ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Hepatite


A hepatite é a inflamação do fígado por qualquer causa. Comumente, a hepatite é decorrente da ação de um vírus, sobretudo de um dos cinco vírus da hepatite (A, B, C, D ou E). Menos comumente, a hepatite é devida a infecções virais (p.ex., mononucleose infecciosa, febre amarela e infecção por citomegalovírus). As principais causas não virais da hepatite são o álcool e as drogas. A hepatite pode ser aguda (duração inferior a 6 meses) ou crônica. Ela é comum em todo o mundo.

O vírus da hepatite A propaga-se basicamente das fezes de um indivíduo à boca de um outro. Este tipo de transmissão é normalmente decorrente da higiene deficiente. As epidemias que se propagam através da água e dos alimentos são freqüentes, especialmente nos países em vias de desenvolvimento. Algumas vezes, a causa é a ingestão de moluscos contaminados. Casos isolados, normalmente originados do contato interpessoal, também são comuns. Quase todas as infecções pelo vírus da hepatite A são assintomáticas e passam desapercebidas.

O vírus da hepatite B é menos facilmente transmitido que o vírus da hepatite A. Um dos meios de transmissão é o sangue ou os hemoderivados (produtos do sangue) contaminados. No entanto, devido às precauções tomadas para se garantir um suprimento de sangue seguro, as transfusões sangüíneas raramente são responsáveis pela transmissão da hepatite B nos Estados Unidos. A transmissão comumente ocorre entre os usuários de drogas injetáveis que compartilham agulhas, assim como entre parceiros sexuais, tanto heterossexuais quanto homossexuais masculinos. Uma mulher grávida infectada pelo vírus da hepatite B pode transmiti-lo para o recém-nascido durante o trabalho de parto.

O risco de exposição ao vírus da hepatite B aumenta para os pacientes submetidos à diálise renal ou internados em unidades de oncologia ou para o pessoal hospitalar que tem contato com sangue. Também apresentam risco os individuos que permanecem em ambientes fechados (p.ex., prisões e instituições para pessoas com retardo mental), onde existe um contato pessoal íntimo. A hepatite B pode ser transmitida por indivíduos saudáveis portadores crônicos do vírus. Ainda não está comprovado se picadas de insetos. podem transmitir o vírus. Muitos casos de hepatite B originam-se de fontes desconhecidas. Em algumas partes do mundo (p.ex., Extremo Oriente e algumas regiões da África), o vírus da hepatite B é responsável por muitos casos de hepatite crônica, cirrose e câncer de fígado.

O vírus da hepatite C é a causa de pelo menos 80% dos casos de hepatite originadas por transfusões sangüíneas, além de muitos casos isolados de hepatite aguda. Ele é mais comumente transmitido por usuários de drogas injetáveis que compartilham agulhas. A transmissão sexual é incomum. O vírus da hepatite C é responsável por muitos casos de hepatite crônica e por alguns casos de cirrose e de câncer de fígado. Por razões desconhecidas, os indivíduos com hepatopatia alcoólica freqüentemente também apresentam hepatite C. Algumas vezes, a combinação dessas doenças produz uma maior disfunção hepática do que poderia causar uma delas isoladamente. Parece existir uma pequena porcentagem de indivíduos saudáveis portadores crônicos do vírus da hepatite C.

O vírus da hepatite D ocorre apenas como uma co-infecção com o vírus da hepatite B. Esta coinfecção agrava a infecção causada pelo vírus da hepatite B. Os usuários de drogas apresentam um risco relativamente maior.

O vírus da hepatite E causa epidemias ocasionais similares às causadas pelo vírus da hepatite A. Até o momento, essas epidemias ocorreram apenas em países subdesenvolvidos.

Hepatite Viral Aguda

A hepatite viral aguda é a inflamação do fígado causada pela infecção produzida por um dos cinco vírus da hepatite. Na maioria dos indivíduos, a inflamação inicia abruptamente e dura apenas algumas semanas.

Sintomas e Diagnóstico

Os sintomas de hepatite viral aguda normalmente iniciam abruptamente. Eles incluem a inapetência, uma sensação de mal-estar generalizado, a náusea, o vômito e, freqüentemente, a febre. Nos tabagistas, a aversão ao tabaco é típica. Ocasionalmente, sobretudo no caso da infecção pelo vírus da hepatite B, o indivíduo apre- senta dores articulares e erupções cutâneas (urticária vermelha e pruriginosa). Após alguns dias, a urina torna-se escura e pode ocorrer icterícia. A maioria dos sintomas comumente desaparecem nesse momento e o indivíduo sente-se melhor, mesmo quando a icterícia piora.

Podem ocorrer sintomas de colestase (interrupção ou redução do fluxo biliar), como fezes claras e prurido generalizado. Normalmente, a icterícia atinge o máximo em 1 a 2 semanas e, em seguida, desaparece ao longo de 2 a 4 semanas. A hepatite viral aguda é diagnosticada baseando- se nos sintomas apresentados pelo indivíduo e nos resultados dos exames de sangue que avaliam a função hepática. Em aproximadamente 50% dos indivíduos com hepatite viral aguda, o médico observará a presença de um fígado sensível e algo aumentado de volume.

A hepatite viral aguda deve ser diferenciada de várias outras doenças que produzem sintomas similares. Por exemplo, os sintomas semelhantes aos de uma gripe, os quais manifestamse precocemente, podem ser confundidos com os de outras doenças virais como, por exemplo, a gripe e a mononucleose infecciosa. A febre e a icterícia também são sintomas da hepatite alcoólica, que ocorre em indivíduos que consomem álcool de modo abusivo. O diagnóstico específico da hepatite viral aguda pode ser feito quando os exames de sangue revelam a presença de proteínas virais ou de anticorpos contra o vírus da hepatite.

Prognóstico

A hepatite viral aguda pode produzir desde uma doença menor semelhante a uma gripe até uma insuficiência hepática fatal. Em geral, a hepatite B é mais grave que a hepatite A e, ocasionalmente, ela é fatal, especialmente em idosos. A evolução da hepatite C é algo imprevisível. A doença aguda comumente é leve, mas a função hepática pode melhorar e, em seguida, piorar repetidamente durante vários meses.

O indivíduo com hepatite viral aguda normalmente recupera-se após 4 a 8 semanas, mesmo sem tratamento. A hepatite A muito excepcionalmente torna-se crônica. A hepatite B torna-se crônica em 5 a 10% dos indivíduos e pode ser leve ou muito grave. A hepatite C apresenta a maior probabilidade de cronificação, esta ocorre em 75% dos casos. Apesar de comumente ser leve e ser freqüentemente assintomática, a hepatite C é um problema grave, uma vez que aproximadamente 20% dos indivíduos afetados acabam apresentando cirrose. - O indivíduo com hepatite viral aguda pode tornar-se portador crônico do vírus. Como portador, ele é assintomático, mas permanece infectado. Esta situação ocorre somente com os vírus das hepatites B e C, não com o vírus da hepatite A. Os portadores crônicos podem acabar apresentando um câncer de fígado.

Tratamento

Os indivíduos com uma hepatite aguda incomumente grave podem exigir a hospitalização. Contudo, na maioria dos casos, o tratamento é desnecessário. Após os primeiros dias, o indivíduo comumente recupera o apetite e não necessita guardar repouso ao leito. Não é necessária a instituição de restrições rigorosas da dieta ou das atividades, assim como também é desnecessária a suplementação vitamínica. A maioria dos indivíduos pode retornar ao trabalho após o desaparecimento da icterícia, mesmo quando as provas de função hepática não se encontram totalmente normais.

Prevenção

A higiene adequada ajuda a prevenir a disseminação do vírus da hepatite A. Como as fezes dos indivíduos com hepatite A são infectantes, as amostras das mesmas devem ser manipuladas com um especial cuidado pelo pessoal médico e do laboratório. Isto também é verdadeiro no que concerne à manipulação do sangue de indivíduos com qualquer tipo de hepatite aguda. Por outro lado, os indivíduos infectados não exigem isolamento, uma vez que ele tem pouca utilidade na prevenção da transmissão da hepatite A e não impede a transmissão das hepatite B e C.

Os profissionais da área médica reduzem a chance de infecção por transfusões sangüíneas evitando a realização de transfusões desnecessárias, utilizando o sangue doado por voluntários no lugar do sangue de doadores pagos e investigando a hepatite B e C em todos os doadores. Devido a essa triagem, o número de casos de hepatite B e C transmitidos através de transfusões sangüíneas reduziu bastante, embora não tenham sido eliminados. A vacinação contra a hepatite B estimula as defesas imunes do organismo e protege satisfatoriamente a maioria dos indivíduos.

No entanto, a vacina confere uma menor proteção aos paci- entes submetidos à diálise e aos indivíduos com cirrose ou com comprometimento do sistema imune. A vacinação é particularmente importante para os indivíduos com risco de contrair a hepatite B, apesar dela não ser eficaz após a doença haver se instalado. Por essas razões, a vacinação universal contra a hepatite B vem sendo cada vez mais recomendada. A vacinação contra a hepatite A é realizada nos indivíduos que apresentam um alto risco de contrair a infecção (p.ex., aqueles que viajam para regiões do mundo onde a doença é disseminada). Não existem vacinas disponíveis contra os vírus das hepatites C, D e E.

Os indivíduos que não foram vacinados e que são expostos à hepatite podem receber uma preparação de anticorpos (imunoglobulina sérica) para proteção. A administração de anticorpos visa prover uma proteção imediata contra a hepatite viral, mas o grau de proteção varia enormemente em diferentes situações. Para os indivíduos que foram expostos (p.ex., uma picada de agulha acidental) ao sangue infectado pelo vírus da hepatite B, a imunoglobulina contra a hepatite B provê uma melhor proteção que a imunoglobulina sérica comum. Para o lactente cuja mãe apresenta hepatite B, é realizada a administração de imunoglobulina B e a vacinação. Esta combinação impede a ocorrência de uma hepatite B crônica em aproximadamente 70% desses lactentes.

Hepatite Crônica

A hepatite crônica é a inflamação do fígado que persiste por no mínimo 6 meses. Apesar de ser muito menos comum que a hepatite aguda, a hepatite crônica pode persistir por anos ou mesmo décadas. Normalmente, ela é bem leve e não produz sintomas ou lesão hepática importante. Entretanto, em alguns casos, a inflamação contínua lesa o fígado lentamente e, finalmente, leva à cirrose e à insuficiência hepática.

Causas

O vírus da hepatite C é uma causa comum de hepatite crônica. Aproximadamente 75% dos casos de hepatite C cronificam. O vírus da hepatite B, algumas vezes com o vírus da hepatite D, provoca uma procentagem menor de infecções crônicas. Os vírus das hepatites A e E não causam hepatite crônica. A hepatite crônica também pode ser causada por medicamentos como a metildopa, a isoniazida, a nitrofurantoína e, possivelmente, o acetaminofeno, sobretudo quando estes são utilizados durante um período prolongado.

A doença de Wilson, uma doença hereditária rara que envolve uma retenção anormal de cobre, pode causar hepatite crônica em crianças e adultos jovens. Não se sabe exatamente a razão pela qual os mesmos vírus e medicamentos causam hepatite crônica em alguns indivíduos e não a causam em outros ou a razão pela qual a sua gravidade varia. Uma explicação possível é que, nos indivíduos com hepatite crônica, o sistema imune reage exageradamente à infecção viral ou ao medicamento.

Em muitos indivíduos com hepatite crônica, nenhuma causa evidente pode ser detectada. Em alguns, parece existir uma reação exagerada do sitema imune, que é responsável pela inflamação crônica. Este distúrbio, denominado hepatite auto-imune, é mais comum entre mulheres que entre os homens.

Sintomas e Diagnóstico

Aproximadamente um terço dos casos de hepatite crônica ocorre após um episódio de hepatite viral aguda. O restante desenvolve-se gradualmente, sem nenhuma doença prévia evidente. Muitos indivíduos com hepatite crônica são assintomáticos. Entre os sintomáticos, os sintomas mais freqüentes incluem a sensação de mal-estar generalizdo, a inapetência e a fadiga. Algumas vezes, o indivíduo também apresenta uma febre baixa e um desconforto na região abdominal superior. A icterícia pode ou não ocorrer.

Ocasionalmente, podem ocorrer sintomas da hepatopatia crônica. Eles incluem a esplenomegalia (aumento de volume do baço), aranhas vasculares e a retenção líquida. Outros sintomas podem ocorrer, especialmente em mulheres jovens com hepatite autoimune. Esses sintomas podem envolver praticamente qualquer sistema orgânico e incluem a acne, a cessação dos períodos menstruais, dores articulares, a fibrose pulmonar, a inflamação da tireóide e dos rins e a anemia.

Embora os sintomas apresentados pelo paciente e as provas de função hepática forneçam informações diagnósticas úteis, a biópsia hepática (coleta de uma amostra de tecido para exame microscópico) é essencial para o estabelecimento do diagnóstico definitivo. O exame microscópico do tecido hepático permite ao médico determinar a gravidade da inflamação e se houve ou não o desenvolvimento de fibrose ou da cirrose. A biópsia também pode revelar a causa subjacente da hepatite.

Prognóstico e Tratamento

Muitas indivíduos têm hepatite crônica durante anos, antes de desenvolver uma lesão hepática progressiva. Em outros, a doença apresenta uma piora progressiva. Quando isto ocorre e a doença é devida a uma infecção pelo vírus da hepatite B ou C, o alfa-interferon (um agente antiviral) pode interromper a inflamação. Entretanto, trata-se de um medicamento caro que produz comumente efeitos adversos e a hepatite tende a recorrer uma vez o tratamento interrompido.

Por essa razão, este tipo de tratamento é reservado para determinados pacientes com a infecção. Normalmente, a hepatite auto-imune é tratada com corticosteróides, algumas vezes combinada com a azatioprina. Esses medicamentos suprimem a inflamação, resolvem os sintomas e melhoram a sobrevida a longo prazo. Apesar disso, a fibrose (formação de cicatrizes) hepática pode piorar gradualmente. Comumente, a interrupção do tratamento acarreta a recorrência do quadro e, conseqüentemente, a maioria dos indivíduos deve continuar a utilizar os medicamentos indefinidamente.

Ao longo dos anos, aproximadamente 50% dos indivíduos com hepatite auto-imune apresentam cirrose e/ou insuficiência hepática. Na suspeita de um medicamento ser a causa da hepatite, o indivíduo deve interromper o seu uso. Isto pode fazer com que a hepatite crônica desapareça. Independentemente da causa ou do tipo de hepatite crônica, qualquer complicação como, por exemplo, a ascite (líquido no interior da cavidade abdominal) ou a encefalopatia (função cerebral anormal) , exige tratamento.