ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 3)


Periplasma (gel periplasmático) - Corresponde a um espaço situado entre a membrana externa e membrana citoplasmática, encontrado em células Gram negativas. Embora questionáveis, relatos esporádicos descrevem a existência de um espaço observado entre o peptideoglicano e a membrana citoplasmática de organismos Gram positivos. O periplasma apresenta consistência de gel, provavelmente devido ao grande número de proteínas presentes nesta região. Em virtude disto, este "espaço" passou a ser denominado gel periplasmático. O periplasma pode atingir de 1 a cerca de 70 nm de espessura, correspondendo a até 40% do volume total da célula. Em Gram negativas, tem grande importância, pois várias enzimas e outras proteínas estão localizadas, incluindo hidrolases, proteínas de ligação envolvidas no transporte e quimiorreceptores. Bactérias quimiolitotróficas e denitrifcantes apresentam muitas vezes proteínas transportadoras de elétrons no periplasma, outras apresentam enzimas envolvidas na síntese de peptideoglicano. A presença do periplasma bactérias Gram positivas é ainda motivo de controvérsias, devido ao enorme potencial secretor que este grupo apresenta.

Membrana Citoplasmática - Estrutura delgada, com cerca de 8 nm, composta por uma bicamada fosfolipídica (podendo apresentar 7 tipos de fosfolipídeos diferentes), entremeada de proteínas (cerca de 200 tipos distintos), atuando como importante barreira osmótica, altamente seletiva. Normalmente, as membranas de organismos procariotos apresentam maiores concentrações de proteínas que as membranas eucarióticas, tendo em vista a ausência de organelas citoplasmáticas nas bactérias.
A bicamada fosfolipídica é composta por glicerol ligado a duas cadeias de ácidos graxos, através de ligações do tipo éster, com proteínas entremeadas. Tanto as proteínas como os fosfolipídeos podem mover-se lateralmente ao longo da membrana. Esta é estabilizada principalmente por interações hidrofóbicas e por pontes de H. Paralelamente, os íons Ca+2 e Mg+2 também participam, interagindo ionicamente com as cargas negativas dos fosfolipídeos.
Via de regra, os fosfolipídeos bacterianos contém ácidos graxos com cadeias não ramificadas de 16 a 18 átomos de carbono. Esta composição pode ser variável, de acordo com as condições ambientais. Assim, quando cultivadas em temperaturas baixas, há um aumento da proporção de ácidos graxos insaturados, aumentando consequentemente a fluidez da membrana. Por outro lado, aumetando o grau de saturação, as cadeias tornam-se mais rígidas, pois as moléculas têm maior capacidade de associação.

Esquema da membrana citoplasmática bacteriana
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)


Via de regra, exceto no caso dos micoplasma (bactérias desprovidas de parede celular), micoplasmas, as membranas procarióticas não apresentam esteróis, como observado em eucariotos. Entretanto, muitas bactérias apresentam moléculas pentacíclicas, semelhantes a esteróis, denominadas hopanóides, talvez conferindo maior rigidez à membrana. A presença de esteróis na membrana citplasmática de micoplasmas pode ser justificada pela ausência da parece celular, neste grupo de organismos.


Similaridade estrutural entre os esteróis (a), colesterol (b) e hopanóides (c)
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Mesossomos - correpondem a extensas invaginações da membrana citoplasmática, em forma de vesículas, lamelas ou túbulos. Geralmente são encontrados com maior abundância em Gram positivos, mas também presentes em Gram negativos. Até hoje, sua existência e funções são ainda debatidas pelos pesquisadores. Diversas funções têm sido atribuídas aos mesossomos, tais como a participação na segregação dos cromossomos durante a divisão, papel respiratório, papel na esporulação, ou até mesmo como sendo um mero artefato decorrente dos procedimentos utilizados para a preparação microscópica dos espécimes. A partir do acahado de extensos mesossomos em bactérias de grandes dimensões, acredita-se que sua principal função seja de aumentar a superfície da membrana, aumentando assim o conteúdo enzimático das células.

Matriz Citoplasmática -
É composta por cerca de 70% de água, além dos demais compostos celulares, tais como o DNA, inclusões e plasmídeos. Caracteristicamente, o citoplasma celular apresenta um grande concentração de ribossomos e proteínas, tais como proteínas atuando como um sistema de citoesqueleto.

Nucleóide e plasmídeos- Os procariotos são organismoshaplóides, geralmente apresentando apenas 1 único cromossomo não envolto por carioteca. Eventualmente, algumas bactérias podem apresentar 2 ou 3 cromossomos. O cromossomo bacteriano é normalmente cirucular e encontra-se bastante enovelado, em uma região celular denominada nucleóide. Em bactérias, o cromossomo não apresenta-se associado a histonas, sendo estabilizado por outras proteínas de natureza básica. Geralmente o DNA cromossomal corresponde a uma molécula bastante grande, podendo ser 1000 vezes maior que a própria célula. Em E. coli, o DNA possui cerca de 4,7 Mb, exibindo aproximadamente 1 mm de comprimento, quando linearizado.


(Adaptado de An Electronic Companion to Microbiology)

Várias bactérias apresentam também moléculas de DNA extracromossomal, denominadas plasmídeos, as quais são geralmente circulares, contendo muitas vezes genes que conferem características adaptativas vantajosas ao microrganismo. Seu número e dimensões são bastante variáveis.

Corpúsculos de inclusão - São grânulos de armazenagem, de diferentes naturezas, sendo geralmente utilizados como fonte de material de reserva ou energia, muitas vezes insolúveis. Estes podem apresentar-se sem qualquer envoltório ou envoltos por uma única camada lipídica delgada (diferente de uma membrana), ou por proteínas.
Dentre os compostos orgânicos armazenados temos o glicogênio, o amido e poliidroxibutirato. Já dentre os inorgânicos temos polifosfatos (volutina ou metacromáticos) e enxofre.


Grânulos de poliidroxibutirato
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)


Os magnetossomos são partículas intracelulares de magnetita (Fe3O4), que originam um dipolo magnético na célula, que pode responder aos campos geomagnéticos. Estes foram descritos em algumas bactérias aquáticas e algas. Outras bactérias aquáticas apresentam vesículas de gás, que conferem mobilidade nas diferentes camadas de água. São estruturas em forma de fuso, ocas, compostas por proteínas, tendo tamanhos variáveis (30 - 300 nm de diâmetro e até 1000 nm de comprimento). Consistem de um orifício oco envolto por uma membrana (armação) protéica extremamente delgada (2 nm). Nesta membrana encontram-se por 2 tipos de proteínas que originam uma estrutura rígida, impermeável à agua e permeável a gases. A proteína predominante tem cerca de 7.5 kDa, contendo Å 50% de resíduos de aminoácidos hidrofóbicos (Ala, Val, Leu, Ile), provavelmente voltados para o interior da partícula, evitando a entrada de água.


Células apresentando magnetossomos em seu interior (corpúsculos negros enfileirados)
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)


Preparação de magnetossomos
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)

Bactérias se movendo em direção a um campo magnético
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)

Esquema de uma vesícula de ar, indicando como as proteínas que a formam se associam
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)


Ribossomos - Estes são extremamente abundantes, encontrando-se livres no citoplasma ou associados à face interna da membrana citoplasmática. São partículas compostas por proteínas e rRNA Embora sua composição seja similar a dos ribossomos eucarióticos, exibem várias diferenças: apresentam coeficiente de sedimentação 70 S (50 e 30 S). A subunidade 30 S é constituída por 21 proteínas e por um rRNA 16 S (1542 nt), enquanto a 50 S, apresenta 32 proteínas e os rRNAs 23 S (2904 nt) e 5 S (120 nt). Já nos eucariotos, na 40 S temos 33 proteínas e o 18 S (1874 nt) e na 60 S, 49 proteínas e os 28 S, 5.85 S (4718 + 160 nt) e o 5 S (120 nt).

Endosporos - Estruturas de latência que exibem altíssima resistência tanto a agentes físicos como químicos. Os esporos foram encontrados, até o momento, em alguns gêneros Gram positivos, tais como Clostridium, Bacillus e Sporosarcina. Estas estruturas de dormência se caracterizam pela extraordinária resistência ao calor, às radiações, aos desinfetantes e à desidratação. Quando as bactérias com capacidade de esporular se encontram em ambientes cujas condições tornam-se inadequadas, estas iniciam o processo de esporulação, garantindo assim a manutenção de seu material genético.
Quando analisados por microscopia eletrônica, revelam uma estrutura complexa, sendo compostos por várias camadas. Mais externamente, há o exosporium, que corresponde a uma fina e delicada. Abaixo do exosporium encontramos a capa do esporo, composta por uma ou várias camadas protéicas, provavelmente responsável pela resistência aos agente químicos. Mais internamente há o córtex, composto por camadas de peptideoglicano ligadas frouxamente entre si. Abaixo do córtex há a parede celular do esporo e o cerne, contendo a parede celular, membrana e outros componentes citoplasmáticos, metabolicamente inativos.
Uma possível explicação para a enorme resistência dos esporos seria a presença de um composto denominado ácido dipicolínico, localizado no cerne, correspondendo a cerca de 15% do peso seco. O ácido dipicolínico associa-se a íons cálcio, originando o dipicolinato de cálcio, que provavelmente estabiliza os ácidos nucléicos contidos no cerne. Além disso, foram detectadas proteínas de ligação a ácidos nucléicos, que também auxiliam na estabilização destes. Além disso, o grau de desidratação do esporo também é um fator importante na sua resistência, bem como a presença de tantas camadas, tornando-o bastante impermeável.


Micrografia eletrônica colorizada, de um bacilo com um endosporo ainda no interior da célula

Estrutura de um endosporo, com suas diferentes camadas
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)

A esporulação geralmente inicia-se em decorrência de alguma carência nutricional, sendo um evento complexo, envolvendo muitas vezes mais de 200 genes. Geralmente é um evento demorado (cerca de 10 horas em algumas espécies), podendo ser subdividido em 7 estágios. No estágio I há a formação de um filamento axial do material do nucleóide. Em seguida (II) a membrana começa a invaginar-se, de maneira a revestir o DNA, formando um septo. O estágio III caracteriza-se pelo engolfamento do pré-esporo pela membrana, formando um segundo envoltório. A seguir (IV), há a deposição do córtex entre as duas membranas e o acúmulo do dipicolinato de cálcio. No estágio V as proteínas da capa se estruturam sobre o córtex. no estágio VI o esporo sofre uma maturação. O processo termina (VII) com a libração do esporo pela ação de enzimas líticas, que destroem o corpo bacteriano (também denominado de esporângio).


Processo de esporulação
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)


Quando em condições favoráveis, ocorrerá o processo de germinação, onde o esporo dará novamente origem à célula vegetativa. Este processo pode ser subdividido em 3 estágios: Ativação, Germinação e Crescimento.
A ativação é um processo reversível, que prepara o esporo para a germinação. Na germinação, começa a ocorrer um intumescimento, em decorrência da absorção de água do meio. Há então a ruptura ou reabsorção da capa do esporo, a perda da resistência e o aumento da atividade metabólica. Este estágio pode ser disparado por diferentes metabólitos, tais como açúcares ou aminoácidos. A última etapa consiste no crescimento, quando o metabolismo normal é retomado e há a síntese dos constituintes normais de uma célula vegetativa. Neste momento, o protoplasto emerge do restante da capa e desenvolve-se normalmente, outra vez.

Processo de germinação do esporo
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)