ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sábado, 28 de novembro de 2009

Transfusão de Sangue


A transfusão de sangue é a transferência de sangue ou de um hemocomponente (componente do sangue) de um indivíduo (doador) a outro (receptor). As transfusões são realizadas para aumentar a capacidade do sangue de transportar oxigênio, para restaurar o volume sangüíneo do organismo, para melhorar a imunidade ou para corrigir distúrbios da coagulação. Dependendo do motivo da transfusão, o médico pode prescrever sangue total ou um hemocomponente como, por exemplo, eritrócitos, plaquetas, fatores da coagulação sangüínea, plasma (a parte líquida do sangue) fresco congelado ou leucócitos. Sempre que possível, é realizada a transfusão apenas do hemocomponente que suprirá a necessidade específica do paciente, e não de sangue total. A administração de um hemocomponente específico é mais segura e evita o desperdício dos demais. Nos Estados Unidos, são realizadas anualmente aproximadamente 15 milhões de transfusões. Graças às melhores técnicas de triagem do sangue, as transfusões atualmente são mais seguras que nunca. No entanto, elas ainda apresentam riscos para o receptor (p.ex., reações alérgicas e infecções). Apesar da chance de infecção pelo vírus da AIDS ou da hepatite por transfusão ser remota, os médicos estão bem conscientes desse risco e somente a prescrevem quando não existe outra alternativa.

Coleta e Classificação do Sangue

A Food and Drug Administration (FDA) regula rigorosamente a coleta, o armazenamento e o transporte de sangue e de hemocomponentes. Muitas autoridades federais e locais, assim como a American Red Cross (Cruz Vermelha Americana), a American Association of Blood Banks (Associação Americana de Bancos de Sangue) e outras instituições possuem suas próprias normas adicionais. Os doadores de sangue são examinados para se determinar boas condições de saúde. É verificado o pulso, a pressão arterial e a temperatura e um exame de sangue é feito para se constatar a existência ou não de anemia. É passado um questionário para analisar se os doadores apresentam ou apresentaram qualquer condição que possa desqualificá-los. Condições como hepatite, cardiopatia, câncer (com exceção a determinados tipos, como o câncer de pele localizado), asma grave, malária, distúrbios hemorrágicos, a AIDS e a possível exposição ao vírus da AIDS podem desqualificar um possível doador de forma permanente. A exposição à hepatite, a gravidez, uma cirurgia recente de grande porte, a hipertensão arterial mal controlada, a hipotensão arterial, a anemia ou o uso de certas drogas/medicamentos podem desqualificar temporariamente um indivíduo para a doação de sangue. Essas restrições foram desenvolvidas para proteger tanto o doador como o receptor. Geralmente, não é permitido aos doadores realizarem mais de uma doação em um período inferior a dois meses.

Investigação de Infecções no Sangue Doado


A transfusão sangüínea pode transmitir uma doença infecciosa presente no sangue do doador. É por isso que as autoridades sanitárias tornaram mais rigorosa a seleção de doadores de sangue e fizeram com que esses exames fossem mais abrangentes. Atualmente, todas as doações de sangue são testadas para as hepatites virais, a AIDS, a sífilis e outros vírus selecionados.

Hepatite Viral

O sangue doado é examinado para se verificar a presença das hepatites virais B e C, as quais são transmitidas através de transfusões sangüíneas. Esses testes não conseguem identificar todos os casos de sangue infectado, mas, com os recentes avanços dos exames e da seleção de doadores, o risco de transmissão de hepatite B através de uma transfusão sangüínea é quase inexistente. A hepatite C continua sendo a infecção potencialmente grave mais comumente transmitida através de transfusões de sangue. Atualmente, o risco é de aproximadamente 3 infecções para cada 10.000 unidades de sangue transfundidas.

AIDS

Nos Estados Unidos, o sangue doado é testado para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), a causa da AIDS. O exame não é 100% acurado, mas a entrevista dos possíveis doadores faz parte do processo de seleção. Os entrevistadores questionam sobre fatores de risco de AIDS (p.ex., se os possíveis doadores ou seus parceiros sexuais fizeram uso de drogas injetáveis ou mantiveram relações com um homem homossexual). Graças ao exame de sangue e à entrevista, o risco de contrair AIDS através de uma transmissão sanguínea é extremamente baixo. De acordo com as estimativas recentes, ele é de 1 em cada 420.000.

Sífilis

Raramente as transfusões de sangue transmitem sífilis. Além da triagem realizada nos doadores de sangue e dos testes no material doado para sífilis, o sangue doado é também refrigerado a baixas temperaturas, que matam os microrganismos infecciosos.

O costume de se pagar aos doadores de sangue praticamente desapareceu, uma vez que isto incentivava os necessitados a candidatarem-se como doadores, os quais negavam a existência de qualquer doença que os desqualificassem. Para os doadores selecionados, a doação de sangue é muito segura. Todo o processo dura aproximadamente uma hora, sendo que a doação em si leva somente 10 minutos. Geralmente, o doador sente uma sensação de picada quando a agulha é inserida, mas o procedimento em si é indolor. A unidade padrão de sangue doado é de aproximadamente 480 ml. O sangue recém-coletado é vedado em bolsas plásticas contendo conservantes e um composto anticoagulante. Uma pequena amostra de cada doação é examinada para se detectar doenças infecciosas como a AIDS, as hepatites virais, a doença de chagas e a sífilis. O sangue refrigerado permanece utilizável durante 42 dias. Em circunstâncias especiais (p.ex., para preservar um tipo raro de sangue), os eritrócitos (hemácias, glóbulos vermelhos) podem ser congelados e mantidos por até dez anos. Como a transfusão de um sangue não compatível com o receptor pode ser perigosa, o sangue doado é rotineiramente classificado por tipo (A, B, AB ou O) e por Rh (positivo ou negativo). Por exemplo, o tipo sangüíneo de um indivíduo pode ser O-positivo ou AB-negativo. Como uma precaução adicional, antes de iniciar a transfusão, o técnico mistura uma gota do sangue do doador com uma gota de sangue do receptor para assegurar-se que eles são compatíveis. Este procedimento é denominado teste de compatibilidade.

Sangue e Seus Componentes

Um indivíduo que necessita urgentemente de uma grande quantidade de sangue (p.ex., alguém que apresenta um sangramento intenso) pode receber sangue total para ajudar na restauração da circulação e do volume líquido. O sangue total também pode ser administrado quando não existe a disponibilidade de um determinado componente separadamente. O componente do sangue mais comumente transfundido, o concentrado de eritrócitos (mais comumente denominado concentrado de hemácias) consegue restaurar a capacidade de transporte de oxigênio do sangue. Esse hemocomponente pode ser administrado a um indivíduo que apresenta uma hemorragia ou uma anemia grave. Muito mais caras que o concentrado de hemácias, os eritrócitos congelados normalmente são reservados para as transfusões de tipos de sangue raros. Alguns indivíduos que necessitam de sangue são alérgicos a ele. Quando as medicações não impedem a ocorrência de reações alérgicas, pode ser necessária a administração de eritrócitos lavados. A lavagem dos eritrócitos remove quase todos os traços de substâncias que podem causar alergia do plasma do doador. A trombocitopenia (quantidade muito pequena de plaquetas) pode acarretar hemorragia espontânea e grave.

A transfusão de plaquetas pode restaurar a capacidade de coagulação do sangue. Os fatores da coagulação do sangue são proteínas plasmáticas que normalmente atuam em conjunto com as plaquetas para auxiliar na coagulação sangüínea. Sem a coagulação, o sangramento não seria interrompido após uma lesão. Os concentrados de fatores da coagulação podem ser administrados aos indivíduos que apresentam um distúrbio hemorrágico hereditário (p.ex., hemofilia ou doença de von Willebrand). O plasma também é uma fonte de fatores da coagulação sangüínea. O plasma fresco congelado é utilizado no tratamento de distúrbios hemorrágicos quando não se sabe qual fator da coagulação está faltando ou quando não existe concentrado de reposição disponível. Ele também é utilizado quando a hemorragia é causada por uma produção insuficiente de proteínas dos fatores da coagulação decorrente de uma insuficiência hepática. Raramente, é realizada a transfusão de leucócitos para tratar infecções potencialmente letais em indivíduos cuja contagem leucocitária encontra-se muito reduzida ou cujos leucócitos funcionam de forma anormal. Nessas condições, antibióticos são comumente prescritos. Algumas vezes, é realizada a administração de anticorpos (imunoglobulinas), os componentes do sangue que combatem as infecções, para melhorar a imunidade de indivíduos que foram expostos a uma doença infecciosa (p.ex., varicela ou hepatite) ou que apresentam concentrações baixas de anticorpos.

Procedimentos Especiais de Doação

Em uma transfusão tradicional, um indivíduo doa sangue total e um outro recebe sangue total. No entanto, o conceito vem se tornando mais amplo. Dependendo da situação, o indivíduo pode receber apenas células sangüíneas, somente fatores da coagulação ou somente algum outro hemocomponente. A transfusão isolada de hemocomponentes selecionados permite que o tratamento seja específico, reduz os riscos de efeitos colaterais e permite utilizar de modo eficaz os diferentes hemocomponentes de uma única unidade de sangue para tratar vários indivíduos. Em outras situações, pode ser realizada a administração de sangue total do próprio indivíduo (transfusão autóloga).

Aferese

Na aferese, o doador doa apenas o hemocomponente específico que o receptor necessita ao invés do sangue total. Quando o receptor necessita de plaquetas, o sangue total é coletado do doador e um aparelho que separa o sangue em seus componentes remove seletivamente as plaquetas e retorna o resto do sangue ao doador. Como os doadores recebem de volta a maior parte do sangue, eles podem fornecer de 8 a 10 vezes mais plaquetas durante esse procedimento do que se eles realizassem uma única doação de sangue total.

Tratamento de Doenças com Transfusão de Sangue


Os médicos utilizam um tipo de transfusão denominado hemaferese para tratar determinadas doenças. A hemaferese é um processo de purificação. Ela consiste na remoção de sangue de um indivíduo, na remoção de substâncias ou de componentes nocivos do sangue e no retorno do sangue purificado ao mesmo. Os dois tipos mais comuns de hemaferese são a citaferese e plasmaferese. A citaferese remove o excesso de determinadas células sangüíneas. Ela é utilizada no tratamento da policitemia (um excesso de eritrócitos), de certos tipos de leucemia (um excesso de leucócitos) e da trombocitose (um excesso de plaquetas).

A plasmaferese (troca de plasma) remove substâncias nocivas do plasma (a parte líquida do sangue). Por exemplo, a plasmaferese é utilizada no tratamento da miastenia grave e da síndrome de Guillain-Barré. Difícil e cara, a hemaferese habitualmente é reservada aos indivíduos com doenças graves que não responderam ao tratamento convencional. Para ser útil, a hemaferese deve remover o componente sangüíneo indesejável mais rapidamente do que ele é produzido pelo organismo. A hemaferese deve ser repetida apenas de acordo com o estritamente necessário, porque os grandes desvios líquidos entre os vasos sanguíneos e os tecidos que ocorrem quando o sangue é removido e retornado podem acarretar complicações em indivíduos que já se encontram doentes. A hemaferese pode ajudar no controle de algumas doenças, mas, em geral, não consegue curá-las.

Transfusão Autóloga

A transfusão de sangue mais segura é aquela em que o doador também é o receptor, pois ela elimina o risco de incompatibilidade e de doenças hematogênicas (originárias do sangue). Algumas vezes, quando o paciente apresenta um sangramento ou está sendo submetido a uma cirurgia, o sangue pode ser coletado e readministrado. Mais comumente, os indivíduos doam o sangue que será administrado posteriormente em uma transfusão. Por exemplo, no mês que antecede a cirurgia, o indivíduo pode doar várias unidades de sangue total para que, quando necessário, sejam transfundidas durante ou após a cirurgia.

Doação Direcionada ou Designada

Os membros da família ou amigos podem doar sangue especificamente uns para os outros, desde que os tipos sangüíneos e o fator Rh dos doadores e dos receptores sejam compatíveis. Para alguns receptores, saber quem doou o sangue é reconfortante, embora uma doação de membro da família ou de um amigo não seja necessariamente mais segura que uma doação de um desconhecido. O sangue de um membro da família é tratado com radiação para evitar a doença do enxerto-versus-hospedeiro, que, apesar de rara, ocorre mais freqüentemente quando o receptor e o doador são parentes.

Precauções e Reações

Para minimizar a possibilidade de uma reação durante uma transfusão, os profissionais de saúde devem tomar várias precauções. Após verificar duas vezes que o sangue que está para ser transfundido é destinado ao indivíduo que irá recebê-lo, o sangue é lentamente administrado no receptor, cada unidade de sangue sendo administrada em 2 horas ou mais. Como a maioria das reações adversas ocorrem durante os primeiros quinze minutos da transfusão, o receptor é rigorosamente observado durante esse período. Após esse período, um enfermeiro pode examinar o receptor a cada 30 a 45 minutos e, no caso do indivíduo apresentar uma reação adversa, ele deve interromper a transfusão. A grande maioria das transfusões é segura e atinge seu objetivo. Ocasionalmente, no entanto, ocorrem reações leves. As reações graves e mesmo fatais são raras. As reações mais comuns são a febre e as reações alérgicas (hipersensibilidade), que ocorrem em aproximadamente 1 a 2% das transfusões. Os sintomas incluem o prurido, a erupção cutânea, o edema, a tontura, a febre e a cefaléia.

São sintomas menos comuns: dificuldades respiratórias, chiados e espasmos musculares. Raramente a reação alérgica é grave o bastante para representar perigo. Existem tratamentos que permitem transfusões em pessoas que previamente tiveram reações alérgicas a esse procedimento. Apesar da tipagem cuidadosa e do teste de compatibilidade, ainda existem incompatibilidades que acarretam a destruição dos eritrócitos transfundidos logo após a realização do procedimento (reação hemolítica). Geralmente, a reação inicia como um mal-estar generalizado ou uma ansiedade durante ou imediatamente após a transfusão. Algumas vezes, o indivíduo pode apresentar dificuldade respiratória, pressão torácica, rubor e dorsalgia intensa. Muito raramente, as reações tornam-se mais graves e mesmo fatais.

O médico pode confirmar que uma reação hemolítica está destruindo os eritrócitos verificando se a hemoglobina liberada por essas células encontra- se no sangue ou na urina do paciente. Os receptores de transfusões podem apresentar sobrecarga de líquido. Os receptores que apresentam uma cardiopatia são mais vulneráveis e, por essa razão, as transfusões são realizadas mais lentamente e deve ser realizado um controle rigoroso durante a sua realização. A doença do enxerto-versus-hospedeiro é uma complicação inusual que afeta principalmente os indivíduos cujo sistema imune encontra-se comprometido devido ao uso de drogas ou a alguma doença. Nessa doença, os tecidos do receptor (hospedeiro) são atacados pelos leucócitos do doador (enxerto). Os sintomas incluem a febre, erupção cutânea, a hipotensão arterial, a destruição de tecidos e o choque.