ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA BRASILEIRA


A catástrofe ocorrida na Clínica Santa Genoveva de repente despertou nosso país para um aspecto ao qual não estava preparado: o Brasil é um país que está envelhecendo. Sempre tivemos o conceito que éramos um país jovem, que o problema do envelhecimento dizia respeito aos países europeus,norte-americanos e Japão. Realmente, nestes países se vive mais, existe uma maior expectativa de vida. No entanto, poucos se deram conta de que desde os anos 60, a maioria dos idosos em números absolutos vivem em países do terceiro mundo e as projeções estatísticas demonstram que esta é a faixa etária que mais crescerá na maioria dos países menos desenvolvidos (figura 1).

A tabela 1 mostra as mudanças que estão acontecendo nos países que terão 16 milhões ou mais de indivíduos com 60 anos ou mais no ano 2025, comparadas com as populações da mesma faixa etária em 1950. Entre os países que terão as maiores populações de idosos daqui a menos de 30 anos, oito se situam na categoria de países em desenvolvimento. Nota-se a substituição das grandes populações idosas dos países europeus pelas de países "jovens", como a Nigéria, Paquistão, México, Indonésia ou Brasil.
Neste final de século, assistimos no Brasil a um verdadeiro "boom" de idosos. A faixa etária de 60 anos ou mais é a que mais cresce em termos proporcionais. Segundo as projeções estatísticas da Organização Mundial da Saúde, entre 1950 e 2025, a população de idosos no país crescerá 16 vezes contra 5 vezes da população total, o que nos colocará em termos absolutos com a sexta população de idosos do mundo, isto é, com mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Este crescimento populacional é o mais acelerado no mundo e só comparável ao do México e Nigéria.
O crescimento demográfico da população brasileira na faixa etária de mais de 60 anos tem sido motivo de grande interesse por parte dos estudiosos da terceira idade em vários países do mundo.
As projeções estatísticas demonstram que a proporção de idosos no país passará de 7,3% em 1991 (11 milhões) para cerca de 15% em 2025, que é a atual proporção de idosos da maioria dos países europeus, os quais tiveram sua transição mais lenta e que ainda não conseguiram equacioná-la. Deve-se recordar que estas projeções são baseadas em estimativas conservadoras de fecundidade e mortalidade, sendo que se houver uma melhoria mais acentuada em nossa zonas mais miseráveis, como o Nordeste, o envelhecimento brasileiro será muito maior. 
O censo populacional de 1991 demonstrou um crescimento populacional bem aquém do esperado por muitos. Estes ainda acreditavam que estavam vivendo no período da "franca explosão demográfica"que ocorreu a partir da segunda guerra mundial, onde a mortalidade começava a declinar e a fecundidade permanecia alta, período que se completou no começo dos anos 60 com o inicio da queda acentuada da fecundidade. Esta ilusão se deve, principalmente, ao fato de ainda assistirmos ao grande aumento de nossas cidades.Este aumento urbano é fruto de uma acelerada e constante migração rural. 
De fato, no Brasil, o principal impacto no setor saúde nesta segunda metade do século tem sido proporcionado pelo aumento absoluto e relativo de nossa população adulta e idosa. Este fenômeno que denominamos de transição demográfica, se caracteriza pela passagem de uma situação de alta mortalidade mais alta fecundidade, com uma população predominantemente jovem e em franca expansão, para uma de baixa mortalidade e, gradualmente, baixa fecundidade.

A Transição demográfica se faz em quatro etapas:
1º) Alta fertilidade/Alta mortalidade: numa primeira etapa tínhamos uma taxa de nascimentos muito alta que era compensada por uma taxa de mortalidade também muito alta. Desta maneira, a população se mantinha mais ou menos estável com uma grande percentagem de jovens na população. Isto era o que acontecia no mundo todo até o início deste século, nos países em desenvolvimento até a metade do século e ainda ocorre em alguns países africanos.
2º) Alta fertilidade/Redução da mortalidade: num segundo momento a taxa de nascimentos continua muito alta e a mortalidade passa a diminuir consideravelmente em relação à etapa anterior, o que ocasiona um crescimento muito grande da população as custas, principalmente, da população jovem: a proporção de jovens na população aumenta. É o que se chamou de "baby boom" ou explosão demográfica que ocorreu intensamente no Brasil nas décadas de 40 e 50 e que ainda ocorre em alguns países asiáticos.
3º) Redução da fertilidade/ Mortalidade continua a cair: numa terceira etapa nós temos uma diminuição da taxa de nascimentos e a de mortalidade continua a cair, o que dará ainda um crescimento da população total mas, já não tão grande, com um aumento da percentagem de adultos jovens e, progressivamente, de idosos. É o que acontece no Brasil e em alguns países da América Latina.
4º) Fertilidade continua a cair/Mortalidade continua a cair em todos os grupos etários: numa quarta etapa a taxa de nascimento cai mais, a mortalidade cai mais, o que dá um certo equilíbrio na quantidade total da população mas com um aumento contínuo da população de idosos. É o que acontece na maioria dos países europeus.
Poderemos chegar no ponto em que a taxa de nascimento cai mais que a taxa de mortalidade, a ter um crescimento negativo da população, que é o que está acontecendo hoje na Dinamarca, Hungria, Canadá e acontecia na Alemanha antes da unificação.
Nos países desenvolvidos o aumento da expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial à época em que ocorreram grandes conquistas do conhecimento médico, na metade deste século. Este fato pode ser ilustrado pelo clássico exemplo de redução da mortalidade nos Estados Unidos da América do Norte publicado em 1981 por Fries e Capro
  • naquele país, no início do século, a taxa de mortalidade por tuberculose era de 194 mortes para cada 100.000 indivíduos por ano.
  • Em 1925, a taxa já estava reduzida pela metade.
  • A partir de 1940, a cada década, a taxa era a metade da de cada década anterior.
As principais razões para esta redução acentuada se deve à elevação do nível de vida da população norte-americana, traduzida por uma urbanização adequada das cidades, melhores condições sanitárias, melhoria nutricional, elevação dos níveis de higiene pessoal e melhoria das condições ambientais, tanto residenciais como no trabalho. Todos esses fatores já estavam presentes quando, no final da década de 40 e no início dos anos 50, foram introduzidos os exames radiográficos, a BCG e uma série de fármacos potentes (isoniazida, PAS e a estreptomicina)
que tiveram um importante papel na mortalidade, incidência e prevalência da tuberculose. No entanto, o processo de queda da mortalidade já estava, há muito, desencadeado naquele país.
Nos países menos desenvolvidos, não vêm ocorrendo desta maneira. Embora milhões de pessoas continuem vivendo em graus absolutos de miséria ou pobreza, as conquistas tecnológicas da medicina moderna (assepsia, vacinas, antibióticos, quimioterápicos e exames complementares de diagnóstico, entre outros), ao longo dos últimos 60 anos, conduziram aos meios que tornaram possível prevenir ou curar muitas das doenças fatais do passado.
A queda da fecundidade somente iniciou-se nos anos 60 e intensificou-se nos anos 70 (Figura 3), o que permitiu a ocorrência no país o fenômeno de uma grande explosão demográfica (anos 40 e 50).
Considerando-se o exemplo do Brasil, a passagem de uma situação de alta mortalidade mais alta taxa de nascimentos para uma de baixa mortalidade e, gradualmente baixa fecundidade, traduz-se numa elevação da expectativa de vida média ao nascer e num aumento, tanto em termos absolutos como proporcionais, de pessoas que atingem idades mais avançadas. De fato: No início do século (1900) a expectativa de vida ao nascimento era de 33,7 anos. Para um brasileiro nascido durante a segunda guerra mundial era de apenas 39 anos. Em 1950 já aumentou para 43,2 anos. Em 1960, a expectativa de vida ao nascimento era de 55,9 anos, com um aumento de 12 anos em uma década. De 1960 para 1980 aumentou para 63,4 anos, isto é, 7,5 anos em duas décadas. De 1980 para 2000 deverá haver um aumento em torno de 5 anos, quando um brasileiro ao nascer esperará viver 68,5 anos. De 2000 para 2025 deverá haver um aumento de 3,5 anos
A figura 4 compara a evolução das expectativas de vida no período de 1950-2025, para os diferentes continentes e para o Brasil em particular:
  • Como observamos, todas as curvas têm uma tendência ascendente, sendo que a do Brasil assume uma inclinação particularmente acentuada, somente comparável à dos países asiáticos, incluindo a China, que também apresentaram um aumento acentuado no período em questão.
  • As projeções mostram uma redução drástica nos diferenciais verificados em meados do século. Por exemplo, em 1950 mais de 25 anos separavam um brasileiro de um norte americano em termos de expectativa de vida ao nascimento. Essa diferença passou, no momento, a ser de bem menos de 10 anos e, as projeções mostram que no ano de 2025 esta diferença será de pouco mais de 4 anos
A principal característica do crescimento da população idosa no Brasil é, sem dúvida, a rapidez com que se dará, de hoje até os meados do século XXI. Na verdade, até o ano de 1960, todos os grupos etários cresciam de forma semelhante à total, desta forma mantendo constante a estrutura etária.
A Figura 5 mostra claramente que a partir de 1960, o grupo com 60 anos ou mais é o que mais cresce proporcionalmente no Brasil, enquanto que a população jovem encontra-se em um processo de desaceleração de crescimento, mais notadamente a partir de 1970 quando o crescimento foi de 18% (1970-1980), comparado com o crescimento da década anterior de mais de 31%.
De 1980 até o ano 2000, o grupo de 0-14 anos deverá crescer apenas 14% contra 107% dos 60 anos ou mais, sendo que a população como um todo crescerá 56%.
Em outras palavras, iniciaremos o novo século com a população idosa crescendo proporcionalmente 8 vezes mais que os jovens e quase 2 vezes mais que a população total.
Estas mudanças significativas da pirâmide populacional começam a acarretar uma série de previsíveis conseqüências sociais, culturais e epidemiológicas, para as quais ainda não estamos preparados para enfrentar.
Segundo dados extraídos do Censo Demográfico de 1991, divulgados no Anuário Estatístico do Brasil, a população idosa brasileira, naquele ano, era de 10,7 milhões, correspondendo a uma população de idosos maior que a Inglaterra e Gales (possuíam 9,8 milhões de habitantes com 60 anos ou mais), e maior que a população total de muitos países europeus, tais como Portugal, Bélgica, Grécia e Suécia. Hoje a população idosa brasileira já passa dos 14 milhões, o que evidencia a importância deste contigente populacional no Brasil.
Entretanto, a infra-estrutura necessária para responder às demandas deste grupo etário em termos de instalações, programas específicos e mesmo profissionais de saúde adequados quantitativa e qualitativamente, ainda é precária.
2- O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL BRASILEIRO E AS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE.
2.1.- Migração Rural:
No Brasil, em 1930, dois terços de nossa população vivia em zonas rurais. Hoje em dia, mais que três quartos vive em zonas urbanas. Este fluxo migratório, que denominamos permanente pelo fato dos migrantes rurais não apresentarem a intenção de retorno a seus lugares de origem, deve-se a várias causas: desemprego rural, diferença salarial campo/cidade, concentração de serviços públicos nas cidades, influência da mídia que cria uma falsa idéia sobre a vida nas grandes cidades, etc
O migrante padrão que chega as nossas grandes cidades é o migrante jovem, o qual, em geral, deixa seus parentes para trás. Para o idoso que teve por toda a sua vida uma grande família, que se caracterizava por uma marcada solidariedade sócio-cultural, com um suporte provido pelos mais jovens, rodeados de muitas crianças, esta mudança pode ser muito complicada, causando desmotivação, sensação de desamparo e sintomas depressivos.
A migração rural que ocorre principalmente as custas do deslocamento da população jovem e, em geral, deixando seus familiares idosos no local de origem, tem proporcionado uma acentuação desse envelhecimento em termos proporcionais. Com isso, justamente nas regiões menos desenvolvidas do país temos as maiores proporções de idosos.
Os migrantes quando chegam a grande cidade, ou vão morar em uma favela, ou, os com melhor situação financeira, vão morar em uma zona proletária. Se, por acaso, o migrante levar consigo sua família e, com isso o idoso também migrar, esta nova situação pode acentuar diversos problemas, tais como dificuldades financeiras, deterioração das condições de saúde, solidão e exposição a violências.
2.2.- Alterações da Estrutura Familiar:
Sabemos que os problemas de saúde podem ser causados ou agravados pela solidão e baixo nível sócio-econômico. Isto torna-se mais intenso no caso de portadores de patologias múltiplas, situação mais comum no idoso e, principalmente, no idoso frágil.
A solidão do idoso hoje em dia, está muito relacionada as alterações que ocorrem na família de hoje. Nos grandes centros urbanos, tem aumentado a proporção de pequenas famílias em detrimento das famílias extensas.
Este fenômeno de redução do tamanho das famílias é progressivo e mundial, tendo motivado as Nações Unidas colocarem, no ano de 1994, a "célula germinativa da sociedade" no centro de interesse. Sob o lema "Família - recursos e tarefas num mundo em transformação", a Assembléia Geral da ONU determinou o ano de 1994 como Ano Internacional da Família.
Se observarmos o número médio de pessoas por domicílio em diversos países representativos de suas regiões em 1993, vamos notar que a pequena família tornou-se a forma de vida típica das nações industrializadas. Com a Dinamarca e a Suécia com o menor número de pessoas por domicílio (2,2), seguidos pela Alemanha (2,3), Inglaterra, Holanda, Áustria e Suíça (2,5), França (2,6), Hungria e EUA (2,7), Itália e Canadá (2,8). Neste ano o Brasil apresentava uma média de 4,2 pessoas por domicílio, o que significava o casal com 2,2 filhos. A nação que apresentou a maior média foi o Iraque (7,8), seguido da Argélia e Jordânia (6,9) e Paquistão (6,7).
A redução do suporte familiar aos idoso relaciona-se também à maior mobilidade das famílias pelo seu tamanho e o número crescente de separações.
2.3.- Suporte Social Comunitário:
O sistema informal de apoio, também denominado de cuidado informal, fornecido por parentes, vizinhos, amigos ou instituições comunitárias, tem sido e ainda se constitui no mais importante aspecto de suporte social comunitário. O mesmo, da mesma maneira e pelos mesmos fatores que estão causando a redução do tamanho das famílias, está progressivamente se reduzindo.
2.4.- O Envelhecimento e a Mulher:
Nós todos sabemos que a mulher, em média, vive mais que os homens. No Brasil, como na grande maioria dos países, o aumento na expectativa de vida ao nascer tem sido mais significativo no sexo feminino. Isto se deve a vários fatores, principalmente pela proteção cardiovascular dada pelos hormônios femininos, mas também pelas mulheres apresentarem: condutas menos agressivas; menor exposição aos riscos no trabalho; maior atenção ao aparecimento de problemas de saúde; melhor conhecimento destes; maior utilização dos serviços de saúde; menor consumo de tabaco e álcool; etc. Também como um fator contributório pode-se citar a moderna assistência médico-obstétrica que tem propiciado uma queda na mortalidade de parturientes.
Diversos trabalhos têm demonstrado que a mulher vem, cada vez mais, adotando hábitos que eram tidos como próprios do homem, como fumar e beber. Além, vem se constituindo numa importante parcela da massa de trabalhadores remunerados. A mulher que tradicionalmente no meio familiar era quem tomava cargo das crianças e idosos, ao assumir um importante papel na força de trabalho, provoca a necessidade de quando este idoso tornar-se enfermo ou incapacitado, do contrato de um cuidador informal remunerado 
A mulher é muito mais solitária na velhice que o homem. Além de viver mais, casa-se mais jovem e, uma vez viúva apresenta uma menor taxa de segundo casamento que o homem viúvo.
Os estudos longitudinais com pessoas idosas têm revelado que a satisfação no trabalho se constitui num dos mais importantes preditores de longevidade entre os homens, mesmo quando a variável taxa de saúde é controlada. Trabalho aqui entendido de maneira ampla, não só trabalho remunerado: trabalho em casa, trabalho voluntário, etc..

2.5.- Trabalho e Aposentadoria:
Entre as mulheres idosas, estes estudos têm demonstrado que a quantidade de atividades em grupos voluntários, tais como em igrejas, clubes e organizações voluntárias, foi um preditor mais importante que a satisfação no trabalho (trabalho como usualmente é conceituado). Este tipo de atividade provavelmente desempenha o mesmo papel para a mulher que o trabalho para o homem, isto é, estimulando: o moral pessoal e a saúde mental; o exercício e o suporte social.
Uma preocupação de muitas pessoas é se a aposentadoria pode causar uma queda na qualidade de vida de um indivíduo. No entanto, trabalhos longitudinais, têm demonstrado que a perda do trabalho não causa comumente uma queda se as variáveis saúde e condição sócio-econômica forem controladas. Desta maneira, não deve-se temer a aposentadoria, se esta for feita voluntariamente, com o indivíduo em bom estado de saúde, com um confortável rendimento e permanecendo socialmente ativo
No entanto, no Brasil rural, a aposentadoria surge geralmente por incapacidades físicas e, tanto aí como em zonas urbanas, aposentadoria usualmente representa uma condição sócio-econômica injusta e inadequada. Muitos de nossos idosos necessitariam trabalhar para completar sua renda e, embora diversos apresentem condições para tal e não haja proibição legal ao idoso trabalhar, praticamente inexistem oportunidades para tal.
Dados do Ministério do Trabalho publicados em 1993 demonstram que no dia 31 de dezembro de 1992 tínhamos no país 161.434 indivíduos com 65 anos ou mais (1,5% do número total desta faixa etária) com empregos formais. Destes somente 1.191 (1,1% do número total de empregados) estava na área de ensino, justamente aonde o idoso poderia dar sua maior contribuição (Fig.8).
2.6.- O Custo Social do Envelhecimento:
Para avaliação do custo financeiro que a parcela improdutiva da população, isto é, idosos e crianças, representam para a parcela produtiva da sociedade, utiliza-se um indicador denominado de coeficiente de dependência. Este é usualmente definido como a razão da população de menos de 15 anos e de 60 anos ou mais para aqueles situados na faixa de 15 anos e 59 anos de idade.
No Brasil, apesar do crescimento absoluto e proporcional da faixa etária com 60 anos ou mais, o coeficiente não se elevou, na verdade decresceu, devido ao fato do grupo etário de 0 a 14 anos ter decrescido muito. No entanto isto não se traduz numa redução do custo financeiro para a parcela produtiva da sociedade (fig. 9). O crescimento da faixa de idosos no coeficiente de dependência representa um custo maior para a sociedade. Em países onde há programas específicos para os idosos, em média, os governos despendem cerca de 3 vezes mais com esse grupo do que com a população de 0 a 14 anos.
3- MUDANÇAS NOS PERFIS DE SAÚDE
Tem-se desenvolvido, dentro deste contexto, uma rápida transição nos perfis de saúde em nosso país que se caracteriza, em primeiro lugar, pelo predomínio das enfermidades crônicas não transmissíveis e, em segundo lugar, pela importância crescente de diversos fatores de risco para a saúde e que requerem, complexamente, ações preventivas em diversos níveis. As doenças infecto-contagiosas que, em 1950, representavam 40% das mortes ocorridas no país, hoje são responsáveis por menos de 10%, enquanto que com as doenças cardiovasculares ocorreu o oposto: em 1950 eram responsáveis por 12% das mortes e hoje representam mais de 40% das mortes em nosso país.
Passamos, em menos de 40 anos, de um perfil de mortalidade materno-infantil, para um perfil de mortalidade por enfermidades complexas e mais onerosas, típicas das faixas etárias mais avançadas. Apesar disso, mesmo em regiões mais desenvolvidas do país, aonde as diferenças são mais marcantes, os sistemas de saúde se caracterizam pela priorização da atenção materno infantil, desconsiderando a nossa realidade epidemiológica.
Na medida em que o nosso país passa por esta rápida transição demográfica e nos perfis de saúde, cresce de importância a necessidade da quantificação dos recursos que a sociedade tem que arcar para fazer frente as necessidades específicas deste segmento etário. Estudos populacionais realizados em São Paulo têm demonstrado que o aumento da sobrevida acarreta um aumento da prevalência de doenças crônicas, perda da independência funcional e da autonomia. Autonomia entendida como o exercício da autodeterminação e Independência Funcional como a capacidade do indivíduo em realizar as suas atividades diárias, como vestir, comer, banhar-se, etc. O funcionamento é o resultado da interação da capacidade do indivíduo e do ambiente que apoia esta capacidade. Nossas cidades, ruas, calçadas, transporte, prédios, casas, etc., que não foram projetadas pensando-se em indivíduos idosos, se constituem em verdadeiras barreiras arquitetônicas à independência funcional da população idosa.
4- O IMPACTO DO ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NO SETOR SAÚDE:
Uma das principais conseqüências desta transformação demográfica se dá no financiamento do setor saúde. Estudos recentes têm demonstrado uma participação desproporcional dos idosos na demanda por serviços de saúde.
Dados do Município de São Paulo demonstram que os pacientes idosos, de uma maneira global, não causam um impacto muito grande nos atendimentos ambulatoriais da rede básica. No entanto, um estudo realizado pela Escola Paulista de Medicina no serviço de Pronto Atendimento do Hospital São Paulo, demonstrou que o paciente idoso procura, freqüentemente em primeiro lugar, a porta do pronto socorro. Este estudo constou do seguimento da trajetória do paciente idoso dentro deste serviço de urgência, onde ficou claro de que a grande maioria dos pacientes não apresentavam problemas urgentes de saúde. Esta distorção, além de custar caro para o sistema de saúde, não resolve os problemas do idoso que em geral são múltiplos e crônicos, necessitando continuidade no tratamento, o que não consegue em serviços destinados ao atendimento de urgências e emergências.
Ao analisarmos os dados de internação hospitalar pelo SUS no ano de 1997, constatamos que no Brasil, o Sistema Único de Saúde pagou um total de 12.715.568 autorizações de internação hospitalare (AIHs) (Fig.8). Destas:
  • 2.471.984 foram consumidas pela faixa etária de 0-14 anos, que em 1996 representava 33,9% da população total. Deve-se levar em consideração que aqui também estão incluídas as diárias dos recém-nascidos em ambiente hospitalar.
  • 7.325.525 foram as consumidas pela faixa etária de 15-59 anos que representava 58,2% da população.
  • 2.073.915 foram as consumidas pela faixa etária de 60 anos ou mais, que representava 7,9% da população total.
  • 480.040 AIHs foram consumidas por indivíduos de idade ignorada. Estas hospitalizações, em sua grande maioria, corresponderam a tratamentos de enfermidades mentais de longa permanência, em geral pessoas acima de 50 anos de idade. Esta parcela de AIHs, por motivos óbvios, foram excluídas dos estudos em que se diferencia o impacto que cada faixa etária causou no Sistema Hospitalar.
A taxa (coeficiente) de hospitalização (número de hospitalizações por 1.000 habitantes de uma faixa etária) foi de 46 para o segmento de 0 a 14 anos (isto é, 46 hospitalizações em um ano por 1.000 indivíduos que possuem entre 0 a 14 anos de vida), 79 para o segmento de 15 a 59 anos e de 165 para o grupo de 60 anos ou mais.
  • O tempo médio de permanência hospitalar foi de 5,1 dias para o grupo de 0-14 anos, 5,1 dias para o grupo de 15-59 anos e 6,8 dias para o grupo mais idoso não foi tão alto do que o observado em países mais desenvolvidos, no entanto, quando observamos o
  • O índice de hospitalização (número de dias de hospitalização consumido por habitante/ano), notamos que cada indivíduo da faixa de 0-14 anos esteve 0,23 dias no hospital no ano de 1996, na faixa de 15-59 anos o índice foi de 0,40 dias e na faixa de 60 anos ou mais, 1,12 dias (isto é, cada brasileiro desta faixa etária consumiu, per capita, 1,12 dias de hospitalização no SUS
  • Se desdobrarmos a faixa etária de 60 anos ou mais em grupos de 5 anos, vamos notar que para cada 5 anos de idade teremos um aumento significativo do índice de hospitalização, desde 0,8 dias na faixa de 60-64 anos até 1,9 dias na faixa de 80 anos ou mais.
  • De um custo total de R$ 2.997.402.581,29, uma grande parcela (23,9) foi consumido pelos idosos, 19,7% pela faixa de 0-14 anos e 57,1% pela de 15-59 anos.
  • O custo médio por hospitalização foi de R$ 238,67 para a faixa etária de 0-14 anos, R$ 233,87 para os entre 15-59 anos e R$ 334,73 para os com 60 anos de idade ou mais.
  • O índice de custo (custo de hospitalização consumido por habitante/ano) foi de R$ 10,93 para o segmento mais novo, de R$ 18,48 para o grupo de 15-59 anos e R$ 55,25 para o de 60 anos ou mais.
A baixa média de permanência hospitalar, quando comparada com outros países, encontrada na população idosa pode ser explicada pelo método de pagamento do governo ao hospital conveniado, que consta de um pagamento global por procedimento, levando em conta somente o tratamento de uma enfermidade: a que motivou a internação hospitalar, e independe do número de enfermidades que o paciente possa apresentar, do tempo de permanência e dos gastos necessários de medicações e de exames complementares. Isto poderia ser uma das explicações para as dificuldades que os idosos têm, em muitas cidades brasileiras, quando necessitam de uma vaga hospitalar. Também, poderia explicar em parte, a alta precoce que muitos idosos recebem, o que estaria levando às freqüentes re-internações dos mesmos.
Com estes dados, podemos concluir que, com o aumento da nossa população idosa, determinados aspectos estão necessitando maiores discussões dentro do Sistema Público de Saúde Brasileiro.
5.- INADEQUAÇÃO DO MODELO ATUAL DE ASSISTÊNCIA E A NECESSIDADE DE MUDANÇAS:
Outra questão a ser respondida é se este aumento nos gastos do setor saúde se traduz em benefício para a população idosa. Os trabalhos têm demonstrado que os recursos econômicos, sociais e de saúde não são adequadamente analisados. As atividades da vida diária não são levadas em conta e o estado nutricional, em geral, é abordado superficialmente.
A não identificação ou não preocupação com os problemas considerados típicos da terceira idade, os assim chamados "Gigantes da Geriatria" apresentam uma alta taxa de prevalência. Um trabalho realizado na cidade de Rio Grande-RS demonstrou:
Incontinência urinária: Foi encontrada uma alta prevalência (31,4%) e somente 21,8% destes foram diagnosticadas. Isto é, 78,2% dos idosos com incontinência urinária não mereceram ter seu problema registrado no prontuário hospitalar. Somente 8% receberam algum tipo de cuidado (sonda urinária ou coletor de urina) e nenhum deles teve sua incontinência investigada.
Instabilidade postural e quedas: Foram relatadas por 18,8% dos pacientes e nenhum foi diagnosticado.
Imobilidade: Foi detectada em 18,4% dos paciente, com uma taxa de diagnóstico de 31,4%, sendo que menos da metade dos diagnosticados receberam tratamento apropriado.
Demência: Foi detectada em 5% dos pacientes e nenhuma foi diagnosticada.
Delirium: Foi detectado em 6,1% dos pacientes e nenhum foi diagnosticado. (O baixo índice encontrado, comparado com a literatura internacional, pode ser explicado pelo fato de que o prontuário somente era aplicado ao paciente 48 horas após sua a entrada no hospital).
Depressão: Usando-se os critérios do DSM III-R, que é o instrumento mais conhecido em nosso meio, encontrou-se uma prevalência de 10,1% de Depressão Maior, sendo que somente um paciente teve seu problema registrado e nem ele recebeu tratamento específico. E, o pior: todos os pacientes deprimidos estavam fazendo uso de pelo menos um fármaco que comprovadamente precipita ou piora depressão.
Diversos trabalhos realizados em nosso país têm confirmado de maneira consistente os achados acima. Exemplificamos com 2 trabalhos realizados pelo Dr. Ulisses Gabriel Vasconcelos Cunha, em Belo Horizonte:
Incontinência Urinária no Idoso Hospitalizado: Foi realizado uma avaliação randomizada em 267 idosos hospitalizados em 2 hospitais de Belo Horizonte, um geriátrico e outro um hospital geral, aonde foram obtidos os seguintes dados:
  • Prevalência de incontinência urinária em 129 pacientes (48,3%).
  • A incontinência urinária havia sido diagnosticada em apenas 34 pacientes (26,4%) e somente 5 tiveram seu problema anotado pelo médico assistente no prontuário.
  • Somente 32 pacientes (24,8%) receberam algum tipo de cuidado (a maioria homens com coletor urinário e mulheres com sonda permanente).
  • Não ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre os dois hospitais.
Depressão Maior em Idosos Hospitalizados em Enfermarias Gerais: Foi realizado uma avaliação randomizada, utilizando-se os critérios do DSM III-R, em 202 idosos hospitalizados (102 homens e 100 mulheres) em um hospital geral de Belo Horizonte, aonde foram obtidos os seguintes dados:
  • Prevalência de 8,9% (14 mulheres e 4 homens).
  • Depressão diagnosticada em somente 3 pacientes.
  • Somente 1 dos deprimidos em uso de antidepressivo (mianserina, 30mg/dia).
  • 8 dos 15 deprimidos não diagnosticados faziam uso de fármacos potencialmente causadores de depressão.
No dia 12/06/96, no momento de fechamento da Clínica Santa Genoveva, foi procedida uma avaliação clínica nos idosos hospitalizados (segundo informações do Escritório de Representação do Ministério da Saúde no Estado do Rio de Janeiro, constituída por médicos clínicos altamente qualificados). No resultado publicado desta avaliação não foi relatado nenhum caso de incontinência urinária, nem de depressão, delirium, demência, instabilidade postural e quedas, além de imobilidade. Estes problemas de saúde, típicos da terceira idade, foram denominados por Bernard Isaacs como os "Gigantes da Geriatria", tendo afirmado que o maior desafio daqueles que cuidam de pessoas idosas seria a prevenção, o tratamento e/ou cuidados dos mesmos.
Em 1997 com a coordenação do Dr. Renato Maia Guimarães, foi apresentado na Revista Brasília Médica, da Associação Médica de Brasília, um trabalho de pesquisa intitulado: Depressão: a morbidade oculta em pacientes idosos cirúrgicos. Este trabalho recebeu prêmio da mesma associação como o melhor trabalho científico do anos publicado na citada revista. O estudo foi do tipo transversal, tendo sido analisados 84 pacientes com idade superior a 60 anos de idade (46 mulheres e 38 homens) submetidos a tratamentos cirúrgicos em 3 hospitais públicos do DF (HUB, HBDF e HRAN). O instrumento utilizado foi a Escala de Depressão Geriátrica e excluiu-se os pacientes em pós-operatório imediato, os sem perspectiva de alta e os incapazes de responderem às perguntas. Foram obtidos os seguintes resultados:
  • 7% dos pacientes apresentaram depressão grave e 37% depressão moderada;
  • a ocorrência de depressão não esteve associada a dor, natureza da patologia ou uso de medicação;
  • nenhum dos pacientes teve sua depressão registrada, ainda que em um dos casos tenha sido solicitada avaliação psiquiátrica;
  • a média de permanência hospitalar foi significativamente maior nos pacientes com depressão grave.
O número de mortes registradas por doença de Alzheimer no Brasil, no ano de 1994, foram de 391 (378 em domicílios e 13 em hospitais), o que está subestimado. Considerando a média das pesquisas teríamos como extrapolação, naquele ano, entre 450.000 a 600.000 casos de demência em nosso país. Considerando que a doença de Alzheimer representa em torno de 50% dos casos de demência e que a sobrevida média de seus portadores seria de 15 anos após o início da mesma, teríamos que ter entre 15.000 a 20.000 casos de morte por ano, isto considerando que a população seja estável. Como tal não ocorre, se fizermos os ajustes para 1985 (10 anos antes) teríamos que ter tido entre 10.000 a 13.500 mortes por doença de Alzheimer em 1994.
Os dados de hospitalização pelo SUS demonstram um desconhecimento desta enfermidade, bem como das outras causas de demência potencialmente reversíveis. Como ilustração, foram registradas somente 197 hospitalizações por doença de Alzheimer em todo o Brasil no ano de 1996. Considerando-se todas as AIHs por demência neste mesmo ano, observamos que foram registrados os seguintes tipos de demência:
HOSPITALIZAÇÕES POR DEMÊNCIA - SUS - 1996
TIPO DE DEMÊNCIA No A IHs $ TOTAL Média Perman. Óbitos
INESPECÍFICA 98.216 46.389.593,77 26,2 dias 304
SENIL 6.831 3.241.740,42 24,9 dias 73
ALCOÓLICA 4.103 1.808.231,52 23,9 dias 8
ARTERIOESCLERÓTICA 1.183 553.651,92 25,4 dias 15
PRÉ-SENIL 981 428.697,30 24,1 dias 1
ALZHEIMER 197 90.982,28 19,4 dias 13
PICK 16 6.783,18 22,9 dias 1
JAKOB CREUTZFELDT 2 1.343,42 22,5 dias 1
TOTAL 114.681 52.521.023,81 25,2 dias 416
Os achados confirmam que o idoso, em relação as outras faixas etárias, consome muito mais do nosso Sistema de Saúde e que este maior custo não reverte em seu benefício. O nosso idoso não recebe uma abordagem médica ou psicossocial adequada em nossos hospitais, também não é submetido a uma triagem de reabilitação. Tem sido encontrado, também, uma alta prevalência de problemas médicos facilmente identificáveis e remediáveis entre os idosos que não são observados pelo médico responsável.
A abordagem médica tradicional do adulto hospitalizado, focada em uma queixa principal e o hábito médico de tentar explicar todas as queixas e sinais com uma única doença, que é comum no adulto jovem, mas raro no idoso (nenhum idoso em nosso estudo apresentou somente um problema de saúde: 75% apresentaram pelo menos 3 problemas médicos concomitantes e 50% apresentaram, pelo menos, 7 problemas concomitantes), tem contribuído decisivamente para as dificuldades na abordagem médica do paciente idoso.
A falta da discussão adequada dos determinantes sócio-econômicos do processo de saúde e enfermidade em nossos Cursos Universitários, se constitui numa das principais causas da inadequada avaliação sócio-econômica do paciente idoso.
6- CONCLUSÕES
6.1.- O desafio do envelhecimento populacional ao setor saúde
Na área da saúde vários são os problemas que afetam atualmente o país. Com a emergência da população idosa esse quadro de precariedade tende a se agravar. É sabido e, vimos anteriormente, que os idosos consomem mais serviços de saúde. Acrescente-se a isso o fato de que as taxas de internação hospitalar são bem mais elevadas quando comparadas a outro grupo etário e o tempo médio de ocupação do leito hospitalar também.
A falta de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais adequados faz, muitas vezes, com que o primeiro atendimento se dê em estágio avançado no hospital, aumentando os custos e diminuindo a possibilidade de um prognóstico favorável. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames complementares, ou seja, exigem o máximo da parfenália do complexo médico industrial.
A cada ano que passa mais 650 mil idosos são incorporados à população brasileira. Já perdemos muito tempo acreditando que ainda somos um país jovem, sem dar o devido crédito às informações demográficas que mostram e projetam o envelhecimento de nossa população.
As enfermidades dos idosos, na imensa maioria das vezes, são crônicas, ou seja, são problemas de saúde que vão perdurar 15, 20 ou mais anos. Portanto, o modelo existente, hospitalar ou asilar, não pode ser a base do sistema. Por outro lado, pensar apenas em tratamento ambulatorial, com medicamentos, exames para-clínicos e idas constantes aos serviços de saúde é, também, se acomodar aos antigos modelos. Temos que ser criativos, propondo alternativas mais eficientes e adequadas. A assistência médica formal, além de cara, não consegue cobrir todas as necessidades dos idosos. Devemos incentivar a criação dos chamados espaços alternativos ou instâncias intermediárias, tais como: hoepital-dia, centros de convivência, além de centros-noite, lares abrigados e protegidos para aqueles que necessitam de cuidados institucionais. Para os demais idosos, devemos incentivar os modelos de avaliação geriátrica ampla, utilizando métodos de screeening, testes de performance e da abordagem epidemiológica dos fatores de risco.
6.2.- Por um novo modelo de atenção integral à saúde do idoso
A idéia de um novo modelo de atenção à saúde do idoso surgiu na Grã Bretanha no final dos anos 30 com os chamados Geriatric Assessment Programs ou Evaluation Units, que poderiam ser traduzidos por Programas de Abordagem ou Avaliação Geriátrica.
O Programa de Avaliação Geriátrica pode ser conceituado como um processo diagnóstico multidimensional, comumente interdisciplinar, projetado para quantificar no idoso suas condições (capacidades e problemas) médicas, psico-sociais e funcionais, com o objetivo de se conseguir um plano terapêutico e de seguimento abrangente.
Este tipo de abordagem foi originalmente elaborado para o cuidado de idosos debilitados, sendo que, quanto mais debilitado for o idoso, maior a utilidade desse tipo de enfoque.
O conceito de abordagem geriátrica se originou com os pioneiros britânicos dos anos 30, como a Dra. Marjory Warren, Dr. Lionel Cosin e Sir Ferguson Anderson. Estes médicos clínicos observaram uma taxa preocupantemente alta de institucionalizações a longo prazo de pacientes idosos debilitados e com alto grau de incapacidade, a maioria dos quais não havia sido submetida a uma avaliação cuidadosa, nem médica, nem psico-social e nem havia sido submetida a uma tentativa de reabilitação.
Estes pratriarcas da Moderna Geriatria identificaram uma alta prevalência de problemas facilmente detectáveis e remediáveis, tanto em pacientes institucionalizados como em não institucionalizados. Eles também observaram que a maioria apresentava uma acentuada melhora quando recebia uma terapêutica apropriada e eram submetidos a um processo de reabilitação.
Os primeiros relatos de programas de abordagem geriátrica foram feitos pela Dra. Marjory Warren, iniciando-se assim o conceito de Unidade de Avaliação Geriátrica. Isto ocorreu no final dos anos 30, quando a Dra. Warren teve a seu cargo uma grande enfermaria em Londres. Esta enfermaria estava repleta principalmente de idosos cronicamente enfermos, confinados ao leito e freqüentemente negligenciados. Ela observou que os mesmos não haviam recebido um adequado diagnóstico médico ou de reabilitação, sendo rotulados como pacientes que necessitavam de institucionalização por toda suas vidas. A alta qualidade dos cuidados de enfermagem mantinha vivos estes pacientes, enquanto a falta de uma avaliação médica e de reabilitação os mantinha incapazes.
A Dra. Warren avaliou sistematicamente estes pacientes, iniciando uma mobilização ativa e uma reabilitação seletiva. Ela conseguiu libertar do leito a maioria dos idosos que estavam presos aos mesmos e, em um grande número de casos, conseguiu até dar alta aos idosos que, desta maneira, puderam retornar aos seus lares.
Como resultado de suas experiências, passou a advogar a idéia de que cada paciente idoso deveria receber uma avaliação compreensiva (abrangente) e uma tentativa (experiência) de reabilitação antes de ser admitido em um leito hospitalar de longo prazo ou "Nursing Home".
Do trabalho destes pioneiros emergiram dois princípios básicos da geriatria:
(1) - Muitos idosos necessitam, para seus cuidados, de uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais ampla que os pacientes mais jovens.
(2) - Nenhum paciente deve ser admitido em um serviço de cuidados a longo prazo sem uma prévia e cuidadosa avaliação médica e psico-social e, para a maioria dos pacientes, deve-se fazer uma triagem de reabilitação.
Este sistema, também designado de "Cuidado Geriátrico Progressivo", tem sido modelo para o cuidado de pacientes idosos em diversos países.
Aspectos específicos deste modelo de cuidados progressivos diferem de um local para outro, mesmo na Grã Bretanha. Não há uma total concordância quanto a idade do paciente que limita os Serviços de Medicina Interna do de Cuidados Geriátricos (Exs: 65, 70 ou 75 anos). Vários países construíram ou estão construindo sistemas de cuidados geriátricos de maneira similar ao Sistema Britânico, todos tendo as Unidades de Avaliação Geriátrica como a porta de entrada do Sistema de Cuidados de Saúde.
Objetivos de um programa de avaliação geriátrica
(1) O primeiro objetivo de um programa de avaliação geriátrica é a melhoria da acuracidade diagnóstica, diagnóstico não somente significando diagnóstico médico, mas também de problemas funcionais, psicológicos e sociais. A natureza multiprofissional e multidimensional da avaliação Geriátrica é vital, devido no idoso ser muito mais freqüente e intensa a multiplicidade de problemas e a interação entre as enfermidades física e psicossociais, o que causa dificuldades para uma única profissão conseguir atingir um diagnóstico compreensivo (abrangente) e acurado.
(2) A melhora na acuracidade diagnóstica pode levar a uma melhoria no tratamento. Altos índices de regimes medicamentosos inadequados e doenças iatrogênicas têm sido documentados em idosos e, dados preliminares sugerem que uma abordagem (avaliação) cuidadosa pode ajudar na melhora destes problemas.
(3) A determinação de uma ótima colocação do paciente após o programa de avaliação e cuidados iniciais que evitem o uso inapropriado de serviços institucionais, tem sido um dos objetivos principais da maioria dos Programas de Avaliação Geriátrica, tanto pela compaixão, como pelos custos (melhor uso dos serviços de saúde).
(4) Todos estes objetivos, se atingidos, podem ter efeitos benéficos, tanto para o aumento da sobrevida como da qualidade de vida.
(5) A educação e a pesquisa são aspectos importantes de alguns programas e podem afetar profundamente a estrutura dos mesmos. A maioria dos programas de avaliação são objetivados para a obtenção de dados acurados, para documentação da melhora do paciente no tempo e, para qualificar os propósitos da avaliação.
As variações entre os programas em geral estão relacionadas a escolha dos objetivos do mesmo. Embora a avaliação seja comum a todos, muitos também incluem tratamento e reabilitação. Alguns também incluem cuidados de agudos.
Outro aspecto que varia bastante entre os diversos programas existentes é a respeito dos critérios de inclusão e exclusão baseados na idade cronológica. Embora o critério de idade seja estabelecido arbitrariamente, os programas em geral incluem 65 anos como idade mínima com a finalidade de que a sua "vocação geriátrica" não se transforme num programa para cuidados de pacientes crônicos de qualquer idade.
Alguns programas possuem uma orientação psicogeriátrica, aceitando principalmente pacientes com problemas de demência ou depressão.
Avaliação geriátrica ampliada
A abordagem de avaliação varia entre os programas, sendo que a maioria inclui uma avaliação multidimensional, incluindo as áreas de saúde física, estruturas de suporte social, estado psicológico e habilidade funcional.
Alguns programas utilizam uma bateria de testes compreensivos (abrangentes) ou instrumento multidimensional para realizar a avaliação; outros utilizam alguns instrumentos unidimensionais já existentes, ajustados ao seu programa particular; enquanto que outros apoiam-se principalmente em julgamentos, não usando nenhum instrumento em particular.
AVALIAÇÃO GERIÁTRICA MULTIDIMENSIONAL (MENSURAÇÃO)
SAÚDE FÍSICA
  Diagnósticos presentes
  Indicadores de severidade
  Quantificação dos serviços médicos usados
  Autoavaliação dos problemas de saúde
SAÚDE PSICOLÓGICA
  Testes de função cognitiva
  Testes de função afetiva
PARÂMETROS SOCIAIS
  Recursos disponíveis
  Necessidades de suporte
INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL/AUTONOMA
  Atividades básicas da vida diária
  Atividades instrumentais da vida diária
Em alguns programas cada membro da equipe realiza avaliações somente relacionadas à sua área de competência, enquanto em outros um único membro preenche o instrumento completo.
Muitos programas tratam de assegurar confiabilidade e validade à seus instrumentos, enquanto outros utilizam instrumentos já validados em outros locais, com uma sensibilidade e especificidade já conhecidas. Alguns programas utilizam instrumentos cujos dados são facilmente computadorizados, enquanto que outros não se preocupam com a tabulação dos dados.
Embora a avaliação geriátrica em si não requeira instrumentos e escalas específicas, o uso de instrumentos de fácil aplicação e que sejam bem validados torna o processo de avaliação mais confiável e consideravelmente mais fácil de ser ensinado. Além do mais, estes instrumentos facilitam a troca de informações de maneira mais fácil de serem entendidas, quer entre serviços, quer entre os diversos membros da equipe, facilitando o trabalho de grupo, fornecendo dados válidos para serem tabulados e, a medida do progresso terapêutico no tempo.
Têm surgido vários trabalhos atuais que analisam em detalhes os diversos instrumentos de avaliação geriátrica existentes, descrevendo detalhadamente aqueles que possam ser melhores para um programa em particular. Em nossa experiência, os instrumentos mais úteis na suplementação da avaliação clínica padrão, isto é, história e exame físico, têm sido:
1- Instrumentos de avaliação mental: triagem da função cognitiva e do afeto.
2- Estado funcional global: escalas de atividades básicas e instrumentais da vida diária.

Fonte: http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_exibe1.asp?cod_noticia=91