ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 15 de novembro de 2009

Distúrbios do Movimento Intestinal


A função intestinal varia bastante, não apenas de um indivíduo para outro, mas também no mesmo indivíduo em momentos diferentes. A função intestinal pode ser afetada pela dieta, pelo estresse, por drogas, por doenças e inclusive por padrões sociais e culturais. Na maioria das sociedades ocidentais, o número normal de evacuações varia de 2 a 3 por semana até 2 a 3 por dia. As alterações da freqüência, da consistência ou do volume das evacuações ou a presença de sangue, muco, pus ou um excesso de matéria gordurosa (óleo, gordura) nas fezes podem indicar uma doença.

Constipação

A constipação é um distúrbio no qual o indivíduo apresenta evacuações desconfortáveis ou pouco freqüentes. O indivíduo com constipação produz fezes duras, cuja eliminação pode ser difícil. Ele também pode sentir como se o reto não tivesse sido totalmente esvaziado. A constipação aguda tem um início súbito e de modo perceptível. Por outro lado, a constipação crônica pode começar de modo insidioso e pode persistir por meses ou anos.

Freqüentemente, a causa da constipação aguda é apenas uma alteração recente da dieta ou uma diminuição da atividade física (p.ex., quando o indivíduo permanece no leito por um ou dois dias devido a uma doença). Muitos medicamentos podem causar constipação como, por exemplo, o hidróxido de alumínio (princípio ativo comum de antiácidos de venda livre), sais de bismuto, sais de ferro, anticolinérgicos, antihipertensivos, narcóticos e muitos tranqüilizantes e sedativos.

Ocasionalmente, a constipação aguda pode ser causada por problemas graves como, por exemplo, a obstrução do intestino grosso, o suprimento insuficiente de sangue para o intestino grosso e uma lesão nervosa ou medular. A atividade física escassa e a dieta pobre em fibras são causas comuns da constipação crônica. Outras causas incluem a hipoatividade tireoidiana (hipotireoidismo), a concentração elevada de cálcio no sangue (hipercalcemia) e a doença de Parkinson. A redução das contrações do intestino grosso (cólon inativo) e o desconforto durante a defecação também levam à constipação crônica. Os fatores psicológicos são causas comuns de constipação aguda e crônica.

Tratamento

Quando a causa da constipação for uma doença, esta deve ser tratada. Caso contrário, a constipação é melhor prevenida e tratada com uma combinação de exercícios adequados, uma dieta rica em fibras e o uso ocasional de medicamentos adequados. São excelentes fontes de fibras os vegetais, as frutas e o farelo de cereais. Muitas pessoas consideram útil salpicar duas ou três colheres de chá de farinha integral ou de um cereal rico em fibras sobre as frutas, duas ou três vezes ao dia. Para serem eficazes, as fibras devem ser consumidas juntamente com uma grande quantidade de líquido.

Laxantes

Muitas pessoas utilizam laxantes para aliviar a constipação. Alguns são seguros para o uso prolongado e outros somente devem ser usados ocasionalmente. Alguns são úteis para prevenir a constipação e outros podem ser utilizados para tratála. Os agentes formadores de volume (farelo de cereais, psílio, policarbófilo de cálcio e metilcelulose) adicionam volume às fezes.

O volume maior estimula as contrações naturais do intestino, e as fezes volumosas são mais moles, sendo eliminadas mais facilmente. Os agentes formadores de volume atuam de forma lenta e suave e representam uma das formas mais seguras para promover evacuações regulares. Em geral, primeiramente esses agentes são tomados em pequenas quantidades. A dose é aumentada gradualmente até que ocorra regularização. O uso desses agentes de volume sempre exige a ingestão de muito líquido. Os emolientes fecais (p.ex., docusato) aumentam a quantidade de água retida pelas fezes.

Na verdade, esses laxantes são detergentes que diminuem a tensão superficial das fezes, permitindo que a água penetre com mais facilidade no bolo fecal, amolecendoo. O volume maior estimula as contrações naturais do intestino grosso e ajuda no deslocamento das fezes amolecidas para fora do corpo. O óleo mineral amolece as fezes e facilita a sua eliminação do corpo. Entretanto, ele também pode diminuir a absorção de determinadas vitaminas lipossolúveis. Se o indivíduo aspirar acidentalmente o óleo mineral, pode ocorrer uma irritação pulmonar grave. Além disso, o óleo mineral extravasa através do reto.

Os agentes osmóticos atraem grandes quantidades de água para o intestino grosso, tornando as fezes moles e frouxas. O excesso de líquido também distende as paredes do intestino grosso, estimulando as contrações. Esses laxantes são sais (normalmente de fosfato, de magnésio ou sulfato) ou açúcares que quase não são absorvidos (p.ex., lactulose e sorbitol). Alguns agentes osmóticos contêm sódio. Eles podem causar retenção líquida em indivíduos com doença renal ou insuficiência cardíaca, sobretudo quando esses agentes são administrados em altas doses ou freqüentemente.

Os agentes osmóticos que contêm magnésio e fosfato são parcialmente absorvidos para o interior da corrente sangüínea e, conseqüentemente, são nocivos para os indivíduos com insuficiência renal. Esses laxantes, que geralmente agem no prazo de três horas, são mais adequados para tratar a constipação do que para prevenila. Eles também são utilizados para se eliminar as fezes do intestino antes da realização de radiografias do trato digestivo (gastrointestinal) e antes de uma colonoscopia (exame do intestino grosso com o auxílio de um tubo de visualização flexível). Os laxantes estimulantes estimulam diretamente as paredes do intestino grosso, provocando sua contração e deslocando as fezes.

Esses laxantes contêm substâncias irritantes como, por exemplo, a sena, a cáscara sagrada, a fenolftaleína, o bisacodil ou o óleo de mamona. Geralmente, eles provocam a evacuação de fezes semisólidas em 6 a 8 horas, mas freqüentemente produzem cólicas. Sob a forma de supositórios, esses laxantes normalmente agem em aproximadamente 15 a 60 minutos. O uso prolongado de laxantes estimulantes pode lesar o intestino grosso.

Além disso, os indivíduos podem tornarse dependentes de laxantes estimulantes, desenvolvendo a síndrome do intestino preguiçoso. Freqüentemente, os laxantes estimulantes são utilizados para esvaziar o intestino grosso antes da realização de procedimentos diagnósticos e para prevenir ou tratar a constipação causada por medicamentos que reduzem as contrações do intestino grosso (p.ex., narcóticos).

Constipação Psicogênica

Muitas pessoas acreditam ter constipação quando não evacuam diariamente. Outras pensam que têm constipação quando o aspecto ou a consistência das fezes lhes parece anormal. Entretanto, evacuações diárias não são necessariamente normais e evacuações menos freqüentes não indicam necessariamente algum problema, exceto quando elas representam uma alteração importante do padrão de evacuação prévio. O mesmo é válido para a cor e a consistência das fezes. A não ser que haja uma alteração substancial dessas características, o indivíduo provavelmente não apresenta constipação.

Essas concepções errôneas sobre a constipação podem levar a um tratamento excessivo, especialmente no que diz respeito ao uso prolongado de laxantes estimulantes, de supositórios irritantes e de enemas. Este tratamento pode lesar gravemente o intestino grosso, acarretando a síndrome do intestino preguiçoso e a melanose do cólon (alterações anormais do revestimento do intestino grosso causadas por depósitos de um pigmento).

Antes de estabelecer o diagnóstico de constipação psicogênica, o médico deve primeiramente assegurarse de que não existe nenhum problema orgânico subjacente que possa ser responsável pelas evacuações irregulares. Pode ser necessária a realização de exames diagnósticos, como a sigmoidoscopia (exame do cólon sigmóide com o auxílio de um tubo de visualização flexível) ou um enema baritado. Quando não existe um problema orgânico subjacente, o indivíduo deve aceitar o seu padrão de evacuação e não insistir para conseguir um padrão mais irregular.

Inércia Colônica

A inércia colônica (cólon inativo) é uma redução das contrações no intestino grosso ou uma insensibilidade do reto à presença de fezes, resultando em uma constipação crônica. A inércia colônica ocorre com freqüência em idosos, em indivíduos debilitados ou acamados, mas também afeta mulheres jovens e saudáveis. O intestino grosso deixa de responder aos estímulos que normalmente provocam a evacuação: a ingestão de alimentos, o estômago cheio, o intestino grosso cheio e a presença de fezes no reto. Os medicamentos utilizados no tratamento de algumas doenças freqüentemente produzem ou agravam o problema, sobretudo os narcóticos (p.ex., codeína) e drogas anticolinérgicas (p.ex., a amitriptilina para a depressão ou a propantelina para a diarréia). Algumas vezes, a inércia colônica ocorre em indivíduos que têm o hábito de retardar a evacuação ou que fizeram uso prolongado de laxantes ou de enemas.

Sintomas

A constipação é um problema diário e deve ser analisada a longo prazo. O indivíduo pode ou não apresentar desconforto abdominal. Freqüentemente, o médico detecta um reto cheio de fezes moles, inclusive quando o indivíduo não apresenta necessidade de defecar e só consegue fazêlo com dificuldade.Os indivíduos com esse distúrbio podem apresentar impactação fecal, na qual as fezes localizadas na porção distal do intestino grosso e no reto endurecem e bloqueiam a passagem. Esse bloqueio acarreta cólicas, dor retal e esforços intensos, porém inúteis, para evacuar. Freqüentemente, ocorre a passagem de um muco aquoso em torno do bloqueio, que, algumas vezes, dá a falsa impressão de diarréia.

Tratamento

Para a inércia colônica, o médico algumas vezes recomenda a utilização de supositórios ou de enemas com 60 a 90 ml de água, com água e sais (enemas salinos) ou com óleos (p.ex., azeite de oliva). Para a impactação fecal, também se faz necessário o uso de laxantes, geralmente do tipo osmótico. Algumas vezes, o médico ou o enfermeiro deve retirar as fezes impactadas com o auxílio de uma sonda ou de um dedo enluvado.Os indivíduos com inércia colônica devem tentar evacuar diariamente, preferivelmente 15 a 45 minutos após uma refeição, pois a ingestão de alimentos estimula a evacuação. A realização de exercícios freqüentemente é útil.

Disquezia

A disquezia é a dificuldade para evacuar causada por uma incapacidade de controlar os músculos pélvicos e anais. Para realizar uma evacuação adequada, é necessário o relaxamento dos músculos da pelve e dos músculos circulares (esfíncteres) que mantêm o ânus fechado. Caso contrário, os esforços para evacuar serão inúteis, mesmo quando eles forem consideráveis. Os indivíduos com disquezia sentem a necessidade de evacuar, mas não conseguem fazêlo. Mesmo a eliminação de fezes moles pode ser difícil.

As condições que podem interferir no movimento muscular incluem a discinesia do assoalho pélvico (distúrbio da coordenação muscular), o anismo (uma condição na qual os músculos não relaxam ou contraem de forma paradoxal durante a evacuação), a retocele (herniação do reto no interior da vagina), a enterocele (herniação do intestino delgado no interior do reto), a úlcera retal e o prolapso retal. Geralmente, o tratamento com laxantes é insatisfatório. Atualmente, estão sendo testados exercícios de relaxamento e biofeedback para o tratamento da discinesia do assoalho pélvico, e eles parecem ser muito promissores. A cirurgia pode ser necessária para a reparação de uma enterocele ou de uma retocele volumosa. A constipação pode tornarse tão severa que as fezes devem ser removidas por um médico ou por um enfermeiro com o auxílio de uma sonda ou de um dedo enluvado.

Diarréia

A diarréia é um aumento do volume, da aquosidade ou da freqüência das evacuações. Os indivíduos com diarréia causada por um problema clínico significativo geralmente apresentam volumes excessivos de fezes, eliminando normalmente mais de meio quilo de fezes por dia. Aqueles que ingerem grandes quantidades de fibras vegetais podem produzir uma quantidade ainda maior, mas as fezes são bem formadas e não são aquosas. Freqüentemente, as fezes contêm 60 a 90% de água. A diarréia ocorre principalmente quando a porcentagem excede 90%. A diarréia osmótica ocorre quando certas substâncias que não podem ser absorvidas para a corrente sangüínea permanecem no intestino.

Essas substâncias fazem com que quantidades excessivas de água permaneçam nas fezes, acarretando a diarréia. Certos alimentos (como algumas frutas e feijões) e hexitóis, sorbitol e manitol (usados como substitutos do açúcar em alimentos, doces e gomas de mascar dietéticos) podem causar diarréia osmótica. Além disso, a deficiência de lactase pode acarretar diarréia osmótica. A lactase é uma enzima normalmente encontrada no intestino delgado que converte o açúcar do leite (lactose) em glicose e galactose, de modo que estas possam ser absorvidas para o interior da corrente sangüínea.

Quando um indivíduo com deficiência de lactase consome leite ou produtos laticínios, a lactose não é convertida, . Quando a lactose acumulase no intestino, ela produz diarréia osmótica. A gravidade do quadro depende da quantidade da substância osmótica consumida. A diarréia cessa logo após a interrupção do consumo da substância, seja sob a forma líquida ou sólida. A diarréia secretora ocorre quando o intestino delgado e o grosso secretam sais (especialmente o cloreto de sódio) e água para o interior das fezes. Determinadas toxinas (p.ex., toxina produzida no cólera e as toxinas produzidas em outras diarréias infecciosas) podem causar esse tipo de secreção.

A diarréia pode ser abundante, podendo ser eliminado mais de um litro por hora em casos de cólera. Outras substâncias que causam secreção de sal e água incluem certos laxantes (p.ex., o óleo de rícino) e os ácidos biliares (que podem acumularse após uma cirurgia de remoção de parte do intestino delgado). Certos tumores raros (p.ex., carcinóide, gastrinoma e vipoma) também causam diarréia secretória. As síndromes de má absorção também causam diarréia. Os indivíduos com essas síndromes não conseguem digerir os alimentos normalmente.

Na má absorção generalizada, as gorduras que permanecem no intestino grosso devido à má absorção podem causar diarréia secretória. Os carboidratos podem causar diarréia osmótica. A má absorção pode ser causada por condições como o espru não tropical, a insuficiência pancreática, a remoção cirúrgica de parte do intestino, o suprimento sangüíneo inadequado ao intestino delgado, a ausência ou a deficiência de determinadas enzimas no intestino delgado e doenças do fígado. A diarréia exsudativa ocorre quando o revestimento do intestino grosso tornase inflamado, ulcerado ou congesto e libera proteínas, sangue, muco e outros líquidos que aumentam o volume e o conteúdo líquido das fezes.

Este tipo de diarréia pode ser causado por muitas doenças como, por exemplo, a colite ulcerativa, a doença de Crohn (enterite regional), a tuberculose, linfomas e cânceres. Quando o revestimento do reto é afetado, o indivíduo freqüentemente sente uma necessidade urgente de defecar e as evacuações são freqüentes porque o reto inflamado é mais sensível à distensão produzida pelas fezes. O trânsito intestinal alterado pode causar diarréia. Para que as fezes apresentem uma consistência normal, elas devem permanecer no intestino grosso durante um certo tempo. As fezes que deixam o intestino grosso muito rapidamente são aquosas e as que permanecem durante um tempo excessivo tornamse duras e secas.

Muitos distúrbios e tratamentos podem diminuir o tempo de permanência das fezes no intestino grosso. Os exemplos incluem a hiperatividade da tireóide (hipertireoidismo); a remoção cirúrgica de parte do intestino delgado, do intestino grosso ou do estômago, a secção do nervo vago para tratamento de úlceras; a derivação (bypass) cirúrgica de parte do intestino e medicamentos (p.ex., antiácidos e laxantes contendo magnésio, as prostaglandinas, a serotonina e mesmo a cafeína).

A hiperproliferação bacteriana (crescimento de bactérias intestinais normais em quantidades anormalmente elevadas ou o crescimento de bactérias normalmente não encontradas nos intestinos) pode causar diarréia. As bactérias intestinais normais possuem um papel importante na digestão. Por essa razão, qualquer alteração destas pode provocar diarréia.

Complicações

Além do desconforto, das situações embaraçosas e da interrupção das atividades quotidianas, a diarréia grave pode levar à perda de água (desidratação) e de eletrólitos (p.ex., sódio, potássio, magnésio e cloreto). Quando a perda hídrica e eletrolítica é acentuada, pode ocorrer uma queda acentuada da pressão arterial a ponto de o indivíduo desmaiar (síncope), apresentar arritmias cardíacas (alterações do ritmo cardíaco) e outros distúrbios graves. Os indivíduos muito jovens, muito idosos, debilitados e aqueles com diarréia intensa apresentam um maior risco de complicações. Também pode ocorrer perda de bicarbonato através das fezes, acarretando uma acidose metabólica, um tipo de desequilíbrio ácidobásico do sangue.

Alimentos e Medicamentos que Podem Causar Diarréia

Alimentos e Medicamentos Ingrediente Que Causa a Diarréia
Suco de maçã, suco de pêra, gomas de mascar sem açúcar, menta Hexitóis, sorbitol, manitol
Suco de maçã, suco de pêra, uvas, mel, tâmaras, nozes, figos, refrigerantes (sobretudo aqueles com sabores de frutas) Frutose
Açúcar refinado Sacarose
Leite, sorvetes, iogurte congelado, iogurte, queijos moles, chocolate Lactose
Antiácidos contendo magnésio Magnésio
Café, chá, refrigerantes do tipo cola, remédios para cefaléia de venda livre Cafeína

Diagnóstico

Primeiramente, o médico tenta definir se o a diarréia apresentou um início súbito e foi de curta duração ou se ela é persistente. Ele tenta determinar se a causa pode ser alterações da dieta, se o indivíduo apresenta outros sintomas (p.ex., febre, dor, erupção cutânea) e se ele teve contato com outras pessoas que apresentaram um quadro similar. Baseandose no relato do indivíduo e no resultado de exames de fezes, o médico e a equipe laboratorial determinam se as fezes são formadas ou aquosas, se elas apresentam um odor inusual e se elas contêm gordura, sangue ou materiais não digeridos. O volume de fezes durante um período de 24 horas também é determinado.

Quando a diarréia persiste, uma amostra de fezes comumente deve ser examinada microscopicamente para se verificar a presença de células, muco, gordura e outras substâncias. Também pode ser realizada a pesquisa de sangue oculto nas fezes e de substâncias que podem causar diarréia osmótica. Também pode ser realizada a pesquisa de microrganismos infecciosos (p.ex., certas bactérias, amebas e Giardia) nas fezes. Se o indivíduo estiver tomando laxantes, eles também podem ser detectados em uma amostra de fezes. Pode ser realizada uma sigmoidoscopia (exame do cólon sigmóide com o auxílio de um tubo de visualização de fibra óptica), que permite ao médico examinar o revestimento do ânus e do reto. Algumas vezes, é realizada uma biópsia (remoção de amostras de tecido do revestimento do reto para exame microscópico).

Tratamento

A diarréia é um sintoma e o seu tratamento depende da causa. Para a maioria dos indivíduos com diarréia, basta remover a causa (p.ex., goma de mascar dietética ou determinado medicamento) para suprimir a diarréia e permitir que o organismo se recupere espontaneamente. Algumas vezes, a diarréia crônica é curada pela eliminação do consumo de café ou de refrigerantes do tipo cola, que contêm cafeína.

Para ajudar a aliviar a diarréia, o médico pode prescrever um medicamento como, por exemplo, o difenoxilato, a codeína, o elixir paregórico (tintura de ópio) ou a loperamida. Algumas vezes, mesmo um agente formador de volume utilizado no tratamento da constipação crônica (p.ex., psílio ou metilcelulose) ajuda a aliviar a diarréia. O caolim, a pectina e a atapulgita ativada podem ajudar a tornar as fezes mais consistentes. Quando a diarréia grave causa desidratação, pode ser necessária a hospitalização do indivíduo para submetêlo a reposição líquida e eletrolítica intravenosa. Desde que o indivíduo não esteja vomitando e não se sinta nauseado, a ingestão de líquidos contendo água, açúcares e sais balanceados pode ser muito eficaz.

Incontinência Fecal

A incontinência fecal é a perda do controle das evacuações. A incontinência fecal pode ocorrer por um curto período durante episódios de diarréia ou quando fezes endurecidas ficam alojadas no reto (impactação fecal). Os indivíduos com lesões anais ou medulares, prolapso retal (protrusão do revestimento do reto através do ânus), demência, lesão neurológica causada pelo diabetes, tumores do ânus ou lesões pélvicas ocorridas durante o parto podem desenvolver uma incontinência fecal persistente.

O médico examina o indivíduo, verificando a existência de qualquer anormalidade estrutural ou neurológica que possa estar causando a incontinência fecal. Isto envolve o exame do ânus e do reto, verificando a extensão da sensibilidade em torno do ânus. Geralmente, é realizada uma sigmoidoscopia (exame do cólon sigmóide usando um tubo de visualização flexível). Algumas vezes, é necessária a realização de outros exames, inclusive um exame da função dos nervos e dos músculos da pelve.

O primeiro passo na correção da incontinência fecal é a tentativa de estabelecer um padrão regular de evacuações que produza fezes bem formadas. As alterações dietéticas, incluindo a adição de uma pequena quantidade de fibras freqüentemente são úteis. Se tais alterações não surtirem efeito, um medicamento que retarda a evacuação (p.ex., loperamida) pode ser útil. O exercício dos músculos anais (esfíncteres) aumenta seu tônus e força e ajuda a evitar a saída do material fecal. Com o uso do biofeedback, o indivíduo pode retreinar os esfíncteres e aumentar a sensibilidade retal à presença de fezes. Cerca de 70% dos indivíduos com boa motivação são beneficiados pelo biofeedback.

No caso da incontinência fecal persistir, a cirurgia pode ser útil em um pequeno número de casos (p.ex., quando a causa é uma lesão anal ou um defeito anatômico do ânus). Como último recurso, é realizada uma colostomia (criação cirúrgica de uma abertura entre o intestino grosso e a parede abdominal). O ânus é suturado e o indivíduo evacua em um saco plástico removível fixado à abertura da parede abdominal.

Síndrome do Cólon Irritável

A síndrome do cólon irritável é um distúrbio da motilidade de todo o trato gastrointestinal que produz dor abdominal, constipação ou diarréia. A síndrome do cólon irritável afeta as mulheres três vezes mais freqüentemente que os homens. Nesta síndrome, o trato gastrointestinal é especialmente sensível a muitos estímulos. O estresse, a dieta, medicamentos, hormônios ou irritantes menores podem acarretar contratilidade anormal do trato gastrointestinal.

Os períodos de estresse e de conflito emocional que causam depressão ou ansiedade freqüentemente exacerbam os episódios da síndrome do cólon irritável. Alguns indivíduos com essa doença parecem ter uma consciência muito maior de seus sintomas, avaliandoos mais seriamente e apresentar uma maior incapacitação que outros. Outros indivíduos com síndrome do cólon irritável e que vivenciam situações de estresse e conflitos emocionais semelhantes apresentam sintomas gastrointestinais menos intensos ou reagem a eles com menor preocupação e incapacitação.

Durante um episódio, as contrações do trato gastrointestinal tornamse mais fortes e freqüentes e o trânsito rápido dos alimentos e das fezes através do intestino delgado freqüentemente acarreta diarréia. A dor tipo cólica parece ser decorrente das fortes contrações do intestino grosso ou de um aumento da sensibilidade dos receptores da dor do intestino grosso. Os episódios quase sempre ocorrem quando o indivíduo está acordado e eles raramente despertam o indivíduo do sono. Em alguns indivíduos, as refeições ricas em calorias ou uma dieta com elevado teor de gordura podem ser as responsáveis. Em outros, parece que o trigo, os laticínios, o café, o chá ou as frutas cítricas agravam os sintomas, mas não está claro se esses alimentos são realmente a causa.

Sintomas

Existem dois tipos principais de síndrome do cólon irritável. O cólon espástico, que é comumente desencadeado pela ingestão de alimentos, freqüentemente causa constipação ou diarréia periódica acompanhada de dor. Algumas vezes, ocorre alternância de constipação e diarréia e é freqüente a presença de muco nas fezes. A dor pode ocorrer sob a forma de crises de dor contínua e inespecífica ou de cólicas, quase sempre na região abdominal inferior.

O indivíduo pode apresentar distensão abdominal, flatulência, náusea, cefaléia, fadiga, depressão, ansiedade e dificuldade de concentração. A evacuação freqüentemente alivia a dor. O segundo tipo produz principalmente uma diarréia indolor ou uma constipação relativamente indolor. A diarréia pode iniciar de forma muito abrupta e o indivíduo pode sentir uma urgência extrema de defecar. Caracteristicamente, ela ocorre logo após uma refeição, embora, algumas vezes, ela possa ocorrer ao acordar. Às vezes, a urgência é tão intensa que o indivíduo perde o controle e não consegue chegar a tempo ao banheiro. A diarréia noturna é rara. Alguns indivíduos apresentam distensão abdominal e constipação com uma dor discreta.

Diagnóstico

A maioria dos indivíduos com síndrome do cólon irritável apresenta um aspecto saudável. Geralmente, o exame físico não revela nada de extraordinário, exceto a sensibilidade sobre o intestino grosso. Normalmente, o médico realiza alguns exames (p.ex., de sangue, de fezes e a sigmoidoscopia) para diferenciar a síndrome do cólon irritável da doença inflamatória intestinal e de muitos outros distúrbios que podem causar dores abdominais e alterações do hábito intestinal. Comumente, esses exames são normais, embora as fezes possam ser aquosas. A sigmoidoscopia (exame do cólon sigmóide usando um tubo de visualização flexível) pode causar espasmos e dor, mas, excetuandose esses sintomas,o resultado do exame é normal. Algumas vezes, são realizados outros exames (p.ex., ultrasonografia abdominal, estudos radiográficos dos intestinos ou colonoscopia).

Tratamento

O tratamento da síndrome do cólon irritável varia de um indivíduo a outro. Aqueles que conseguem identificar determinados alimentos ou tipos de estresse que desencadeiam o quadro devem procurar evitálos sempre que possível. Para a maioria dos indivíduos, especialmente para aqueles que apresentam tendência à constipação, a atividade física regular ajuda a manter o trato gastrointestinal funcionando normalmente.

Geralmente, o melhor é uma dieta normal. Os individuos com distensão abdominal e aumento de gases (flatulência) devem evitar feijões, repolho e outros alimentos de difícil digestão. O sorbitol, um adoçante artificial utilizado em alimentos dietéticos e em alguns medicamentos e gomas de mascar, não deve ser consumido em grandes quantidades. A frutose (um constituinte comum de frutas, bagas e algumas plantas) deve ser ingerida apenas em pequenas quantidades. A dieta pobre em gorduras ajuda algumas pessoas. Os indivíduos que apresentam concomitantemente síndrome do cólon irritável e deficiência de lactase não devem consumir produtos laticínios. Alguns indivíduos com síndrome do cólon irritável podem melhorar sua condição consumindo mais fibras, especialmente quando o problema principal é a constipação. Eles podem ingerir uma colher de sopa de farelo de cereal cru misturada em um grande volume de água ou de outros líquidos em cada refeição ou complementos de psílio mucilóide com dois copos de água.

O aumento de fibras dietéticas pode piorar alguns sintomas (p.ex., flatulência e distensão abdominal). Apesar deles serem freqüentemente prescritos, não foi comprovada a eficácia de medicamentos que retardam o funcionamento do trato gastrointestinal e que são considerados antiespasmódicos (p.ex., propantelina). Os medicamentos antidiarréicos (p.ex., difenoxilato e loperamida) podem ser úteis para os indivíduos com diarréia. Os antidepressivos, os tranqüilizantes leves, a psicoterapia, a hipnose e técnicas comportamentais podem ajudar alguns indivíduos com síndrome do cólon irritável.

Flatulência

A flatulência é a sensação de apresentar uma maior quantidade de gases no trato gastrointestinal. O ar é um gás que pode ser deglutido juntamente com os alimentos. A deglutição de pequenas quantidades de ar é normal, mas alguns indivíduos deglutem inconscientemente grandes quantidades, sobretudo quando estão ansiosos. Quase todo o ar deglutido é posteriormente eructado e, conseqüentemente, apenas uma pequena quantidade passa do estômago para o restante do trato gastrointestinal. A deglutição de grandes volumes de ar faz com que o indivíduo sintase “cheio” e ele pode eructar excessivamente ou eliminar flatos (expulsão do ar através do ânus).

Outros gases são produzidos no sistema gastrointestinal de várias maneiras. O hidrogênio, o metano e o dióxido de carbono são produzidos pelo metabolismo bacteriano dos alimentos no intestino, especialmente após a ingestão de certos alimentos (p.ex., feijões e repolho). Os indivíduos com deficiências das enzimas que metabolizam determinados açúcares também tendem a produzir grandes quantidades de gases quando consomem alimentos que contêm esses açúcares. A deficiência de lactase, o espru tropical e a insuficiência pancreática são problemas que podem acarretar a produção de grandes quantidades de gases. O corpo elimina os gases através da eructação, da sua absorção através das paredes do trato gastrointestinal para o sangue e, em seguida, excretando-os através dos pulmões e elimininando-os através do ânus. As bactérias presentes no sistema gastrointestinal também metabolizam alguns gases.

Sintomas

Acredita-se que a flatulência pode provocar dor abdominal, distensão abdominal, eructação e eliminação excessiva de gases através do ânus. No entanto, não se conhece a relação exata entre a flatulência e qualquer desses sintomas. Alguns indivíduos parecem ser particularmente sensíveis aos efeitos dos gases do sistema gastrointestinal; enquanto outros conseguem tolerar grandes volumes sem apresentar qualquer sintoma.

A flatulência pode produzir eructação repetida. As pessoas normalmente eliminam gases pelo ânus mais de 10 vezes por dia, mas a flatulência pode fazer com que a freqüência dessa eliminação seja maior. Algumas vezes, lactentes com cólicas abdominais eliminam quantidades excessivas de gases. Ainda não está claro se essas crianças realmente produzem mais gases que outras ou se elas são simplesmente mais sensíveis.

Tratamento

A distensão abdominal e eructação são difíceis de aliviar. Se a distensão abdominal for o problema principal, a redução do volume de ar deglutido pode ser útil. No entanto, isto pode ser difícil, pois as pessoas geralmente não têm consciência de que deglutem ar. Evitar o uso de goma de mascar e alimentar-se mais lentamente em um ambiente tranqüilo pode ser útil. Os indivíduos que eructam ou eliminam gases excessivamente podem ter de alterar a dieta, evitando alimentos de difícil digestão.

Descobrir quais são os alimentos que causam o problema pode requerer a eliminação de um alimento ou de um grupo de alimentos por vez. O indivíduo pode começar eliminando o leite e laticínios. A seguir, ele elimina as frutas frescas e, finalmente, determinados vegetais e outros alimentos. A eructação também pode ser decorrente da ingestão de bebidas carbonatadas ou do uso de antiácidos (p.ex., bicarbonato de sódio).

Apesar deles geralmente não serem eficazes, o uso de medicamentos algumas vezes ajuda o indivíduo a reduzir a produção de gases. O simeticone, presente em alguns antiácidos e também disponível isoladamente, pode prover um pequeno alívio. Algumas vezes, outros medicamentos (p.ex., determinados antiácidos, metoclopramida e betanecol) podem ser úteis. O consumo de uma maior quantidade de fibras ajuda algumas pessoas, mas, em outras, ele piora os sintomas.

Fonte: Manual Merck