdadeiros (constituídos por todas as camadas do cólon), porém os de importância clínica são pseudo-divertículos e representam, dessa forma, herniação da mucosa através da parede do cólon.

Embora sob o ponto de vista anatomopatológico a moléstia seja caracterizada pelo aparecimento dos divertículos, é a anormalidade da camada muscular a alteração que melhor define a enfermidade e que conduz à formação dos divertículos. A partir destas alterações musculares pode-se distinguir duas formas distintas da doença:

a) Doença Diverticular Hipotônica dos Cólons: cuja característica anatomopatológica é representada por uma camada muscular delgada, hipotrófica; constitui-se na forma mais freqüente da doença;

b) Doença Diverticular Hipertônica dos Cólons: caracterizada anatomopatologicamente pela presença de uma camada muscular espessa, hipertrofiada.

Embora seja a forma menos freqüente da doença diverticular é a que tem um quadro clínico mais expressivo, com sintomatologia característica, embora não patognomônica, e que pode levar a um índice maior de complicações.

Ocorre no adulto jovem, com predominância de aparecimento entre a terceira e a quarta décadas; entretanto, face a evolução tediosa e crônica da enfermidade, ela pode ser encontrada na população mais idosa e coexistir com a forma hipotônica da doença determinando uma forma mista, difícil de ser avaliada e explicada.

Predomina na raça caucasiana, sem prevalência de sexo.

A presença de divertículos no cólon é conhecida como diverticulose e é usualmente empregada para distinguir a ausência de sintomas associados aos divertículos. A diverticulite é o processo inflamatório e infeccioso associado aos divertículos e representa a principal complicação da diverticulose. A doença diverticular do cólon inclui todas as manifestações associadas aos divertículos, desde sua simples presença até a ocorrência de sintomas ou complicações (diverticulite aguda e sangramento). A diverticulite aguda, por sua vez, pode ser simples ou complicada (associada à formação de abscesso, fístula, obstrução ou peritonite difusa). O termo diverticulite perfurada, historicamente utilizado para classificar uma complicação da diverticulite aguda, deveria ter seu emprego desestimulado uma vez que em todas as crises de diverticulite aguda ocorre perfuração (ainda que microscópica na maioria das vezes). Diverticulite perfurada usualmente distingue a diverticulite aguda com contaminação difusa da cavidade peritoneal associada ou não a pneumoperitônio.





2. Epidemiologia



A maioria dos pacientes com divertículos é assintomática o que dificulta a estimativa de sua prevalência. A prevalência da diverticulose colônica aumenta com a idade. Parece inferior a 10% para a população com menos de 40 anos, atinge um terço da população acima dos 45 anos e está estimada entre 50% e 66% para os indivíduos com mais de 80 anos podendo atingir até 80% dessa população idosa. Não existe evidente correlação com o sexo. Dez a 25% dos indivíduos com diverticulose evoluirão com diverticulite. As evidências provenientes de estudos observacionais epidemiológicos e que contemplam dados de necrópsias indicam que a doença diverticular resulta da ocidentalização de hábitos alimentares que incluem dietas com alto teor de carboidratos refinados e pobres em fibras. Conhecida como doença da civilização ocidental, a afecção é rara na Ásia e na África rurais e as maiores prevalências são observadas nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Austrália.



3. Etiologia e fisiopatologia



Divertículos do cólon podem variar em número desde solitários ou raros até centenas. São mais frequentemente observados na topografia dos vasos retos mesocólicos. Esses vasos, ao atravessarem a camada muscular própria a partir da subserosa e comunicar-se com a rede vascular submucosa, originam regiões de fraqueza na parede do cólon e, portanto, predispõem à herniação da mucosa através da espessura do cólon. Os divertículos, que são por origem adquiridos e de pulsão, podem acometer todo o cólon e ocorrem em duas fileiras paralelas e adjacentes às duas bordas da tênia mesocólica (Fig.1). A etiologia da doença diverticular do cólon permanece parcialmente esclarecida. Existem evidências que apontam para a ação de três fatores: redução da resistência da parede do cólon, dismotilidade e dieta pobre em fibras.

Com relação à redução da resistência da parede do cólon, é possível que mudanças decorrentes da idade levem a alteração na composição da matriz extracelular da musculatura lisa colônica. Essas alterações teriam portanto origem degenerativa consistindo em modificações na composição do colágeno com aumento do componente de elastina, esta última alteração já demonstrada por observações por microscopia eletrônica.

Evidências sobre o papel de distúrbios da motilidade colônica como causa da doença diverticular vêm sendo obtidas há alguns anos. Postulou-se a teoria da segmentação colônica, na qual a ação da musculatura lisa em sintonia com as pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria grandemente aumentada, favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede colônica na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.

A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita correlação com a dieta ocidental, há muito sugerem a existência de um fator etiológico presente na dieta. Painter e Burkitt observaram em mais de 1.200 habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110 gamas), exibiam tempo de trânsito intestinal duas vezes maior do que os africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de trânsito intestinal prolongado resultantes de dieta pobre em fibras levariam a significativo aumento das pressões intraluminares e predisporiam à formação de divertículos. No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental, tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para comprovar a evidência epidemiológica.

Com relação à fisiopatologia da diverticulite aguda, uma vez que divertículos estejam presentes, partículas de comida não-digeridas ou fezes ressecadas podem se acumular em seu interior. A obstrução do colo do divertículo por essas substâncias resultaria em aumento da pressão no interior do divertículo e/ou hiperproliferação bacteriana. O divertículo, cuja parede tem espessura de mucosa isolada é altamente susceptível à isquemia e subseqüente perfuração.



4. Quadro clínico e diagnóstico



A – Doença Diverticular Não-Complicada



A maioria dos pacientes com diverticulose permanecerá completamente assintomática durante a vida e frequentemente os divertículos representam achados de sigmoidoscopias ou colonoscopias de rastreamento.

 Por outro lado, pacientes com divertículos podem queixar-se de dor ou sensibilidade abdominal em baixo ventre ou mais caracteristicamente em quadrante inferior esquerdo associada a alterações do hábito intestinal. A dor pode ser acentuada pela refeição e aliviada pela evacuação e “gases” representa uma queixa comumente associada. A constipação pode representar complicação da diverticulose na forma de estenose porém pode fazer parte da etiologia da doença. Da mesma forma, um aumento do número de evacuações pode ser secundária a diminuição da complacência do sigmóide. Ao exame físico, pode ser percebida leve sensibilidade à palpação do quadrante inferior esquerdo. Esse quadro é geralmente distinguido pela denominação de cólica diverticular e representa a manifestação clínica da doença diverticular não-complicada.

O diagnóstico diferencial mais importante a ser estabelecido é com a síndrome do intestino irritável. Se as duas doenças são ou não distintas, não se sabe; no entanto a importância do diagnóstico diferencial diminui uma vez que o tratamento clínico é semelhante e a presença de divertículos não é contra-indicação à intervenção medicamentosa destinada a tratar o intestino irritável. Com relação ao diagnóstico da doença diverticular não-complicada, o enema opaco provê informações com elevada acurácia acerca da presença e da localização dos divertículos de cólon de forma superior à colonoscopia. No entanto, a sensibilidade do exame radiológico para o diagnóstico de pólipos e carcinoma é reduzida se comparada à da colonoscopia especialmente na vigência de divertículos. Daí a importância da realização da colonoscopia diagnóstica especialmente se os sintomas sugestivos de diverticulose não-complicada incluem a alteração do hábito intestinal e emagrecimento. Numerosas séries e anos de experiência demonstraram a segurança do exame colonoscópico cuidadoso na diverticulose não-complicada afastando o temor de que essa afecção representaria relativa contra-indicação à endoscopia do cólon.



B – Diverticulite Aguda



A diverticulite aguda representa a mais freqüente complicação da diverticulose do cólon e estima-se afetar entre 10 e 25% dos pacientes com divertículos do cólon. É resultante de micro ou macroperfuração de um divertículo isolado. A dor no quadrante inferior esquerdo ocorre em 70% dos pacientes com diverticulite aguda e está mais comumente presente por vários dias antes do diagnóstico, o que permite diferenciá-la de outras causas de abdome agudo inflamatório. Em pacientes com cólon sigmóide redundante, a dor em baixo ventre ou mesmo em quadrante inferior direito pode ocorrer. Até metade dos pacientes refere um ou mais episódios semelhantes anteriores. Pode haver história de alteração da freqüência evacuatória (sendo a diarréia a mais freqüente) podendo também haver náuseas e vômitos. Sintomas urinários tais como disúria e urgência podem ocorrer como resultado de proximidade entre o divertículo perfurado e a bexiga. Ao exame físico, a dor à palpação do quadrante inferior esquerdo é característica. Dor à descompressão brusca localizada é freqüentemente observada, porém dor e defesa à palpação de todos os quadrantes devem sugerir a presença de peritonite difusa. Massa palpável pode ser identificada em cerca de 20% dos casos. O achado de massa palpável requer afastar a presença de carcinoma. Febre baixa e leucocitose são comuns porém pode não haver febre ou leucocitose em até 45% dos casos. A leucocitúria pode ser indicativa da infecção no sigmóide adjacente, o que pode ser confirmado pela urocultura estéril. Ainda que 85% dos casos de diverticulite ocorram em cólon descendente e sigmóide, a diverticulite de cólon direito é observada com grande freqüência entre indivíduos asiáticos e cursa de forma mais benigna exigindo atenção no diagnóstico diferencial com apendicite aguda.

Na diverticulite aguda, a localização e magnitude da contaminação determinam a apresentação clínica e o prognóstico. Microperfurações podem permanecer restritas à gordura pericólica entre folhetos peritoneais do mesossigmóide originando apenas um flegmão ou abscesso pericólico. Perfurações maiores podem resultar na formação de abscessos que podem atingir localmente a cavidade peritoneal, exigindo o bloqueio pelo grande omento ou outros órgãos intraperitoneais (intestino delgado, útero e anexos ou bexiga), originando massa palpável ou trajetos fistulosos. Perfurações em peritônio livre são mais raras, porém podem causar peritonite purulenta ou fecal difusas com ou sem pneumoperitônio identificável à radiografia simples do abdome, situações graves e associadas a variável letalidade. Hinchey e cols. publicaram uma classificação para a intensidade do processo inflamatório e infeccioso na diverticulite aguda (Quadro 1).



Quadro 1:
Classificação de Hinchey
1.                  Abscesso pericólico ou mesentérico
2.                  Abscesso pélvico contido
3.                  Peritonite generalizada purulenta
4.                  Peritonite fecal generalizada



 O diagnóstico diferencial da diverticulite aguda é amplo. A apendicite aguda representa a hipótese diagnóstica errônea mais freqüentemente realizada para os indivíduos com diverticulite aguda. A enterite ou colite de Crohn agudas podem se apresentar com dor abdominal, febre e leucocitose. O câncer de cólon ocorre na mesma faixa etária dos pacientes com diverticulite e representa diagnóstico diferencial importante quando contemplados emagrecimento, massa palpável, alteração importante do hábito intestinal e hematoquezia. A hipótese diagnóstica de colite isquêmica deve ser afastada nos pacientes mais idosos ou com doença aterosclerótica coronariana, de carótidas ou femorais. Afecções ginecológicas agudas devem ser lembradas em mulheres.

O diagnóstico da diverticulite aguda não raramente pode ser realizado com base na anamnese e exame físico bem conduzidos. Recomenda-se que, quando a apresentação deixar poucas dúvidas, não sejam realizados exames adicionais para a comprovação do diagnóstico. No entanto, o diagnóstico clínico isolado pode estar incorreto em até um terço dos casos. Além do mais, a comprovação diagnóstica e documentação de uma crise de diverticulite é útil ao planejamento do acompanhamento e da proposta terapêutica, sobretudo se estes vierem a ser conduzidos por outro especialista. As radiografias simples para abdome agudo (abdome em ortostase e em decúbito e tórax) servem ao diagnóstico de pneumoperitônio e de obstrução intestinal, bem como para avaliação da área cardíaca em uma população mais idosa e com comorbidades. Radiografias anormais serão encontradas em 30 a 50% dos pacientes com diverticulite na forma de níveis hidroaéreos em intestino delgado, dilatação colônica ou imagens de macicez sugerindo abscessos. Devido ao seu baixo custo, baixa invasividade e ampla disponibilidade e também devido a algumas possibilidades terapêuticas que oferece, a ultrassonografia transabdominal tem utilidade na diverticulite aguda. Os achados característicos incluem o espessamento hipoecóico da parede do cólon, visibilização de divertículos, abscesso ou hiperecogenicidade pericólica sugerindo flegmão ou mesmo coleções intraperitoneais. Evidências acerca de similar acurácia no diagnóstico da diverticulite aguda pela ultrassonografia se comparada à tomografia computadorizada (TC) também existem. No entanto deve-se levar em consideração que a ultrassonografia é mais dependente do examinador do que a TC e tem sua eficácia significativamente diminuída na presença de distensão abdominal. As ultrassonografias transabdominal e transvaginal prestam-se muito bem ao diagnóstico diferencial com afecções ginecológicas. Achados considerados diagnósticos na diverticulite aguda são o extravasamento de meio de contraste para uma loja fora do cólon , trajeto fistuloso intramural ou em fistulização para outros órgãos. Massa extraluminal que comprime ou desloca o sigmóide é tida como o mais freqüente achado na diverticulite aguda complicada, porém não é específica para o diagnóstico. Obviamente a ausência de divertículos deveria levar a reconsideração do diagnóstico. Esta é a razão para o entusiasmo que ainda cerca o exame contrastado do cólon como método de diagnóstico útil na diverticulite aguda. A realização do enema opaco é segura na diverticulite aguda desde que apenas o contraste hidrossolúvel isolado (sem ar) seja utilizado.

 Com a ampla disponibilidade da TC, o enema opaco assume posição secundária, embora possa ser útil frente a achados tomográficos inconclusivos. Estudos retrospectivos indicam que o enema opaco tem sensibilidade de 62 a 94% para o diagnóstico da diverticulite aguda. Em função da maior sensibilidade da TC para o diagnóstico das repercussões extraluminais e em órgãos vizinhos, menor dependência do operador, avaliação completa da cavidade abdominal, baixa invasividade e possibilidades terapêuticas, muitos preferem e advogam esse método como de escolha, associando-o a maior relação custo-efetividade na diverticulite aguda. Melhores resultados são obtidos pela administração oral, endovenosa e retal de meio de contraste hidrossolúvel. Os critérios para o diagnóstico de diverticulite incluem: espessamento da parede do cólon acometido, a presença de um único ou múltiplos divertículos, achado de abscesso pericólico, ar fora de alça e infiltração da gordura. A tomografia de abdome na diverticulite aguda tem sensibilidade de 90 a 95%, especificidade de 72% e taxa de falsos-negativos entre 7 e 21%.O valor preditivo da TC para o diagnóstico de diverticulite aguda é de 73% para o achado de divertículos em sigmóide, 88% para o achado de inflamação pericólica, 100% quando considerado o achado de espessamento da parede do cólon maior do que 10 mm, e de 85% quando a parede do cólon tem espessura entre 7 e 10 mm. Vale lembrar que a TC isoladamente não é útil ao diagnóstico diferencial entre diverticulite e câncer. Apesar de sua elevada relação custo-efetividade, não é necessária ao adequado manejo de todos os casos, especialmente para as crises leves, nas quais o diagnóstico de diverticulose já está estabelecido, quando não há suspeita de abscesso e para cujos pacientes se instituirá o tratamento ambulatorial sob risco de se elevar desnecessariamente os custos. Tem sua precípua indicação quando há repercussão da doença sobre o estado geral do doente, quando há dúvida diagnóstica e, é claro, na piora clínica. Devido ao risco de desbloqueio de um divertículo já perfurado ou mesmo de nova perfuração resultante da insuflação de ar ou progressão do aparelho, a endoscopia do sigmóide está historicamente contra-indicada na suspeita de diverticulite aguda. No entanto, a sigmoidoscopia cuidadosa é útil para excluir a presença de câncer, colite inespecífica ou isquêmica. Associadamente, a observação de drenagem purulenta proveniente de um divertículo inflamado adiciona acurácia à hipótese de diverticulite. A avaliação colonoscópica completa deve ser realizada entre seis e oito semanas após a crise de diverticulite aguda se já não houver sido realizada anteriormente por outra indicação.



5. Complicações



A – Complicações da diverticulite aguda



O abscesso e a fístula colovesical são as principais complicações de um episódio de diverticulite aguda.

Quando a perfuração de um divertículo ocorre, a capacidade de bloqueio dos órgãos adjacentes determina a intensidade do quadro clínico. Quando o bloqueio não é suficiente para restringir a contaminação a apenas um flegmão, um abscesso intramesocólico ou pélvico pode se formar. Febre persistente, leucocitose acentuada e ausência de melhora com o tratamento clínico representam os sinais mais comuns.

O diagnóstico de abscesso pode ser suspeitado pela ultrassonografia, porém a TC é a melhor modalidade diagnóstica pois permite documentar adequadamente o achado e planejar o tratamento por punção. Quando existe extensão do processo infeccioso na forma de um flegmão ou abscesso em direção a outros órgãos levando a perfurações bloqueadas, fístulas podem ocorrer. Pneumatúria, fecalúria e infecções urinária de repetição ocorrem em mais da metade dos pacientes. O diagnóstico pode ser estabelecido pela TC, a qual evidencia espessamento do cólon sigmóide associado a presença de divertículos e ar no interior da bexiga . A cistoscopia, cistografia e o enema opaco também podem contribuir para o diagnóstico, embora não sejam imprescindíveis à instituição do tratamento cirúrgico. A fístula colovaginal é a segunda mais comum. A passagem de fezes ou ar pela vagina é patognomônica. As fístulas coloentérica, colouterina e colocutânea são raras.



B – Hemorragia digestiva por doença diverticular



Hemorragia gastrintestinal grave pode ocorrer em 3 a 5% dos indivíduos com diverticulose do intestino grosso. Ao contrário da localização mais distal no cólon dos divertículos na população ocidental, a origem do sangramento nesses indivíduos é mais proximal. Existe associação comprovada entre risco de sangramento em pacientes com diverticulose e uso de antiinflamatórios não-esteroidais. A melena é incomum e a hemorragia por doença diverticular manifesta-se na forma de eliminação anal de grande quantidade de sangue vivo inicialmente na companhia de fezes e, posteriormente, na de coágulos, o que acontece com início abrupto e na ausência de dor abdominal. Cólicas abdominais acompanham a necessidade de evacuação.

Ressuscitação imediata por venóclise calibrosa e segura, reposição por cristalóides e concentrado de glóbulos de acordo com a hematimetria e nível pressórico precedem inclusive a investigação diagnóstica na hemorragia digestiva baixa importante. A realização da endoscopia digestiva alta é adequada à exclusão com boa acurácia de origem em trato digestivo alto para o sangramento uma vez que 10 a 15% dos pacientes com hemorragia digestiva baixa podem ter etiologia do sangramento em trato digestivo alto. A realização do exame proctológico com anuscopia não necessita de preparo e é sempre necessária para afastar uma afecção orificial (hemorróidas) ou retal.

A colonoscopia representa o procedimento diagnóstico de escolha desde que o ritmo de sangramento permita a realização do preparo intestinal devido à sua elevada acurácia para o diagnóstico de sangramento de origem colônica bem como devido a possibilidade terapêutica. O preparo intestinal anterógrado é essencial para adequada visão durante o exame. Quando existe instabilidade após ressuscitação ou quando há evidências de persistência de sangramento importante (elevação tímida do hematócrito após reposição e manutenção da enterorragia), o exame indicado é a arteriografia mesentérica.



6. Tratamento



A – Doença Diverticular Não-Complicada



Há duas possibilidades terapêuticas historicamente utilizadas em associação para pacientes com diverticulose sintomática: dieta de fibras e intervenções medicamentosas. Estudos epidemiológicos observacionais do tipo caso-controle suportam evidência de efeito protetor da dieta de fibras sobre o risco de doença diverticular sintomática. Com relação a estudos de intervenção com suplementação de fibras em indivíduos com diverticulose sintomática, a evidência é conflitante. Mesmo diante do conhecimento de que a doença diverticular não regride por modificações dietéticas, indivíduos com diverticulose são estimulados a seguir dieta rica em fibras frente aos benefícios para a saúde que tais dietas oferecem (redução ponderal, dos níveis de gorduras no sangue e do risco coronariano).

Historicamente, pacientes com diverticulose são orientados a evitar a ingestão de sementes e caroços e alertados sobre o risco de que esses alimentos bloqueiam o colo de um divertículo originando diverticulite aguda. Evidência em favor dessa suposição ainda não está disponível. Uma vez documentado o estado de hipermotilidade associado a origem da doença diverticular, sugere-se que antiespasmódicos e anticolinérgicos sejam de utilidade no controle da cólica diverticular e podem ser utilizados sem risco tendo sido excluída a possibilidade de crise de diverticulite aguda.



B – Diverticulite Aguda



A diverticulite aguda não está associada a complicações (abscesso, pneumoperitônio, obstrução ou fístula) em cerca de 70% dos casos e por vezes se decidirá pela necessidade ou não de internação. Por outro lado, a maioria dos pacientes com essas complicações (mais freqüentes em jovens mesmo no primeiro episódio) necessitará de tratamento cirúrgico ainda que muitas dessas operações possam ser convertidas em procedimentos eletivos. A primeira decisão acerca do tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar sua necessidade de internação. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem sinais sistêmicos (febre e queda do estado geral), com trânsito normal e capazes de assumir dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O tratamento inclui dieta sem resíduos, hidratação oral e antibioticoterapia por via oral (metronidazol, ciprofloxacina ou amoxicilina-clavulanato). Melhora sintomática é observada 48 horas, após o que a dieta pode progredir para normalidade. Pacientes submetidos a tratamento ambulatorial devem ser submetidos a ultrassonografia abdominal e avaliação laboratorial por hemograma como mínima investigação. Em contraposição, pacientes muito idosos, diabéticos ou imunossuprimidos, em corticoterapia prolongada, incapazes de tolerar dieta e hidratação oral, com dor abdominal importante, com suspeita de complicações e/ou sem melhora, indica-se a internação hospitalar. Todos os pacientes submetidos a internação devem se submeter a TC. Pacientes hospitalizados inicialmente são tratados por jejum. A critério, podem beber líquidos sem resíduos. Soroterapia de manutenção com cristalóides e eletrólitos é realizada. A antibioticoterapia é mais baseada em consensos do que em ensaios clínicos randomizados. Inclui mais freqüentemente cobertura contra anaeróbios com metronidazol ou clindamicina associados a aminoglicosídeos (amicacina ou gentamicina) ou cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxone, cefotaxima ou ceftazidime). Mais modernamente, a terapia com ertapenem pode ser utilizada nos casos complicados ou não por abscesso.

Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro dias. Piora clínica sugere diagnóstico incorreto ou peritonite generalizada não-detectada, a qual está associada a mortalidade maior do que 30%. Ausência de melhora ou quadro clínico arrastado sugerem presença de abscesso. Para pacientes com crise de diverticulite aguda e para os quais é feito diagnóstico de abscesso com pelo menos 5 cm de tamanho em posição pericólica, opta-se pela drenagem percutânea guiada, o que traz indiscutível melhora clínica em todos os casos sem os riscos da anestesia geral e permite postergar o tratamento cirúrgico para condição eletiva, evitando-se, assim, operações em dois tempos (com construção de colostomia).



C – Tratamento cirúrgico de urgência



Estima-se que 15 a 30% dos pacientes hospitalizados com diverticulite aguda necessitarão de tratamento cirúrgico. Os objetivos do tratamento cirúrgico são: remoção do segmento perfurado (sigmoidectomia), redução da contaminação (lavagem da cavidade), e, quando possível, restabelecimento do trânsito intestinal (anastomose primária). As indicações clássicas de tratamento cirúrgico na urgência são:

1.      Diagnóstico ou suspeita de peritonite generalizada;

2.      Diagnóstico de abscesso inadequado à drenagem por punção transabdominal guiada por ultrassonografia ou TC;

3.      Obstrução intestinal não-aliviada;

4.      Piora clínica evidente (piora da dor, do exame físico ou da leucocitose); e mais raramente,

5.      A incapacidade de se afastar neoplasia.

Mais freqüentemente, reserva-se o tratamento cirúrgico de urgência frente ao diagnóstico de peritonite generalizada, à impossibilidade de drenar um abscesso, se a drenagem não desencadeia melhora clínica ou se há ausência de melhora de um modo geral. Nessas situações, a atenção está centrada na adequada ressuscitação ou preparo pré-operatório (reposição volêmica, antibioticoterapia, avaliação da coagulação e correção de eventual anemia) para laparotomia sem preparo intestinal. O paciente é informado sobre a eventual necessidade de estoma e dessa forma se procede à demarcação deste no pré-operatório. A via de acesso videolaparoscópica não é freqüentemente empregada na situação de urgência, devido a dificuldades técnicas para o manejo da peritonite difusa, da obstrução intestinal e na suspeita de malignidade.

Na situação de peritonite difusa purulenta ou fecal (estágios III e IV da classificação de Hinchey — Quadro 1), há pouca discordância sobre a melhor conduta operatória: a operação em dois tempos. Realiza-se a ressecção do segmento perfurado (sigmoidectomia), colostomia terminal do descendente e sepultamento retal preferencialmente com drenagem pélvica (primeiro tempo). Entre seis e oito semanas, procede-se à reconstrução do trânsito por anastomose colorretal (segundo tempo) que pode ser realizada por videolaparoscopia sem necessidade de nova incisão abdominal. Mortalidade elevada está associada a simples laparotomia e drenagem da cavidade, pois nessa alternativa não há remoção do foco infeccioso.

Frente ao quadro de obstrução intestinal associado a diverticulite aguda, entende-se que a melhor alternativa é proceder à tentativa de descompressão nasogástrica, o que leva o paciente a uma situação semi-eletiva, em que a possibilidade de ressecção do sigmóide com anastomose primária pode ser realizada. Frente ao insucesso da descompressão, a laparotomia deve objetivar afastar a presença de obstrução por neoplasia e remover o cólon sigmóide obstruído por diverticulite. Emprega-se mais freqüentemente a operação em dois tempos como descrita para a peritonite generalizada. As operações em três tempos, quando no primeiro tempo é realizada somente uma colostomia em alça do transverso para a descompressão, caíram em desuso devido à necessidade de o paciente enfrentar mais dois tempos operatórios (sigmoidectomia e fechamento da colostomia), associados a uma morbidade cumulativa muito elevada. A realização de anastomose primária sem a necessidade de confecção de colostomia é uma alternativa realizada mais frequentemente por cirurgiões colorretais se realizado o preparo intraoperatório do cólon ou ainda a operação de colectomia total com anastomose ileorretal.

Pacientes submetidos a operações de urgência para os quais o achado intraoperatório foi o de abscesso localizado ou flegmão (estágios I e II da classificação de Hinchey) podem ser submetidos a ressecção com anastomose primária. A principal contra-indicação para a realização de anastomose primária é a peritonite difusa purulenta ou fecal. As demais contra-indicações são relativas e incluem achados operatórios (abscesso pericólico ou pélvico), condições clínicas (desnutrição, anemia, corticoterapia ou terapia imunossupressora) e experiência do cirurgião.









D – Tratamento cirúrgico eletivo



O risco de recidiva de um episódio agudo de diverticulite aguda situa-se entre 7% e 62%, sendo que a maioria dos pesquisadores estima essa chance em um terço. Metade dessas recidivas ocorre ainda no primeiro ano e 90%, após cinco anos. O seguimento de longo prazo prevê uma incidência de reinternação por crise de diverticulite aguda de 2% ao ano em pacientes submetidos a tratamento clínico com sucesso de episódios pregressos de diverticulite aguda. De modo que a ressecção cirúrgica eletiva não é necessária para muitos pacientes que responderam ao tratamento clínico na primeira crise.

Há, no entanto, risco aumentado de complicações após uma segunda crise de diverticulite aguda, uma vez que o risco de complicações durante um próximo surto agudo atinge 60% e a mortalidade duplica. Apenas 10% dos pacientes após uma segunda crise de diverticulite evolui de maneira assintomática. Como resultado, o tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite está indicado para pacientes após uma crise complicada (abscesso, obstrução ou fístula) e para aqueles que tiveram duas crises necessitando hospitalização. Essa recomendação, no entanto, vem sendo questionada pois alguns autores entendem que a indicação cirúrgica deve ser individualizada e levar em conta as condições clínicas do paciente e o grau de incapacidade que a crise trouxe. Quando se considera a via de acesso videolaparoscópica, a morbidade de uma nova crise deve ser comparada com a do tratamento cirúrgico (significativamente diminuída).

O tratamento cirúrgico eletivo, quando indicado, é realizado dentro de seis a oito semanas após uma crise de diverticulite aguda. Pacientes imunossuprimidos (transplantados e com a síndrome da imunodeficiência adquirida) e aqueles com afecções do tecido conjuntivo são mais susceptíveis a infecção, têm deficiência do processo de cicatrização e maior incidência de complicações da diverticulite aguda. Para esses pacientes, o tratamento cirúrgico eletivo está indicado após o diagnóstico de uma crise de diverticulite aguda. Para os indivíduos jovens, costuma ser oferecido após a primeira crise de diverticulite devido à maior chance de recidiva e também à maior gravidade dos episódios nessa população.

As operações eletivas são realizadas após a realização de preparo intestinal completo e sob antibioticoprofilaxia de amplo espectro. Pratica-se a sigmoidectomia ou a colectomia esquerda com anastomose colorretal manual ou mecânica. A operação pode ser realizada pela via de acesso videolaparoscópica. Contra-indicações relativas à essa via de acesso são a presença de cicatriz abdominal prévia, massa palpável, diagnóstico de fístula e índice de massa corporal maior do que 35 kg/m² . Apesar de constituir ainda em nosso meio técnica associada a maior custo e dependente da experiência do cirurgião, experiências uni e multicêntricas consistentemente demonstraram a segurança e eficácia dessa via de acesso para o tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite aguda. Menor dor, menor duração do íleo pós-operatório e da internação hospitalar já foram demonstrados por estudos retrospectivos e prospectivos comparando a via de acesso convencional com a videolaparoscópica. Frente ao achado de fístula colovesical, o tratamento cirúrgico é fundamentalmente o mesmo. Realiza-se a mobilização para ressecção do sigmóide que inclui a dissecção e identificação da fístula colovesical, o que representa mais propriamente uma perfuração bloqueada. Procede-se à separação dos órgãos e verifica-se a necessidade de rafiar a bexiga.

Há evidências que apontam para risco de recidiva de crises de diverticulite após tratamento cirúrgico de até 10% sendo que pode haver necessidade de reoperação em cerca de 3%. A principal medida objetivando evitar a ocorrência de recidiva sintomática após tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite é de ordem técnica e consiste em realizar a anastomose do cólon descendente diretamente com o reto. Segmento de cólon sigmóide remanescente em posição distal à anastomose parece albergar divertículos capazes de originar complicações.



D – Hemorragia digestiva por doença diverticular



A história natural da doença diverticular hemorrágica é bem conhecida. A hemorragia cessa espontaneamente em 70 a 80% dos casos. O risco de ressangramento, no entanto, é superior a 30%. O risco de um terceiro episódio de sangramento é de 50%. O objetivo do atendimento aos pacientes com hemorragia por doença diverticular é diagnosticar a origem do sangramento (o que nem sempre é possível) e proceder ao tratamento endoscópico quando a hemorragia não houver cessado espontaneamente, postergando a indicação de tratamento cirúrgico para uma situação eletiva.

No que se refere à terapia endoscópica disponível para o sangramento digestivo baixo, não há aparentemente dados na literatura para avaliar a superioridade de qualquer um ou de sua associação. O tratamento cirúrgico de urgência se impõe quando a hemorragia não houver cessado espontaneamente e após o insucesso do tratamento endoscópico. As colectomias segmentares só devem ser realizadas se houver diagnóstico da origem do sangramento. Para os pacientes com sangramento persistente e na ausência de diagnóstico endoscópico ou arteriográfico, a colectomia total deve ser realizada.



FONTE: http://www.abcdasaude.com.br/gastroenterologia/diverticulite-diverticulose-do-intestino-grosso



terça-feira, 23 de setembro de 2014

A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA BRASILEIRA


A catástrofe ocorrida na Clínica Santa Genoveva de repente despertou nosso país para um aspecto ao qual não estava preparado: o Brasil é um país que está envelhecendo. Sempre tivemos o conceito que éramos um país jovem, que o problema do envelhecimento dizia respeito aos países europeus,norte-americanos e Japão. Realmente, nestes países se vive mais, existe uma maior expectativa de vida. No entanto, poucos se deram conta de que desde os anos 60, a maioria dos idosos em números absolutos vivem em países do terceiro mundo e as projeções estatísticas demonstram que esta é a faixa etária que mais crescerá na maioria dos países menos desenvolvidos (figura 1).

A tabela 1 mostra as mudanças que estão acontecendo nos países que terão 16 milhões ou mais de indivíduos com 60 anos ou mais no ano 2025, comparadas com as populações da mesma faixa etária em 1950. Entre os países que terão as maiores populações de idosos daqui a menos de 30 anos, oito se situam na categoria de países em desenvolvimento. Nota-se a substituição das grandes populações idosas dos países europeus pelas de países "jovens", como a Nigéria, Paquistão, México, Indonésia ou Brasil.
Neste final de século, assistimos no Brasil a um verdadeiro "boom" de idosos. A faixa etária de 60 anos ou mais é a que mais cresce em termos proporcionais. Segundo as projeções estatísticas da Organização Mundial da Saúde, entre 1950 e 2025, a população de idosos no país crescerá 16 vezes contra 5 vezes da população total, o que nos colocará em termos absolutos com a sexta população de idosos do mundo, isto é, com mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Este crescimento populacional é o mais acelerado no mundo e só comparável ao do México e Nigéria.
O crescimento demográfico da população brasileira na faixa etária de mais de 60 anos tem sido motivo de grande interesse por parte dos estudiosos da terceira idade em vários países do mundo.
As projeções estatísticas demonstram que a proporção de idosos no país passará de 7,3% em 1991 (11 milhões) para cerca de 15% em 2025, que é a atual proporção de idosos da maioria dos países europeus, os quais tiveram sua transição mais lenta e que ainda não conseguiram equacioná-la. Deve-se recordar que estas projeções são baseadas em estimativas conservadoras de fecundidade e mortalidade, sendo que se houver uma melhoria mais acentuada em nossa zonas mais miseráveis, como o Nordeste, o envelhecimento brasileiro será muito maior. 
O censo populacional de 1991 demonstrou um crescimento populacional bem aquém do esperado por muitos. Estes ainda acreditavam que estavam vivendo no período da "franca explosão demográfica"que ocorreu a partir da segunda guerra mundial, onde a mortalidade começava a declinar e a fecundidade permanecia alta, período que se completou no começo dos anos 60 com o inicio da queda acentuada da fecundidade. Esta ilusão se deve, principalmente, ao fato de ainda assistirmos ao grande aumento de nossas cidades.Este aumento urbano é fruto de uma acelerada e constante migração rural. 
De fato, no Brasil, o principal impacto no setor saúde nesta segunda metade do século tem sido proporcionado pelo aumento absoluto e relativo de nossa população adulta e idosa. Este fenômeno que denominamos de transição demográfica, se caracteriza pela passagem de uma situação de alta mortalidade mais alta fecundidade, com uma população predominantemente jovem e em franca expansão, para uma de baixa mortalidade e, gradualmente, baixa fecundidade.

A Transição demográfica se faz em quatro etapas:
1º) Alta fertilidade/Alta mortalidade: numa primeira etapa tínhamos uma taxa de nascimentos muito alta que era compensada por uma taxa de mortalidade também muito alta. Desta maneira, a população se mantinha mais ou menos estável com uma grande percentagem de jovens na população. Isto era o que acontecia no mundo todo até o início deste século, nos países em desenvolvimento até a metade do século e ainda ocorre em alguns países africanos.
2º) Alta fertilidade/Redução da mortalidade: num segundo momento a taxa de nascimentos continua muito alta e a mortalidade passa a diminuir consideravelmente em relação à etapa anterior, o que ocasiona um crescimento muito grande da população as custas, principalmente, da população jovem: a proporção de jovens na população aumenta. É o que se chamou de "baby boom" ou explosão demográfica que ocorreu intensamente no Brasil nas décadas de 40 e 50 e que ainda ocorre em alguns países asiáticos.
3º) Redução da fertilidade/ Mortalidade continua a cair: numa terceira etapa nós temos uma diminuição da taxa de nascimentos e a de mortalidade continua a cair, o que dará ainda um crescimento da população total mas, já não tão grande, com um aumento da percentagem de adultos jovens e, progressivamente, de idosos. É o que acontece no Brasil e em alguns países da América Latina.
4º) Fertilidade continua a cair/Mortalidade continua a cair em todos os grupos etários: numa quarta etapa a taxa de nascimento cai mais, a mortalidade cai mais, o que dá um certo equilíbrio na quantidade total da população mas com um aumento contínuo da população de idosos. É o que acontece na maioria dos países europeus.
Poderemos chegar no ponto em que a taxa de nascimento cai mais que a taxa de mortalidade, a ter um crescimento negativo da população, que é o que está acontecendo hoje na Dinamarca, Hungria, Canadá e acontecia na Alemanha antes da unificação.
Nos países desenvolvidos o aumento da expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial à época em que ocorreram grandes conquistas do conhecimento médico, na metade deste século. Este fato pode ser ilustrado pelo clássico exemplo de redução da mortalidade nos Estados Unidos da América do Norte publicado em 1981 por Fries e Capro
  • naquele país, no início do século, a taxa de mortalidade por tuberculose era de 194 mortes para cada 100.000 indivíduos por ano.
  • Em 1925, a taxa já estava reduzida pela metade.
  • A partir de 1940, a cada década, a taxa era a metade da de cada década anterior.
As principais razões para esta redução acentuada se deve à elevação do nível de vida da população norte-americana, traduzida por uma urbanização adequada das cidades, melhores condições sanitárias, melhoria nutricional, elevação dos níveis de higiene pessoal e melhoria das condições ambientais, tanto residenciais como no trabalho. Todos esses fatores já estavam presentes quando, no final da década de 40 e no início dos anos 50, foram introduzidos os exames radiográficos, a BCG e uma série de fármacos potentes (isoniazida, PAS e a estreptomicina)
que tiveram um importante papel na mortalidade, incidência e prevalência da tuberculose. No entanto, o processo de queda da mortalidade já estava, há muito, desencadeado naquele país.
Nos países menos desenvolvidos, não vêm ocorrendo desta maneira. Embora milhões de pessoas continuem vivendo em graus absolutos de miséria ou pobreza, as conquistas tecnológicas da medicina moderna (assepsia, vacinas, antibióticos, quimioterápicos e exames complementares de diagnóstico, entre outros), ao longo dos últimos 60 anos, conduziram aos meios que tornaram possível prevenir ou curar muitas das doenças fatais do passado.
A queda da fecundidade somente iniciou-se nos anos 60 e intensificou-se nos anos 70 (Figura 3), o que permitiu a ocorrência no país o fenômeno de uma grande explosão demográfica (anos 40 e 50).
Considerando-se o exemplo do Brasil, a passagem de uma situação de alta mortalidade mais alta taxa de nascimentos para uma de baixa mortalidade e, gradualmente baixa fecundidade, traduz-se numa elevação da expectativa de vida média ao nascer e num aumento, tanto em termos absolutos como proporcionais, de pessoas que atingem idades mais avançadas. De fato: No início do século (1900) a expectativa de vida ao nascimento era de 33,7 anos. Para um brasileiro nascido durante a segunda guerra mundial era de apenas 39 anos. Em 1950 já aumentou para 43,2 anos. Em 1960, a expectativa de vida ao nascimento era de 55,9 anos, com um aumento de 12 anos em uma década. De 1960 para 1980 aumentou para 63,4 anos, isto é, 7,5 anos em duas décadas. De 1980 para 2000 deverá haver um aumento em torno de 5 anos, quando um brasileiro ao nascer esperará viver 68,5 anos. De 2000 para 2025 deverá haver um aumento de 3,5 anos
A figura 4 compara a evolução das expectativas de vida no período de 1950-2025, para os diferentes continentes e para o Brasil em particular:
  • Como observamos, todas as curvas têm uma tendência ascendente, sendo que a do Brasil assume uma inclinação particularmente acentuada, somente comparável à dos países asiáticos, incluindo a China, que também apresentaram um aumento acentuado no período em questão.
  • As projeções mostram uma redução drástica nos diferenciais verificados em meados do século. Por exemplo, em 1950 mais de 25 anos separavam um brasileiro de um norte americano em termos de expectativa de vida ao nascimento. Essa diferença passou, no momento, a ser de bem menos de 10 anos e, as projeções mostram que no ano de 2025 esta diferença será de pouco mais de 4 anos
A principal característica do crescimento da população idosa no Brasil é, sem dúvida, a rapidez com que se dará, de hoje até os meados do século XXI. Na verdade, até o ano de 1960, todos os grupos etários cresciam de forma semelhante à total, desta forma mantendo constante a estrutura etária.
A Figura 5 mostra claramente que a partir de 1960, o grupo com 60 anos ou mais é o que mais cresce proporcionalmente no Brasil, enquanto que a população jovem encontra-se em um processo de desaceleração de crescimento, mais notadamente a partir de 1970 quando o crescimento foi de 18% (1970-1980), comparado com o crescimento da década anterior de mais de 31%.
De 1980 até o ano 2000, o grupo de 0-14 anos deverá crescer apenas 14% contra 107% dos 60 anos ou mais, sendo que a população como um todo crescerá 56%.
Em outras palavras, iniciaremos o novo século com a população idosa crescendo proporcionalmente 8 vezes mais que os jovens e quase 2 vezes mais que a população total.
Estas mudanças significativas da pirâmide populacional começam a acarretar uma série de previsíveis conseqüências sociais, culturais e epidemiológicas, para as quais ainda não estamos preparados para enfrentar.
Segundo dados extraídos do Censo Demográfico de 1991, divulgados no Anuário Estatístico do Brasil, a população idosa brasileira, naquele ano, era de 10,7 milhões, correspondendo a uma população de idosos maior que a Inglaterra e Gales (possuíam 9,8 milhões de habitantes com 60 anos ou mais), e maior que a população total de muitos países europeus, tais como Portugal, Bélgica, Grécia e Suécia. Hoje a população idosa brasileira já passa dos 14 milhões, o que evidencia a importância deste contigente populacional no Brasil.
Entretanto, a infra-estrutura necessária para responder às demandas deste grupo etário em termos de instalações, programas específicos e mesmo profissionais de saúde adequados quantitativa e qualitativamente, ainda é precária.
2- O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL BRASILEIRO E AS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE.
2.1.- Migração Rural:
No Brasil, em 1930, dois terços de nossa população vivia em zonas rurais. Hoje em dia, mais que três quartos vive em zonas urbanas. Este fluxo migratório, que denominamos permanente pelo fato dos migrantes rurais não apresentarem a intenção de retorno a seus lugares de origem, deve-se a várias causas: desemprego rural, diferença salarial campo/cidade, concentração de serviços públicos nas cidades, influência da mídia que cria uma falsa idéia sobre a vida nas grandes cidades, etc
O migrante padrão que chega as nossas grandes cidades é o migrante jovem, o qual, em geral, deixa seus parentes para trás. Para o idoso que teve por toda a sua vida uma grande família, que se caracterizava por uma marcada solidariedade sócio-cultural, com um suporte provido pelos mais jovens, rodeados de muitas crianças, esta mudança pode ser muito complicada, causando desmotivação, sensação de desamparo e sintomas depressivos.
A migração rural que ocorre principalmente as custas do deslocamento da população jovem e, em geral, deixando seus familiares idosos no local de origem, tem proporcionado uma acentuação desse envelhecimento em termos proporcionais. Com isso, justamente nas regiões menos desenvolvidas do país temos as maiores proporções de idosos.
Os migrantes quando chegam a grande cidade, ou vão morar em uma favela, ou, os com melhor situação financeira, vão morar em uma zona proletária. Se, por acaso, o migrante levar consigo sua família e, com isso o idoso também migrar, esta nova situação pode acentuar diversos problemas, tais como dificuldades financeiras, deterioração das condições de saúde, solidão e exposição a violências.
2.2.- Alterações da Estrutura Familiar:
Sabemos que os problemas de saúde podem ser causados ou agravados pela solidão e baixo nível sócio-econômico. Isto torna-se mais intenso no caso de portadores de patologias múltiplas, situação mais comum no idoso e, principalmente, no idoso frágil.
A solidão do idoso hoje em dia, está muito relacionada as alterações que ocorrem na família de hoje. Nos grandes centros urbanos, tem aumentado a proporção de pequenas famílias em detrimento das famílias extensas.
Este fenômeno de redução do tamanho das famílias é progressivo e mundial, tendo motivado as Nações Unidas colocarem, no ano de 1994, a "célula germinativa da sociedade" no centro de interesse. Sob o lema "Família - recursos e tarefas num mundo em transformação", a Assembléia Geral da ONU determinou o ano de 1994 como Ano Internacional da Família.
Se observarmos o número médio de pessoas por domicílio em diversos países representativos de suas regiões em 1993, vamos notar que a pequena família tornou-se a forma de vida típica das nações industrializadas. Com a Dinamarca e a Suécia com o menor número de pessoas por domicílio (2,2), seguidos pela Alemanha (2,3), Inglaterra, Holanda, Áustria e Suíça (2,5), França (2,6), Hungria e EUA (2,7), Itália e Canadá (2,8). Neste ano o Brasil apresentava uma média de 4,2 pessoas por domicílio, o que significava o casal com 2,2 filhos. A nação que apresentou a maior média foi o Iraque (7,8), seguido da Argélia e Jordânia (6,9) e Paquistão (6,7).
A redução do suporte familiar aos idoso relaciona-se também à maior mobilidade das famílias pelo seu tamanho e o número crescente de separações.
2.3.- Suporte Social Comunitário:
O sistema informal de apoio, também denominado de cuidado informal, fornecido por parentes, vizinhos, amigos ou instituições comunitárias, tem sido e ainda se constitui no mais importante aspecto de suporte social comunitário. O mesmo, da mesma maneira e pelos mesmos fatores que estão causando a redução do tamanho das famílias, está progressivamente se reduzindo.
2.4.- O Envelhecimento e a Mulher:
Nós todos sabemos que a mulher, em média, vive mais que os homens. No Brasil, como na grande maioria dos países, o aumento na expectativa de vida ao nascer tem sido mais significativo no sexo feminino. Isto se deve a vários fatores, principalmente pela proteção cardiovascular dada pelos hormônios femininos, mas também pelas mulheres apresentarem: condutas menos agressivas; menor exposição aos riscos no trabalho; maior atenção ao aparecimento de problemas de saúde; melhor conhecimento destes; maior utilização dos serviços de saúde; menor consumo de tabaco e álcool; etc. Também como um fator contributório pode-se citar a moderna assistência médico-obstétrica que tem propiciado uma queda na mortalidade de parturientes.
Diversos trabalhos têm demonstrado que a mulher vem, cada vez mais, adotando hábitos que eram tidos como próprios do homem, como fumar e beber. Além, vem se constituindo numa importante parcela da massa de trabalhadores remunerados. A mulher que tradicionalmente no meio familiar era quem tomava cargo das crianças e idosos, ao assumir um importante papel na força de trabalho, provoca a necessidade de quando este idoso tornar-se enfermo ou incapacitado, do contrato de um cuidador informal remunerado 
A mulher é muito mais solitária na velhice que o homem. Além de viver mais, casa-se mais jovem e, uma vez viúva apresenta uma menor taxa de segundo casamento que o homem viúvo.
Os estudos longitudinais com pessoas idosas têm revelado que a satisfação no trabalho se constitui num dos mais importantes preditores de longevidade entre os homens, mesmo quando a variável taxa de saúde é controlada. Trabalho aqui entendido de maneira ampla, não só trabalho remunerado: trabalho em casa, trabalho voluntário, etc..

2.5.- Trabalho e Aposentadoria:
Entre as mulheres idosas, estes estudos têm demonstrado que a quantidade de atividades em grupos voluntários, tais como em igrejas, clubes e organizações voluntárias, foi um preditor mais importante que a satisfação no trabalho (trabalho como usualmente é conceituado). Este tipo de atividade provavelmente desempenha o mesmo papel para a mulher que o trabalho para o homem, isto é, estimulando: o moral pessoal e a saúde mental; o exercício e o suporte social.
Uma preocupação de muitas pessoas é se a aposentadoria pode causar uma queda na qualidade de vida de um indivíduo. No entanto, trabalhos longitudinais, têm demonstrado que a perda do trabalho não causa comumente uma queda se as variáveis saúde e condição sócio-econômica forem controladas. Desta maneira, não deve-se temer a aposentadoria, se esta for feita voluntariamente, com o indivíduo em bom estado de saúde, com um confortável rendimento e permanecendo socialmente ativo
No entanto, no Brasil rural, a aposentadoria surge geralmente por incapacidades físicas e, tanto aí como em zonas urbanas, aposentadoria usualmente representa uma condição sócio-econômica injusta e inadequada. Muitos de nossos idosos necessitariam trabalhar para completar sua renda e, embora diversos apresentem condições para tal e não haja proibição legal ao idoso trabalhar, praticamente inexistem oportunidades para tal.
Dados do Ministério do Trabalho publicados em 1993 demonstram que no dia 31 de dezembro de 1992 tínhamos no país 161.434 indivíduos com 65 anos ou mais (1,5% do número total desta faixa etária) com empregos formais. Destes somente 1.191 (1,1% do número total de empregados) estava na área de ensino, justamente aonde o idoso poderia dar sua maior contribuição (Fig.8).
2.6.- O Custo Social do Envelhecimento:
Para avaliação do custo financeiro que a parcela improdutiva da população, isto é, idosos e crianças, representam para a parcela produtiva da sociedade, utiliza-se um indicador denominado de coeficiente de dependência. Este é usualmente definido como a razão da população de menos de 15 anos e de 60 anos ou mais para aqueles situados na faixa de 15 anos e 59 anos de idade.
No Brasil, apesar do crescimento absoluto e proporcional da faixa etária com 60 anos ou mais, o coeficiente não se elevou, na verdade decresceu, devido ao fato do grupo etário de 0 a 14 anos ter decrescido muito. No entanto isto não se traduz numa redução do custo financeiro para a parcela produtiva da sociedade (fig. 9). O crescimento da faixa de idosos no coeficiente de dependência representa um custo maior para a sociedade. Em países onde há programas específicos para os idosos, em média, os governos despendem cerca de 3 vezes mais com esse grupo do que com a população de 0 a 14 anos.
3- MUDANÇAS NOS PERFIS DE SAÚDE
Tem-se desenvolvido, dentro deste contexto, uma rápida transição nos perfis de saúde em nosso país que se caracteriza, em primeiro lugar, pelo predomínio das enfermidades crônicas não transmissíveis e, em segundo lugar, pela importância crescente de diversos fatores de risco para a saúde e que requerem, complexamente, ações preventivas em diversos níveis. As doenças infecto-contagiosas que, em 1950, representavam 40% das mortes ocorridas no país, hoje são responsáveis por menos de 10%, enquanto que com as doenças cardiovasculares ocorreu o oposto: em 1950 eram responsáveis por 12% das mortes e hoje representam mais de 40% das mortes em nosso país.
Passamos, em menos de 40 anos, de um perfil de mortalidade materno-infantil, para um perfil de mortalidade por enfermidades complexas e mais onerosas, típicas das faixas etárias mais avançadas. Apesar disso, mesmo em regiões mais desenvolvidas do país, aonde as diferenças são mais marcantes, os sistemas de saúde se caracterizam pela priorização da atenção materno infantil, desconsiderando a nossa realidade epidemiológica.
Na medida em que o nosso país passa por esta rápida transição demográfica e nos perfis de saúde, cresce de importância a necessidade da quantificação dos recursos que a sociedade tem que arcar para fazer frente as necessidades específicas deste segmento etário. Estudos populacionais realizados em São Paulo têm demonstrado que o aumento da sobrevida acarreta um aumento da prevalência de doenças crônicas, perda da independência funcional e da autonomia. Autonomia entendida como o exercício da autodeterminação e Independência Funcional como a capacidade do indivíduo em realizar as suas atividades diárias, como vestir, comer, banhar-se, etc. O funcionamento é o resultado da interação da capacidade do indivíduo e do ambiente que apoia esta capacidade. Nossas cidades, ruas, calçadas, transporte, prédios, casas, etc., que não foram projetadas pensando-se em indivíduos idosos, se constituem em verdadeiras barreiras arquitetônicas à independência funcional da população idosa.
4- O IMPACTO DO ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NO SETOR SAÚDE:
Uma das principais conseqüências desta transformação demográfica se dá no financiamento do setor saúde. Estudos recentes têm demonstrado uma participação desproporcional dos idosos na demanda por serviços de saúde.
Dados do Município de São Paulo demonstram que os pacientes idosos, de uma maneira global, não causam um impacto muito grande nos atendimentos ambulatoriais da rede básica. No entanto, um estudo realizado pela Escola Paulista de Medicina no serviço de Pronto Atendimento do Hospital São Paulo, demonstrou que o paciente idoso procura, freqüentemente em primeiro lugar, a porta do pronto socorro. Este estudo constou do seguimento da trajetória do paciente idoso dentro deste serviço de urgência, onde ficou claro de que a grande maioria dos pacientes não apresentavam problemas urgentes de saúde. Esta distorção, além de custar caro para o sistema de saúde, não resolve os problemas do idoso que em geral são múltiplos e crônicos, necessitando continuidade no tratamento, o que não consegue em serviços destinados ao atendimento de urgências e emergências.
Ao analisarmos os dados de internação hospitalar pelo SUS no ano de 1997, constatamos que no Brasil, o Sistema Único de Saúde pagou um total de 12.715.568 autorizações de internação hospitalare (AIHs) (Fig.8). Destas:
  • 2.471.984 foram consumidas pela faixa etária de 0-14 anos, que em 1996 representava 33,9% da população total. Deve-se levar em consideração que aqui também estão incluídas as diárias dos recém-nascidos em ambiente hospitalar.
  • 7.325.525 foram as consumidas pela faixa etária de 15-59 anos que representava 58,2% da população.
  • 2.073.915 foram as consumidas pela faixa etária de 60 anos ou mais, que representava 7,9% da população total.
  • 480.040 AIHs foram consumidas por indivíduos de idade ignorada. Estas hospitalizações, em sua grande maioria, corresponderam a tratamentos de enfermidades mentais de longa permanência, em geral pessoas acima de 50 anos de idade. Esta parcela de AIHs, por motivos óbvios, foram excluídas dos estudos em que se diferencia o impacto que cada faixa etária causou no Sistema Hospitalar.
A taxa (coeficiente) de hospitalização (número de hospitalizações por 1.000 habitantes de uma faixa etária) foi de 46 para o segmento de 0 a 14 anos (isto é, 46 hospitalizações em um ano por 1.000 indivíduos que possuem entre 0 a 14 anos de vida), 79 para o segmento de 15 a 59 anos e de 165 para o grupo de 60 anos ou mais.
  • O tempo médio de permanência hospitalar foi de 5,1 dias para o grupo de 0-14 anos, 5,1 dias para o grupo de 15-59 anos e 6,8 dias para o grupo mais idoso não foi tão alto do que o observado em países mais desenvolvidos, no entanto, quando observamos o
  • O índice de hospitalização (número de dias de hospitalização consumido por habitante/ano), notamos que cada indivíduo da faixa de 0-14 anos esteve 0,23 dias no hospital no ano de 1996, na faixa de 15-59 anos o índice foi de 0,40 dias e na faixa de 60 anos ou mais, 1,12 dias (isto é, cada brasileiro desta faixa etária consumiu, per capita, 1,12 dias de hospitalização no SUS
  • Se desdobrarmos a faixa etária de 60 anos ou mais em grupos de 5 anos, vamos notar que para cada 5 anos de idade teremos um aumento significativo do índice de hospitalização, desde 0,8 dias na faixa de 60-64 anos até 1,9 dias na faixa de 80 anos ou mais.
  • De um custo total de R$ 2.997.402.581,29, uma grande parcela (23,9) foi consumido pelos idosos, 19,7% pela faixa de 0-14 anos e 57,1% pela de 15-59 anos.
  • O custo médio por hospitalização foi de R$ 238,67 para a faixa etária de 0-14 anos, R$ 233,87 para os entre 15-59 anos e R$ 334,73 para os com 60 anos de idade ou mais.
  • O índice de custo (custo de hospitalização consumido por habitante/ano) foi de R$ 10,93 para o segmento mais novo, de R$ 18,48 para o grupo de 15-59 anos e R$ 55,25 para o de 60 anos ou mais.
A baixa média de permanência hospitalar, quando comparada com outros países, encontrada na população idosa pode ser explicada pelo método de pagamento do governo ao hospital conveniado, que consta de um pagamento global por procedimento, levando em conta somente o tratamento de uma enfermidade: a que motivou a internação hospitalar, e independe do número de enfermidades que o paciente possa apresentar, do tempo de permanência e dos gastos necessários de medicações e de exames complementares. Isto poderia ser uma das explicações para as dificuldades que os idosos têm, em muitas cidades brasileiras, quando necessitam de uma vaga hospitalar. Também, poderia explicar em parte, a alta precoce que muitos idosos recebem, o que estaria levando às freqüentes re-internações dos mesmos.
Com estes dados, podemos concluir que, com o aumento da nossa população idosa, determinados aspectos estão necessitando maiores discussões dentro do Sistema Público de Saúde Brasileiro.
5.- INADEQUAÇÃO DO MODELO ATUAL DE ASSISTÊNCIA E A NECESSIDADE DE MUDANÇAS:
Outra questão a ser respondida é se este aumento nos gastos do setor saúde se traduz em benefício para a população idosa. Os trabalhos têm demonstrado que os recursos econômicos, sociais e de saúde não são adequadamente analisados. As atividades da vida diária não são levadas em conta e o estado nutricional, em geral, é abordado superficialmente.
A não identificação ou não preocupação com os problemas considerados típicos da terceira idade, os assim chamados "Gigantes da Geriatria" apresentam uma alta taxa de prevalência. Um trabalho realizado na cidade de Rio Grande-RS demonstrou:
Incontinência urinária: Foi encontrada uma alta prevalência (31,4%) e somente 21,8% destes foram diagnosticadas. Isto é, 78,2% dos idosos com incontinência urinária não mereceram ter seu problema registrado no prontuário hospitalar. Somente 8% receberam algum tipo de cuidado (sonda urinária ou coletor de urina) e nenhum deles teve sua incontinência investigada.
Instabilidade postural e quedas: Foram relatadas por 18,8% dos pacientes e nenhum foi diagnosticado.
Imobilidade: Foi detectada em 18,4% dos paciente, com uma taxa de diagnóstico de 31,4%, sendo que menos da metade dos diagnosticados receberam tratamento apropriado.
Demência: Foi detectada em 5% dos pacientes e nenhuma foi diagnosticada.
Delirium: Foi detectado em 6,1% dos pacientes e nenhum foi diagnosticado. (O baixo índice encontrado, comparado com a literatura internacional, pode ser explicado pelo fato de que o prontuário somente era aplicado ao paciente 48 horas após sua a entrada no hospital).
Depressão: Usando-se os critérios do DSM III-R, que é o instrumento mais conhecido em nosso meio, encontrou-se uma prevalência de 10,1% de Depressão Maior, sendo que somente um paciente teve seu problema registrado e nem ele recebeu tratamento específico. E, o pior: todos os pacientes deprimidos estavam fazendo uso de pelo menos um fármaco que comprovadamente precipita ou piora depressão.
Diversos trabalhos realizados em nosso país têm confirmado de maneira consistente os achados acima. Exemplificamos com 2 trabalhos realizados pelo Dr. Ulisses Gabriel Vasconcelos Cunha, em Belo Horizonte:
Incontinência Urinária no Idoso Hospitalizado: Foi realizado uma avaliação randomizada em 267 idosos hospitalizados em 2 hospitais de Belo Horizonte, um geriátrico e outro um hospital geral, aonde foram obtidos os seguintes dados:
  • Prevalência de incontinência urinária em 129 pacientes (48,3%).
  • A incontinência urinária havia sido diagnosticada em apenas 34 pacientes (26,4%) e somente 5 tiveram seu problema anotado pelo médico assistente no prontuário.
  • Somente 32 pacientes (24,8%) receberam algum tipo de cuidado (a maioria homens com coletor urinário e mulheres com sonda permanente).
  • Não ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre os dois hospitais.
Depressão Maior em Idosos Hospitalizados em Enfermarias Gerais: Foi realizado uma avaliação randomizada, utilizando-se os critérios do DSM III-R, em 202 idosos hospitalizados (102 homens e 100 mulheres) em um hospital geral de Belo Horizonte, aonde foram obtidos os seguintes dados:
  • Prevalência de 8,9% (14 mulheres e 4 homens).
  • Depressão diagnosticada em somente 3 pacientes.
  • Somente 1 dos deprimidos em uso de antidepressivo (mianserina, 30mg/dia).
  • 8 dos 15 deprimidos não diagnosticados faziam uso de fármacos potencialmente causadores de depressão.
No dia 12/06/96, no momento de fechamento da Clínica Santa Genoveva, foi procedida uma avaliação clínica nos idosos hospitalizados (segundo informações do Escritório de Representação do Ministério da Saúde no Estado do Rio de Janeiro, constituída por médicos clínicos altamente qualificados). No resultado publicado desta avaliação não foi relatado nenhum caso de incontinência urinária, nem de depressão, delirium, demência, instabilidade postural e quedas, além de imobilidade. Estes problemas de saúde, típicos da terceira idade, foram denominados por Bernard Isaacs como os "Gigantes da Geriatria", tendo afirmado que o maior desafio daqueles que cuidam de pessoas idosas seria a prevenção, o tratamento e/ou cuidados dos mesmos.
Em 1997 com a coordenação do Dr. Renato Maia Guimarães, foi apresentado na Revista Brasília Médica, da Associação Médica de Brasília, um trabalho de pesquisa intitulado: Depressão: a morbidade oculta em pacientes idosos cirúrgicos. Este trabalho recebeu prêmio da mesma associação como o melhor trabalho científico do anos publicado na citada revista. O estudo foi do tipo transversal, tendo sido analisados 84 pacientes com idade superior a 60 anos de idade (46 mulheres e 38 homens) submetidos a tratamentos cirúrgicos em 3 hospitais públicos do DF (HUB, HBDF e HRAN). O instrumento utilizado foi a Escala de Depressão Geriátrica e excluiu-se os pacientes em pós-operatório imediato, os sem perspectiva de alta e os incapazes de responderem às perguntas. Foram obtidos os seguintes resultados:
  • 7% dos pacientes apresentaram depressão grave e 37% depressão moderada;
  • a ocorrência de depressão não esteve associada a dor, natureza da patologia ou uso de medicação;
  • nenhum dos pacientes teve sua depressão registrada, ainda que em um dos casos tenha sido solicitada avaliação psiquiátrica;
  • a média de permanência hospitalar foi significativamente maior nos pacientes com depressão grave.
O número de mortes registradas por doença de Alzheimer no Brasil, no ano de 1994, foram de 391 (378 em domicílios e 13 em hospitais), o que está subestimado. Considerando a média das pesquisas teríamos como extrapolação, naquele ano, entre 450.000 a 600.000 casos de demência em nosso país. Considerando que a doença de Alzheimer representa em torno de 50% dos casos de demência e que a sobrevida média de seus portadores seria de 15 anos após o início da mesma, teríamos que ter entre 15.000 a 20.000 casos de morte por ano, isto considerando que a população seja estável. Como tal não ocorre, se fizermos os ajustes para 1985 (10 anos antes) teríamos que ter tido entre 10.000 a 13.500 mortes por doença de Alzheimer em 1994.
Os dados de hospitalização pelo SUS demonstram um desconhecimento desta enfermidade, bem como das outras causas de demência potencialmente reversíveis. Como ilustração, foram registradas somente 197 hospitalizações por doença de Alzheimer em todo o Brasil no ano de 1996. Considerando-se todas as AIHs por demência neste mesmo ano, observamos que foram registrados os seguintes tipos de demência:
HOSPITALIZAÇÕES POR DEMÊNCIA - SUS - 1996
TIPO DE DEMÊNCIA No A IHs $ TOTAL Média Perman. Óbitos
INESPECÍFICA 98.216 46.389.593,77 26,2 dias 304
SENIL 6.831 3.241.740,42 24,9 dias 73
ALCOÓLICA 4.103 1.808.231,52 23,9 dias 8
ARTERIOESCLERÓTICA 1.183 553.651,92 25,4 dias 15
PRÉ-SENIL 981 428.697,30 24,1 dias 1
ALZHEIMER 197 90.982,28 19,4 dias 13
PICK 16 6.783,18 22,9 dias 1
JAKOB CREUTZFELDT 2 1.343,42 22,5 dias 1
TOTAL 114.681 52.521.023,81 25,2 dias 416
Os achados confirmam que o idoso, em relação as outras faixas etárias, consome muito mais do nosso Sistema de Saúde e que este maior custo não reverte em seu benefício. O nosso idoso não recebe uma abordagem médica ou psicossocial adequada em nossos hospitais, também não é submetido a uma triagem de reabilitação. Tem sido encontrado, também, uma alta prevalência de problemas médicos facilmente identificáveis e remediáveis entre os idosos que não são observados pelo médico responsável.
A abordagem médica tradicional do adulto hospitalizado, focada em uma queixa principal e o hábito médico de tentar explicar todas as queixas e sinais com uma única doença, que é comum no adulto jovem, mas raro no idoso (nenhum idoso em nosso estudo apresentou somente um problema de saúde: 75% apresentaram pelo menos 3 problemas médicos concomitantes e 50% apresentaram, pelo menos, 7 problemas concomitantes), tem contribuído decisivamente para as dificuldades na abordagem médica do paciente idoso.
A falta da discussão adequada dos determinantes sócio-econômicos do processo de saúde e enfermidade em nossos Cursos Universitários, se constitui numa das principais causas da inadequada avaliação sócio-econômica do paciente idoso.
6- CONCLUSÕES
6.1.- O desafio do envelhecimento populacional ao setor saúde
Na área da saúde vários são os problemas que afetam atualmente o país. Com a emergência da população idosa esse quadro de precariedade tende a se agravar. É sabido e, vimos anteriormente, que os idosos consomem mais serviços de saúde. Acrescente-se a isso o fato de que as taxas de internação hospitalar são bem mais elevadas quando comparadas a outro grupo etário e o tempo médio de ocupação do leito hospitalar também.
A falta de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais adequados faz, muitas vezes, com que o primeiro atendimento se dê em estágio avançado no hospital, aumentando os custos e diminuindo a possibilidade de um prognóstico favorável. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames complementares, ou seja, exigem o máximo da parfenália do complexo médico industrial.
A cada ano que passa mais 650 mil idosos são incorporados à população brasileira. Já perdemos muito tempo acreditando que ainda somos um país jovem, sem dar o devido crédito às informações demográficas que mostram e projetam o envelhecimento de nossa população.
As enfermidades dos idosos, na imensa maioria das vezes, são crônicas, ou seja, são problemas de saúde que vão perdurar 15, 20 ou mais anos. Portanto, o modelo existente, hospitalar ou asilar, não pode ser a base do sistema. Por outro lado, pensar apenas em tratamento ambulatorial, com medicamentos, exames para-clínicos e idas constantes aos serviços de saúde é, também, se acomodar aos antigos modelos. Temos que ser criativos, propondo alternativas mais eficientes e adequadas. A assistência médica formal, além de cara, não consegue cobrir todas as necessidades dos idosos. Devemos incentivar a criação dos chamados espaços alternativos ou instâncias intermediárias, tais como: hoepital-dia, centros de convivência, além de centros-noite, lares abrigados e protegidos para aqueles que necessitam de cuidados institucionais. Para os demais idosos, devemos incentivar os modelos de avaliação geriátrica ampla, utilizando métodos de screeening, testes de performance e da abordagem epidemiológica dos fatores de risco.
6.2.- Por um novo modelo de atenção integral à saúde do idoso
A idéia de um novo modelo de atenção à saúde do idoso surgiu na Grã Bretanha no final dos anos 30 com os chamados Geriatric Assessment Programs ou Evaluation Units, que poderiam ser traduzidos por Programas de Abordagem ou Avaliação Geriátrica.
O Programa de Avaliação Geriátrica pode ser conceituado como um processo diagnóstico multidimensional, comumente interdisciplinar, projetado para quantificar no idoso suas condições (capacidades e problemas) médicas, psico-sociais e funcionais, com o objetivo de se conseguir um plano terapêutico e de seguimento abrangente.
Este tipo de abordagem foi originalmente elaborado para o cuidado de idosos debilitados, sendo que, quanto mais debilitado for o idoso, maior a utilidade desse tipo de enfoque.
O conceito de abordagem geriátrica se originou com os pioneiros britânicos dos anos 30, como a Dra. Marjory Warren, Dr. Lionel Cosin e Sir Ferguson Anderson. Estes médicos clínicos observaram uma taxa preocupantemente alta de institucionalizações a longo prazo de pacientes idosos debilitados e com alto grau de incapacidade, a maioria dos quais não havia sido submetida a uma avaliação cuidadosa, nem médica, nem psico-social e nem havia sido submetida a uma tentativa de reabilitação.
Estes pratriarcas da Moderna Geriatria identificaram uma alta prevalência de problemas facilmente detectáveis e remediáveis, tanto em pacientes institucionalizados como em não institucionalizados. Eles também observaram que a maioria apresentava uma acentuada melhora quando recebia uma terapêutica apropriada e eram submetidos a um processo de reabilitação.
Os primeiros relatos de programas de abordagem geriátrica foram feitos pela Dra. Marjory Warren, iniciando-se assim o conceito de Unidade de Avaliação Geriátrica. Isto ocorreu no final dos anos 30, quando a Dra. Warren teve a seu cargo uma grande enfermaria em Londres. Esta enfermaria estava repleta principalmente de idosos cronicamente enfermos, confinados ao leito e freqüentemente negligenciados. Ela observou que os mesmos não haviam recebido um adequado diagnóstico médico ou de reabilitação, sendo rotulados como pacientes que necessitavam de institucionalização por toda suas vidas. A alta qualidade dos cuidados de enfermagem mantinha vivos estes pacientes, enquanto a falta de uma avaliação médica e de reabilitação os mantinha incapazes.
A Dra. Warren avaliou sistematicamente estes pacientes, iniciando uma mobilização ativa e uma reabilitação seletiva. Ela conseguiu libertar do leito a maioria dos idosos que estavam presos aos mesmos e, em um grande número de casos, conseguiu até dar alta aos idosos que, desta maneira, puderam retornar aos seus lares.
Como resultado de suas experiências, passou a advogar a idéia de que cada paciente idoso deveria receber uma avaliação compreensiva (abrangente) e uma tentativa (experiência) de reabilitação antes de ser admitido em um leito hospitalar de longo prazo ou "Nursing Home".
Do trabalho destes pioneiros emergiram dois princípios básicos da geriatria:
(1) - Muitos idosos necessitam, para seus cuidados, de uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais ampla que os pacientes mais jovens.
(2) - Nenhum paciente deve ser admitido em um serviço de cuidados a longo prazo sem uma prévia e cuidadosa avaliação médica e psico-social e, para a maioria dos pacientes, deve-se fazer uma triagem de reabilitação.
Este sistema, também designado de "Cuidado Geriátrico Progressivo", tem sido modelo para o cuidado de pacientes idosos em diversos países.
Aspectos específicos deste modelo de cuidados progressivos diferem de um local para outro, mesmo na Grã Bretanha. Não há uma total concordância quanto a idade do paciente que limita os Serviços de Medicina Interna do de Cuidados Geriátricos (Exs: 65, 70 ou 75 anos). Vários países construíram ou estão construindo sistemas de cuidados geriátricos de maneira similar ao Sistema Britânico, todos tendo as Unidades de Avaliação Geriátrica como a porta de entrada do Sistema de Cuidados de Saúde.
Objetivos de um programa de avaliação geriátrica
(1) O primeiro objetivo de um programa de avaliação geriátrica é a melhoria da acuracidade diagnóstica, diagnóstico não somente significando diagnóstico médico, mas também de problemas funcionais, psicológicos e sociais. A natureza multiprofissional e multidimensional da avaliação Geriátrica é vital, devido no idoso ser muito mais freqüente e intensa a multiplicidade de problemas e a interação entre as enfermidades física e psicossociais, o que causa dificuldades para uma única profissão conseguir atingir um diagnóstico compreensivo (abrangente) e acurado.
(2) A melhora na acuracidade diagnóstica pode levar a uma melhoria no tratamento. Altos índices de regimes medicamentosos inadequados e doenças iatrogênicas têm sido documentados em idosos e, dados preliminares sugerem que uma abordagem (avaliação) cuidadosa pode ajudar na melhora destes problemas.
(3) A determinação de uma ótima colocação do paciente após o programa de avaliação e cuidados iniciais que evitem o uso inapropriado de serviços institucionais, tem sido um dos objetivos principais da maioria dos Programas de Avaliação Geriátrica, tanto pela compaixão, como pelos custos (melhor uso dos serviços de saúde).
(4) Todos estes objetivos, se atingidos, podem ter efeitos benéficos, tanto para o aumento da sobrevida como da qualidade de vida.
(5) A educação e a pesquisa são aspectos importantes de alguns programas e podem afetar profundamente a estrutura dos mesmos. A maioria dos programas de avaliação são objetivados para a obtenção de dados acurados, para documentação da melhora do paciente no tempo e, para qualificar os propósitos da avaliação.
As variações entre os programas em geral estão relacionadas a escolha dos objetivos do mesmo. Embora a avaliação seja comum a todos, muitos também incluem tratamento e reabilitação. Alguns também incluem cuidados de agudos.
Outro aspecto que varia bastante entre os diversos programas existentes é a respeito dos critérios de inclusão e exclusão baseados na idade cronológica. Embora o critério de idade seja estabelecido arbitrariamente, os programas em geral incluem 65 anos como idade mínima com a finalidade de que a sua "vocação geriátrica" não se transforme num programa para cuidados de pacientes crônicos de qualquer idade.
Alguns programas possuem uma orientação psicogeriátrica, aceitando principalmente pacientes com problemas de demência ou depressão.
Avaliação geriátrica ampliada
A abordagem de avaliação varia entre os programas, sendo que a maioria inclui uma avaliação multidimensional, incluindo as áreas de saúde física, estruturas de suporte social, estado psicológico e habilidade funcional.
Alguns programas utilizam uma bateria de testes compreensivos (abrangentes) ou instrumento multidimensional para realizar a avaliação; outros utilizam alguns instrumentos unidimensionais já existentes, ajustados ao seu programa particular; enquanto que outros apoiam-se principalmente em julgamentos, não usando nenhum instrumento em particular.
AVALIAÇÃO GERIÁTRICA MULTIDIMENSIONAL (MENSURAÇÃO)
SAÚDE FÍSICA
  Diagnósticos presentes
  Indicadores de severidade
  Quantificação dos serviços médicos usados
  Autoavaliação dos problemas de saúde
SAÚDE PSICOLÓGICA
  Testes de função cognitiva
  Testes de função afetiva
PARÂMETROS SOCIAIS
  Recursos disponíveis
  Necessidades de suporte
INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL/AUTONOMA
  Atividades básicas da vida diária
  Atividades instrumentais da vida diária
Em alguns programas cada membro da equipe realiza avaliações somente relacionadas à sua área de competência, enquanto em outros um único membro preenche o instrumento completo.
Muitos programas tratam de assegurar confiabilidade e validade à seus instrumentos, enquanto outros utilizam instrumentos já validados em outros locais, com uma sensibilidade e especificidade já conhecidas. Alguns programas utilizam instrumentos cujos dados são facilmente computadorizados, enquanto que outros não se preocupam com a tabulação dos dados.
Embora a avaliação geriátrica em si não requeira instrumentos e escalas específicas, o uso de instrumentos de fácil aplicação e que sejam bem validados torna o processo de avaliação mais confiável e consideravelmente mais fácil de ser ensinado. Além do mais, estes instrumentos facilitam a troca de informações de maneira mais fácil de serem entendidas, quer entre serviços, quer entre os diversos membros da equipe, facilitando o trabalho de grupo, fornecendo dados válidos para serem tabulados e, a medida do progresso terapêutico no tempo.
Têm surgido vários trabalhos atuais que analisam em detalhes os diversos instrumentos de avaliação geriátrica existentes, descrevendo detalhadamente aqueles que possam ser melhores para um programa em particular. Em nossa experiência, os instrumentos mais úteis na suplementação da avaliação clínica padrão, isto é, história e exame físico, têm sido:
1- Instrumentos de avaliação mental: triagem da função cognitiva e do afeto.
2- Estado funcional global: escalas de atividades básicas e instrumentais da vida diária.

Fonte: http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_exibe1.asp?cod_noticia=91