ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Trauma de Extremidades


Introdução

Trata-se de um capítulo muito importante, por tratar de lesões muito frequentes e de tipos variados que podem trazer consequências drásticas tanto imediatas quanto tardias.

Tanto as lesões de extremidades que cursam com hemorragia intensa e visível quanto os sangramentos que ocorrem para os tecidos moles e cavidades internas devem ser rapidamente controlados, pois podem facilmente cursar com perdas volêmicas extremamente significativas, até mesmo o choque hemorrágico.

O trauma musculoesquelético consiste em lesões causadas por trauma que envolvem ligamentos, músculos e os ossos. De maneira geral, a história e o exame clínico fazem o diagnóstico destas lesões, que demandam atenção logo que possível por poderem, quando não adequadamente tratadas, resultar em invalidez permanente ou complicações decorrentes da hemorragia, principalmente em fraturas múltiplas, da pelve ou bilaterais do fêmur.


Avaliação

A avaliação do paciente traumatizado que apresente trauma de extremidades é, obviamente, a mesma preconizada de maneira geral pelo ATLS.

Cabe ressaltar que, por essas lesões apresentarem muitas vezes sangramento importante ou desalinhamento ósseo grave, muitas vezes o socorrista abandona o protocolo devido a sua ansiedade em controlar o sangramento ou aliviar a dor. Tal conduta é errônea e deve ser combatida. A prioridade das vias aéreas e da respiração deve ser mantida. Apenas com o paciente estabilizado em relação a isso é que damos o passo seguinte que consiste na análise da circulação sanguínea do paciente.

Obviamente, em um serviço que disponha de mais de um socorrista para realizar o atendimento, é benéfica a intervenção simultânea em relação às partes respiratórias e circulatórias.

Sempre lembrar que as fraturas, especialmente as de pelve, que podem sequestrar até 2l, devem ser consideradas lesões potencialmente depletoras de volume e muitas vezes encontram seu lugar no C do ABCDE do trauma.

No exame físico o paciente deve estar despido e deve ser feita a comparação das extremidades com as extremidades contralaterais. Qualquer fator de dissemelhança pode ser sugestivo de lesão.

É de imensa importância analisarmos a perfusão do membro lesado, para nos assegurarmos de que não haja lesão vascular associada ao trauma, o que ocorre com relativa frequência nas luxações de joelho. Logo, devemos nos ater a observar: semelhança das extremidades, sangramentos, coloração da pele, escoriações, crepitação, temperatura, dor, movimentação ativa e passiva e, sobretudo, pulsos.

O estado neurológico pode se encontrar alterado por lesão direta do nervo, lesão vascular ou por Síndrome compartimental.

Caso apareçam ou persistam, após o alinhamento da fratura, sinais sugestivos de leão vascular ou nervosa, o médico deve verificar o método de imobilização e reavaliar o alinhamento do membro.

A avaliação da perfusão distal pode ser feita com medidas de pressão arterial, como ou sem o auxílio do Doppler. Em casos de dúvida, o médico pode se utilizar de métodos de imagem como a angiografia, que pode ser realizada assim que o paciente estiver estável.

Os ferimentos que apresentam maior gravidade e risco de infecção são:

· ferimentos com mais de 6 h de evolução;

· ferimentos contusos, abrasões ou avulsões;

· ferimentos com mais de 1 cm de profundidade;

· lesões resultantes de projetil de arma de fogo de alta velocidade;

· lesões resultantes de queimaduras por eletricidade,calor ou frio;

· lesões com contaminação significativa;

· lesões com tecido denervado ou isquêmico.


Síndrome Compartimental

Ocorre quando a pressão intersticial atinge um valor acima da pressão capilar, provocando colapso vascular e levando a isquemia local dos tecidos, resultando em paralisia permanente ou necrose, recebendo o nome de Sd. de Volkman. Isso pode ocorrer em apenas um compartimento aponeurótico ou mais, principalmente na perna ou antebraço. Pode levar diversas horas para se estabelecer, e tem como causas esmagamentos, fraturas, compressão mantida em extremidade de paciente comatoso, após restauração de fluxo em membro previamente isquêmico, após o uso de dispositivo pneumático antichoque, etc.

Os sinais e sintomas da Sd compartimental são: dor progressiva e intensa, quando se movimenta passivamente os músculos acometidos, diminuição da sensibilidade, edema e edurecimento, fraqueza ou paralisia dos músculos envolvidos. Se o exame físico não excluir a Sd compartimental, pode-se medir a pressão intracompartimental que não deve exceder 35-45 mmHg. Alguns pacientes com exame neuro-vascular normal, mesmo com pressões elevadas não necessitam de tratamento cirúrgico, mas comprometimento neuro-vascular indica a fasciotomia de urgência.


Amputações traumáticas

Representam um risco significativo de vida e à sobrevivência do coto residual da extremidade, por isso a hemostasia e os cuidados com a ferida têm prioridade no tratamento.

Os cuidados com a parte amputada consistem em: coibir o sangramento da extremidade por compressão com pano ou compressa limpos; envolver o coto residual em pano limpo, introduzi-lo em um saco plástico e então mergulhar em uma caixa com gelo, afim de aumentar sua viabilidade por resfriamento.


Lesões ligamentares

São lesões localizadas na região articular que provocam um movimento que ultrapassa a amplitude normal da articulação em uma ou mais direções.

Podem causar desde pequenos estiramentos ligamentares (entorses) até rupturas completas de ligamentos e da cápsula, podendo provocar uma luxação.

Para melhor identificar a gravidade da lesão o exame clínico deve ser realizado, se possível, sob anestesia local, troncular ou geral.

Uma radiografia em estresse pode comprovar o grau da lesão, evidenciando o grau de subluxação ou luxação.A ultrassonografia também pode identificar a lesão.

O tratamento visa restituir a estabilidade articular , podendo ser incruento (imobilização) ou cirúrgico (sutura dos ligamentos e da cápsula articular) sendo este reservado para as lesões mais instáveis e para competidores esportivos.

As luxações representam o desencaixe da articulação; significam a ruptura completa dos ligamentos e da cápsula articular e constituem lesões de grande gravidade, devendo ser reduzidas o mais räpido possïvel para reestabelecermos a embebicão articular.


Lesões musculares

São causadas por traumas diretos ou indiretos nos músculos provocando lesões que interrompem , em extensão variavél, a integridade das fibras musculares.

As radiografias demonstram poucas alterações, enquanto a ultra-sonografia e a RNM são muito úteis para se visualizar a entensão da lesão.

O tratamento dependerá da entensão da lesão, do músculo acometido e da atividade do paciente. Pode variar desde a imobilização até a reparação cirúrgica , principalmente nas lesões completas do ventre muscular, nas transições miotendíneas, no tendão ou na inserção óssea.

Fraturas

É a perda de capacidade do osso de transmitir normalmente a carga durante o movimento, por perda da integridade estrutural.

O aspecto radiográfico geralmente nos permite definir o mecanismo do trauma.

Do ponto de vista de exame clínico é importante analisar com precisão o acometimento das partes moles.Desta maneira temos as fraturas EXPOSTAS (abertas) ou FECHADAS.

As fraturas expostas se caracterizam por contato com o meio externo e possuem grande risco de contaminação.

Nunca se deve esquecer de avaliar de imediato as lesões nervosas e vasculares envolvidas no trauma.

A classificação de fraturas expostas de maior aplicação prática é a de Gustillo:

· Grau I - quase puntiforme

· Grau II - sem perda de substância, de 1 a 6 cm,mas pouco contaminada

· Grau III - com perda de substância, acima de 6 cm.

· Grau III A - osso periostizado, lesão moderada de tecidos moles
· Grau III B - osso desvitalizado, lesão extensa de partes moles

· Grau III C - lesão vascular ou nervosa.

Com relação ao seu tratamento temos como variável importante o tempo:

Até 6 horas: ferida contaminada (as bactérias ainda não se fixaram) de seis a doze horas: potencialmente infectada doze horas ou mais: infectada

Consolidação

A consolidação da fratura é uma reação inflamatória, localizada, acelerada e controlada no tempo que produz uma cura não por tecido cicatricial, mas por tecido ósseo igual ao original. Pode se dar de maneira direta (primária) ou indireta (secundária) e sempre necessita de duas condições: vascularização e estabilidade.

A consolidação indireta se dá na natureza, sem intervenção ativa. A dor e instabilidade local acabam provocando uma contratura dos músculos próximos, o que propicia uma redução da instabilidade anteriormente apresentado as custas, muitas vezes de encurtamento. O hematoma local possui células pluripotentes que se diferenciam em fibrócitos e condrócitos que produzem um arcabouço fibroso para estabilizar a fratura; só então haverá produção de tecido ósseo. A ossificação se inicia distalmente sob formato de reação periostal.

A consolidação direta não apresenta o calo ósseo, evoluindo com a produção de tecido ósseo diretamente e sua unidade funcional é a osteona, que cnsiste em um capilar neoformado a partir do osso vascularzado que possue osteoclastos que imediatamente passam a absorver o osso desvitalizado e então o capilar conduz histiócitos que se diferenciam em osteoblastos que produzem a matriz osteóide.

Das duas maneiras, a consolidação se dá em aproximadamente 2 meses e o fenômeno de remodelação se dá em 18 meses.

Tratamento

O tratamento da fratura segue o que se chama “personalidade da fratura”, que se define de acordo com característics próprias da fratura, da equipe médica, do doente, do hospital e do material disponível. Logo, uma mesma fratura pode apresentar mais de um tratamento adequado.

O objetivo a ser alcançado é a manutenção da função, nos níveis existentes antes do acidente, no menor espaço de tempo, sem prejuízo na consolidação, com as articulações vizinhas estáveis, sem a presença de dor e de maneira permanente. Isto pode ser obtido de modo cruento ou incruento.

• Tratamento cruento:

Há três níveis de indicação do tratamento operatório:

> indicações absolutas:

· interrupção do aparelho extensor

· fraturas instáveis de colo de fêmur

· fraturas articulares instáveis e com desvio

· fraturas de diáfise dos ossos do antebraço

· fraturas expostas

· pseudo-artroses

· falha no tratamento conservador

· polifraturados e politraumatizados

· fraturas associadas à lesão vascular.

> indicações recomendáveis:

· fraturas de diáfise de fêmur

· justa articulares

· maleolares

· diáfise de úmero instáveis ou em obesos

· instáveis de diáfise de tíbia

· etc

> indicações relativas:

vão de acordo com características próprias do doente e não da fratura. Exemplo disso seria paciente que não aceita permanecer por longo período imobilizado ou não pode se afastar do serviço por muito tempo.

Existem dois tipos de osteossíntese (método cirúrgico): fixação externa e interna.

A fixação externa se utiliza de aparelhos transfixantes (se utilizam de fios de Kirschner) ou não transfixantes e propicia boa estabilização sem a necessidade de abordagem maior próxima ao foco.

A fixação interna se utiliza de placas (de proteção, compressão ou sustentação) ou de síntese intramedular (hastes intramedulares, pinos de Rush, gama nail, etc) e pode ser realizada com ou sem a abertura do foco.

• Tratamento incruento:

Consiste em:

· abstenção de tratamento: para fraturas que não necessitam de intervenção por não apresentarem desvio importante ou dor. Ex.: 3o. ou 4o.metacarpianos, terço proximal de fíbula, etc.

· imobilização com enfaixamento ou gessada: visa redução da fratura e alívio da dor. Ex.: costelas, diáfise de úmero e clavícula, etc.

· redução incruenta seguida de engessamento: recolocação dos fragmentos com manobras externas seguida de engessamento uma articulação acima e uma abaixo do foco.

· tração esquelética ou cutânea seguida ou não de aparelho gessado: redução dos fragmentos de maneira leta e progressiva. A tração esquelética é mais eficiente, sendo que a cutânea apresenta caráter provisório enquanto o melhor método de tratamento é sendo providenciado.

Complicações:

Muitos fatores podem interferir na consolidação e até mesmo impedi-la. Os principais, citados na literatura, são:

· infecção

· afastamento dos fragmentos

· interposição de tecidos moles

· imobilização inadequada

· imobilização por tempo insuficiente

· etc

De modo geral, todos os fatores citados ocasionam instabilidade e/ou vascularização insuficiente. Há três complicações importantes que merecem consideração: retardo da consolidação, consolidação viciosa e pseudo-artrose (que é a ausência de consolidação após 8 meses de tratamento adequado).