ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA - REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL


Voltando para casa

Quando voltamos para casa

O movimento de voltar para casa tem este sentido de acolhida e de cuidado. Imagem-afeto que nos toca como as fotografias que registram o Programa de Volta para Casa que, desde julho de 2003, dá força de lei a mais este passo importante no movimento da reforma psiquiátrica brasileira. Imagem-afeto, imagem-movimento, o tema da saúde mental ganha assim toda a sua consistência entre a clínica, a política e a estética.

No Brasil, o tema da saúde mental se tornou uma questão de natureza “psicossocial”: eis aí um termo que já se tornou consensual entre nós e que nos desafia na experiência da clínica no contemporâneo. A clínica, segunda esta designação, se dá no limite entre o individual e o coletivo. É nesta zona de indiscernibilidade que o movimento da reforma psiquiátrica faz a sua aposta e que os serviços substitutivos ao manicômio afinam os seus dispositivos de intervenção (dispositivos de atenção e de gestão).

Se falamos de um campo em que individual e coletivo se distinguem, mas não se separam é porque outra relação de inseparabilidade se coloca: aquela entre clínica e política.

No campo da reforma, a clínica não pode ser definida como o domínio do privado, dos nossos segredos íntimos, das experiências interiores de um sujeito e que seja diferente e separada da política, entendida como domínio do público (pólis), isto é, domínio onde encontramos os jogos de poder, o embate entre as forças dominantes e as forças dominadas.

Quando se supera as velhas oposições entre clínica e política, entre sujeito e mundo, definimos subjetividade não como uma natureza, uma essência, uma realidade dada. Não estamos falando de alguma coisa que seja sempre idêntica a si. Não estamos falando de uma identidade: a do louco, a do doente mental, a deste indivíduo cujo adoecimento pareceria lhe ameaçar a condição de cidadão. Por subjetividade devemos entender não um estado de coisa ou estrutura, mas um processo – um processo de criação de si e do mundo. Este processo se realiza com múltiplos elementos: o ambiente familiar com suas relações (pai/mãe, mãe/filho, pai/filho etc), a mídia, a violência das cidades, a participação nos movimentos sociais, as políticas públicas de saúde, as artes dentre outros.

A clínica da reforma psiquiátrica é uma experiência de transversalidade, isto é, não há como pensá-la senão de modo transversal ou num plano onde clínica, política, mas também a arte se atravessam. E por que o destaque da interface com a política e a arte? Porque no cotidiano das práticas de gestão e de atenção psicossocial, fomentamos não só modos de produção de bens de consumo como nas oficinas de geração de renda, mas também, e sobretudo, modos de produção da experiência coletiva (as assembléias, as associações, os grupos terapêuticos), modos de produção de outras relações da loucura com a cidade (o AT, os dispositivos residenciais, a luta pelo passe livre, o de volta para casa), modos de produção de outras formas de expressão da loucura (as oficinas expressivas, as rádios e tvs comunitárias), enfim, modos de criação de si e do mundo. Pensamos a inseparabilidade entre a clínica e a política, não podendo negligenciar a interface da clínica com a estética, já que estamos às voltas com processos de criação.

O trabalho dos profissionais de saúde mental é o de cuidar desses processos de criação: ensejá-los e acompanhá-los. E tal cuidado não pode ser confundido com uma ação assistencialista, uma ação do bom profissional definido como “bom homem”. Na verdade, as práticas de atenção/gestão psicossocial são, no campo das políticas públicas de saúde, um exemplo efetivo do SUS que enfrenta os grandes problemas da universalidade do acesso, da integralidade do cuidado e da equidade das ofertas em saúde. Substituir os manicômios, recusar as práticas de atenção pautadas pelo desrespeito aos direitos dos usuários, fomentar o protagonismo, autonomia e a co-responsabilidade dos gestores, trabalhadores, usuários e rede social é tarefa de humanização do SUS. Um SUS mais humano é este que reconhece o outro como legítimo cidadão de direitos, valorizando os diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde. Apostamos na renovação dos modelos de atenção e de gestão no SUS. O movimento da reforma psiquiátrica é atualmente uma política de governo que, assim como o HumanizaSUS, fortalecem as práticas de atenção e de gestão nos fazendo entender que a saúde é um bem público que devemos constantemente, numa ação clínico-estético-política, criar e recriar.

Voltando para casa

O Programa De Volta para Casa

O Programa de Volta para Casa foi instituído pelo Presidente Lula, por meio da assinatura da Lei Federal 10.708 de 31 de julho de 2003 e dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas.

O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania.

Além disso, o De Volta para Casa atende ao disposto na Lei 10.216 que determina que os pacientes longamente internados ou para os quais se caracteriza a situação de grave dependência institucional, sejam objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida.

Em parceria com a Caixa Econômica Federal, o programa conta hoje com mais de 2600 beneficiários em todo o território nacional, os quais recebem mensalmente em suas próprias contas bancárias o valor de R$240,00.

Em conjunto com o Programa de Redução de Leitos Hospitalares de longa permanência e os Serviços Residenciais Terapêuticos, o Programa de Volta para Casa forma o tripé essencial para o efetivo processo de desinstitucionalização e resgate da cidadania das pessoas acometidas por transtornos mentais submetidas à privação da liberdade nos hospitais psiquiátricos brasileiros.

O auxílio-reabilitação psicossocial, instituído pelo Programa de Volta para Casa, também tem um caráter indenizatório àqueles que, por falta de alternativas, foram submetidos a tratamentos aviltantes e privados de seus direitos básicos de cidadania.

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Residências Terapêuticas

Os Serviços Residenciais Terapêuticos, também conhecidos como Residências Terapêuticas, são casas, locais de moradia, destinadas a pessoas com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e impossibilitadas de retornar às suas famílias de origem.

As Residências Terapêuticas foram instituídas pela Portaria/GM nº 106 de fevereiro de 2000 e são parte integrante da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, são centrais no processo de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos dos hospitais psiquiátricos.

Tais casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente destinados aos leitos psiquiátricos. Assim, para cada morador de hospital psiquiátrico transferido para a residência terapêutica, um igual número de leitos psiquiátricos deve ser descredenciado do SUS e os recursos financeiros que os mantinham devem ser realocados para os fundos financeiros do estado ou do município para fins de manutenção dos Serviços Residenciais Terapêuticos. Em todo o território nacional existem mais de 470 residências terapêuticas.

A reforma psiquiátrica brasileira e a política de saúde mental

A humanidade convive com a loucura há séculos e, antes de se tornar um tema essencialmente médico, o louco habitou o imaginário popular de diversas formas. De motivo de chacota e escárnio a possuído pelo demônio, até marginalizado por não se enquadrar nos preceitos morais vigentes, o louco é um enigma que ameaça os saberes constituídos sobre o homem.

Na Renascença, a segregação dos loucos se dava pelo seu banimento dos muros das cidades européias e o seu confinamento era um confinamento errante: eram condenados a andar de cidade em cidade ou colocados em navios que, na inquietude do mar, vagavam sem destino, chegando, ocasionalmente, a algum porto.

No entanto, desde a Idade Média, os loucos são confinados em grandes asilos e hospitais destinados a toda sorte de indesejáveis – inválidos, portadores de doenças venéreas, mendigos e libertinos. Nessas instituições, os mais violentos eram acorrentados; a alguns era permitido sair para mendigar.

No século XVIII, Phillippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria, propõe uma nova forma de tratamento aos loucos, libertando-os das correntes e transferindo-os aos manicômios, destinados somente aos doentes mentais. Várias experiências e tratamentos são desenvolvidos e difundidos pela Europa.

O tratamento nos manicômios, defendido por Pinel, baseia-se principalmente na reeducação dos alienados, no respeito às normas e no desencorajamento das condutas inconvenientes. Para Pinel, a função disciplinadora do médico e do manicômio deve ser exercida com firmeza, porém com gentileza. Isso denota o caráter essencialmente moral com o qual a loucura passa a ser revestida.

No entanto, com o passar do tempo, o tratamento moral de Pinel vai se modificando e esvazia-se das idéias originais do método. Permanecem as idéias corretivas do comportamento e dos hábitos dos doentes, porém como recursos de imposição da ordem e da disciplina institucional. No século XIX, o tratamento ao doente mental incluía medidas físicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias.

Aos poucos, com o avanço das teorias organicistas, o que era considerado como doença moral passa a ser compreendido também como uma doença orgânica. No entanto, as técnicas de tratamento empregadas pelos organicistas eram as mesmas empregadas pelos adeptos do tratamento moral, o que significa que, mesmo com uma outra compreensão sobre a loucura, decorrente de descobertas experimentais da neurofisiologia e da neuroanatomia, a submissão do louco permanece e adentra o século XX.

A partir da segunda metade do século XX, impulsionada principalmente por Franco Basaglia, psiquiatra italiano, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber, do tratamento e das instituições psiquiátricas. Esse movimento inicia-se na Itália, mas tem repercussões em todo o mundo e muito particularmente no Brasil.

Nesse sentido é que se inicia o movimento da Luta Antimanicomial que nasce profundamente marcado pela idéia de defesa dos direitos humanos e de resgate da cidadania dos que carregam transtornos mentais.

Aliado a essa luta, nasce o movimento da Reforma Psiquiátrica que, mais do que denunciar os manicômios como instituições de violências, propõe a construção de uma rede de serviços e estratégias territoriais e comunitárias, profundamente solidárias, inclusivas e libertárias.

No Brasil, tal movimento inicia-se no final da década de 70 com a mobilização dos profissionais da saúde mental e dos familiares de pacientes com transtornos mentais. Esse movimento se inscreve no contexto de redemocratização do país e na mobilização político-social que ocorre na época.

Importantes acontecimentos como a intervenção e o fechamento da Clínica Anchieta, em Santos/SP, e a revisão legislativa proposta pelo então Deputado Paulo Delgado por meio do projeto de lei nº 3.657, ambos ocorridos em 1989, impulsionam a Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Em 1990, o Brasil torna-se signatário da Declaração de Caracas a qual propõe a reestruturação da assistência psiquiátrica, e, em 2001, é aprovada a Lei Federal 10.216 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Dessa lei origina-se a Política de Saúde Mental a qual, basicamente, visa garantir o cuidado ao paciente com transtorno mental em serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, superando assim a lógica das internações de longa permanência que tratam o paciente isolando-o do convívio com a família e com a sociedade como um todo.

A Política de Saúde Mental no Brasil promove a redução programada de leitos psiquiátricos de longa permanência, incentivando que as internações psiquiátricas, quando necessárias, se dêem no âmbito dos hospitais gerais e que sejam de curta duração. Além disso, essa política visa à constituição de uma rede de dispositivos diferenciados que permitam a atenção ao portador de sofrimento mental no seu território, a desinstitucionalização de pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos e, ainda, ações que permitam a reabilitação psicossocial por meio da inserção pelo trabalho, da cultura e do lazer.

A mostra fotográfica que aqui se apresenta traz a força documental das imagens, que, para além das palavras, prova que a mudança do modelo de atenção aos portadores de transtornos mentais não apenas é possível e viável, como, de fato, é real e acontece.

Em parceria, a Coordenação Nacional de Saúde Mental e o Programa de Humanização no SUS, ambos do Ministério da Saúde, registraram o cotidiano de 24 casas localizadas em Barbacena/MG, nas quais residem pessoas egressas de longas internações psiquiátricas e que, por suas histórias e trajetórias de abandono nos manicômios, mais parecem personagens do impossível.

Antes, destituídos da própria identidade, privados de seus direitos mais básicos de liberdade e sem a chance de possuir qualquer objeto pessoal (os poucos que possuíam tinham que ser carregados junto ao próprio corpo), esses sobreviventes agora vivem. São personagens da cidade: transeuntes no cenário urbano, vizinhos, trabalhadores e também turistas, estudantes e artistas. Compuseram e compõem novas histórias no mundo.

Essa mostra fotográfica de beneficiários do Programa de Volta para Casa e moradores de Serviços Residenciais Terapêuticos é, acima de tudo, uma homenagem aos que transpuseram os muros dos hospitais, da sociedade e os seus próprios.

FONTE: http://www.ccs.saude.gov.br

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

É possível envelhecer bem, tendo Síndrome de Down

É possível envelhecer bem, tendo Síndrome de Down.

Inclusão, cidadania e longevidade. Esta foi a história do norteamericano Bert Holbrook, que em 2008, ao completar 80 anos de idade, recebeu o título do Livro Guiness de Recordes como a pessoa mais idosa com síndrome de Down. Este poderia ser também um exemplo de “Envelhecimento bem Sucedido”?

Os dados foram assim colocados no livro: “Bert Holbrook, americano, nascido em 24 de agosto de 1928, é atualmente o homem mais velho com síndrome de Down, com 80 anos e 79 dias em 11 de novembro de 2008.”

Bert vivia nesta ocasião na pequena cidade onde nasceu em Minesota e era cuidado desde 1984 em uma Instituição especializada. Sempre vaidoso, alegre, comunicativo e bem humorado, gostava de desenhar com lápis de cor, contava seus sonhos engraçados aos cuidadores e às vezes recusava a refeição porque se achava muito gordo.

Assim como tantas outras pessoas com deficiência, Bert viveu com a sua família por muitos anos, trabalhou no pequeno negócio familiar e sempre foi uma pessoa querida por todos em sua comunidade. Em 2008 ainda tinha uma irmã viva de 90 anos que morava em outra cidade e comemorou o fato à distância. Ao receber o diploma do Guiness Book, mesmo estando com demência, Bert disse: “É tão legal!”

Na época em que ele nasceu, a expectativa de vida de uma pessoa com síndrome de Down era de 9 anos em média, mas em 2005 esta realidade já era bem diferente alcançando os 55 anos. Este fato se relaciona às mudanças progressivas na qualidade de suporte e cuidados oferecidos, não se tratando portanto de um fato biológico mas sim, de uma conquista socio-cultural.

A trissomia do cromossomo 21 foi identificada geneticamente em 1958, mas a síndrome já havia sido descrita desde 1866 pelo médico John Langdon Down que à época denominou o quadro como “mongolismo”. Os registros antropológicos mais antigos de que se tem conhecimento datam de um crânio saxônico do século VII, entretanto estátuas provávelmente representativas de pessoas com essa

síndrome foram identificadas no golfo do México, sendo datadas de cerca de 3.000 anos passados.

Apesar da síndrome estar associada a uma idade mais avançada dos pais, fatores ambientais tais como radiação, medicamentos e infecções parecem expor o ovócito a um meio mais hostil durante a sua passagem pela trompa, deixando-o mais vulnerável à ocorrência de anomalias .

Dessa forma pode-se dizer que fatores ambientais parecem ser capazes de interferir tanto com a possibilidade de nascimento com a trissomia do 21, quanto com a chance de uma vida mais longa ou, uma vida com bem estar e felicidade. Nesse sentido, a nossa co-responsabilidade só tende a aumentar.

O Inglês Joseph Sanderson de 74 anos, também pertence a este grupo tão seleto de pessoas, capazes de celebrar a vida com alegria, em presença de diferenças.

Por ocasião da comemoração do último aniversário de Joseph em 2010, Angela, a sua irmã mais velha já com 77 anos, comentou: “ Ele teve uma vida feliz, e tem sido bem tratado. Talvez seja por isso.”

Ao longo da sua vida Jospeh pôde frequentar serviços de assistência especializada na modalidade “centro-dia” e nos últimos seis anos vive em um serviço de longa permanência. Segundo Angela, sempre que visita o irmão percebe que é de fato uma pessoa feliz e gosta do local onde vive. Na visão dos cuidadores, é um sujeito atrevido e brincalhão e se relaciona bem com todas as pessoas daquela comunidade

Para Bert, Joseph e Alison, a longevidade
se mostrou como uma conquista
que desafiou os conceitos usuais sobre
a vulnerabilidade das pessoas com
Síndrome de Down ou outros transtornos
do desenvolvimento.

Ao conhecer estas três histórias poderíamos
nos perguntar:

essa longevidade associada a bem estar
teria sido uma questão relacionada

a Genoma, Epigenética,
Acaso ou Oportunidade?

“Temos muito que estudar ainda, e entender como os genes interagem de forma a responder ao ambiente é de fundamental importância.” (03)


Sem dúvida, os avanços de um modo geral nos cuidados à saúde, têm contribuído para o aumento da longevidade dos indivíduos que convivem com a presença de deficiências ou incapacidades relacionadas a trantornos do desenvolvimento e instaladas portanto, desde idades mais precoces.

Entretanto, ao contrário dos indivíduos que apresentam limitações funcionais adquiridas e relacionadas ao avanço da idade, a demanda por suporte tem caráter contínuo ao longo da vida implicando na necessidade de uma rede de atenção, cuidados e reabilitação que contemple de fato a chamada “linha de cuidado”. (26) (27)

Uma questão muito particular neste caso, se relaciona aos cuidadores familiares que habitualmente se referem aos pais, sendo portanto de uma geração ainda mais velha e podendo faltar em sua possibilidade de fornecer o cuidado direto a qualquer momento.

Nos últimos anos a trissomia do cromossomo 21 tem sido utilizada como modelo para o estudo dos mecanismos fisiopatológicos relacionados à doença de Alzheimer, uma vez que as duas situações apresentam alguns marcadores genéticos em comum capazes de interferir em mecanismos moleculares relacionados à cascata amilóide e ao stress oxidativo que comprometem algumas microestruturas cerebrais. (06) (07)

Indivíduos com a Síndrome de Down, têm grande chance de manifestar sintomas da doença de Alzheimer após os 40 anos de idade, mas a sua real prevalência ainda é um ponto conflitante entre as diversas pesquisas sobre o tema (05).

Alguns pesquisadores defendem que a maior prevalência de demência nestes casos pode também estar associada à menor exposição destes indivíduos a ambientes estimuladores ao longo da vida interferindo portanto na sua capacidade, mesmo que limitada, de desenvolver uma maior reserva cognitiva.

Sob uma linha similar de raciocínio, Carmeli e cols. (02) sugerem que o estilo de vida fisicamente mais inativo das pessoas com Down, poderia ser responsável tanto pela maior expressão de dificuldades de ordem motora quanto pela ocorrência de um processo mais acelerado de envelhecimento, que por sua vez, estaria relacionado às mudanças na composição corporal e suas consequências metabólicas. Nesse sentido podemos pontuar a importância de se detectar a possível presença de obesidade sarcopênica, já bastante explorada pela literatura mais específica.

A dupla dependência – Uma epidemia silenciosa

Dentre os 24,6 milhões de brasileiros com deficiência 1,5% encontram-se
na faixa etária compreendida entre 0 e 4 anos enquanto
29% pertencem à faixa da população idosa.

O modelo biomédico da incapacidade baseado até recentemente na presença de deficiências de ordem mais biológica, está sendo progressivamente substituído por um modelo social, a partir do qual, a incapacidade é compreendida enquanto condição que se situa primàriamente em contextos de ordem socio-cultural ambiental e psicológica, que acabam por interferir com a habilidade funcional expressada pelos indivíduos. (01) (17) (22) (23)

A partir destes pressupostos torna-se possível defender que a intervenção em fatores potencialmente modificáveis de ordem sócio-ambiental possa ampliar as oportunidades tanto para uma maior adaptabilidade funcional quanto para a percepção de qualidade de vida.

A disponibilidade de oferta de suporte e estimulação no longo prazo, pode marcar definitivamente a vida destes indivíduos e suas famílias, ao viabilizar seu desenvolvimento, inclusão e a participação. Nesse sentido o acesso às técnicas e tecnologias compatíveis com o estágio de conhecimentos que a humanidade já alcançou nesta área, se relaciona a uma questão de equidade e justiça social.

Perante uma realidade mundial que está vislumbrando tanto o envelhecimento populacional maciço quanto a maior longevidade das pessoas com condições incapacitantes, discutir de forma participativa as estratégias necessárias para o desenvolvimento de sistemas articulados de cuidados de longo prazo, deveria ser um compromisso mais claro das poliiticas públicas em nosso meio.

Nas palavras de Marinéia Crosara de Resende e Anita Liberalesso Neri , “envelhecer com uma deficiência física é um processo que exige competência adaptativa e resiliência aos eventos de vida e aos desafios acarretados pela deficiência”(15).

Entretanto, além dos atributos de ordem mais pessoal se faz necessário considerar que uma sociedade que se proponha a ser inclusiva, certamente deve disponibilizar oportunidades abrangentes que contemplem as diferenças. Algumas vezes , advogar por uma auto-suficiência é no mínimo irreal para quem vive com deficiências mais severas (24) e precisa necessariamente das compensações advindas de elementos externos. Nesse caso não se trata de uma questão de promoção da independência, mas de satisfação das demandas geradas pela dependência.

Segundo Livingston e cols. é possível detectar a existência de uma situação de “Envelhecimento Bem Sucedido” em presença de adversidades tais como a demência, que foi detectada em pesquisas a partir da percepção individual de satisfação com a vida associada à qualidade das relações sociais e ao bem estar emocional. (25)

O desenvolvimento de políticas baseadas em direitos, e não em necessidades , talvez seja uma das maneiras possíveis de se compreender a cidadania tal como a teria imaginado Aristóteles:

uma postura participativa perante a vida em sociedade, que possa ultrapassar as questões delimitadas pela vida meramente biológica para adentrar na construção de uma vida biográfica.

Enquanto isso não alcança o nosso cotidiano em mundo real, vamos parabenizar os inúmeros Berts , Jospehs e Alisons ainda desconhecidos pela grande mídia, seus familiares, as equipes que lhes prestaram assistência e as comunidades do seu entorno, que optaram de forma compartilhada pela inclusão e pelas propostas em prol da vida.