ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 9 de maio de 2010

FISIOPATOLOGIA DA DOR


FISIOPATOLOGIA DA DOR

A dor pode ser definida como uma sensação desagradável, criada por um estímulo nocivo, e que atinge o sistema nervoso central por meio de vias específicas.

A dor é causada pela modificação das condições normais de um organismo vivo. Esse organismo necessita apresentar capacidade de responder, com reações de adaptação, às modificações que ocorrem no meio ambiente.

Graças à variedade de reações às modificações do meio ambiente e próprias, cada organismo representa um complexo sistema condicionado, cujas forças internas a cada momento equilibram-se com as externas do meio ambiente. Esse equilíbrio é expressado na variabilidade de suas reações de resposta à ação dos agentes do mundo exterior e próprias. Para isso, nos animais desenvolve-se o sistema nervoso, que adquire especial significado na regulação das funções orgânicas.

Os principais processos envolvidos na experiência sensorial da dor são dois: a percepção da dor e a reação à dor.

PERCEPÇÃO E REAÇÃO À DOR

A percepção da dor envolve mecanismos anátomo-fisiológicos, pelos quais um estímulo nocivo capaz de gerá-la é criado e transmitido por vias neurológicas desde os receptores da dor. Esta fase da dor é praticamente igual em todos os indivíduos sadios, mas pode ser alterada por doenças, pois a capacidade de perceber a dor depende, sobretudo, da integridade do mecanismo neural envolvido.

A reação à dor vem a ser a manifestação do indivíduo de sua percepção de uma experiência desagradável. Esta fase do processo da dor envolve fatores neuroanatômicos e fisiopsicológicos extremamente complexos que englobam o córtex, sistema límbico, hipotálamo, tálamo, e que determinam exatamente a conduta do paciente a respeito de sua experiência desagradável.

Em clínica essas duas características devem ser consideradas no controle da dor. Em pacientes excessivamente apreensivos apenas a aplicação da anestesia local pode ser inadequada. Devido ao medo e à ansiedade essas pessoas podem, subconscientemente, interpretar mal estímulos não-nocivos. Sistemas centrais de integração podem operar de tal maneira que estímulos banais, não-nocivos, sejam interpretados como doloroso. Em muitos casos, o controle da percepção da dor pelo uso de anestésicos locais deve estar associado com o emprego de analgésicos e drogas psicoativas para o controle da reação à dor.

Assim, um estímulo aplicado a um dente, como por exemplo o contato de uma fresa no preparo cavitário, gera um impulso similar em todas as pessoas saudáveis e que atinge o sistema nervoso central por vias específicas, onde é percebido e interpretado, determinando uma reação do paciente, reação essa que varia de uma pessoa para outra, e de dia para dia na mesma pessoa.

RECEPTORES

Os elementos que captam os estímulos a serem transmitidos ao sistema nervoso central, para uma análise e possível reação, são chamados receptores. Os receptores (do latim recipere = receber) são tecidos nervosos especializados, sensíveis a alterações específicas que se produzem em seu meio.

As várias modalidades de sensação podem ser percebidas e distinguem-se umas da outras devido aos diferentes tipos de receptores. A pesquisa fisiológica demonstrou que estímulos específicos são captados por receptores específicos e assim, por exemplo, os receptores da dor somente respondem com a sensação de dor a qualquer estímulo que atinja seu limiar de excitação.

Os receptores podem ser classificados em dois grandes grupos: os exteroceptores e os interoceptores.

Os exteroceptores permitem a apreciação de estímulos emanados do meio externo. São encontrados na pele, mucosas e seus anexos (unhas, pelos e dentes). Dentre as sensações captadas pelos exteroceptores podem ser apontadas as seguintes:

Tato - Para o tato têm-se três tipos de receptores morfologicamente distintos: discos ou corpúsculos de Merkel, corpúsculos de Meissner e as terminações das raízes dos pelos. Os dois primeiros são abundantes na mucosa oral e dos lábios.

Temperatura - Os receptores de temperatura são liberalmente encontrados na mucosa oral, lábios e pele. Os sensíveis ao frio são os bulbos terminais de Krause. Os responsáveis pela sensação de calor são os corpúsculos de Ruffini .

Pressão - Respondem por essa sensação os corpúsculos de Golgi-Mazzoni, e ainda os de Paccini, destinados a pressões profundas, sensíveis à deformação mecânica.

Dor - Os receptores da dor são os que mais interessam a este estudo, uma vez que a anestesia destina-se exatamente ao controle ou supressão da dor. Estão largamente distribuídos no campo de atuação do cirurgião-dentista e são os de constituição mais simples. Histologicamente são pouco mais que terminações nervosas livres. Pelo fato de estarem relacionados com estímulos capazes de causar danos às células, têm importante valor protetor, avisando sobre perigos iminentes ou reais. Como qualquer agente capaz de causar dano é chamado nocivo, os receptores da dor denominam-se também nociceptores.

As terminações nervosas livres são os únicos receptores encontrados na polpa dental, na córnea ocular e nas artérias, portanto a dor é a única sensação percebida quando essas estruturas são estimuladas.

Esse conhecimento é útil em Odontologia para a execução de testes de vitalidade pulpar. Aplicando calor, frio ou corrente elétrica ao dente, o profissional pode constatar vitalidade pulpar. Seja qual for a natureza do estímulo aplicado a resposta, se houver, será sempre dor.

Os interoceptores são aqueles sensíveis a alterações do meio interno, isto é, são responsáveis pela propriocepção. Abrangem os receptores situados nas vísceras, músculos, tendões e no periodonto e são denominados fusos neuromusculares ou proprioceptores.

No periodonto desempenham função vital na preservação da relação alvéolo-dental. A maloclusão, com a conseqüente força anormal sobre o dente, estimula os proprioceptores periodontais de modo tal que o paciente tende a aliviar o dente, conscientemente ou não, mastigando mais intensa e freqüentemente com os dentes do lado oposto. Esses receptores periodontais são de tal modo sensíveis que é possível, com uma folha de papel entre os dentes, notar diferenças de frações de milímetro em sua espessura, o que não seria possível pelo sentido do tato. Desempenham importante papel no mecanismo inconsciente pelo qual os músculos que atuam contra a força da gravidade (masseter, temporal e pterigóideo medial) impedem a queda da mandíbula. Ainda quanto à movimentação da mandíbula, voluntária ou passivamente, a noção de movimento e a posição da mesma podem ser descritas pelo paciente, mesmo de olhos fechados, graças à sensibilidade desses receptores.

Conhecimentos sobre os receptores são importantes em clínica odontológica, inclusive para fins de diagnóstico e de localização da origem da dor. O diagnóstico da dor pulpar é freqüentemente dificultado pela incapacidade de o paciente precisar o ponto exato de onde emana a dor. Essa dificuldade contrasta com a clara localização da dor de origem periodontal, caso da pericementite. É errôneo admitir a explicação vaga de dor de dentes pela presença do plexo nervoso alveolar, uma vez que os nervos pulpares e periodontais estão igualmente envolvidos na formação dessa rede nervosa. Nas estruturas de sustentação do dente os receptores de sensações de modalidades diferentes são abundantes. Nesse caso é impossível estimular os receptores da dor sem, ao mesmo tempo, estimular os do tato, pressão, calor, frio ou de sensações proprioceptivas e graças à capacidade de exata percepção dessas sensações, o profissional consegue determinar mais facilmente o dente responsável pela dor. Já na polpa dental, onde os únicos receptores existentes são as terminações nervosas livres e a dor é a única sensação, a localização se faz imprecisa.

Os receptores apresentam propriedades muito interessantes, tais como:

Excitação e adaptação - Um estímulo para ser percebido, deve exceder uma intensidade crítica. A percussão leve de um dente pode ser indolor, mas a força mastigatória brusca, aplicada nesse mesmo dente por um corpo duro pode produzir dor. Simplificando, todos os receptores têm um limiar crítico, abaixo do qual o receptor não é ativado, portanto o indivíduo não toma conhecimento do estímulo, e não se inicia a condução do estímulo pelo neurônio até o sistema nervoso central.

Assim, para excitar, o estímulo deve exceder uma intensidade crítica, ou seja, deve atingir um limiar. Além disso, o estímulo deve provocar uma alteração do meio, mais rapidamente que uma determinada velocidade, para que se produza a excitação. Por exemplo, é fácil apreciar o calor associado à ingestão de café quente, entretanto se o indivíduo tomar lentamente café de temperaturas elevadas, pode demonstrar uma tolerância muito maior que no primeiro caso, pois ocorre uma adaptação ao estímulo. Certos estímulos são mais tolerados que outros. Para a dor quase não ocorre adaptação, enquanto que o tato e a pressão têm boa adaptação, como podemos observar pelo uso de nossas roupas, óculos, jóias, etc. O fato de os receptores da dor adaptarem-se mal e lentamente é benéfico, pois que a dor é uma sensação útil sob o ponto de vista de ser um mecanismo protetor : a fácil adaptação aboliria sinais de aviso contra o perigo.

Esse fenômeno tem correspondentes interessantes em Odontologia. Uma dentadura mal ajustada à boca produz dor e, devido à dor, provavelmente nunca será usada. Por outro lado, a simples presença de uma dentadura, mesmo bem feita, requererá um período de adaptação e decorrido certo tempo, o paciente não mais toma conhecimento da dentadura que está usando.

Especificidade - Os vários receptores não só diferem morfologicamente entre sí, mas também diferenciam-se pelo fato de cada um servir apenas a uma modalidade sensitiva. Isto eqüivale a dizer que os corpúsculos de Ruffini reagem normalmente apenas ao calor; os de Golgi-Mazzoni respondem apenas à pressão, ou seja, se a pressão for aplicada aos receptores de Ruffini, eles não iniciarão um impulso e nem o calor aplicado aos de Golgi-Mazzoni provocará qualquer resposta. À propriedade do receptor responder apenas a um tipo particular de estímulo, toma o nome de especificidade. Todavia, é preciso lembrar que a especificidade aplica-se apenas dentro dos limites normais ou fisiológicos da intensidade do estímulo. Um indivíduo que recebe uma pancada nos olhos "vê estrelas". Nesse caso o choque foi de intensidade suficiente para ativar os receptores viscerais que normalmente respondem à luz. Do mesmo modo, o uso prolongado ou incorreto de uma fresa sobre o dente, produzindo calor, excita os receptores da dor existentes na polpa.

Intensidade - As diferenças de intensidade da estimulação são facilmente percebidas: podemos distinguir facilmente uma bofetada de um tapa afetuoso. Esse discernimento está condicionado por dois mecanismos: 1. A velocidade de descarga de um receptor está em função da intensidade da estimulação, ou seja, quanto mais forte o estímulo, mais rápida será a velocidade de descarga. Um estímulo forte produz uma torrente de impulsos, enquanto outro mais fraco, no mesmo período de tempo, dará origem apenas a uns poucos impulsos. 2. Raramente um estímulo afeta apenas um receptor. O número de receptores ativados depende da intensidade da estimulação porque nem todos eles possuem o mesmo limiar de intensidade. Um estímulo fraco provocará uma resposta apenas nos receptores mais sensíveis. Um estímulo forte porém ativará também, além dos receptores mais sensíveis, aqueles de limiar de intensidade mais elevado, Neste último caso, o córtex sensitivo receberá, por meio das vias nervosas, um número maior de impulsos por unidade de tempo.

VIAS DE CONDUÇÃO DA DOR

O sistema nervoso é constituído por grande quantidade de células multiformes, que apresentam um corpo mais ou menos esférico, e dois tipos de prolongamentos: os mais longos denominados axônios e outros, comumente mais curtos, os dendritos. A célula nervosa, ou seja, o corpo celular onde se encontra seu núcleo, mais os seus prolongamentos, é denominada neurônio. O neurônio é portanto a unidade básica, estrutural e funcional do sistema nervoso. Os neurônios sensitivos, que conduzem o impulso nervoso do receptor para a medula espinhal, são do tipo unipolar. Nesse neurônio o prolongamento que parte do corpo celular bifurca-se prontamente. Um dos ramos segue para a periferia (prolongamento periférico) e o outro para o sistema nervoso central (prolongamento central). Os neurônios motores são geralmente multipolares.

Os axônios são relativamente longos, em alguns casos atingindo um metro ou mais, e são envolvidos por uma camada de substância lipídica, denominada mielina ou bainha medular.

O neurilema também é conhecido por bainha de Schwann. A intervalos regulares o

neurilema corta ou entalha a bainha de mielina, e as constrições resultantes, uniformemente distribuídas, são conhecidas por nódulos de Ranvier. É através dessas constrições que o agente anestésico chega à fibra nervosa para exercer sua ação primária : impedir a condução do impulso nervoso.

Os axônios que possuem bainha mielínica são denominados fibras mielínicas ou meduladas e ao exame microscópico parecem brancos. Os que não possuem esse isolamento são chamados amielínicos e ao exame são cinzentos.

Os neurônios mielínicos adquirem suas bainhas ao iniciar sua atividade funcional. Os músculos faciais necessários à sucção, por exemplo, logo constituem-se em uma necessidade funcional, e assim os nervos que servem a esses músculos, recebem a mielina em um estado precoce do desenvolvimento da criança.

Os neurônios mielínicos apresentam condições de muito interesse odontológico, especialmente no campo da Cirurgia. São as propriedades de degeneração e de regeneração, quando submetidos a agressões. Nesse caso, se um axônio for secionado, a porção distal sofre degeneração devido a alterações químicas na bainha de mielina. Esse fenômeno foi descrito por Waller, recebendo então o nome de degeneração walleriana. Quando secionado a porção distal degenera, deixando o neurilema vazio. Do segmento proximal o neurônio cresce para o interior desse neurilema vazio e, posteriormente, regenerar-se-á também a mielina. Sabe-se por estudos experimentais e clínicos que o axônio se regenera na proporção de 1 a 5mm por dia.

Os nervos dentário ou alveolar inferior e mentoniano são os mais freqüentemente lesados por ocasião de intervenções cirúrgicas na mandíbula, como em exodontias de terceiros molares inclusos e cirurgias parendodônticas em pré-molares. Às vezes ocorrem rupturas desses nervos, trazendo como conseqüência a sensação prolongada de anestesia em toda a região correspondente aos seus trajetos, sendo mais sintomática no lábio inferior. Com base no conhecimento da velocidade de regeneração e no comprimento do nervo é possível prever a duração dessa parestesia, que no caso dos terceiros molares será de seis a doze meses.

Se, por outro lado, o espaço cortado entre dois segmentos do axônio for muito grande, esse espaço poderá ser invadido por tecido cicatricial, o que impede o desenvolvimento do axônio para dentro do neurilema. Assim, cresce formando um emaranhado de tecidos conjuntivo e nervoso, denominado neurinoma, de grande importância clínica por ser doloroso na maioria dos casos. Quando sintomático pode requerer remoção cirúrgica.

O crescimento de um neurônio em regeneração pode ser dirigido para o interior do neurilema de outro nervo secionado. Esse princípio é aplicado em neurocirurgia altamente especializada, em casos de paralisia facial. Ligando ramos do VII Par craniano à extremidade proximal do nervo hipoglosso ou espinhal, após um período de reeducação o paciente poderá ser capaz de usar novamente os músculos faciais.

A junção natural (não-cirúrgica como na ilustração acima) entre dois ou mais neurônios é a sinapse. Os estudos anatômicos mostram que não existe continuidade protoplasmática na sinapse, e assim o impulso nervoso que passa de um neurônio para outro atravessa um espaço virtual, pela ação de mediadores químicos. A sinapse permite a transmissão do impulso em uma só direção, ao contrário do neurônio que pode carreá-lo em ambas as direções.

Vários neurônios pode convergir para fazer sinapse com um único neurônio, possibilitando assim que impulsos nervosos oriundos de diferentes áreas sejam canalizados para uma única via. Esse fenômeno é chamado convergência. O inverso também pode ocorrer e é denominado divergência.

Os axônios que saem do sistema nervoso central ou que a ele aportam, constituem as fibras nervosas. Cada fibra nervosa constitui uma via individual, pela qual os impulsos aferentes são transmitidos. Cada fibra é portanto uma unidade funcional em si mesma e o conjunto de milhares de unidades agrupadas forma cordões denominados nervos. Cada nervo contém portanto uma grande quantidade de fibras, cada uma das quais vem a ser o prolongamento de sua respectiva célula. Para que a anestesia local atinja plenamente seus efeitos, todas as fibras do nervo devem ser atingidas em quantidade suficiente pelo agente anestésico. Se a injeção for tecnicamente incorreta ou distante do nervo e nem todas suas fibras forem atingidas, o bloqueio nervoso pode ser inadequado ao ato operatório.

O V Par craniano ou Trigêmeo é o principal nervo sensitivo da face. Qualquer estímulo nessa região é recebido por suas terminações nervosas livres e conduzido como impulso através das fibras aferentes de suas três divisões ao gânglio semilunar ou de Gasser. O impulso é transmitido pela raiz sensitiva até a protuberância superior, onde termina diretamente no núcleo sensorial principal. As fibras sensoriais alcançam a ponte por meio de três núcleos: o mesencefálico (proprioceptivo), o principal (tátil) e o espinhal (sensações termo-algésicas).

EXCITABILIDADE NERVOSA

A excitação do tecido nervoso é produzida por um estímulo. Pela ação desse estímulo, que pode ser de natureza elétrica, térmica, química ou mecânica, um receptor é excitado, e cria-se um impulso. Em outras palavras, cada órgão terminal tem sua via própria para o sistema nervoso central e a onda de excitação criada pelo estímulo é denominada impulso nervoso. Pela ação do impulso observa-se a passagem do estado de repouso para o de atividade ou, ainda, a intensificação da atividade preexistente. Assim, quando as fibras responsáveis pela inervação de um órgão entram em excitação, esse órgão modifica seu estado de atividade.

O impulso nervoso propaga-se por si mesmo porque a energia necessária para isso deriva da fibra nervosa e já não depende da continuidade do estímulo no órgão receptor. Se não for bloqueado, o impulso continuará em todo o trajeto do nervo, com igual velocidade e intensidade. Esse fenômeno de autopropagação do impulso nervoso é denominado condução.

A fibra nervosa normal e em repouso mostra-se polarizada, isto é, com sua membrana carregada positivamente. No entanto, quando o nervo é estimulado a membrana é despolarizada, adquirindo portanto carga elétrica negativa. Durante um breve espaço de tempo após o impulso inicial um novo impulso não será conduzido em razão da despolarização. Após esse breve tempo o nervo volta a polarizar-se e pode conduzir novamente um impulso. A anestesia local ao impedir a despolarização do nervo bloqueia a condução de qualquer impulso.

Esse processo de condução ou de difusão da excitação provocada pelo estímulo no tecido nervoso é um processo ondulatório e interrompido. Isso pode ser comprovado experimentalmente no estudo das modificações do potencial elétrico do nervo durante sua excitação, com o emprego de um osciloscópio, aparelho que registra oscilações elétricas muito rápidas e de baixa intensidade.

Conectando-se ao aparelho dois pontos de um nervo, um dos quais em determinado momento encontra-se sob um estímulo, e outro em estado de repouso, podem ser verificadas as modificações das cargas elétricas que ocorrem nesse nervo. A porção em repouso, cuja carga elétrica mostra-se positiva, durante a excitação adquire carga elétrica negativa que desaparece em milésimos de segundo. Se a excitação persiste o fenômeno repete-se, de forma que quando se provoca em um nervo uma série de irritações repetidas, ou quando se provoca um estímulo persistente, observa-se em cada ponto da fibra nervosa uma série de oscilações sucessivas do potencial elétrico. O aumento da intensidade, da freqüência ou da duração do estímulo não suprime as características oscilatórias das manifestações elétricas do nervo.

No entanto, um nervo após estimulado não recebe outro estímulo durante um curto período de tempo. Esse intervalo é denominado período refratário. Nesse período o nervo está readquirindo sua carga elétrica positiva, após o que sujeita-se então a novo estímulo.

TEORIAS DA DOR

O estudo da dor tem gerado inúmeras discussões e controvérsias entre os especialistas. Várias teorias foram apresentadas para explicar, ou procurar esclarecer esse fascinante fenômeno. Entre elas a mais clássica é a da especificidade e a mais recente a do controle do gatilho.

Teoria da especificidade - Foi proposta por Descartes em 1644, como um sistema da dor por um canal direto da pele para o cérebro. Esse conceito persistiu até o século passado, quando Muller postulou a transmissão do impulso apenas através dos nervos sensitivos. No final do século dezenove, Von Frey desenvolveu o conceito de receptores cutâneos específicos na mediação do toque, calor, frio e dor. As terminações nervosas livres foram implicadas como receptores da dor. Admitiu-se a existência de um centro da dor no interior do cérebro, o qual seria responsável pelas manifestações da experiência desagradável. Essa teoria foi responsável pelo surgimento de diversos métodos cirúrgicos na manipulação da dor crônica, por meio do seccionamento de nervos.

Teoria do controle do gatilho ou da porta-espinal - Foi proposta por Melzack & Wall em 1965. Muito embora possa ser exposta em termos simples, suas diversificações são extremamente complexas. Nem todos os seus aspectos estão suficientemente esclarecidos e nem receberam a concordância de todos os investigadores, mas essa teoria vem recebendo muita atenção atualmente, pelo fato de levar em consideração um elemento participante do mecanismo da dor : a emoção. As teorias que a antecederam eram facilmente compreendidas e lógicas, mas tinham uma grave falha: viam a dor simplesmente como um tipo de reação estímulo-resposta e ignoravam quase que totalmente o papel da emoção.

Durante a segunda grande guerra Beecher, professor de Anestesiologia em Harvard, trabalhando em um hospital de campo em Anzio, observou que soldados gravemente feridos e que tinham toda a razão do mundo para suplicar por um alívio, recusavam obstinadamente qualquer medicamento para controle da dor. Simplesmente por terem sobrevivido mostravam-se tão eufóricos que, aparentemente, sua alegria bloqueava a dor. Da mesma maneira, outros investigadores notaram que atletas, como jogadores de futebol, comumente deixam o campo e só no vestiário descobrem sérias lesões no joelho ou tornozelo. Na excitação do jogo, não tomam conhecimento dessas injúrias.

A teoria do controle do gatilho pode explicar esses fenômenos e por isso foi considerada como revolucionária no estudo dos conceitos da dor. Em termos simples essa teoria pode ser exposta da seguinte maneira: os milhões de receptores do corpo conservam o cérebro abastecido de informações sobre temperatura e condições dos tecidos e dos órgãos. Como já visto, os receptores e o sistema nervoso central comunicam-se por meio de um complexo código neural, via de uma intrincada rede de nervos. O corte de um nervo ao microscópio assemelha-se a um cabo elétrico, feito de muitas fibras de várias espessuras. As mais grossas transmitem impulsos como os originados nos receptores do tato; as mais finas, de transmissão mais lenta, conduzem os impulsos de dor. Esses nervos convergem para a medula espinal e ali, aos autores da teoria admitem a existência de um mecanismo semelhante a uma porta que usualmente permanece fechada para bloquear a dor mas, às vezes, pode abrir-se para admiti-la.

Quando se arranha a pele suavemente, as fibras grossas conduzem impulsos que são percebidos, porém não traduzem uma sensação desagradável pois a "porta" conserva-se fechada. Se a pele continuar a ser arranhada, cada vez com mais força, mais receptores são estimulados e as fibras grossas sobrecarregadas fazem com que a "porta" se abra e as fibras finas aproveitam a oportunidade para enviar impulsos de dor, que passam através dela.

Ao contrário das outras teorias, os autores desta acreditam que quase todo o sistema nervoso central esteja envolvido no ato de decidir se a "porta" deve permanecer fechada ou abrir : a memória, o estado de espírito, a atenção, etc., têm participação na experiência da dor. As emoções positivas, como a excitação (no exemplo dos atletas) ou o prazer, fecham a "porta". As negativas, como a ansiedade e a apreensão, fazem-na abrir-se. Naturalmente a idéia de porta é puramente teórica e até agora não foi identificado positivamente nenhum mecanismo real no organismo que exerça essa função.

Por outro lado, a teoria torna coerente muitos fatos que intrigam os especialistas. Por exemplo, não se sabe ao certo como agem as compressas frias ou quentes ou ainda a massagem no alívio da dor. De acordo com essa teoria, a leve estimulação provocada por esses agentes ativaria as fibras grossas, subjugando as finas, condutoras da dor. Ajuda também a explicar os resultados da acupuntura, repudiada antes dos anos sessenta como embuste ou auto-sugestão, e dos estimuladores elétricos usados para aliviar dores.

LIMIAR DE DOR

Representa o estímulo mínimo capaz de gerar um impulso nervoso no nervo sensitivo, suscetível de ser percebido. Quando o estímulo é insuficiente para gerar um impulso, é chamado subliminar. O limiar de dor é inversamente proporcional à reação à dor. Um paciente com elevado limiar doloroso é hiporreativo, enquanto aquele que tem baixo limiar é hiperreativo. Em conseqüência o limiar de dor, alto ou baixo, indica a reação consciente do paciente a uma experiência desagradável e específica.

Mesmo admitindo-se que a percepção da dor é igual em pessoas sadias, alguns fatores têm influência definida sobre o limiar de dor de cada indivíduo.

Estados emocionais - O limiar depende em grande parte da atitude do paciente frente ao procedimento do operador e ao ambiente. Em regra geral, pacientes emocionalmente instáveis têm baixos limiares. Pessoas muito preocupadas, mesmo que suas preocupações não estejam relacionadas com seu problema odontológico, tem seu limiar de dor diminuído.

Fadiga - É fator de grande importância para o limiar de dor. Os pacientes descansados e que tenham dormido bem antes de uma experiência desagradável têm um limiar de dor muito mais alto que outros, fatigados e com sono. É essencial que uma boa noite de sono preceda o tratamento.

Idade - Os adultos tendem a tolerar mais a dor, apresentando portanto limiar mais alto que os jovens e as crianças. Talvez a compreensão que experiências desagradáveis são parte da vida influam na pessoa. Nos casos de senilidade a percepção da dor pode apresentar-se alterada.

Raça - As raças que apresentam indivíduos mais emotivos como os latino-americanos e os europeus meridionais têm limiar mais baixo que os norte-americanos e europeus setentrionais.

Sexo - O homem tem limiar mais alto que a mulher. Isso talvez reflita o desejo do homem de manter sua impressão de superioridade, fazendo esforço maior para tolerar a dor.

Medo - O limiar diminui à medida que o temor aumenta. Os pacientes medrosos e apreensivos tendem a aumentar exageradamente sua expectativa negativa. Esses pacientes são hiperreativos e tornam a dor fora de proporção em relação ao estímulo que a causou. É essencial que o operador adquira a confiança do paciente para levar o tratamento a bom termo.

CONTROLE DA DOR

Um dos aspectos mais importantes da prática odontológica é o controle ou a eliminação da dor. Investigações mostraram que os pacientes se afastavam dos consultórios mais por causa do medo ou temor da dor, do que por todas as outras razões juntas. Curiosa e contraditoriamente, a dor determina freqüentemente a procura de cuidados odontológicos.

A dor pode ser controlada ou eliminada na clínica odontológica, e para isso podem ser usados os seguintes métodos:

Eliminar a causa - A remoção da causa da dor seria o método mais conveniente pois as terminações nervosas livres não seriam excitadas e nenhum impulso seria iniciado. No entanto é desejável que essa remoção não ocasione nenhuma alteração permanente nos tecidos, pois assim, embora os fatores causais fossem removidos, os receptores continuariam a ser capazes de gerar impulsos, que em muitos casos representam mecanismos de proteção. Assim, a inflamação de uma polpa dental provocando dor, pode ser tratada em alguns casos por remoção de tecido cariado e proteção da polpa ou, em outras situações, pela remoção dessa estrutura, seguida de obturação endodôntica.

Bloquear a via dos impulsos dolorosos - Para esse bloqueio injeta-se nos tecidos próximos ao nervo ou nervos implicados nesse processo de dor, uma droga que possua propriedades analgésicas ou anestésicas, impedindo a despolarização das fibras nervosas na zona de absorção da droga e não permitindo, dessa maneira, que essas fibras conduzam centralmente os impulsos, além do ponto bloqueado. Enquanto o agente anestésico se encontrar no nervo em concentrações suficientes para impedir a despolarização o bloqueio será efetivo. Se o bloqueio for insuficiente ou inadequado, o que pode ocorrer por razões diversas, existirá a possibilidade de o impulso "saltar" o bloqueio e seguir em direção ao sistema nervo central.

Elevar o limiar da dor - Para isso é utilizada a ação farmacológica de drogas que possuem propriedades analgésicas. O efeito dessas drogas pode elevar o limiar da dor apenas até um certo ponto, na dependência da droga empregada. As aspirinas, por exemplo, são eficazes para eliminar perturbações leves. Os narcóticos, verdadeiros analgésicos e que possuem propriedades hipnóticas, são eficazes também em presença de dores mais intensas. No entanto, fisiologicamente é impossível eliminar todas as dores somente pela elevação do limiar. As drogas que elevam o limiar da dor têm doses adequadas para esse fim e o aumento da dosagem não aumentará sua eficácia sem produzir efeitos indesejáveis e, às vezes, perigosos. A presença de estímulos mais nocivos, que criam dores intensas, requererá o bloqueio das vias que conduzem esses impulsos, ou a ação depressora da anestesia geral.

Depressão cortical - A depressão do córtex está dentro do alcance da anestesia geral. Os agentes anestésicos gerais promovem uma crescente depressão do sistema nervoso central, impedindo toda reação consciente aos estímulos dolorosos.

Métodos psicossomáticos - Estes métodos, que consistem em levar o paciente a um estado mental adequado têm, infelizmente, sido descuidados na prática odontológica, embora sejam os que melhores resultados oferecem em relação ao menor risco a que expõem o paciente. Entre os fatores importantes nesse caso estão a honestidade de princípios e a sinceridade demonstradas pelo cirurgião-dentista. Isso requer manter o paciente informado do procedimento profissional e do que deve esperar. O sistema nervoso não aprecia surpresas e muitas vezes reage violentamente a elas. Deve-se fazer o paciente entender, mediante considerações amáveis, o alcance do desconforto que deve esperar. Também deve assegurar-se que qualquer experiência sensorial desagradável pode ser adequadamente controlada. Ao paciente agrada saber que sua comodidade é objeto de consideração do profissional. Uma vez que esteja seguro disto, tende a tolerar melhor as sensações desagradáveis.

DOR PSICOGÊNICA

A dor psicogênica pode ser definida como uma sensação dolorosa que não tem base orgânica. É qualquer dor de origem totalmente mental, e que se fixa numa parte da anatomia. Em muitos casos é sintoma de uma neurose latente que o paciente pode ignorar.

O cirurgião-dentista deve ter muito cuidado para estabelecer o diagnóstico deste tipo de dor. Todos os métodos para encontrar um possível foco orgânico de origem da dor devem ser esgotados antes de firmar o diagnóstico.

A dor psicogênica e seu controle apresentam situações difíceis e, às vezes, confusas para o dentista. Um único profissional não deve firmar o diagnóstico deste tipo de dor. Deve discutir o caso com outro dentista, cirurgião ou médico. Se todos os profissionais consultados forem unânimes no diagnóstico provável, deve aconselhar o paciente a consultar um psicólogo ou psiquiatra competente. Mesmo a maneira de aconselhá-lo pode ser um problema de difícil resolução; seria conveniente consultar esses profissionais sobre a maneira de fazer a sugestão.

O cirurgião-dentista não deve deixar de compreender que essa dor, mesmo sendo de origem psicogênica, é real para o paciente. Deve mostrar-se compreensível e tomar medidas temporárias para aliviá-lo. De maneira nenhuma deve dizer bruscamente que a dor é imaginária.

O profissional que oferece a consulta competente para atender melhor o seu paciente ganha o respeito geral e eleva o conceito da sua profissão no meio onde se localiza.

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fonte: http://www.angelfire.com/nm/cirurgia/fisio.html