ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Descoberta da Estrutura do DNA: de Mendel a Watson e Crick

A Descoberta da Estrutura do DNA: de Mendel a Watson e Crick

Originalmente publicado em Química Nova na Escola, n.17, 2003
Apoio: Sociedade Brasileira de Química
Edição: Leila Cardoso TeruyaCoordenação: Guilherme Andrade Marson
Em abril de 2003, o mundo celebrou o cinqüentenário da descoberta da estrutura em dupla hélice do ácido desoxirribonucléico, mais conhecido como DNA - sua sigla do Inglês (Watson, 1968; Crick, 1990). A importância dessa descoberta, talvez a mais importante da história da Biologia moderna, reside no fato do DNA de cada célula conter toda a informação genética para as características e funções da mesma. Essa conquista seminal da Ciência está sendo celebrada de diversas formas por ter atualmente um alcance profundo em nosso cotidiano. Com o rápido desenvolvimento científico e tecnológico na área de Biotecnologia, em grande parte iniciado por essa descoberta, diversos aspectos da sociedade moderna estão sendo afetados.

Esse feito envolveu três instituições de pesquisa. O Laboratório Cavendish na Universidade de Cambridge, a Unidade de Biofísica do King’s College, ambos na Inglaterra, e nos Estados Unidos da América, o Instituto de Tecnologia da Califórnia (mais conhecido pela sigla Caltech), em Pasadena, onde houve a contribuição do trabalho de Linus Pauling (1901-1994).

O conceito de que a informação genética das células e dos organismos vivos que determina as características de cada ser vivo está contida nas moléculas de DNA é bem aceito na atualidade, mas nem sempre foi assim. Um grande número de pesquisadores contribuiu para que a função do DNA fosse finalmente identificada.

Primeiros passos
Os primeiros conceitos de genética, publicados em 1865, foram desenvolvidos por um monge austríaco, Gregor Mendel (1822-1884), que trabalhando sozinho deduziu, a partir de experimentos muito bem elaborados com plantas de ervilha, que algumas características são herdadas em “unidades” (Figura 1A). Esse trabalho não foi notado pela comunidade científica até ser descoberto por Hugo De Vries (1848-1935) e seus colaboradores, em 1900, os quais estabeleceram as leis da hereditariedade (Figura 1B). Muito tempo se passou e diversas descobertas foram realizadas descrevendo a composição química das células.

Figura 1: (A) Gregor Mendel e seu jardim no monastério onde realizou os experimentos de cruzamento com plantas de ervilhas, os quais levaram-no a desenvolver suas teorias da hereditariedade. (B) Hugo De Vries; em 1900, ele e seus colaboradores redescobriram os trabalhos de Mendel e formularam as leis da hereditariedade.
Figura 1: (A) Gregor Mendel e seu jardim no monastério onde realizou os experimentos de cruzamento com plantas de ervilhas, os quais levaram-no a desenvolver suas teorias da hereditariedade. (B) Hugo De Vries; em 1900, ele e seus colaboradores redescobriram os trabalhos de Mendel e formularam as leis da hereditariedade.
Poucos anos após os trabalhos de Mendel, em 1868, um jovem pesquisador, Friedrich Miescher (1844-1895), purificou uma nova substância no material nuclear de células, chamada de nucleína (Figura 2). Essa descoberta não causou grande interesse na época, pois a maioria se interessava principalmente pelas proteínas que estavam contidas no núcleo das células.

Figura 2: Friedrich Miescher e seu laboratório, onde realizou as purificações e descobriu a nucleína.
Figura 2: Friedrich Miescher e seu laboratório, onde realizou as purificações e descobriu a nucleína.
A primeira sugestão apontando o DNA como repositório do material genético de uma célula veio do trabalho de Walther Flemming (1843-1905) que, em 1882, descobriu o processo de mitose e o comportamento dos cromossomos durante a divisão celular. Essa descoberta, porém, não tornou o DNA o principal candidato ao posto de carreador da informação genética. Uma série de descobertas descrevem o DNA como um polímero que contém apenas quatro formas químicas diferentes: os nucleotídeos adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T) (Figura 3). Em particular, o trabalho de Phoebus Aaron Theodor Levene (1869- 1940), que fez contribuições importantes nesse aspecto e, em 1909, propôs a “teoria do tetranucleotídeo” (Figura 4). Por essa teoria, o DNA seria composto por repetições monótonas desses quatro nucleotídeos. Dessa forma, uma molécula com essa característica, certamente não carregaria informação química suficiente para codificar todas as características necessárias à manutenção de uma célula e à hereditariedade. Pensava-se que essa complexidade esperada do material genético seria satisfeita apenas por proteínas, que são polímeros de 20 aminoácidos.

Figura 3: As unidades do DNA são formadas por um nucleotídeo que é composto por um açúcar (pentose) e uma base nitrogenada. Essa base nitrogenada pode ser de dois tipos, uma purina ou uma pirimidina. Além do DNA, as células também possuem moléculas de RNA (sigla do Inglês para ácido ribonucléico). Este é diferente do DNA por sua molécula ter um outro OH na posição 2’ da pentose (o DNA possui um H) e, ao invés da base timina (T), ter a base uracil (U).
Figura 3: As unidades do DNA são formadas por um nucleotídeo que é composto por um açúcar (pentose) e uma base nitrogenada. Essa base nitrogenada pode ser de dois tipos, uma purina ou uma pirimidina. Além do DNA, as células também possuem moléculas de RNA (sigla do Inglês para ácido ribonucléico). Este é diferente do DNA por sua molécula ter um outro OH na posição 2’ da pentose (o DNA possui um H) e, ao invés da base timina (T), ter a base uracil (U).
Figura 4: A teoria do tetranucleotídeo foi introduzida por Phoebus A.T. Levene, juntamente com inúmeras importantes contribuições de seu trabalho na caracterização química do DNA.
Figura 4: A teoria do tetranucleotídeo foi introduzida por Phoebus A.T. Levene, juntamente com inúmeras importantes contribuições de seu trabalho na caracterização química do DNA.
Apesar disso, a pesquisa com o DNA prosseguiu e, em 1909, um geneticista dinamarquês, Wilhelm L. Johannsen (1857-1927), cunhou o nome “gene” para a unidade descrita por Mendel e, em 1911, Thomas Hunt Morgan (1866-1945), trabalhando com a mosca da fruta, Drosofila melanogaster, mostrou pela primeira vez que os genes estão arranjados de forma linear nos cromossomos (Figura 5).

Figura 5: (A) Wilhelm Johannsen fotografado durante uma apresentação a seus alunos; foi o responsável por cunhar o nome “gene” para a unidade de transferência da hereditariedade. (B) Thomas H. Morgan; trabalhando com moscas de fruta ( Drosophila melanogaster ), identificou que os genes estão arranjados em seqüência nos cromossomos.
Figura 5: (A) Wilhelm Johannsen fotografado durante uma apresentação a seus alunos; foi o responsável por cunhar o nome “gene” para a unidade de transferência da hereditariedade. (B) Thomas H. Morgan; trabalhando com moscas de fruta (Drosophila melanogaster), identificou que os genes estão arranjados em seqüência nos cromossomos.
Evidências sobre o papel do DNA
As evidências experimentais de que o DNA é o material genético surgiram de uma série de experimentos muito elegantes realizados a partir de 1928. Nesse ano, Frederick Griffith, usando extratos químicos, converteu inócuas bactérias de pneumonia na sua forma patogênica. A natureza desse fator de hereditariedade não foi sugerido por ele na ocasião.

Em um interessante livro de 1943, intitulado What is life?, Erwin Schrödinger (1887-1961) apresentou o conceito dos genes serem a componente chave das células vivas ( Schrödinger, 1997). Entretanto segundo os paradigmas da época, ele supôs que os genes seriam uma classe especial de proteínas. Mas logo no ano seguinte, em plena 2ª Guerra Mundial, Oswald T. Avery (1877-1955) e seus colegas, Colin MacLeod (1909-1972) e Maclyn McCarty (1911-) - Figura 6, baseados nas observações de Griffith, demonstraram ser o DNA a molécula responsável pelo princípio transformante. O experimento definitivo surgiu somente em 1952, com os elegantes experimentos de Alfred Hershey (1908-1997) e Martha Chase (1930-) - Figura 7. Dessa forma, ficou consolidada a noção de que o material genético é constituído de moléculas de DNA e não de proteínas, como alguns pesquisadores ainda acreditavam até então. Com isso se tornou de grande importância a descoberta da estrutura dessa intrigante molécula, pois já se especulava que uma descoberta dessa natureza revelaria como a informação é armazenada no DNA e como ela seria transmitida de um indivíduo para seu descendente.

Figura 6: Oswald T. Avery (esq.) e seus colaboradores Colin MacLeod e Maclyn McCarty demonstraram o princípio transformante proposto por Frederick Griffith em 1928.
Figura 6: Oswald T. Avery (esq.) e seus colaboradores Colin MacLeod e Maclyn McCarty demonstraram o princípio transformante proposto por Frederick Griffith em 1928.
Figura 7: Martha Chase e Alfred Hershey; em seus experimentos com bacteriófagos, vírus que infectam bactérias, demonstraram definitivamente que o DNA é o material responsável pela transmissão dos caracteres hereditários.
Figura 7: Martha Chase e Alfred Hershey; em seus experimentos com bacteriófagos, vírus que infectam bactérias, demonstraram definitivamente que o DNA é o material responsável pela transmissão dos caracteres hereditários.
Uma descoberta fundamental para tal foi realizada por Erwin Chargaff (1905-2002), em 1950 (Figura 8). Chargaff investigou a composição do DNA de diversos organismos e concluiu que a composição de bases do DNA varia entre as espécies, mas que amostras de DNA isoladas de diferentes tecidos da mesma espécie têm a mesma composição de bases (A, C, T e G). Ele também pôde observar que a composição de bases do DNA numa dada espécie não muda com a idade do organismo, estado nutricional ou mudanças ambientais. Sua observação mais importante, porém, talvez tenha sido de que em todos os DNA celulares, não importa qual a espécie, o número de bases adenina é igual ao de timina (A = T) e o de guanina é igual ao de citosina (G = C). Essa passou a ser conhecida como “Regra de Chargaff” (Figura 8).

Figura 8: Erwin Chargaff; após inúmeros estudos da composição do DNA em diversos tecidos e varias espécies, concluiu que a ocorrência das quatro bases no DNA obedece às relações A = T e C = G. Esta regra é conhecida como “Regra de Chargaff”.
Figura 8: Erwin Chargaff; após inúmeros estudos da composição do DNA em diversos tecidos e varias espécies, concluiu que a ocorrência das quatro bases no DNA obedece às relações A = T e C = G. Esta regra é conhecida como “Regra de Chargaff”.
Passos para a descoberta da estrutura do DNA
Entre 1944 e 1945, Maurice Wilkins (1916-) - Figura 9 - trabalhava em processos de separação de isótopos de urânio com espectrógrafos de massa no Projeto Manhattan, em Berkeley (EUA). Nesse período, leu o livro de Schrödinger e se interessou pelo tema. Depois de ler os artigos publicados pelo grupo de Avery, Wilkins supôs que o DNA era o transmissor da hereditariedade e, em 1947, foi para Londres trabalhar com John T. Randall (1905- 1984) - Figura 9 - sobre vários temas ligados ao DNA, na récem-criada Unidade de Biofísica do King’s College. Iniciou os primeiros experimentos de difração de raios X com fibras de DNA em 1950, depois de receber uma pequena quantidade de DNA muito puro de Rudolph Signer, um bioquímico suíço.


Figura 9: Rosalind E. Franklin trabalhou com Maurice Wilkins no estudo do DNA. Wilkins e John Randall trabalharam juntos na Unidade de Biofísica do King’s College em Londres.
Figura 9: Rosalind E. Franklin trabalhou com Maurice Wilkins no estudo do DNA. Wilkins e John Randall trabalharam juntos na Unidade de Biofísica do King’s College em Londres.
Os experimentos de difração de raios X realizados no laboratório de Wilkins foram conduzidos por Rosalind Elsie Franklin (1920-1958) - Figura 9, que se juntou à Unidade de Biofísica do King’s College em novembro de 1951 para trabalhar com DNA (sobre Franklin, vide Farias, 2001 ou Maddox, 2002). Ela produziu fibras muito finas de DNA e as irradiou com um feixe ultrafino de raios X. Em pouco tempo ela descobriu que o DNA se apresentava em duas formas diferentes, as quais denominou de A e B (Figura 10). A forma A, facilmente fotografada, correspondia a fibras de DNA desidratadas, enquanto a forma B correspondia a fibras molhadas de DNA. Apesar de mais difícil de registrar com os raios X, a forma B mostrava um padrão compatível com uma hélice (Figura 10). Uma vez que a água poderia ser atraída pelos grupos fosfato do DNA, e este poderia ser facilmente hidratado e desidratado, ela sugeriu que os fosfatos do DNA se localizavam no exterior da hélice e as bases nitrogenadas (A, C, G e T) estariam assim voltadas para o interior.

Figura 10: Duas fotos de difração de raios-X obtidas por Rosalind ranklin e Maurice Wilkins do DNA desidratado (A) e hidratado (B). O exame da foto de difração do DNA B permitiu a Watson e Crick concluírem diversas características da hélice.
Figura 10: Duas fotos de difração de raios-X obtidas por Rosalind ranklin e Maurice Wilkins do DNA desidratado (A) e hidratado (B). O exame da foto de difração do DNA B permitiu a Watson e Crick concluírem diversas características da hélice.
Ao mesmo tempo, no Caltech, Pauling (Figura 11) também estava trabalhando para resolver a estrutura do DNA, com o uso de poucos dados experimentais: apenas algumas fotos de difração de fios de cabelo e seu aguçado bom-senso químico. Essas duas ferramentas, associadas ao uso de modelos moleculares, levaram Pauling a deduzir a estrutura em hélice alfa para as proteínas.

Figura 11: Linus Pauling, fotografado com modelos da estrutura alfa hélice de proteínas, também se dedicou a resolver a estrutura do DNA.
Figura 11: Linus Pauling, fotografado com modelos da estrutura alfa hélice de proteínas, também se dedicou a resolver a estrutura do DNA.
A descoberta da estrutura do DNA
Nesse mesmo ano, Francis Harry Crick (1916-) - Figura 12 - estava trabalhando em sua tese de doutorado no Laboratório Cavendish, estudando a estrutura cristalina da hemoglobina, sob orientação de Max Perutz (1914- 2002). Crick se formou em Física e durante a 2ª Guerra trabalhou para o Almirantado Britânico, indo estudar Biologia em 1947. Em 1949 se juntou à unidade chefiada por Max Perutz e sir William Lawrence Bragg (1890-1971) - Figura 12. Nesse período, Crick conheceu James Dewey Watson (1928-) - Figura 12 -, que muito influenciou sua carreira.

Figura 12: Francis Crick e James Watson foram trabalhar juntos em Cambridge sob a supervisão de Max Perutz e John Kendrew, respectivamente, no grupo liderado por sir William Lawrence Bragg.
Figura 12: Francis Crick e James Watson foram trabalhar juntos em Cambridge sob a supervisão de Max Perutz e John Kendrew, respectivamente, no grupo liderado por sir William Lawrence Bragg.
Watson, formado em Biologia e com um doutorado em Zoologia estudando o efeito de raios X na multiplicação de bacteriófagos (vírus que infectam bactérias), realizou seu primeiro ano de pós-doutorado em Copenhagen. Nessa época, conheceu Wilkins em um simpósio em Nápoles. Ao assistir a palestra de Wilkins, ficou estimulado pelas imagens de difração de DNA e decidiu mudar o rumo de sua pesquisa. No outono de 1951, mudouse para o Laboratório Cavendish, trabalhando sob a supervisão de John C. Kendrew (1917-1997) – Figura 12. Em pouco tempo Crick e Watson se tornaram amigos e descobriram seu interesse comum pela estrutura do DNA. Eles consideraram que seria possível resolver a estrutura do DNA baseados nas imagens de difração obtidas por Franklin e Wilkins, do King’s College, e por um cuidadoso exame das configurações estereoquímicas da cadeia de polinucleotídeos. A abordagem seria semelhante à usada por Pauling, usando modelos e dedução lógica. A primeira investida de Watson e Crick para resolver a estrutura foi naquele mesmo outono de 1951. Crick se encarregou de realizar os cálculos teóricos fundamentais sobre a difração de hélices. Nessa mesma época Watson foi assistir a um seminário de Franklin no King’s College sobre seus dados de difração; porém, por não tomar nota dos dados apresentados por ela, errou a quantidade de água estimada por Franklin nas fibras de DNA. Baseados nessa informação incorreta, eles decidiram que a hélice de DNA deveria ser composta por três cadeias de nucleotídeos. Para poderem obter a regularidade de hélice observada nos experimentos de difração, decidiram que os fosfatos estariam posicionados para o interior da estrutura e não, para o exterior. Para compensar as cargas negativas dos fosfatos, adicionaram ao modelo íons magnésio no interior da hélice (Figura 13).

Figura 13: (A) Se sabia que o DNA era um polímero de nucleotídeos, onde um nucleotídeo e o seguinte são unidos por uma ligação tipo fosfodiester. Esse fosfato confere a característica ácida ao DNA. (B) Primeira proposta de Watson e Crick para a estrutura do DNA: uma tripla hélice com os fosfatos no interior e as bases para fora (no modelo, para compensar as cargas negativas dos fosfatos, eles introduziram íons de magnésio).
Figura 13: (A) Se sabia que o DNA era um polímero de nucleotídeos, onde um nucleotídeo e o seguinte são unidos por uma ligação tipo fosfodiester. Esse fosfato confere a característica ácida ao DNA. (B) Primeira proposta de Watson e Crick para a estrutura do DNA: uma tripla hélice com os fosfatos no interior e as bases para fora (no modelo, para compensar as cargas negativas dos fosfatos, eles introduziram íons de magnésio).
No ano seguinte, o filho de Linus Pauling, Peter, foi para Cambridge fazer doutorado com Kendrew. Por intermédio dele, Watson e Crick ficaram sabendo de um artigo de Pauling descrevendo a estrutura do DNA como uma tripla hélice, à semelhança da estrutura em que estavam trabalhando. Rapidamente perceberam o erro, pois os fosfatos para o interior da estrutura os tornariam protonados e assim o DNA perderia o seu caráter ácido.

Esse erro de Pauling estimulou-os a retomarem com vigor essa linha de pesquisa, pois sabiam que não demoraria muito para Pauling perceber o seu erro e corrigi-lo. Em uma discussão com Wilkins no King’s College sobre o artigo de Pauling, Watson viu novamente as figuras de difração do DNA na forma hidratada (B), obtidas por Franklin, e ficou sabendo de sua conclusão de que os fosfatos deveriam estar do lado de fora da hélice.

Depois de seguidas tentativas, em 28 de fevereiro de 1953 Watson fez modelos das bases (A, C, G e T) em pedaços de cartão (Figura 14), na tentativa de identificar possíveis modos de interação. Percebeu então que os pares A - T e C - G formavam ligações de hidrogênio, resultando em pares de dimensões quase idênticas, o que permitiria que a hélice se mantivesse com o mesmo diâmetro, independente do pareamento de bases no interior. Esse arranjo satisfez à regra proposta por Chargaff, pela qual A = T e C = G. Depois de trabalharem sobre esse modelo por mais alguns dias, refinando o mesmo para que fosse coerente com os dados de difração de raios X, eles chegaram ao modelo final (Figura 14).

Figura 14: Empregando as bases desenhadas em cartões, Watson percebeu como deveriam se formar pontes de hidrogênio entre elas e a importância da relação de Chargaff. Nesta figura está ilustrada a primeira hipótese na qual o número de pontes de hidrogênio entre C e G é de apenas duas. Posteriormente verificaram a possibilidade de se formarem três pontes entre C e G. Finalmente, após alguns refinamentos no modelo, chegaram à proposta final da estrutura do DNA.
Figura 14: Empregando as bases desenhadas em cartões, Watson percebeu como deveriam se formar pontes de hidrogênio entre elas e a importância da relação de Chargaff. Nesta figura está ilustrada a primeira hipótese na qual o número de pontes de hidrogênio entre C e G é de apenas duas. Posteriormente verificaram a possibilidade de se formarem três pontes entre C e G. Finalmente, após alguns refinamentos no modelo, chegaram à proposta final da estrutura do DNA.
Pouco depois, em março, Wilkins e Franklin visitaram o laboratório onde trabalhavam Watson e Crick para ver o modelo (Figura 15). Nessa ocasião, Franklin mostrou seus dados que inquestionavelmente posicionavam os fosfatos para fora da hélice. Em uma visita subseqüente de Linus Pauling, eles mostraram o modelo que foi rapidamente aprovado por Pauling. Em 2 de abril de 1953 submeteram seu modelo da estrutura do DNA em um artigo para a renomada revista Nature. A esse artigo seguiu-se a proposta de um esquema de replicação da molécula de DNA (mostrado na Figura 15, à direita).

Figura 15: Famosa fotografia de Watson e Crick explicando seu modelo aos visitantes do laboratório. A informação de Franklin de que os fosfatos deveriam estar do lado de fora da molécula foi crucial para a montagem do modelo.
Figura 15: Famosa fotografia de Watson e Crick explicando seu modelo aos visitantes do laboratório. A informação de Franklin de que os fosfatos deveriam estar do lado de fora da molécula foi crucial para a montagem do modelo.
No ano seguinte, Crick obteve seu título de doutor com a tese “Difração de raios X: polipeptídeos e proteínas”. Mais tarde, e em colaboração com Sydney Brener, Crick contribuiu com avanços fundamentais no campo da síntese de proteínas e do código genético.

Em 1962, Crick, Watson e Wilkins compartilharam o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia pela descoberta da estrutura do DNA. No mesmo ano, Perutz e Kendrew dividiram o Prêmio Nobel de Química pelos estudos estruturais de proteínas globulares (Figura 16).

Figura 16: Foto de Maurice Wilkins, John Steinbeck, John Kendrew, Max Perutz, Francis Crick e James Watson, quando do recebimento dos Prêmios Nobel de Medicina ou Fisiologia, de Literatura e de Química, em 1962.
Figura 16: Foto de Maurice Wilkins, John Steinbeck, John Kendrew, Max Perutz, Francis Crick e James Watson, quando do recebimento dos Prêmios Nobel de Medicina ou Fisiologia, de Literatura e de Química, em 1962.
O modelo proposto por Watson e Crick explica perfeitamente os dados de difração de raios X e permite deduzir a forma de replicação da molécula de DNA. Representa até hoje um marco na história da Ciência, permitindo a fundação da área de pesquisa hoje conhecida como Biologia Molecular, na qual a manipulação do DNA recombinante tem papel fundamental.




  • Referências
    1. CRICK, F. What mad pursuit: a personal view of scientific discovery. Nova Iorque, HarperCollins Publishers, 1990.
    2. FARIAS, R.F. de. As mulheres e o Prêmio Nobel de Química. Química Nova na Escola, n. 14, p. 28-30, 2001.
    3. MADDOX, B. Rosalind Franklin: the dark lady of DNA. Nova Iorque, HarperCollins Publishers, 2002.
    4. SCHRODINGER, E. O que é vida? O aspecto físico da célula viva seguido de mente e matéria e fragmentos autobio- gráficos. Trad. J. de P. Assis e V.Y.K. de P. Assis. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997.
    5. WATSON, J.D. The double helix: a personal account of the discovery of the structure of DNA. Nova Iorque, The New American Library, 1968.
    6. FERREIRA, R. Watson & Crick. A história da descoberta da estrutura do DNA. São Paulo: Odysseus, 2003.
    7. HAUSMAN, R. História da Biologia Molecular. Ribeirão Preto, Funpec Editora, 2002.
    8. STRATHERN, P. Crick, Watson e o DNA em 90 minutos. Trad. M.L.X.A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.