ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 2 de maio de 2010

AFOGAMENTO


Introdução

Definição

Afogamento é a morte por asfixia, que resulta de um acidente por submersão, dentro do 1° dia do acidente. O termo quase-afogamento refere-se à vítima que sobrevive à asfixia decorrente de um episódio de submersão, pelo menos por 24 horas.

Epidemiologia

Taxa anual de 3,5 mortes/100.000 habitantes da população mundial.1

É considerado a 4ª causa de morte acidental em adulto e 50% associado à bebida alcoólica. Entre 1ª e 3ª causa de morte na infância, com picos entre 1 e 2 anos, por falta de vigilância, com maior risco de acidente em piscinas e banheiras; e entre 10 e 19 anos, por desconhecimento do local de mergulho, excesso de confiança e exaustão de nadadores, predominando em qualquer faixa etária no sexo masculino.1-5-6-7-8

Aproximadamente 24% das crianças em quase-afogamento nunca recuperaram função neurológica normal.7

Nota-se desta maneira a grande prevalência e a gravidade dessa afecção, que chamam a atenção para importância do conhecimento sobre o tema, principalmente para aqueles que se dedicam ao atendimento de emergência.

Etiologia

Apesar de que possa parecer que a incidência seja maior nos indivíduos que não sabem nadar, este não é o principal fator, já que na grande maioria dos casos, o afogamento ou o quase-afogamento apresenta-se associado a outras circunstâncias, onde os indivíduos costumam não apresentar a “luta pela vida”, característica daqueles que não sabem nadar.

Pode-se citar arritmias cardíacas (causadas por doenças cardíacas prévias, hipóxia, exaustão às convulsões e hipotermia), IAM, convulsões diretamente, abuso de drogas (incluindo o álcool), traumatismos cranianos e/ou raquimedulares e supressão da resposta à hipercapnia, devido à hiperventilação, que se costuma realizar antes dos mergulhos livres, que diminuem agudamente os níveis da PaCO2, fazendo com que o mergulhador entre em hipóxia antes que a PaCO2 atinja os níveis de estimulação do centro respiratório, podendo este indivíduo perder a consciência, antes de sentir a necessidade de respirar.5

Fisiopatologia

A fisiopatologia não está completamente esclarecida, devido a impossibilidade de estudos experimentais em humanos, porém estudos em animais permitem a compreensão de seus principais mecanismos.

Inicialmente ocorre a aspiração de pequena quantidade de água, levando imediatamente a um laringoespasmo e apnéia voluntária por aproximadamente 2 minutos.

Em seguida, ocorre deglutição (em quantidades variáveis) de água, devido ao pânico, presença de movimentos descordenados na tentativa de atingir a superfície, agitação e confusão causados pelo aumento da hipóxia, período que tem a duração de 1 a 2 minutos. À partir daí, em 85 a 90% dos casos, ocorre o afogamento úmido com o relaxamento laríngeo, aspiração de líquido, aumentando a hipóxia e resultando em edema pulmonar, anóxia e morte, enquanto em 10 a 15% das vítimas, há laringoespasmo persistente por via reflexa, ocorrendo portanto aspiração mínima de água, caracterizando o afogamento seco. Consequentemente há anóxia, convulsões, vômitos e morte cerebral, cuja duração (desta última etapa) é bastante variável e é seguida de entrada passiva de água para os pulmões, que marca a 4ª etapa, a etapa final do afogamento.1-2-3-5(Figura 17.1).

Quanto à taxa de sobrevivência após submersão prolongada, alguns fatores podem estar associados como a hipotermia e a persistência do “reflexo de mergulho”, além do papel do sistema cardiovascular, já que no quase-afogamento é a respiração que cessa primeiro e o tempo de permanência dos batimentos cardíacos é desconhecido.

O “reflexo de mergulho” está presente nos mamíferos aquáticos sendo vestigial em humanos e é caracterizado por uma redistribuição do fluxo sangüíneo para coração e cérebro, além de bradicardia e vasoconstrição periférica, mediados por via reflexa.1 Atribui-se a sua presença em crianças muito pequenas ou a sua acentuação durante hipotermia, que apesar de provocar redução do tempo de apnéia voluntária máxima, é o principal fator associado à sobrevida em tempos de submersão maiores do que 15 minutos e à maiores taxas de recuperação neurológica completa, podendo ser melhor observado na criança, pelo resfriamento corporal rápido, devido ao fato da criança possuir maior superfície corporal em relação ao peso ou pela aspiração de líquido em baixas temperaturas, o que contribui para um resfriamento mais rápido do organismo. A queda brusca de temperatura corporal e cerebral, resulta em redução do consumo de O2 e da atividade metabólica. Além disso, provoca rigidez muscular e arreflexia, liberando menos catecolaminas, o que diminui o gasto de energia e o catabolismo, e ainda previne fibrilação ventricular. Nesses casos, os batimentos cardíacos decrescem gradativamente e a bradicardia pode persistir por períodos prolongados, protegendo os tecidos contra a anóxia.

Os acidentes por submersão podem ocorrer em água doce ou salgada e apesar do tipo de líquido aspirado ser hipotônico ou hipertônico, respectivamente, ocorre edema pulmonar em ambos os casos. Além de líquido, pode haver ainda aspiração de outras substâncias como areia, lama, vômito e vegetação aquática.4

A água doce, devido à hipotonicidade em relação ao plasma, atravessa a membrana alvéolo-capilar causando hipervolemia, hemodiluição, hemólise e hiponatremia e nos alvéolos há lesão endotelial e alteração do surfactante pulmonar, levando a atelectasias e, consequentemente, “shunt” intrapulmonar, hipoxemia e hipóxia. A extensão destas alterações depende também da quantidade de líquido aspirado.

Já a água salgada por sua vez, leva à transudação de líquido em direção ao alvéolo, levando a hipovolemia, hipernatremia e hemoconcentração. Nos pulmões ocorre aumento do líquido nos alvéolos, levando a formação do efeito shunt.

A aspiração de água contaminada pode ser um agravante, devido à infecção secundária e à aspiração de detritos, que pode levar a obstrução de pequenas vias aéreas acarretando em atelectasias e conseqüente piora da hipóxia.

Alterações Pulmonares

No afogamento, com a aspiração de líquido para os alvéolos, há diminuição da capacidade residual funcional e, consequentemente, alterações das trocas gasosas; além disso, a elevação da PaCO2 e a queda da PaO2 também ocorrem por obstrução das vias aéreas superiores devido ao laringoespasmo, resultando em hipoxemia, hipercarbia, metabolismo anaeróbio e acidose mista (metabólica e respiratória).

Ao microscópio, encontra-se colapso alveolar, edema intersticial, exsudato e fibrina intra-alveolar assemelhando-se às alterações que ocorrem na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA). Tais alterações fisiopatológicas tardias, conseqüentes do quase-afogamento, recebem a denominação de “afogamento secundário” e ocorrem horas após a aspiração, tendo caráter progressivo.3(Figura 17.2).

Além do edema pulmonar, semelhante àquele causado por disfunção ventricular esquerda e das atelectasias, costuma-se encontrar nas necrópsias, hiperexpansão do pulmão, que é atribuída ao aumento da pressão nas vias aéreas com regiões de ruptura alveolar, secundário aos violentos esforços respiratórios, realizados com a glote fechada.

Evidência de material aspirado (algas, areia, vômito, ...) é encontrado em cerca de 60 a 70% das necrópsias. As algas e água barrenta, particularmente, levam a uma importante reação inflamatória que resulta em pneumonite miliar.1-3-5

Infecção secundária apresenta importante papel apenas nos casos de submersão em água contaminada e de suspeita de aspiração de vômito, sendo estas as únicas indicações de antibioticoterapia profilática.

Alterações Cardiovasculares

Ocorrem alterações cardíacas decorrentes de distúrbios hidroeletrolíticos, hipoxemia e acidose, afetando o funcionamento das células miocárdicas, como a elevação dos níveis de catecolaminas, principalmente noradrenalina, que acarreta um espasmo coronariano e isquemia cardíaca com baixo débito. Assim, na maioria dos casos de necrópsia encontra-se hipóxia miocárdica global.5

Estudos em animais demonstraram o desenvolvimento de infiltrado inflamatório no miocárdio e edema intersticial poucos minutos após afogamento em água doce ou salgada.4

Vários tipos de arritmia podem ocorrer (taquicardia ventricular, fibrilação ventricular, bradicardia, extrassistolia, etc) e também assistolia. A bradicardia á a arritmia não-maligna mais comumente descrita nestes pacientes e costuma ser secundária à diminuição da taxa metabólica do miocárdio, hipóxia profunda ou reflexo fisiológico, geralmente associado à hipotermia.3

Alterações Neurológicas

A hipóxia profunda leva a grave comprometimento das funções do sistema nervoso central. Ocorre perda da auto-regulação vascular e isquemia cerebral por diminuição do fluxo sangüíneo cerebral, acarretando em lesão celular, além do edema citotóxico causado pela hipoxemia global, hipercarbia e acidose. Há queda da pressão de perfusão cerebral (abaixo de 80mmHg) e conseqüente hipertensão intra-craniana, agravando o processo de isquemia.

No período pós-isquemia, ou seja, após a reanimação, ocorre espasmo da musculatura lisa arterial cerebral devido ao acúmulo de cálcio no espaço intracelular. O aumento da cálcio resulta de uma complexa cadeia de eventos, os quais geram radicais livres de oxigênio, causando desintegração das membranas lipoproteicas e morte celular. A acidose intracelular deflagrará também a dissociação de proteínas ligadas ao ferro.3-5

Alterações Renais

Albuminúria, hemoglobinúria, oligúria, anemia e outras alterações renais têm sido descritos em algumas vítimas de quase-afogamento e decorrem dos efeitos da hipoxemia e hipoperfusão renal, instalando-se o quadro de necrose tubular aguda e destruição da membrana basal glomerular, levando à insuficiência renal aguda.

A hipoperfusão ocorre devido à vasoconstrição decorrente da hipotermia e do reflexo de mergulho. Esta vasoconstrição periférica leva à diminuição da perfusão da musculatura esquelética, podendo causar rabdomiólise e aumento dos níveis plasmáticos circulantes de mioglobina, sendo este mais um fator que predispõe à insuficiência renal aguda. Felizmente, a ocorrência de insuficiência renal aguda não costuma ser muito freqüente nestes pacientes.5

Alterações Metabólicas e Hidroeletrolíticas

A maioria das alterações metabólicas notadas nas vítimas de quase-afogamento são secundárias à hipoxemia aguda. A acidose metabólica devido ao metabolismo anaeróbio é regra. Sua severidade depende da duração da hipoxemia e também da taxa metabólica neste período, portanto sua severidade pode diminuir nos casos associados à hipotermia.

Geralmente não costuma haver alterações hidroeletrolíticas severas após aspiração de água salgada ou doce, presentes em apenas 15% dos casos.

Em estudos em animais, observa-se aumento súbito da pressão venosa central (PVC) após aspiração e deglutição de água, seguida rapidamente de diminuição da PVC e hipovolemia. Este estado de hipovolemia está relacionado ao início do edema pulmonar maciço.

Hipercalcemia e hipermagnesemia podem ser encontrados em casos de grande aspiração e ingestão de água salgada; já nos casos de aspiração maciça de água doce, hemólise tem sido descrita, o que pode explicar o aumento de tromboplastina eritrocitária que pode ser responsável pela ativação da cascata da coagulação, manifestando um quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD).5


Quadro Clínico

As vítimas de quase-afogamento chegam ao serviço de emergência com alteração do nível de consciência em graus variáveis, podendo estar desde conscientes até em estado de coma profundo. Esta variação depende de diversos fatores, tais como tempo de submersão, temperatura da água, aspiração de água em maior ou menor quantidade, se houve manobras de reanimação no local do acidente e o tempo para sua instituição, tempo de transporte ao hospital e presença de lesões traumáticas associadas.2

A avaliação neurológica destes pacientes é de grande importância como fator prognóstico. São utilizados principalmente três classificações, as Escalas de Conn, Glasgow e Orlowski, sendo esta última específica para casos de quase-afogamento.(Quadro 17.1 e Tabela 17.1).

As alterações respiratórias denotam haver comprometimento pulmonar em grau variável. Costuma-se observar taquidispnéia e ausculta rica em roncos, sibilos e estertoração (crepitante e subcrepitante).

Radiologia

Os exames radiológicos podem ser normais inicialmente nos casos mais leves, o que não exclui a possibilidade de comprometimento pulmonar posterior (afogamento secundário).

Quando há alteração radiológica, esta assemelha-se aos quadros de edema agudo de pulmão. Pode ser classificada em leve ou grave. No primeiro caso há presença de infiltrado alveolar fino, principalmente em região peri-hilar, simétrico e bilateral, podendo alterar-se com a mudança de decúbito do paciente. Nos casos graves há presença de infiltrados nodulares confluentes e granular fino, combinando-se com opacificações homogêneas em quase todo o pulmão. Pode haver também presença de broncograma aéreo e pequeno derrame cisural ou pleural (presença das linhas B de Kerley).3

Não há diferença entre os achados radiológicos de casos de aspiração de água doce e de água salgada.

Com o início da terapêutica observa-se melhora do padrão em 3 a 5 dias, havendo resolução completa em 7 a 10 dias. A persistência do infiltrado pulmonar além deste período sugere presença de infecção secundária, estando indicada a introdução de antibióticoterapia.


Tratamento

Inclui o resgate e a retirada da vítima da água, o 1° atendimento (manobras de ressucitação cardiopulmonar (RCP) no local), o transporte e tratamento hospitalar em UTI.

O objetivo principal é evitar os danos neurológicos, revertendo suas causas, ou seja, a hipóxia e também as possíveis alterações ventilatórias/respiratórias e cardiovasculares o mais rápido possível.2

Para isso, deve-se retirar rapidamente a vítima da água, instituíndo-se a ventilação boca-a-boca, se necessário, iniciando-se o quanto antes possível, antes mesmo de se retirar a vítima da água, bem como, as massagem cardíaca.

Deve-se tomar o cuidado de vestir material de neuprene na água fria e de se usar linha de segurança para os socorristas se houver correnteza, devendo-se utilizar se possível de barco, bote ou prancha flutuável para auxiliar o resgate e poder realizá-lo com segurança e eficiência.

Deve-se lembrar também de promover a devida imobilização cervical, se houver suspeita de traumatismo raquimedular.

Em terra firme, deve-se avaliar a permeabilidade das vias aéreas, ventilação e pulso (ABCDE) e iniciar a RCP, seguindo os protocolos atuais, levando em consideração a temperatura da água onde ocorreu a submersão e portanto a temperatura corpórea e também a duração da submersão.2

Num paciente sem pulso, com tempo de submersão menor que 1 hora, deve-se iniciar a RCP. Se a temperatura da água for inferior a 21°C, deve-se realizar RCP por mais de uma hora, pois há relatos de sucesso após 40 minutos de reanimação de vítimas submersas em água fria. Preconiza-se, nestes casos, não se abandonar as manobras de reanimação até que, após o devido aquecimento do corpo a 30°C, não haja resposta cardiovascular. Se a vítima estiver a mais de 2 horas submersa, não está indicada a reanimação.1

Para promover o aquecimento da vítima, deve-se utilizar de técnicas convencionais por aquecimento externo passivo (retirando-se a roupa molhada e cobrindo com cobertores ou roupas secas), aquecimento externo ativo (por meios de cobertores aquecidos e imersão em água quente) ou aquecimento central ativo (através da infusão de fluidos intravenosos aquecidos, administrando oxigênio morno e umidificado, além da realização de lavado gástrico ou peritonial aquecido e circulação extra-corpórea), dependendo das condições disponíveis aos serviços e aos atendentes.5

Como o líquido aspirado é rapidamente absorvido, a manobra de Heimlich não tem eficácia em retirar líquido dos pulmões, além da possibilidade de aspiração do conteúdo gástrico regurgitado e de retardar o início da RCP. Ela é útil apenas em casos onde a obstrução das vias aéreas impede uma ventilação adequada, devendo ter o caráter de aumentar a permeabilidade das vias aéreas.1

Deve-se realizar a intubação traqueal para facilitar a ventilação e manter as vias aéreas abertas. Deve-se fornecer O2 a 100%, obter acesso venoso por veia periférica de grosso calibre, enquanto se realiza o transporte para o hospital.

Antes de deixar o local, deve-se procurar determinar a duração do tempo de submersão, a temperatura da água, o grau de limpeza e coletar informações com observadores do acidente sobre a causa e o mecanismo do acidente, sem obviamente, retardar o tempo de remoção com estes detalhes.3

No hospital, preconiza-se a internação para observação por no mínimo de 24-48 horas, principalmente vítimas de quase-afogamento, que permaneceram por mais de 1 minuto submersas, que apresentaram cianose ou apnéia ou que foram submetidas às manobras de reanimação. Isto se aplica também aos pacientes menos graves, mas que podem se agravar neste período.1-3

Deve-se avaliar principalmente os sistemas respiratório e neurológico, devendo-se solicitar gasometria arterial, radiografia de tórax, dosagem de eletrólitos, uréia, creatinina, hemograma e se houver suspeita, toxicológico para álcool e drogas e se houver alteração do nível de consciência, deve-se indicar sondagem naso ou oro-gástrica, aspirando-se o conteúdo gástrico e mantendo-a aberta, deve-se aspirar secreções das vias aéreas superiores, fornecer O2 por cateter nasal ou máscara, avaliar a gasometria e radiografia de tórax e se for necessário, intubar e ventilar mecanicamente o paciente.

A indicação para internação em UTI é imperativa em todos os indivíduos que sofreram RCP, que necessitem de suporte ventilatório, tenham alterações gasométricas e/ou radiográficas e alterações do nível de consciência.3

Não se justifica o uso de aintibióticoterapia profilática, a menos que se saiba que a água seja contaminada ou que se suspeite de aspiração de conteúdo gástrico, ou que haja sinais de infecção secundária presentes (febre, leucocitose, infiltrado pulmonar, etc) ou ainda, se não houver melhora do quadro pulmonar em 3 dias. Nesses últimos dois casos, a antibióticoterapia deverá ser terapêutica.1

Caso o paciente venha a apresentar Insuficiência Renal Aguda (IRA), deve-se proceder às medidas de tratamento habituais para esta síndrome, devendo-se adequar a dieta, corrigir os distúrbios ácido-básicos causados pela acidose e em casos mais graves, pode-se indicar diálise para evitar complicações cardíacas pela hipercalemia, neurológicas pela uremia, para controlar a volemia, que pode piorar o quadro geral, acentuando o edema pulmonar e para controlar acidoses graves. Deve-se avaliar a função renal, realizar sondagem vesical de demora, se estiver inconsciente, além de manter um controle rigoroso de eletrólitos urinários e plasmáticos, bem como da uréia e da cretinina.

O tratamento da Insuficiência Respiratória se faz aos moldes do tratamento da SARA, com a intenção de diminuir o shunt, diminuir o edema e aumentar a complascência pulmonar, utilizando-se de recursos ventilatórios que mantém uma pressão positiva nas vias aéreas, como a modalidade CPAP (se for espontâneo), pressão de suporte(PS) e PEEP, que terá papel fundamental, porque além de aumentar a PaO2, permite a utilização de menores FiO2(fração inspiratória de O2), geralmente abaixo de 50%, acelerando a regeneração do surfactante. Quanto aos possíveis modos de ventilação(volume, pressão, controlada, A/C, SIMV, VAPS, etc.), sua indicação é muito variável e depende da adaptação de cada paciente ao ventilador, além dos protocolos, recursos e experiência de cada serviço, devendo-se monitorar ainda a ventilação, com base nos cálculos da diferença artério-venosa de O2, do shunt e da diferença alvéolo-arterial de O2.1-3-5

Quanto ao Sistema Cardiovascular, deve-se monitorar os sinais vitais com ECG, PAm, pulso, PVC e diurese, sendo indicada a utilização de cateter de Swan-Ganz, devendo-se estabilizar a volemia com controle de administração e de ingesta hídrica para diminuir o edema pulmonar e pressão intra-craniana(PIC), zelando por manter adequada a função cardíaca, podendo-se fazer uso de drogas vasoativas e diuréticos, sendo fundamental o controle hidro-eletrolítico e ácido-básico. Devendo-se estar atento às possíveis arritmias cardíacas e alterações da função cardíaca.

Quanto ao suporte Neurológico, deve-se monitorizar e tratar a hipertensão intracraniana(HIC) devido ao edema cerebral. Deve-se utilizar as escalas de avaliação neurológica e prognóstico de Glasgow(G), Conn(C) e Orlowski(O), sendo que G£8, O>2 e CÞclasse C é indicação de monitorização da PIC, com o objetivo de mantê-la <20mmhg>


Prognóstico

As seqüelas neurológicas permanentes secundárias à hipóxia cerebral é o fator isolado de maior importância na morbi-mortalidade nas vítimas de quase-afogamento. Existem diversos fatores prognósticos que procuram prever o estabelecimento ou a permanência destas alterações.

Os principais fatores prognósticos desfavoráveis estão presentes na escala de Orlowski e além deste fatores, a presença de assistolia e/ou de pupilas dilatadas e mediofixas também agrava o prognóstico.

O aumento da pontuação na escala de Glasgow nas primeiras horas após a submersão está relacionada a melhor recuperação. Já a persistência do estado comatoso por mais de 24 horas indica mau prognóstico.

Pacientes que chegam no hospital responsivos tem o melhor prognóstico (até 100% sobrevivem sem seqüelas, segundo alguns autores), já aqueles que chegam comatosos, têm uma média de sobrevida sem seqüelas estimada de 44%, de sobrevida com lesão neurológica de 24% e de óbito em 33% dos casos.2-7

A hipotermia profunda no momento da submersão, parece proteger a função neurológica e é o fator mais significativamente associado a melhores prognósticos.


Prevenção

Identificando os fatores de risco de afogamento relacionado com a idade, a comunidade pode reduzir esses índices, principalmente em crianças e adolescentes.

O isolamento das piscinas com cercado ou tela reduz a taxa de afogamento em crianças entre 1 a 4 anos;

Crianças pequenas nunca devem ser deixadas sozinhas em banheiras, piscinas, fossas e vasos sanitários;

Crianças que sabem nadar devem fazê-lo acompanhadas ou sob supervisão de adultos;

Pais devem aprender RCP;

Coletes salva-vidas devem ser utilizados na prática de esportes aquáticos;

Adolescentes devem saber nadar e serem informados do risco do consumo de álcool e outras drogas, durante atividades aquáticas;

Nadar acompanhado de outras pessoas é particularmente importante para aqueles indivíduos que apresentam maior risco de perda de consciência, como cardiopatas, epilépticos ou diabéticos.5-7


Referências Bibliográficas

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