ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA - BASES HISTÓRICAS E CONCEITUAIS

As primeiras intervenções estatais no campo da prevenção e controle de doenças, desenvolvidas sob bases científicas modernas, datam do início do século XX e foram orientadas pelo avanço da era bacteriológica e pela descoberta dos ciclos epidemiológicos de algumas doenças infecciosas e parasitárias. Essas intervenções consistiram na organização de grandes campanhas sanitárias com vistas ao controle de doenças que comprometiam a atividade econômica, a exemplo da febre amarela, peste e varíola. As campanhas valiam-se de instrumentos precisos para o diagnóstico de casos, combate a vetores, imunização e tratamento em massa com fármacos, dentre outros. O modelo operacional baseava-se em atuações verticais, sob forte inspiração militar, e compreendia fases bem estabelecidas – preparatória, de ataque, de consolidação e de manutenção.
A expressão vigilância epidemiológica passou a ser aplicada ao controle das doenças transmissíveis na década de 50, para designar uma série de atividades subseqüentes à etapa de ataque da campanha de erradicação da malária, vindo a designar uma de suas fases constitutivas. Originalmente, significava “a observação sistemática e ativa de casos suspeitos ou confirmados de doenças transmissíveis e de seus contatos”. Tratava-se, portanto, da vigilância de pessoas, com base em medidas de isolamento ou quarentena, aplicadas individualmente, e não de forma coletiva.
Na década de 60, o programa de erradicação da varíola também instituiu uma fase de vigilância epidemiológica, subseqüente à de vacinação em massa da população. Simultaneamente, o programa disseminou a aplicação de novos conceitos que se firmavam no âmbito internacional e não se vinculavam à prévia realização de uma fase de ataque. Pretendia-se, mediante busca ativa de casos de varíola, a detecção precoce de surtos e o bloqueio imediato da transmissão da doença. Essa metodologia foi fundamental para o êxito da erradicação da varíola em escala mundial e serviu de base para a organização de sistemas nacionais de vigilância epidemiológica.
A vigilância epidemiológica foi o tema central da 21ª Assembléia Mundial de Saúde realizada em 1968, na qual se estabeleceu a abrangência do conceito, que permitia aplicação a variados problemas de saúde pública, além das doenças transmissíveis, a exemplo das malformações congênitas, envenenamentos na infância, leucemia, abortos, acidentes, doenças profissionais, comportamentos como fatores de risco, riscos ambientais, utilização de aditivos, dentre outros.
No Brasil, a Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) - 1966-73 - é reconhecida como marco da institucionalização das ações de vigilância no país, tendo fomentado e apoiado a organização de unidades de vigilância epidemiológica na estrutura das secretarias estaduais de saúde. O modelo da CEV inspirou a Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) a organizar, em 1969, um sistema de notificação semanal de doenças selecionadas e disseminar informações pertinentes em um boletim epidemiológico de circulação quinzenal. Tal processo fundamentou a consolidação, nos níveis nacional e estadual, de bases técnicas e operacionais que possibilitaram o futuro desenvolvimento de ações de impacto no controle de doenças evitáveis por imunização. O principal êxito relacionado a esse esforço foi o controle da poliomielite no Brasil, na década de 1980, que abriu perspectivas para a erradicação da doença no continente americano, finalmente alcançada em 1994.
Por recomendação da 5ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1975, o Ministério da Saúde instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE), por meio de legislação específica (Lei nº 6.259/75 e Decreto nº 78.231/76). Esses instrumentos legais tornaram obrigatória a notificação de doenças transmissíveis selecionadas, constantes de relação estabelecida por portaria. Em 1977, o Ministério da Saúde elaborou o primeiro Manual de Vigilância Epidemiológica, reunindo e compatibilizando as normas técnicas então utilizadas para a vigilância de cada doença, no âmbito de programas de controle específicos.
O atual Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou o SNVE, definindo em seu texto legal (Lei nº 8.080/90) a vigilância epidemiológica como “um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”. Além de ampliar o conceito, as ações de vigilância epidemiológica passaram a ser operacionalizadas num contexto de profunda reorganização do sistema de saúde brasileiro, caracterizada pela descentralização de responsabilidades e integralidade da prestação de serviços. O Anexo 1 deste capítulo traz maiores informações sobre a atual organização do SNVE.
Por sua vez, as profundas mudanças no perfil epidemiológico das populações, no qual se observa declínio das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e crescente aumento das mortes por causas externas e doenças crônico-degenerativas, têm propiciado a discussão da incorporação de doenças e agravos não-transmissíveis ao escopo de atividades da vigilância epidemiológica. Iniciativas nesta direção estão sendo adotadas tanto pelo Ministério da Saúde/SVS como por algumas secretarias estaduais e municipais de saúde.

PROPÓSITOS E FUNÇÕES

Por propósito, a vigilância epidemiológica deve fornecer orientação técnica permanente para os profissionais de saúde que têm a responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças e agravos, bem como dos fatores que a condicionam, numa área geográfica ou população definida. Subsidiariamente, a vigilância epidemiológica constitui-se importante instrumento para o planejamento, organização e operacionalização dos serviços de saúde, bem como a normatização das atividades técnicas correlatas.
A operacionalização da vigilância epidemiológica compreende um ciclo de funções específicas e intercomplementares, desenvolvidas de modo contínuo, permitindo conhecer, a cada momento, o comportamento da doença ou agravo selecionado como alvo das ações, de forma que as medidas de intervenção pertinentes possam ser desencadeadas com oportunidade e eficácia. São funções da vigilância epidemiológica:

      coleta de dados;
      processamento dos dados coletados;
      análise e interpretação dos dados processados;
      recomendação das medidas de controle apropriadas;
      promoção das ações de controle indicadas;
      avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas;
      divulgação de informações pertinentes.

As competências de cada nível do sistema de saúde (municipal, estadual e federal) abarcam todo o espectro das funções de vigilância epidemiológica, porém com graus de especificidade variáveis. As ações executivas são inerentes ao nível municipal e seu exercício exige conhecimento analítico da situação de saúde local, mas cabe aos níveis nacional e estadual conduzir as ações de caráter estratégico e longo alcance.
A eficiência do SNVE depende do desenvolvimento harmônico das funções realizadas nos diferentes níveis. Quanto mais capacitada e eficiente for a instância local, mais oportunamente podem ser executadas as medidas de controle. Os dados e informações aí produzidos serão mais consistentes, possibilitando melhor compreensão do quadro sanitário estadual e nacional e, conseqüentemente, o planejamento adequado da ação governamental. Nesse contexto, as intervenções oriundas dos níveis estadual e federal tenderão a tornar-se seletivas, voltadas para questões emergenciais ou que, por sua transcendência, requerem avaliação complexa e abrangente, com participação de especialistas e centros de referência, inclusive internacionais.
A atual orientação para o desenvolvimento do SNVE estabelece, como prioridade, o fortalecimento dos sistemas municipais de vigilância epidemiológica, dotados de autonomia técnico-gerencial para enfocar os problemas de saúde próprios de suas respectivas áreas de abrangência.

COLETA DE DADOS E INFORMAÇÕES

O cumprimento das funções de vigilância epidemiológica depende da disponibilidade de dados que sirvam para subsidiar o processo de produção de informação para a ação. A qualidade da informação depende, sobretudo, da adequada coleta de dados gerados no local onde ocorre o evento sanitário (dado coletado). É também nesse nível que os dados devem primariamente ser tratados e estruturados para se constituírem em um poderoso instrumento – a informação –, capaz de subsidiar um processo dinâmico de planejamento, avaliação, manutenção e aprimoramento das ações.
A coleta de dados ocorre em todos os níveis de atuação do sistema de saúde. A força e o valor da informação (dado analisado) dependem da precisão com que o dado é gerado. Portanto, os responsáveis pela coleta devem ser preparados para aferir a qualidade do dado obtido. Tratando-se, por exemplo, da notificação de doenças transmissíveis, é fundamental a capacitação para o diagnóstico de casos e a realização de investigações epidemiológicas correspondentes.
Outro aspecto relevante refere-se à representatividade dos dados, em relação à magnitude do problema existente. Como princípio organizacional o sistema de vigilância deve abranger o maior número possível de fontes geradoras, cuidando-se de assegurar a regularidade e oportunidade da transmissão dos dados. Geralmente, não é possível nem necessário conhecer a totalidade dos casos. A partir de fontes selecionadas e confiáveis pode-se acompanhar as tendências da doença ou agravo, com o auxílio de estimativas de subenumeração de casos.
O fluxo, periodicidade e tipos de dados coletados devem corresponder às necessidades de utilização previamente estabelecidas, com base em indicadores adequados às características próprias de cada doença ou agravo sob vigilância. A prioridade de conhecimento do dado sempre será concedida à instância responsável pela execução das medidas de controle. Quando for necessário o envolvimento de outro nível do sistema, o fluxo deverá ser suficientemente rápido para que não ocorra atraso na adoção de medidas de controle.

TIPOS DE DADOS

Os dados e informações que alimentam o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica são os seguintes:

Dados Demográficos, Ambientais e Socioeconômicos

Os dados demográficos permitem quantificar grupos populacionais, com vistas à definição de denominadores para o cálculo de taxas. Dados sobre o número de habitantes, nascimentos e óbitos devem ser discriminados segundo características de sua distribuição por sexo, idade, situação do domicílio, escolaridade, ocupação, condições de saneamento, etc.
A disponibilidade de indicadores demográficos e socioeconômicos é primordial para a caracterização da dinâmica populacional e das condições gerais de vida, às quais se vinculam os fatores condicionantes da doença ou agravo sob vigilância. Dados sobre aspectos climáticos e ecológicos também podem ser necessários para a compreensão do fenômeno analisado.

Dados de Morbidade

São os dados mais utilizados em vigilância epidemiológica, por permitirem a detecção imediata ou precoce de problemas sanitários. Correspondem à distribuição de casos segundo a condição de portadores de infecções ou patologias específicas, como também de seqüelas. Trata-se, em geral, de dados oriundos da notificação de casos e surtos, da produção de serviços ambulatoriais e hospitalares, de investigações epidemiológicas, da busca ativa de casos, de estudos amostrais e de inquéritos, entre outras formas.
Seu uso apresenta dificuldades relacionadas à representatividade e abrangência dos sistemas de informações disponíveis, à possibilidade de duplicação de registros e a deficiências de métodos e critérios de diagnóstico utilizados. Merecem, por isso, cuidados especiais na coleta e análise.
O SNVE deve estimular, cada vez mais, a utilização dos sistemas e bases de dados disponíveis, vinculados à prestação de serviços, para evitar a sobreposição de sistemas de informação e a conseqüente sobrecarga aos níveis de assistência direta à população. As deficiências qualitativas próprias desses sistemas tendem a ser superadas à medida que se intensificam a crítica e o uso dos dados produzidos.

Dados de Mortalidade

São de fundamental importância como indicadores da gravidade do fenômeno vigiado, sendo ainda, no caso particular de doenças de maior letalidade, mais válidos do que os dados de morbidade, por se referirem a fatos vitais bem marcantes e razoavelmente registrados. Sua obtenção provém de declarações de óbitos, padronizadas e processadas nacionalmente. Essa base de dados apresenta variáveis graus de cobertura entre as regiões do país, algumas delas com subenumeração elevada de óbitos. Além disso, há proporção significativa de registros sem causa definida, o que impõe cautela na análise dos dados de mortalidade.
Atrasos na disponibilidade desses dados dificultam sua utilização na vigilância epidemiológica. A disseminação eletrônica de dados tem contribuído muito para facilitar o acesso a essas informações. Considerando tais fatos, os sistemas locais de saúde devem ser estimulados a utilizar de imediato as informações das declarações de óbito.

Notificação de Surtos e Epidemias

A detecção precoce de surtos e epidemias ocorre quando o sistema de vigilância epidemiológica local está bem estruturado, com acompanhamento constante da situação geral de saúde e da ocorrência de casos de cada doença e agravo sujeito à notificação. Essa prática possibilita a constatação de qualquer indício de elevação do número de casos de uma patologia, ou a introdução de outras doenças não incidentes no local e, conseqüentemente, o diagnóstico de uma situação epidêmica inicial para a adoção imediata das medidas de controle. Em geral, esses fatos devem ser notificados aos níveis superiores do sistema para que sejam alertadas as áreas vizinhas e/ou para solicitar colaboração, quando necessária.

FONTES DE DADOS

A informação para a vigilância epidemiológica destina-se à tomada de decisões – informação para a ação. Este princípio deve reger as relações entre os responsáveis pela vigilância e as diversas fontes que podem ser utilizadas para o fornecimento de dados. Dentre essas, a principal é a notificação, ou seja, a comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo à saúde feita à autoridade sanitária por profissionais de saúde ou qualquer cidadão, para fins de adoção de medidas de intervenção pertinentes.
Historicamente, a notificação compulsória tem sido a principal fonte da vigilância epidemiológica, a partir da qual, na maioria das vezes, se desencadeia o processo informação-decisão-ação.
A listagem das doenças de notificação nacional (Anexo 1) é estabelecida pelo Ministério da Saúde entre as consideradas de maior relevância sanitária para o país. Os dados correspondentes compõem o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Estados e municípios podem adicionar à lista outras patologias de interesse regional ou local, justificada a sua necessidade e definidos os mecanismos operacionais correspondentes. Entende-se que só devem ser coletados dados para efetiva utilização no aprimoramento das ações de saúde, sem sobrecarregar os serviços com o preenchimento desnecessário de formulários.
Dada a natureza específica de cada doença ou agravo à saúde, a notificação deve seguir um processo dinâmico, variável em função das mudanças no perfil epidemiológico, dos resultados obtidos com as ações de controle e da disponibilidade de novos conhecimentos científicos e tecnológicos. As normas de notificação devem adequar-se, no tempo e no espaço, às características de distribuição das doenças consideradas, ao conteúdo de informação requerido, aos critérios de definição de casos, à periodicidade da transmissão dos dados, às modalidades de notificação indicadas e à representatividade das fontes de notificação.
Os parâmetros para a inclusão de doenças e agravos na lista de notificação compulsória devem obedecer os seguintes critérios:

Magnitude – aplicável a doenças de elevada freqüência, que afetam grandes contingentes populacionais e se traduzem por altas taxas de incidência, prevalência, mortalidade e anos potenciais de vida perdidos;
Potencial de disseminação – representado pelo elevado poder de transmissão da doença, por meio de vetores ou outras fontes de infecção, colocando sob risco a saúde coletiva;
Transcendência – expressa-se por características subsidiárias que conferem relevância especial à doença ou agravo, destacando-se: severidade, medida por taxas de letalidade, de hospitalização e de seqüelas; relevância social, avaliada, subjetivamente, pelo valor imputado pela sociedade à ocorrência da doença e que se manifesta pela sensação de medo, repulsa ou indignação; e relevância econômica, avaliada por prejuízos decorrentes de restrições comerciais, redução da força de trabalho, absenteísmo escolar e laboral, custos assistenciais e previdenciários, etc.;
Vulnerabilidade – medida pela disponibilidade concreta de instrumentos específicos de prevenção e controle da doença, propiciando a atuação efetiva dos serviços de saúde sobre os indivíduos e coletividades;
Compromissos internacionais – relativos ao cumprimento de metas continentais ou mundiais de controle, de eliminação ou de erradicação de doenças, previstas em acordos firmados pelo governo brasileiro com organismos internacionais. Esses compromissos incluem obrigações assumidas por força do Regulamento Sanitário Internacional, estabelecido no âmbito da Organização Mundial da Saúde, que ainda exige a notificação compulsória dos casos de cólera, febre amarela e peste. Entretanto, este regulamento está sendo objeto de revisão e, possivelmente, os Estados-Membros da OMS passarão a notificar eventos inusitados que possam ter repercussões internacionais;
Ocorrência de epidemias, surtos e agravos inusitados à saúde – são situações emergenciais em que se impõe a notificação imediata de todos os casos suspeitos, com o objetivo de delimitar a área de ocorrência, elucidar o diagnóstico e deflagrar medidas de controle aplicáveis. Mecanismos próprios de notificação devem ser instituídos com base na apresentação clínica e epidemiológica do evento.

No processo de seleção das doenças notificáveis, esses critérios devem ser considerados em conjunto, embora o atendimento a apenas alguns deles possa ser suficiente para incluir determinada doença. Por outro lado, nem sempre podem ser aplicados de modo linear, sem considerar a factibilidade de implementação das medidas decorrentes da notificação, as quais dependem de condições operacionais objetivas de funcionamento da rede de prestação de serviços de saúde.
O caráter compulsório da notificação implica responsabilidades formais para todo cidadão, e uma obrigação inerente ao exercício da medicina, bem como de outras profissões na área da saúde. Mesmo assim, sabe-se que a notificação nem sempre é realizada, o que ocorre por desconhecimento de sua importância e, também, por descrédito nas ações que dela devem resultar. A experiência tem evidenciado que o funcionamento de um sistema de notificação é diretamente proporcional à capacidade de se demonstrar o uso adequado das informações recebidas, de forma a conquistar a confiança dos notificantes.
O sistema de notificação deve estar permanentemente voltado para a sensibilização dos profissionais e das comunidades, visando melhorar a quantidade e qualidade dos dados coletados mediante o fortalecimento e ampliação da rede. Todas as unidades de saúde (públicas, privadas e filantrópicas) devem fazer parte do sistema, bem como os profissionais de saúde e mesmo a população em geral. Não obstante, essa cobertura universal idealizada não prescinde do uso inteligente da informação, que pode basear-se em dados muito restritos para a tomada de decisões oportunas e eficazes.
Aspectos que devem ser considerados na notificação:

      notificar a simples suspeita da doença. Não se deve aguardar a confirmação do caso para se efetuar a notificação, pois isto pode significar perda da oportunidade de intervir eficazmente;
      a notificação tem de ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito médico-sanitário em caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito de anonimato dos cidadãos;
      o envio dos instrumentos de coleta de notificação deve ser feito mesmo na ausência de casos, configurando-se o que se denomina notificação negativa, que funciona como um indicador de eficiência do sistema de informações.

Além da notificação compulsória, o Sistema de Vigilância Epidemiológica pode definir doenças e agravos como de notificação simples. O Sinan, descrito no terceiro capítulo deste Guia, é o principal instrumento de coleta dos dados de notificação compulsória.

Outras Bases de Dados dos Sistemas Nacionais de Informação

O registro rotineiro de dados sobre saúde, derivados da produção de serviços ou de sistemas de informação específicos, constitui valiosa fonte de informação sobre a ocorrência de doenças e agravos sob vigilância epidemiológica. Com a progressiva implementação de recursos informacionais no setor saúde, esses dados tendem a tornar-se cada vez mais acessíveis por meios eletrônicos, sendo de primordial importância para os agentes responsáveis pelas ações de vigilância, em todos os níveis. Seu uso para a vigilância epidemiológica deve ser estimulado, objetivando aprimorar a qualidade do registro e compatibilizar as informações oriundas de diferentes fontes.

Laboratórios

Os resultados laboratoriais vinculados à rotina da vigilância epidemiológica complementam o diagnóstico de confirmação de casos e, muitas vezes, servem como fonte de conhecimento de casos que não foram notificados. Também devem ser incorporados os dados decorrentes de estudos epidemiológicos especiais, realizados pelos laboratórios de saúde pública em apoio às ações de vigilância.
Entretanto, o uso do laboratório como fonte de detecção de casos tem sido restrito a algumas doenças, em situações especiais. Há necessidade de se organizar um sistema integrado de resultados das análises realizadas para diagnóstico das doenças sob vigilância, abrangendo, inicialmente, a rede de laboratórios centrais de saúde pública nos estados (Lacens) e também a rede de hemocentros, onde é realizada a triagem sorológica de doadores de sangue. Complementarmente, esse sistema deve ser progressivamente estendido a outros laboratórios públicos e privados.

Investigação Epidemiológica

Os achados de investigações epidemiológicas de casos e de surtos complementam as informações da notificação no que se refere a fontes de infecção e mecanismos de transmissão, dentre outras variáveis. Também podem possibilitar a descoberta de novos casos não notificados.

Imprensa e População

Muitas vezes, informações oriundas da imprensa e da própria comunidade são fontes importantes de dados, devendo ser sempre consideradas para a realização da investigação pertinente. Podem ser o primeiro alerta sobre a ocorrência de uma epidemia ou agravo inusitado, principalmente quando a vigilância em determinada área é insuficientemente ativa.

FONTES ESPECIAIS DE DADOS

Estudos Epidemiológicos

Além das fontes regulares de coleta de dados e informações para analisar, do ponto de vista epidemiológico, a ocorrência de eventos sanitários, pode ser necessário, em determinado momento ou período, recorrer diretamente à população ou aos serviços para obter dados adicionais ou mais representativos, que podem ser coletados por inquérito, levantamento epidemiológico ou investigação.

Inquérito Epidemiológico

Estudo seccional, geralmente do tipo amostral, levado a efeito quando as informações existentes são inadequadas ou insuficientes em virtude de diversos fatores, dentre os quais se podem destacar: notificação imprópria ou deficiente; mudança no comportamento epidemiológico de determinada doença; dificuldade na avaliação de coberturas vacinais ou eficácia de vacinas; necessidade de avaliação da eficácia das medidas de controle de um programa; descoberta de agravos inusitados.

Levantamento Epidemiológico

Estudo realizado com base nos dados existentes nos registros dos serviços de saúde ou de outras instituições. Não é um estudo amostral e destina-se a coletar dados para complementar informações já existentes. A recuperação de séries históricas, para análises de tendências, e a busca ativa de casos, para aferir a eficiência do sistema de notificação, são exemplos de levantamentos epidemiológicos.

Investigação Epidemiológica

Método de trabalho utilizado para esclarecer a ocorrência de doenças transmissíveis ou de agravos inusitados à saúde, a partir de casos isolados ou relacionados entre si. Consiste em um estudo de campo realizado a partir de casos notificados (clinicamente declarados ou suspeitos) e seus contatos. Destina-se a avaliar as implicações da ocorrência para a saúde coletiva, tendo como objetivos: confirmar o diagnóstico, determinar as características epidemiológicas da doença, identificar as causas do fenômeno e orientar as medidas de controle. Por ser uma atividade de fundamental importância para o processo de decisão-ação da vigilância epidemiológica, exigindo conhecimento e competência profissional, os procedimentos para sua realizaçao encontram-se detalhados em roteiro específico no segundo capítulo deste Guia.
A expressão “investigação epidemiológica” aqui utilizada tem o sentido restrito de importante diagnóstico da vigilância epidemiológica, diferente de uma ampla conotação como sinônimo da pesquisa científica em epidemiologia. Para diferenciar, na vigilância epidemiológica costuma ser denominada como “investigação epidemiológica de campo”.

Sistemas Sentinelas

Nem sempre o processo de decisão-ação necessita da totalidade de casos (notificação universal) para o desencadeamento das estratégias de intervenção, pois isto se vincula à apresentação clínica e epidemiológica das doenças e agravos e, principalmente, aos instrumentos de controle disponíveis e indicados para cada situação específica. Para intervir em determinados problemas de saúde pode-se lançar mão de sistemas sentinelas de informações capazes de monitorar indicadores-chave na população geral ou em grupos especiais que sirvam de alerta precoce para o sistema de vigilância.
Existem vários tipos destes sistemas, como, por exemplo, a organização de redes constituídas de fontes sentinelas de notificação especializadas, já bastante utilizadas para o acompanhamento e vigilância da situação de câncer. Outra técnica baseia-se na ocorrência de evento sentinela, que é a detecção de doença prevenível, incapacidade ou morte inesperada cuja ocorrência serve como sinal de alerta de que a qualidade terapêutica ou prevenção deve ser questionada. Entende-se que todas as vezes em que isto ocorra o sistema de vigilância deve ser acionado para que o evento seja investigado e as medidas de prevenção adotadas.
A instituição de unidades de saúde sentinelas tem sido muito utilizada no Brasil para a vigilância das doenças infecciosas e parasitárias que demandam internamento hospitalar. O monitoramento de grupos-alvos, através de exames periódicos, é de grande valor na área de prevenção de doenças ocupacionais. Mais recentemente, tem-se trabalhado no desenvolvimento da vigilância de espaços geográficos delimitados em centros urbanos, denominado vigilância de áreas sentinelas.

Diagnóstico de Casos

A credibilidade do sistema de notificação depende, em grande parte, da capacidade dos serviços locais de saúde – responsáveis pelo atendimento dos casos – diagnosticarem corretamente as doenças e agravos. Para isso, os profissionais deverão estar tecnicamente capacitados e dispor de recursos complementares para a confirmação da suspeita clínica. A correta e oportuna realização do diagnóstico e tratamento assegura a confiança da população em relação aos serviços, contribuindo para a eficiência do sistema de vigilância.

NORMATIZAÇÃO

A definição de normas técnicas é imprescindível para a uniformização de procedimentos e a comparação de dados e informações produzidos pelo sistema de vigilância. Essas normas devem primar pela clareza e constar de manuais, ordens de serviço, materiais instrucionais e outros, disponíveis nas unidades do sistema.
Tem especial importância a definição de caso de cada doença ou agravo, visando padronizar os critérios diagnósticos para a entrada e classificação final dos casos no sistema. Em geral, os casos são classificados como suspeitos, compatíveis ou confirmados (laboratorialmente ou por outro critério), o que pode variar segundo a situação epidemiológica específica de cada doença.
Definições de caso devem ser modificadas ao longo do tempo, por alterações na epidemiologia da própria doença, para atender necessidades de ampliar ou reduzir a sensibilidade ou especificidade do sistema, em função dos objetivos de intervenção e, ainda, para adequarem-se às etapas e metas de um programa especial de controle. Como exemplo, o programa de erradicação da poliomielite adotou, ao longo de seu curso, diferentes critérios para definir caso suspeito, compatível, provável ou confirmado.
As normas técnicas devem estar compatibilizadas em todos os níveis do sistema de vigilância, para possibilitar a realização de análises consistentes, qualitativa e quantitativamente. Nesse sentido, a adaptação das orientações de nível central, para atender realidades estaduais diferenciadas, não deve alterar as definições de caso, entre outros itens que exigem padronização. O mesmo deve ocorrer com as doenças e agravos de notificação estadual exclusiva, em relação às normas de âmbito municipal.

RETROALIMENTAÇÃO DO SISTEMA

Um dos pilares do funcionamento do sistema de vigilância, em qualquer de seus níveis, é o compromisso de responder aos informantes, de forma adequada e oportuna. Fundamentalmente, essa resposta – ou retroalimentação – consiste no retorno regular de informações às fontes produtoras, demonstrando a sua contribuição no processo. O conteúdo da informação fornecida deve corresponder às expectativas criadas nas fontes, podendo variar desde a simples consolidação dos dados até análises epidemiológicas complexas correlacionadas com ações de controle. A credibilidade do sistema depende de que os profissionais de saúde e as lideranças comunitárias se sintam participantes e contribuintes.
A retroalimentação do sistema materializa-se na disseminação periódica de informes epidemiológicos sobre a situação local, regional, estadual, macrorregional ou nacional. Essa função deve ser estimulada em cada nível de gestão, valendo-se de meios e canais apropriados. A organização de boletins informativos, destinados a dirigentes com poder de decisão, pode auxiliar na obtenção de apoio institucional e material para a investigação e controle de eventos sanitários.
Além de motivar os notificantes, a retroalimentação do sistema propicia a coleta de subsídios para reformular normas e ações nos seus diversos níveis, assegurando a continuidade e aperfeiçoamento do processo.

AVALIAÇÃO DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

O sistema de vigilância epidemiológica mantém-se eficiente quando seu funcionamento é aferido regularmente, para correções de rumo oportunas. A avaliação do sistema presta-se, ainda, para demonstrar os resultados obtidos com a ação desenvolvolvida, que justifiquem os recursos investidos em sua manutenção.
Expressa-se a importância de um problema de saúde pública pelos seus indicadores de morbidade, mortalidade, incapacidade e custos atribuídos. Nesse sentido, o reconhecimento da função de vigilância decorre, em última análise, da capacidade demonstrada em informar com precisão, a cada momento, a situação epidemiológica de determinada doença ou agravo, as tendências esperadas, o impacto das ações de controle efetivadas e a indicação de outras medidas necessárias. Os resultados do conjunto de ações desenvolvidas no sistema são também medidos pelos benefícios sociais e econômicos decorrentes, em termos de vidas poupadas, casos evitados, custos assistenciais reduzidos, etc. Informações como essas devem ser contrapostas às despesas operacionais do sistema.
A manutenção em funcionamento de um sistema de vigilância envolve variadas e complexas atividades, que devem ser acompanhadas e avaliadas continuamente, com vistas a aprimorar a qualidade, eficácia, eficiência e efetividade das ações.
Avaliações periódicas devem ser realizadas em todos os níveis, com relação aos seguintes aspectos, entre outros: atualidade da lista de doenças e agravos mantidos no sistema; pertinência das normas e instrumentos utilizados; cobertura da rede de notificação e participação das fontes que a integram; funcionamento do fluxo de informações; abrangência dos tipos de dados e das bases informacionais utilizadas; organização da documentação coletada e produzida; investigações realizadas e sua qualidade; informes analíticos produzidos, em quantidade e qualidade; retroalimentação do sistema, quanto a iniciativas e instrumentos empregados; composição e qualificação da equipe técnica responsável; interação com as instâncias responsáveis pelas ações de controle; interação com a comunidade científica e centros de referência; condições administrativas de gestão do sistema; e custos de operação e manutenção.
As medidas quantitativas de avaliação de um sistema de vigilância epidemiológica incluem sensibilidade, especificidade, representatividade e oportunidade; e as qualitativas, simplicidade, flexibilidade e aceitabilidade.
Sensibilidade é a capacidade de o sistema detectar casos; especificidade expressa a capacidade de excluir os “não-casos”. A representatividade diz respeito à possibilidade de o sistema identificar todos os subgrupos da população onde ocorrem os casos. A oportunidade refere-se à agilidade do fluxo do sistema de informação.
A simplicidade deve ser utilizada como princípio orientador dos sistemas de vigilância, tendo em vista facilitar a operacionalização e reduzir os custos. A flexibilidade se traduz pela capacidade de adaptação do sistema a novas situações epidemiológicas ou operacionais (inserção de outras doenças, atuação em casos emergenciais, implantação de normas atualizadas, incorporação de novos fatores de risco, etc.), com pequeno custo adicional. A aceitabilidade se refere à disposição de indivíduos, profissionais ou organizações, participarem e utilizarem o sistema. Em geral, a aceitação está vinculada à importância do problema e à interação do sistema com os órgãos de saúde e a sociedade em geral (participação das fontes notificantes e retroalimentação).

PERSPECTIVAS

Uma das características dos sistemas de vigilância epidemiológica é estar permanentemente acompanhando o desenvolvimento científico e tecnológico por meio da articulação com a sociedade científica e formação de comitês técnicos assessores. Essa articulação é importante por possibilitar a atualização dinâmica das suas práticas mediante a incorporação de novas metodologias de trabalho, avanços científicos e tecnológicos de prevenção (imunobiológicos, fármacos, testes diagnósticos, etc.) e aprimoramento das estratégias operacionais de controle. A rápida evolução das ferramentas computacionais, aliadas à redução dos seus custos, vem possibilitando o desenvolvimento de sistemas de informações mais ágeis que contribuem significativamente para tornar mais oportunas as intervenções neste campo da saúde pública.
A atual política de descentralização do sistema de saúde está proporcionando um salto qualitativo para a reorganização dos sistemas locais de vigilância epidemiológica (Anexo 1). As secretarias estaduais estão, cada vez mais, deixando de desempenhar o papel de executoras para assumir as responsabilidades de coordenação, supervisão e monitoramento das ações.
Os profissionais de saúde têm como desafio atual trabalhar para o desenvolvimento da consciência sanitária dos gestores municipais dos sistemas de saúde, para que passem a priorizar as ações de saúde pública e trabalhem na perspectiva de desenvolvimento da vigilância da saúde, que tem como um dos seus pilares de atuação a vigilância epidemiológica de problemas de saúde prioritários, em cada espaço geográfico.
Nesta perspectiva, descreve-se no Anexo 2 deste capítulo o novo modelo de organização do sistema de vigilância epidemiológica, com a definição das principais atribuições das três esferas de governo.

ANEXO 1 – Portaria nº 2.325/GM Em, 8 de dezembro de 2003

Define a relação de doenças de notificação compulsória para todo o território nacional.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto no art. 8º, inciso I, do Decreto nº 78.231, de 12 de agosto de 1976, e na Portaria nº 95/2001 do Ministério da Saúde, que regulamentam a notificação compulsória de doenças no País, e ainda considerando a necessidade de regulamentar os fluxos e a periodicidade dessas informações,

RESOLVE:

Art. 1º Os casos suspeitos ou confirmados das doenças constantes no Anexo I desta Portaria são de notificação compulsória às Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e ao Ministério da Saúde.
Parágrafo único. A ocorrência de agravo inusitado à saúde, independentemente de constar desta relação, deverá também ser notificada imediatamente às autoridades sanitárias mencionadas no caput deste artigo.
Art. 2º A definição de caso, o fluxo e instrumentos de notificação para cada doença relacionada no Anexo I desta Portaria deverão obedecer à padronização definida pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – SVS/MS.
Art. 3º Os gestores municipais e estaduais do Sistema Único de Saúde poderão incluir outras doenças e agravos no elenco de doenças de notificação compulsória, em seu âmbito de competência, de acordo com o quadro epidemiológico local.
Parágrafo único. A inclusão de outras doenças e agravos deverá ser definida conjuntamente entre os gestores estaduais e municipais e a SVS/MS.
Art. 4º Fica delegada competência ao Secretário de Vigilância em Saúde para editar normas regulamentadoras desta Portaria.
Art. 5º Fica revogada a Portaria nº 1.943/GM, de 18 de outubro de 2001, publicada no DOU nº 204, Seção 1, pág. 35, de 24 de outubro de 2001.
Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

HUMBERTO COSTA

Anexo I: Lista nacional de agravos de notificação compulsória
Botulismo
Carbúnculo ou “antraz”
Cólera
Coqueluche
Leishmaniose tegumentar americana
Leishmaniose visceral
Leptospirose
Malária
Dengue
Difteria
Doença de Chagas (casos agudos)
Doenças meningocócicas e outras meningites
Meningite por Haemophilus influenzae
Peste
Poliomielite
Paralisia flácida aguda
Esquistossomose (em área não-endêmica)
Febre amarela
Febre do Nilo
Febre maculosa
Raiva humana
Rubéola
Síndrome da rubéola congênita
Sarampo
Febre tifóide
Hanseníase
Hantaviroses
Hepatites virais
Sífilis congênita
Síndrome da imunodeficiência adquirida (aids)
Síndrome respiratória aguda grave
Tétano
Infeccção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em gestantes e crianças expostas ao risco de transmissão vertical
Tularemia
Tuberculose
Varíola

ANEXO 2

O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) compreende o conjunto articulado de instituições do setor público e privado, componente do Sistema Único de Saúde (SUS), que, direta ou indiretamente, notifica doenças e agravos, presta serviços a grupos populacionais ou orienta a conduta a ser tomada para o controle dos mesmos.
Reorganização do Sistema de Vigilância Epidemiológica: desde a implantação do SUS, o SNVE vem passando por profunda reorganização operacional, para adequar-se aos princípios de descentralização e de integralidade da atenção à saúde. Esse processo foi bastante impulsionado a partir das Portarias nº 1.399/GM, de 15/12/99, e nº 950, de 23/12/99. Estes instrumentos legais instituíram o repasse fundo-a-fundo dos recursos do governo federal para o desenvolvimento das atividades de epidemiologia, vigilância e controle de doenças, rompendo os mecanismos de repasses conveniais e por produção de serviços. Além disso, estabeleceu os requisitos e atividades mínimas de responsabilidade municipal, a definição do teto de recursos financeiros e a transferência de recursos humanos dos níveis federal e estadual para o municipal.
A definição do teto financeiro para estados e municípios considerou: diferenças epidemiológicas regionais e operacionais (três diferentes estratos); valores diferenciados, de acordo com a extensão territorial do município; e acréscimo de um valor fixo per capita para os municípios que assumem a gestão das ações de vigilância e controle de doenças. As referidas portarias estabelecem as competências da União, estados, Distrito Federal e municípios; as condições para certificação dos diferentes níveis, na gestão das ações de epidemiologia e controle de doenças; a PPI (Programação Pactuada Integrada) como eixo de negociação das ações desta área, a forma de repasse fundo-a-fundo, a partir da certificação dos estados e municípios; descentralizam as atividades de controle de endemias, anteriormente sob a responsabilidade executiva da Funasa; e recomendam a articulação dos serviços de vigilância epidemiológica com o Programa Saúde da Família, entre outras disposições.
São reconhecidas as dificuldades existentes nos municípios para assegurar o pleno desenvolvimento de um sistema de vigilância epidemiológica sensível e efetivo. Há insuficiência de recursos humanos, resistências institucionais ao processo de descentralização, incipiente capacidade instalada para diagnóstico, investigação e implementação de ações de controle e, ainda, limitações dos recursos disponíveis para o setor saúde. Não obstante, os instrumentos legais específicos instituídos representam importante avanço no SUS, por propiciar a capacitação e ampliação das equipes de profissionais que atuam em vigilância epidemiológica, elevando a capacidade da análise de informações e execução das ações dos municípios, conferindo maior agilidade ao desencadeamento de ações decorrentes.
Os resultados das estratégias adotadas poderão ser maximizados pela atuação competente das Comissões Bipartites e dos Conselhos Sociais de cada sistema local de saúde. Além disso, a flexibilidade parcial do uso dos recursos do Teto Financeiro de Epidemiologia e Controle de Doenças pode propiciar a construção de modelos de gestão, pautados no conceito de vigilância à saúde, com vistas a impulsionar o processo de atenção integral à saúde da população brasileira.

FONTE: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2065/capitulo_1_%E2%8 %93_vigilancia_epidemiologica.htm