ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Distúrbios Vasculares do Fígado


O fígado recebe um quarto de seu suprimento sangüíneo através da artéria hepática, a qual provém do coração. Os três quartos restantes do suprimento sangüíneo provêm da veia porta, que drena o intestino. O sangue oriundo do intestino está repleto de substâncias alimentares digeridas que serão processadas pelo fígado. O sangue deixa o fígado através da veia hepática. Este sangue é uma mistura de sangue da artéria hepática e sangue da veia porta. A veia hepática desemboca na veia cava (a maior veia do corpo), que, a seguir, desemboca no coração.

Anormalidades da Artéria Hepática

A artéria hepática provê o único suplemento sangüíneo a determinadas partes do fígado, particularmente ao tecido de sustentação e às paredes dos condutos biliares. A estenose ou a obstrução da artéria ou de seus ramos pode causar um dano considerável nessas áreas. O fluxo através da artéria pode ser comprometido devido a uma lesão (p.ex., um ferimento causado por um projétil de arma de fogo ou por um traumatismo cirúrgico) ou por um coágulo de sangue. Os coágulos geralmente são decorrentes de uma arterite (inflamação da parede arterial) ou da infusão intra-arterial de medicamentos antineoplásicos (contra o câncer) ou outras substâncias tóxicas ou irritante.

Também podem ocorrer aneurismas na artéria hepática. O aneurisma é uma dilatação de uma porção frágil da parede arterial. O aneurisma da artéria hepática normalmente é causada por infecção, arteriosclerose, lesão ou poliarterite nodosa. Um aneurisma que comprime um ducto biliar vizinho pode estreitá-lo ou obstruí-lo. Conseqüentemente, o indivíduo pode apresentar icterícia devido ao refluxo de bile em direção ao fígado. Aproximadamente três quartos desses aneurismas acabam rompendo e, freqüentemente, causam uma hemorragia maciça. Um aneurisma pode ser tratado pela inserção de um cateter na artéria hepática e pela injeção de uma substância irritante que provoca uma obstrução. Quando esse procedimento (chamado embolização) fracassar, será realizada uma cirurgia de reparação da artéria.

Doença Veno-Oclusiva

A doença veno-oclusiva consiste na oclusão das pequenas veias no fígado. A doença veno-oclusiva pode ocorrer em qualquer idade, mas as crianças com 1 a 3 anos de idade são particularmente vulneráveis porque possuem vasos sangüíneos mais finos. A oclusão pode ser causada por drogas e outras substâncias tóxicas para o fígado como, por exemplo, folhas de Senecio (utilizadas na Jamaica para fazer chá de ervas), dimetilnitrosamina, aflatoxina e medicamentos antineoplásicos (p.ex., azatioprina). A radioterapia também pode causar uma oclusão das pequenas veias, assim como os anticorpos produzidos durante a rejeição de um transplante de fígado. A oclusão causa um refluxo de sangue ao interior do fígado, reduzindo o suprimento sangüíneo hepático e acarretando uma lesão dos hepatócitos (células hepáticas).

Sintomas, Prognóstico e Tratamento

A oclusão das veias pequenas faz com que o fígado torne-se congesto de sangue e doloroso à palpação. Pode ocorrer extravasamento de líquido a partir da superfície do fígado aumentado de volume e acúmulo do mesmo no interior da cavidade abdominal, uma condição denominada ascite. O refluxo de sangue ao fígado também aumenta a pressão na veia porta (condição denominada hipertensão porta) e nas veias que desembocam na veia porta. Esta pressão mais elevada pode acarretar o surgimento de varizes esofágicas (veias varicosas no esôfago), as quais podem romper e sangrar.

Tipicamente, a oclusão desaparece rapidamente e o indivíduo recupera-se com ou sem tratamento. Entretanto, alguns morrem em decorrência da insuficiência hepática. Em outros, a pressão na veia porta permanece elevada e a lesão acarreta a cirrose. O único tratamento consiste na interrupção do uso de uma substância ou de um medicamento que esteja provocando a oclusão. A evolução exata da doença depende da extensão da lesão e do fato dela recorrer ou não. A evolução crônica é mais comum, sobretudo quando a oclusão é causada pel consumo de chás de ervas que contêm o alcalóide tóxico.

Síndrome de Budd-Chiari

A síndrome de Budd-Chiari é um distúrbio raro, o qual é normalmente causado por coágulos sangüíneos que provocam obstrução parcial ou total das veias grandes que drenam o fígado. Normalmente, a causa da síndrome de Budd- Chiari é desconhecida. Algumas vezes, o indivíduo apresenta uma condição que aumenta a probabilidade da formação de coágulos sangüíneos (p.ex., gravidez ou doença das células falciformes). Em raros casos, as veias não são realmente obstruídas, mas não estão presentes devido a um defeito congênito. Menos de um terço daqueles com síndrome de Budd-Chiari sobrevivem um ano sem um tratamento eficaz.

Sintomas e Diagnóstico

Os sintomas da síndrome de Budd-Chiari podem ter início súbito e ser devastadores, mas, em geral, manifestam-se de modo gradual. O fígado aumenta de volume devido à congestão sangüínea e torna-se sensível. Ocorre um extravasamento de líquido através da superfície hepática para o interior da cavidade abdominal. O indivíduo pode apresentar dor abdominal e icterícia discreta. O acúmulo de sangue no fígado eleva a pressão na veia porta, embora as conseqüências (p.ex., varizes esofágicas) possam ocorrer somente semanas ou meses mais tarde.

Após vários meses, o indivíduo pode apresentar icterícia, febre e outros sintomas da insuficiência hepática. Algumas vezes, os coágulos sangüíneos aumentam tanto a ponto de obstruir a porção inferior da maior veia que desemboca no coração (veia cava inferior). Essa obstrução produz um edema considerável nos membros inferiores e no abdômen. Os principais indícios para o diagnóstico são os sintomas característicos. A injeção de uma substância radiopaca e a realização de radiografias das veias podem revelar com exatidão a localização da obstrução. A ressonância magnética (RM) também pode ser útil no estabelecimento do diagnóstico. A biópsia hepática (coleta de uma amostra de tecido hepático com o auxílio de uma agulha para exame microscópico) e a ultra-sonografia podem ser úteis na diferenciação entre a síndrome de Budd-Chiari e outras doenças semelhantes.




Tratamento

Quando a veia apresenta uma estenose e não uma obstrução, podem ser administrados anticoagulantes (medicamentos que impedem a formação de coágulos) ou trombolíticos (medicamentos que dissolvem os coágulos). Algumas vezes, pode ser realizada uma cirurgia para conectar a veia porta à veia cava, o que, conseqüentemente, irá provocar a descompressão da veia porta através de um desvio (bypass) do fígado. O transplante de fígado pode ser o tratamento mais eficaz.

Trombose da Veia Porta

A trombose da veia porta é uma obstrução da veia porta causada por um coágulo sangüíneo. A obstrução pode ser causada pela cirrose ou por um câncer de fígado, de pâncreas ou de estômago. Além disso, ela pode ser causada por uma colangite (inflamação das vias biliares), uma pancreatite (inflamação do pâncreas) ou um abcesso hepático. Nos recém-nascidos, a trombose da veia porta pode ocorrer em conseqüência de uma infecção da cicatriz umbilical.

A trombose da veia porta pode ocorrer em gestantes, sobretudo naquelas com eclâmpsia (um distúrbio caracterizado pela hipertensão arterial, proteínas na urina, retenção líquida, crises convulsivas e, algumas vezes, coma). A trombose da veia porta também pode ocorrer em qualquer condição que produza refluxo sangüíneo na veia porta (p.ex., síndrome de Budd- Chiari, insuficiência cardíaca crônica ou pericardite constritiva crônica). Uma tendência anormal à coagulação sangüínea também pode causar a trombose da veia porta. Freqüentemente, a causa da trombose da veia porta não é detectada.

Sintomas e Diagnóstico

Como a veia porta é responsável por três quartos do suprimento sangüíneo ao fígado, a obstrução (parcial ou total) da mesma pode lesar os hepatócitos, dependendo da localização, do tamanho e da velocidade de desenvolvimento do coágulo. A obstrução eleva a pressão na veia porta e nas veias que nela desembocam. As veias esofágicas dilatam-se. Freqüentemente, o primeiro sintoma da trombose da veia porta é o sangramento de varizes esofágicas (veias varicosas) localizadas na extremidade inferior do esôfago.

O sangramento acarreta tosse ou vômito com sangue. Tipicamente, o baço aumenta de tamanho (esplenomegalia), especialmente em crianças com esse distúrbio. O médico pode palpar um baço aumentado de volume, o qual pode ser doloroso à palpação. Em aproximadamente um terço dos indivíduos com trombose da veia porta, a obstrução ocorre lentamente, permitindo o desenvolvimento de outros canais sangüíneos (canais colaterais) em torno da mesma. Algumas vezes, a veia porta pode voltar a abrir.

Apessar dessa reabertura, a hipertensão porta pode persistir. Quando o indivíduo apresenta hipertensão porta (pressão alta na veia porta) e o exame microscópico de uma amostra de tecido hepático revela hepatócitos normais, a causa provável é a trombose da veia porta. A ultra-sonografia ou a tomografia computadorizada (TC) podem revelar a obstrução. O diagnóstico é confirmado pela angiografia, uma técnica radiográfica que gera imagens das veias após a injeção de uma substância radiopaca na veia porta.

Tratamento

O tratamento visa reduzir a pressão na veia porta e a prevenção do sangramento das varizes esofágicas. Em primeiro lugar, o médico pode tentar fechar as veias varicosas com o auxílio de faixas de borracha ou de injeções de substâncias químicas através de um endoscópio (um tubo de visualização flexível com instrumentos cirúrgicos acoplados). Pode ser necessária a realização de uma cirurgia para a criação de uma conexão conexão (shunt) entre a veia porta e a veia cava, fazendo com que o fluxo sangüíneo desvie (bypass) do fígado e reduzindo a pressão na veia porta. Entretanto, a cirurgia de derivação (bypass) aumenta o risco de encefalopatia hepática (lesão cerebral devido à hepatopatia).

Distúrbios Vasculares Devidos a Outras Doenças

A insuficiência cardíaca grave pode causar aumento da pressão nas veias que deixam o fígado. Este aumento da pressão pode causar lesão hepática. Freqüentemente, o tratamento da insuficiência cardíaca permite o retorno da função normal do fígado. Na doença das células falciformes, os eritrócitos (glóbulos vermelhos) com forma anormal obstruem vasos sangüíneos intra-hepáticos e causam uma lesão hepática. A telangiectasia hemorrágica hereditária (doença de Rendu-Osler-Weber) é um distúrbio hereditário que pode afetar o fígado.

Quando o fígado é afetado, ocorre a formação de pequenas áreas de vasos sangüíneos anormalmente dilatados (telangiectasia) no fígado. Esses vasos sangüíneos anormais criam conexões (shunts) entre artérias e veias. Os shunts podem causar uma insuficiência cardíaca grave, que pode lesar ainda mais o fígado e aumentá-lo de tamanho. O fluxo sangüíneo desviado também produz um ruído característico contínuo (sopro), o qual pode ser ouvido com o auxílio de um estetoscópio. Partes do fígado apresentam cicatrizes (cirrose e fibrose) e tumores benignos compostos por vasos sangüíneos (hemangiomas).

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