ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

É possível envelhecer bem, tendo Síndrome de Down

É possível envelhecer bem, tendo Síndrome de Down.

Inclusão, cidadania e longevidade. Esta foi a história do norteamericano Bert Holbrook, que em 2008, ao completar 80 anos de idade, recebeu o título do Livro Guiness de Recordes como a pessoa mais idosa com síndrome de Down. Este poderia ser também um exemplo de “Envelhecimento bem Sucedido”?

Os dados foram assim colocados no livro: “Bert Holbrook, americano, nascido em 24 de agosto de 1928, é atualmente o homem mais velho com síndrome de Down, com 80 anos e 79 dias em 11 de novembro de 2008.”

Bert vivia nesta ocasião na pequena cidade onde nasceu em Minesota e era cuidado desde 1984 em uma Instituição especializada. Sempre vaidoso, alegre, comunicativo e bem humorado, gostava de desenhar com lápis de cor, contava seus sonhos engraçados aos cuidadores e às vezes recusava a refeição porque se achava muito gordo.

Assim como tantas outras pessoas com deficiência, Bert viveu com a sua família por muitos anos, trabalhou no pequeno negócio familiar e sempre foi uma pessoa querida por todos em sua comunidade. Em 2008 ainda tinha uma irmã viva de 90 anos que morava em outra cidade e comemorou o fato à distância. Ao receber o diploma do Guiness Book, mesmo estando com demência, Bert disse: “É tão legal!”

Na época em que ele nasceu, a expectativa de vida de uma pessoa com síndrome de Down era de 9 anos em média, mas em 2005 esta realidade já era bem diferente alcançando os 55 anos. Este fato se relaciona às mudanças progressivas na qualidade de suporte e cuidados oferecidos, não se tratando portanto de um fato biológico mas sim, de uma conquista socio-cultural.

A trissomia do cromossomo 21 foi identificada geneticamente em 1958, mas a síndrome já havia sido descrita desde 1866 pelo médico John Langdon Down que à época denominou o quadro como “mongolismo”. Os registros antropológicos mais antigos de que se tem conhecimento datam de um crânio saxônico do século VII, entretanto estátuas provávelmente representativas de pessoas com essa

síndrome foram identificadas no golfo do México, sendo datadas de cerca de 3.000 anos passados.

Apesar da síndrome estar associada a uma idade mais avançada dos pais, fatores ambientais tais como radiação, medicamentos e infecções parecem expor o ovócito a um meio mais hostil durante a sua passagem pela trompa, deixando-o mais vulnerável à ocorrência de anomalias .

Dessa forma pode-se dizer que fatores ambientais parecem ser capazes de interferir tanto com a possibilidade de nascimento com a trissomia do 21, quanto com a chance de uma vida mais longa ou, uma vida com bem estar e felicidade. Nesse sentido, a nossa co-responsabilidade só tende a aumentar.

O Inglês Joseph Sanderson de 74 anos, também pertence a este grupo tão seleto de pessoas, capazes de celebrar a vida com alegria, em presença de diferenças.

Por ocasião da comemoração do último aniversário de Joseph em 2010, Angela, a sua irmã mais velha já com 77 anos, comentou: “ Ele teve uma vida feliz, e tem sido bem tratado. Talvez seja por isso.”

Ao longo da sua vida Jospeh pôde frequentar serviços de assistência especializada na modalidade “centro-dia” e nos últimos seis anos vive em um serviço de longa permanência. Segundo Angela, sempre que visita o irmão percebe que é de fato uma pessoa feliz e gosta do local onde vive. Na visão dos cuidadores, é um sujeito atrevido e brincalhão e se relaciona bem com todas as pessoas daquela comunidade

Para Bert, Joseph e Alison, a longevidade
se mostrou como uma conquista
que desafiou os conceitos usuais sobre
a vulnerabilidade das pessoas com
Síndrome de Down ou outros transtornos
do desenvolvimento.

Ao conhecer estas três histórias poderíamos
nos perguntar:

essa longevidade associada a bem estar
teria sido uma questão relacionada

a Genoma, Epigenética,
Acaso ou Oportunidade?

“Temos muito que estudar ainda, e entender como os genes interagem de forma a responder ao ambiente é de fundamental importância.” (03)


Sem dúvida, os avanços de um modo geral nos cuidados à saúde, têm contribuído para o aumento da longevidade dos indivíduos que convivem com a presença de deficiências ou incapacidades relacionadas a trantornos do desenvolvimento e instaladas portanto, desde idades mais precoces.

Entretanto, ao contrário dos indivíduos que apresentam limitações funcionais adquiridas e relacionadas ao avanço da idade, a demanda por suporte tem caráter contínuo ao longo da vida implicando na necessidade de uma rede de atenção, cuidados e reabilitação que contemple de fato a chamada “linha de cuidado”. (26) (27)

Uma questão muito particular neste caso, se relaciona aos cuidadores familiares que habitualmente se referem aos pais, sendo portanto de uma geração ainda mais velha e podendo faltar em sua possibilidade de fornecer o cuidado direto a qualquer momento.

Nos últimos anos a trissomia do cromossomo 21 tem sido utilizada como modelo para o estudo dos mecanismos fisiopatológicos relacionados à doença de Alzheimer, uma vez que as duas situações apresentam alguns marcadores genéticos em comum capazes de interferir em mecanismos moleculares relacionados à cascata amilóide e ao stress oxidativo que comprometem algumas microestruturas cerebrais. (06) (07)

Indivíduos com a Síndrome de Down, têm grande chance de manifestar sintomas da doença de Alzheimer após os 40 anos de idade, mas a sua real prevalência ainda é um ponto conflitante entre as diversas pesquisas sobre o tema (05).

Alguns pesquisadores defendem que a maior prevalência de demência nestes casos pode também estar associada à menor exposição destes indivíduos a ambientes estimuladores ao longo da vida interferindo portanto na sua capacidade, mesmo que limitada, de desenvolver uma maior reserva cognitiva.

Sob uma linha similar de raciocínio, Carmeli e cols. (02) sugerem que o estilo de vida fisicamente mais inativo das pessoas com Down, poderia ser responsável tanto pela maior expressão de dificuldades de ordem motora quanto pela ocorrência de um processo mais acelerado de envelhecimento, que por sua vez, estaria relacionado às mudanças na composição corporal e suas consequências metabólicas. Nesse sentido podemos pontuar a importância de se detectar a possível presença de obesidade sarcopênica, já bastante explorada pela literatura mais específica.

A dupla dependência – Uma epidemia silenciosa

Dentre os 24,6 milhões de brasileiros com deficiência 1,5% encontram-se
na faixa etária compreendida entre 0 e 4 anos enquanto
29% pertencem à faixa da população idosa.

O modelo biomédico da incapacidade baseado até recentemente na presença de deficiências de ordem mais biológica, está sendo progressivamente substituído por um modelo social, a partir do qual, a incapacidade é compreendida enquanto condição que se situa primàriamente em contextos de ordem socio-cultural ambiental e psicológica, que acabam por interferir com a habilidade funcional expressada pelos indivíduos. (01) (17) (22) (23)

A partir destes pressupostos torna-se possível defender que a intervenção em fatores potencialmente modificáveis de ordem sócio-ambiental possa ampliar as oportunidades tanto para uma maior adaptabilidade funcional quanto para a percepção de qualidade de vida.

A disponibilidade de oferta de suporte e estimulação no longo prazo, pode marcar definitivamente a vida destes indivíduos e suas famílias, ao viabilizar seu desenvolvimento, inclusão e a participação. Nesse sentido o acesso às técnicas e tecnologias compatíveis com o estágio de conhecimentos que a humanidade já alcançou nesta área, se relaciona a uma questão de equidade e justiça social.

Perante uma realidade mundial que está vislumbrando tanto o envelhecimento populacional maciço quanto a maior longevidade das pessoas com condições incapacitantes, discutir de forma participativa as estratégias necessárias para o desenvolvimento de sistemas articulados de cuidados de longo prazo, deveria ser um compromisso mais claro das poliiticas públicas em nosso meio.

Nas palavras de Marinéia Crosara de Resende e Anita Liberalesso Neri , “envelhecer com uma deficiência física é um processo que exige competência adaptativa e resiliência aos eventos de vida e aos desafios acarretados pela deficiência”(15).

Entretanto, além dos atributos de ordem mais pessoal se faz necessário considerar que uma sociedade que se proponha a ser inclusiva, certamente deve disponibilizar oportunidades abrangentes que contemplem as diferenças. Algumas vezes , advogar por uma auto-suficiência é no mínimo irreal para quem vive com deficiências mais severas (24) e precisa necessariamente das compensações advindas de elementos externos. Nesse caso não se trata de uma questão de promoção da independência, mas de satisfação das demandas geradas pela dependência.

Segundo Livingston e cols. é possível detectar a existência de uma situação de “Envelhecimento Bem Sucedido” em presença de adversidades tais como a demência, que foi detectada em pesquisas a partir da percepção individual de satisfação com a vida associada à qualidade das relações sociais e ao bem estar emocional. (25)

O desenvolvimento de políticas baseadas em direitos, e não em necessidades , talvez seja uma das maneiras possíveis de se compreender a cidadania tal como a teria imaginado Aristóteles:

uma postura participativa perante a vida em sociedade, que possa ultrapassar as questões delimitadas pela vida meramente biológica para adentrar na construção de uma vida biográfica.

Enquanto isso não alcança o nosso cotidiano em mundo real, vamos parabenizar os inúmeros Berts , Jospehs e Alisons ainda desconhecidos pela grande mídia, seus familiares, as equipes que lhes prestaram assistência e as comunidades do seu entorno, que optaram de forma compartilhada pela inclusão e pelas propostas em prol da vida.