ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

FEBRE TIFÓIDE


Introdução
É uma infecção sistêmica causada pela Salmonella entérica sorotipo typhi, um patógeno humanoespecífico altamente adaptado, com mecanismo para resistência a seu hospedeiro, assegurando sua sobrevivência e transmissão. Tem diminuído muito sua incidência com a melhora do saneamento básico. Atualmente é uma doença de países em desenvolvimento, em que as condições sanitárias permanecem precárias. No entanto, é difícil saber a prevalência, pois a maioria dos pacientes com febre tifóide é tratada ambulatorialmente, sem retornando de países em desenvolvimento. Contágio A febre tifóide é geralmente contraída pela ingestão de água e comida contaminadas por excretos fecais e urinários. Em áreas endêmicas, temos como principais fatores de risco ingestão de comida preparada fora higiene pessoal e uso recente de drogas antimicrobianas. realizar hemocultura. Em países desenvolvidos é esporádica, ocorrendo principalmente em viajantes de casa, bebidas de vendedores ambulantes, contato com água contaminada, casas com dificuldade de


Características da Bactéria
A Salmonella entérica sorotipo typhi é um membro da família Enterobacteriaciae. É sorologicamente positiva para antígenos O9 e H12, antígenos da proteína flagelar Hd e antígeno capsular Vi. O antígeno capsular Vi é altamente restrito para S. entérica sorotipo typhi, embora possa estar presente em algumas outras cepas de S. entérica. Um único tipo flagelar, Hj, está presente em algumas S. entérica na Indonésia Dados mostram que em áreas endêmicas existe um elevado número de cepas, mas os surtos estão relacionados a um número limitado delas.

Patogênese As cepas que possuem o antígeno Vi são mais infecciosas e virulentas que as Vi negativas. Após a ingestão do patógeno, deve sobreviver ao ácido gástrico para alcançar o intestino delgado. A acloridria do envelhecimento, por gastrectomia, tratamento prévio com bloqueadores H2 ou inibidores da bomba de prótons facilitam o surgimento de febre tifóide. No intestino delgado, a bactéria adere e penetra na mucosa, mais precisamente nas células M que cobrem as placas de Peyer. Após a penetração, os microorganismos vão para os folículos linfóides mesentéricos e algumas morrem nas células reticuloendoteliais do fígado e baço, mas outras bactérias têm capacidade de sobreviver e multiplicar dentro dos macrófagos nos folículos linfóides, fígado e baço. De acordo com o número de bactérias, sua virulência ou pela reação do hospedeiro, as bactérias são liberadas do seu habitat intracelular para a corrente sangüínea com disseminação do microorganismo. Os lugares mais comuns de infecção secundária são fígado, baço, medula óssea, vesícula biliar e placas de Peyer do íleo terminal. Os organismos excretados na bile irão re-invadir a parede intestinal ou ser excretados nas fezes. A febre tifóide induz resposta imune celular e humoral local e sistêmica, mas tais respostas conferem proteção incompleta contra reincidência e reinfecção.

Epidemiologia A maioria dos pacientes são crianças ou adultos jovens entre 5 e 25 anos, mas pode ocorrer em qualquer idade. Cerca de 60 a 90% dos casos não recebem atendimento médico ou são tratados ambulatorialmente, sem documentar a doença. Período de Incubação São 7 a 14 dias (pode ser de 3 a 60 dias).


Achados Clínicos O início da bacteremia é marcado por febre e mal estar. Tipicamente os pacientes se apresentam no hospital uma semana após o início dos sintomas como febre, cefaléia frontal, mal estar, anorexia, náuseas, desconforto abdominal mal localizado, tosse seca e mialgia. Língua hiperemiada, abdome sensível, e hepatoesplenomegalia são comuns. Uma bradicardia relativa (dissociação pulso-temperatura) ocorre na minoria dos casos, mas é considerada uma característica da febre tifóide. É o sinal de Faget. Adultos jovens geralmente apresentam constipação, mas crianças e adultos com HIV cursam mais com diarréia e a ausência de alterações nos movimentos intestinais e sensibilidade abdominal falam muito contra febre tifóide. A febre inicialmente é baixa, mas aumenta progressivamente e por volta da segunda semana é alta (39-40 C) e persistentemente prolongada (4-8 semanas). Em 5-30 % dos casos, na primeira semana surgem lesões maculo-papulares eritematosas cor-de-rosa, geralmente no abdome e tórax. Pode surgir confusão mental intermitente e as convulsões são raras. O laboratório mostra série vermelha e plaquetas normais ou diminuídas. O leucograma mostra tipicamente Leucopenia com desvio para a esquerda. As enzimas hepáticas geralmente são 2-3 vezes acima do normal. A recaída é mais branda, ocorre em 5-10% dos pacientes, geralmente 2 a 3 semanas após o fim da febre e tem a mesma resposta ao antibiótico, comparando com a bactéria do primeiro ataque. A re-infecção também pode ocorrer, mas deve ser distinguida da recaída pela tipagem molecular. Mais de 10% dos pacientes com febre tifóide excretam bactérias nas fezes por mais de 3 meses e 1-4% por mais de um ano. Desses portadores, 25% não tiveram história clínica e a grande maioria é assintomática. A taxa de mortalidade é menor que 1%, mas varia consideravelmente entre as regiões, de 2 a 50%. As taxas são mais altas em crianças com menos de 1 ano e em idosos. O fator mais importante é provavelmente o atraso no uso efetivo de antibiótico.

Complicações
Ocorrem em 10-15% dos casos e são comuns em pacientes que possuem a doença por mais de 2 semanas. Muitas complicações foram descritas, como hepatite, miocardite, meningite, pneumonia, artrite, osteomielite, anemia, CID, mas as mais importantes são sangramento gastrintestinal, perfuração intestinal e encefalopatia tifóide. Sangramento É a complicação mais comum, ocorrendo em 10% dos pacientes, resultando da erosão das placas de Peyer necrosadas através da parede de vasos entéricos. Na maioria dos casos, o sangramento é leve, sem necessidade de hemotransfusão, mas em 2% dos casos pode ser fatal. Perfuração intestinal É a complicação mais séria, ocorrendo em 1-3% dos pacientes hospitalizados, podendo ser manifestada como abdome agudo ou por simples piora da dor abdominal, taquicardia e hipotensão num paciente já doente.

Encefalopatia
Geralmente é acompanhada de choque e está associada com alta mortalidade. O paciente se encontra geralmente apático, mas pode estar muito agitado, delirante ou letárgico. Torpor e Coma são incomuns. A incidência de Encefalopatia varia muito de região para região, e a princípio essa diferença não é explicada.

Diagnóstico É difícil devido a ausência de sintomas ou sinais específicos. Nas áreas onde a doença é endêmica, uma febre sem causa evidente e que dure mais de uma semana deve ser considerada como sintoma da doença até que provem o contrário. Exames Complementares Importantes Hemocultura È o método diagnóstico padrão, sendo positiva em 60-80% dos pacientes com a doença, com maior sensibilidade na primeira semana da doença, reduzida pelo uso prévio dos antibióticos e aumentada com o volume do sangue cultivado. Cultura de Medula Óssea É o teste mais sensível (80 a 95%), mesmo tendo sido usado antibióticos por vários dias e, além disso, a duração da positividade é maior que na hemocultura.

Coprocultura Sua sensibilidade depende da quantidade das fezes, mas o importante é que a taxa de positividade aumenta com a duração da doença, sendo o melhor exame após a terceira semana. São positivas em 30% dos pacientes com febre tifóide aguda, e em 75% dos casos durante a terceira semana. Para detecção de portadores, diversas amostras devem ser analisadas. As culturas também podem ser feitas em sangue tratado com estreptoquinase, secreções intestinais e em biópsia de pele. Teste de Widal Seu papel é controverso, devido a grande variação da sensibilidade, especificidade e valores preditivos entre áreas geográficas. O teste detecta anticorpos aglutinadores aos antígenos O e H de S. entérica sorotipo typhi, mas existem estes antígenos em outros sorotipos e partes das salmonelas reagem com epítopos de outras Enterobactérias. Além disso, os pacientes com febre tifóide podem não mostrar nenhuma resposta de anticorpo detectável ou não ter nenhuma ascensão do título do anticorpo. Outros Testes recentes foram desenvolvidos para anticorpo contra o antígeno Vi, demonstrando melhor sensibilidade (70-80%) e especificidade (80-95%) que o teste de Widal clássico. Outros testes sorológicos mais novos estão em desenvolvimento. O uso de sondas de DNA e PCR ainda não são extensamente usados e são pouco práticos em muitas áreas onde a febre tifóide é comum.

Diagnóstico Diferencia
l A febre tifóide deve ser distinguida de outras doenças febris agudas e endêmicas subagudas, como a malária, abscessos profundos, tuberculose, abscesso hepático amebiano, encefalite, influenza, dengue, leptospirose, mononucleose infecciosa, endocardite, brucelose, tifo, leishmaniose visceral, toxoplasmose, doença linfoproliferativa, e doenças do tecido conjuntivo. Para pacientes nos países onde febre tifóide não é endêmica, a história de viagem é essencial.

Tratamento
O Cloranfenicol se tornou o antibiótico padrão para o tratamento em 1948, mas a resistência foi crescendo progressivamente e, em 1972, se tornou o problema principal da doença. As cepas de S. entérica typhi foram ficando também resistentes às sulfonamidas, tetraciclina e estreptomicina, mas permaneciam susceptíveis à amoxicilina e sulfametoxazol-trimetoprim. No final da década de 1980, ocorreu resistência simultânea a todas as drogas usadas como tratamento de escolha. Têm sido descritos casos esporádicos de altos níveis de resistência à ceftriaxona e a susceptibilidade reduzida a fluoroquinolonas vem se tornando um problema importante em alguns países na Ásia. Em pacientes hospitalizados, o uso de antibióticos eficazes, nutrição adequada, suporte hidro-eletrolítico e o reconhecimento e tratamento eficaz das complicações são necessários para diminuir a mortalidade.

Quinolonas As fluoroquinolonas são as drogas mais eficazes para o tratamento da febre tifóide. Tais drogas têm sido aprovadas em todas as idades e são eficazes mesmo em períodos curtos de tratamento (três a sete dias), com taxas de cura de 96%. Menos de 2% dos pacientes tratados têm eliminação fecal persistente ou recaída. Estudos sugerem que os fluoroquinolonas são as drogas mais rapidamente eficazes e estão associados com as taxas mais baixas de eliminação da bactéria nas fezes, comparando com as drogas tradicionais de primeira escolha (cloranfenicol e trimetoprim-sulfametoxazol). Existem 3 problemas no uso dos fluoroquinolonas no tratamento da febre tifóide: O potencial para efeitos tóxicos nas crianças, O custo. O potencial de resistência. Estudos realizados mostram que as fluoroquinolonas danificaram o cartilagem articular de lebres novas, mas não houve nenhuma evidência de toxicidade do osso ou da junção, da ruptura do tendão ou, no acompanhamento de longo prazo, de prejuízo do crescimento. Nas áreas onde as cepas resistentes à quinolona são raras, o uso de fluoroquinolona é o tratamento atual de escolha para todos os grupos de idade, e o esquema de tratamento curtos (três a cinco dias) é útil para conter a epidemia. Os pacientes com infecção quinolona-resistentes devem ser tratados por um período mais longo. Tratamento em dose máxima (20mg/kg/dia ofloxacina) por 10 a 14 dias foi bem sucedido em 90 a 95 por cento dos pacientes com infecções resistentes. Entretanto, a taxa de eliminação fecal é em torno de 20%, por isso os pacientes devem ser seguidos, para determinar se ainda há eliminação de S. enterica sorotipo typhi em suas fezes.

Cefalosporinas de 3a geração
As cepas quinolona-resistentes são freqüentemente também multidroga resistentes e, conseqüentemente, a escolha é limitada a drogas caras. As cefalosporinas da terceira-geração (ceftriaxona, cefixima, cefotaxima, e cefoperazona) e a azitromicina são também drogas eficazes para febre tifóide. Usando cefalosporinas de terceira-geração, principalmente ceftriaxone e cefixime, o tempo de afastamento do doente foi em média 1 semana e as taxas da falha do tratamento foram 5-10%, com taxas de recaída de 3-6 % e persistência de eliminação fecal de menos de 3%. Azitromicina Taxas de cura de 95% foram conseguidas com cinco a sete dias de tratamento com azitromicina, com taxas de recaída e eliminação fecal em pacientes convalescentes de menos de 3%. Aztreonam e o imipenem são outras drogas potentes que podem ser usadas. Cloranfenicol, amoxicilina, e sulfametoxazol-trimetoprim Permanecem apropriadas para o tratamento da febre tifóide nas áreas do mundo onde a bactéria é ainda inteiramente suscetível a estas drogas e onde as fluoroquinolonas não são disponíveis. Como vantagens temos o preço, a alta disponibilidade e a raridade de efeitos colaterais. Produzem o alívio dos sintomas, com a febre terminando em cinco a sete dias, mas o tratamento deve durar 2-3 semanas, com regime de quatro tomadas diárias, o que diminui a aderência. A taxa de cura é de aproximadamente 95%, mas a taxa de recaída é de 1-7%, com a taxa da excreção fecal de 2-10%.

Condições especiais
Gravidez. Na gravidez, pode levar ao aborto, embora a terapia com antibióticos tenha reduzido muito tal ocorrência. A transmissão vertical pode levar à febre tifóide neonatal, uma condição rara, mas severa e que é uma ameaça a vida. Há poucos dados no tratamento de mulheres grávidas com febre tifóide. Os antibióticos beta-lactâmicos são considerados seguros e os de escolha, mas há relatos de casos do uso bem sucedido de fluoroquinolona, embora estas drogas ainda devam ser evitadas na gravidez. Febre Tifóide grave Embora não haja nenhum estudo documentando, as fluoroquinolonas parenterais são provavelmente os antibióticos de escolha na febre tifóide severa e devem ser administradas por um mínimo de 10 dias. Adultos e crianças com febre tifóide severa se caracterizam por apresentar delírio, enfraquecimento, apatia ou coma. Tem benefício com a administração de dexametasona. A taxa de mortalidade foi reduzida de 50 para 10% em adultos e crianças que foram tratados com dexametasona em dose inicial de 3mg/kg IV lenta em 30 minutos, seguido de 1mg/kg de dexametasona a cada 6 horas por 48 horas. Pacientes com perfuração gastrintestinal durante febre tifóide requerem suporte hídrico, sangue e oxigênio, complementado com cirurgia. Antibioticoterapia deve ser iniciada, visando eliminar bactérias entéricas aeróbias e anaeróbias, que podem contaminar a cavidade peritonial. Na cirurgia, deve-se analisar o íleo, o ceco e o intestino grosso proximal, procurando perfurações. A intervenção precoce na perfuração é crucial, com taxas de mortalidade entre 10 e 32%, aumentado progressivamente com a demora da cirurgia.

Recaídas e Portadores As recaídas devem ser tratadas da mesma maneira que infecções iniciais. A maioria dos portadores intestinais pode ser curada por um curso prolongado dos antibióticos. As taxas da cura de aproximadamente 80% foram conseguidas com: Ampicilina ou Amoxicilina 100mg/kg/dia de e 30mg/kg/dia de probenecida por 3 meses Sulfametoxazol-Trimetoprim Duas vezes ao dia por 3 meses. Ciprofloxacina duas vezes ao dia por 28 dias. Colelitíase Na presença da colelitíase, a terapia antibiótica ou a colecistectomia podem ser requeridas. Controle da Febre tifóide.

Medidas gerais
Em países em desenvolvimento, a redução do número de casos requer água potável, a canalização de água eficaz e a correta preparação do alimento. A imunização maciça foi usada com sucesso em algumas áreas. Em países desenvolvidos, a maioria de casos é resultado de viagens a áreas de doença endêmica, necessitando tomar cuidado particular com alimento e água nessas regiões, devendo ser evitado o consumo de água não engarrafada, alimento mal cozido, gelo, sorvete e vegetais ou frutas, lavadas na água local. Vacinas O uso de Ty21a, uma vacina oral viva atenuada, com eficácia protetora variável, sendo apropriada para adultos e crianças acima de seis anos de idade, com reforço a cada cinco anos. A vacina é bem tolerada, mas por ser uma vacina de microrganismo vivo atenuado, não deve ser dada a pacientes imunocomprometidos ou aos pacientes que fazem uso de antibióticos. A vacina Vi IM é apropriada para adultos e crianças maiores de dois anos, e não possui efeito colateral grave. Uma única dose de 0,5 ml (μg 25) é administrada por via intramuscular, com doses de reforço a cada dois anos. Uma única injeção da vacina Vi forneceu uma eficácia protetora de 64-72% em 2 anos. Uma nova vacina Vi conjugada a uma exotoxina A não tóxica recombinante de P. aeruginosa (rEPA) foi avaliada recentemente, com ótima resposta e com a vantagem de ser eficaz em menores de dois anos. As vacinas Ty21a e Vi são recomendadas para viajantes a áreas endêmicas de febre tifóide, em contactantes de portadores de febre tifóide e trabalhadores de laboratório que provavelmente trabalham com a S.entérica sorotipo typhi.

FONTE: Extensão Médica - Juan Felipe Neves Alvarez e Luiz André V. Fernandes