ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Dabigatran pode substituir a varfarina no tromboembolismo venoso: resultados do RECOVER


Autora: Zosia Chustecka

O novo anticoagulante dabigatran (Pradaxa, Boehringer Ingelheim) pode substituir o antigo produto, a varfarina, afirmam os pesquisadores que apresentaram novos dados de um grande ensaio clínico em pacientes com tromboembolismo venoso agudo (o estudo RECOVER).

Os resultados evidenciam que o dabigatran não é somente tão efetivo e seguro – se não mais seguro – que o antigo agente, mas também oferece a vantagem de uma dose fixa e não exige o monitoramento sanguíneo, ao contrário do monitoramento regular e do ajuste da dose necessário com a varfarina.

Dr. Sam Schulman

“Em outras palavras, os pacientes podem atingir os mesmos resultados de uma forma mais conveniente”, afirmou o pesquisador principal Sam Schulman, médico, professor de medicina, pertencente ao serviço de trombose da McMaster Clinic e do Hamilton General Hospital, em Ontário. Esses resultados mudarão o padrão de tratamento para o tromboembolismo venoso, ele predisse.

Os resultados foram apresentados no 51º encontro anual da American Society of Hematology (ASH) e publicados no New England Journal of Medicine. Introduzindo a apresentação em uma sessão plenária, Mary Cushman, médica, mestre em ciências, da University of Vermont, em Burlington, afirmou que este foi um “estudo histórico”.

Especialistas no encontro ficaram entusiasmados com os resultados. Joel Anne Chasis, médica, professora associada de hematologia/oncologia na University of California, em San Francisco, e cientista staff do Lawrence Berkeley National Laboratory, em Berkeley, destacou esta apresentação como um dos destaques do encontro.

Ela contou à Medscape Oncology que os resultados sugerem que o dabigatran pode substituir a warfarina, e a falta de necessidade de monitoração seria “uma notícia bem-vinda tanto para pacientes quanto para médicos”.

Bradford Schwartz, médico, professor de medicina e odontologia e reitor do University of Illinois College of Medicine, em Urbana-Champaign, que moderou um comunicado à imprensa da ASH no qual os resultados do RECOVER foram destacados, observou que o dabigatran também é livre de interações com a dieta e outros medicamentos que tornam a warfarina tão difícil para alguns pacientes.

Quaisquer alimentos contendo vitamina K (como saladas e vegetais) podem aumentar a coagulabilidade, enquanto interações com diversos medicamentos, especialmente antibióticos, podem colocar o paciente sob um risco elevado de hemorragias, explicou ele. “Durante o período de um ano, o número desses incidentes que contra-indicaram a varfarina é bastante grade”, explicou ele.

“Um agente oral que liberta os pacientes destas preocupações sobre dieta e interações medicamentosas e que atua de uma forma previsível é um desenvolvimento muito positivo”, afirmou ele. Esses fatores simplificarão o uso de anticoagulantes, e ele predisse que a adesão do paciente ao tratamento aumentará incrivelmente.

Observando que existem vários outros novos anticoagulantes orais no horizonte, incluindo o agente experimental rivaroxaban, que também apareceu no comunicado à imprensa, o Dr. Schwartz alegou que “estamos tão entusiasmados com esses novos agentes que não exigem monitoração que presumimos que o futuro será brilhante e livre de complicações”.

“Mas devemos nos lembrar de ser adequadamente cautelosos para que nosso otimismo não nos torne descuidados, porque o ponto principal é que esses medicamentos inibem tanto a boa coagulação, como a cicatrização de feridas, quanto a má, como na embolia pulmonar”, complementou ele.

O Dr. Schwartz disse que com a maior disponibilidade desses novos anticoagulantes, os médicos precisarão decidir quais medicamentos utilizar em determinados pacientes, e ele os incitou a levar em consideração os dados do ensaio clínico para cada medicamento em cada indicação individual. “São medicamentos diferentes, com diferentes características”, mas eles são “novos medicamentos incríveis”, disse ele, aparecendo após 60 a 70 anos de uso de “veneno de ratos”.

“A varfarina possui um índice terapêutico muito estreito, com pequenas diferenças entre a dose terapêutica e a tóxica”, afirmou ele, complementando que “não existe medicamento mais perigoso no mercado”.


Terceira principal indicação

O uso do dabigatran no tromboembolismo venoso, que foi explorado no estudo RECOVER, representa uma terceira principal indicação para o medicamento. Um segundo ensaio semelhante, conhecido como RECOVER-2, está em andamento, e o Dr. Schulman contou à Medscape Oncology que ambos os ensaios provavelmente necessitarão de aprovação para esta indicação.

O tromboembolismo venoso, que compreende tanto a trombose venosa profunda quanto a embolia pulmonar, é hoje considerado uma entidade patológica única e um enorme problema clínico, alegou Harry Buller, médico, PhD, professor de medicina no Academic Medical Center, em Amsterdã, Holanda, discursando no comunicado à imprensa.

Ele afeta aproximadamente 2 ou 3 pessoas em cada 1.000 e, “a cada ano, mais pessoas morrem de embolia pulmonar do que de AIDS, cânceres de mama, próstata e acidentes e trânsito combinados”, disse ele.

A indicação inicial do dabigatran, e a única atualmente aprovada – mas não nos Estados Unidos – é para a profilaxia em pacientes que sofreram cirurgia ortopédica.

O dabigatran foi aprovado para este uso na Europa e no Canadá em 2008, com base em 2 grandes ensaios (o estudo RE-MODEL em pacientes que se submeteram à artroplastia total do joelho e o estudo RE-NOVATE, de artroplastias totais do quadril), que evidenciaram que o dabigatran comparou-se à enoxaparina, na dose de 40 mg uma vez ao dia, na prevenção do tromboembolismo venoso.

Contudo, um estudo semelhante conduzido na América do Norte, sobre artroplastia do joelho (RE-MOBILIZE) utilizou uma dose mais alta de enoxaparina (30 mg duas vezes ao dia) e evidenciou uma inferioridade do dabigatran, portanto a empresa não solicitou a aprovação do medicamento nos Estados Unidos, explicou o Dr. Schulman. Um novo ensaio norte-americano em pacientes que sofreram artroplastia do quadril (RE-NOVATE 2) está em andamento, e utilizando a enoxaparina na dose de 40 mg, disse ele.

A segunda indicação potencial do dabigatran é na fibrilação atrial, e resultados altamente positivos nesta população foram reportados recentemente no estudo RE-LY. Um estudo de acompanhamento de segurança a longo prazo nesses pacientes está atualmente em andamento (RELY-ABLE). A empresa afirmou que planeja solicitar um registro para esta indicação em 2010.

Todos esses estudos foram financiados pelo fabricante, Boehringer Ingelheim.


Detalhes do estudo RECOVER

O estudo RECOVER foi conduzido em 2.539 pacientes com tromboembolismo venoso agudo sintomático, randomizados a 6 meses de tratamento com dabigatran, 150 mg duas vezes ao dia, ou varfarina uma vez ao dia, administrada em doses ajustadas para uma razão normalizada internacional (INR) de 2 ou 3.

Todos os pacientes receberam o tratamento inicial por 6 dias com um anticoagulante parenteral (heparina intravenosa ou um derivado subcutâneo de heparina de baixo peso molecular), para permitir que a dose de warfarina fosse ajustada para atingir um INR de 2 ou 3.

A análise final foi conduzida em 1.274 pacientes que receberam o dabigatran e em 1.265 que receberam a warfarina.

O critério de validação primário foi o tromboembolismo venoso recorrente ou a embolia pulmonar fatal, que foi confirmada em 2,4% dos pacientes que receberam o dabigatran e em 2,1% dos pacientes que receberam a varfarina. Houve uma morte em cada grupo de tratamento. O hazard ratio foi de 1,1 (intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,65 – 1,84).

Hemorragia grave foi observada em 1,6% dos pacientes que receberam dabigatran e em 1,9% dos pacientes que receberam varfarina, o que não foi significativamente diferente, disse ele.

Contudo, quando a hemorragia grave foi combinada a eventos hemorrágicos clinicamente relevantes, porém não graves, houve uma diferença significativa, com tais eventos sendo confirmados em 5,6% dos pacientes que receberam dabigatran e em 8,8% dos pacientes que receberam varfarina. O hazard ratio foi de 0,63 (IC de 95%, 0,47 – 0,84; P = ,002).

A diferença também foi significativa para qualquer evento hemorrágico, observado em 16,1% dos pacientes que receberam dabigatran e em 21,9% daqueles que receberam warfarina. O hazard ratio para isso foi de 0,71 (IC de 95%, 0,59 – 0,85; P < ,001), o que representa uma redução de 29% no risco, e isso foi altamente significativo, observou o Dr. Schulman.

São essas diferenças significativas nos eventos hemorrágicos que levaram o Dr. Schulman e os 2 comentadores, os Drs. Chasis e Schawartz, a sugerirem que o dabigatran pode ser mais seguro que a warfarina.

O Dr. Schulman observou que não houve sinal no estudo RECOVER de qualquer infarto do miocárdio (o que foi observado no estudo RE-LY em pacientes com fibrilação atrial) ou de elevações das enzimas hepáticas (um problema que ocasionou a retirada de um anticoagulante oral anterior, o ximelagatran).

O único efeito adverso reportado em um número ligeiramente maior de pacientes que receberam o dabigatran, em comparação àqueles que receberam a varfarina, foi dispepsia, complementou ele.

“Nosso ensaio fornece dados que apóiam o dabigatran como tratamento oral em dose fixa para a trombose venosa profunda e para a embolia pulmonar”, escrevem o Dr. Schulman e colaboradores em seu artigo.

“Para os pacientes e profissionais de saúde, o dabigatran é um medicamento muito mais conveniente do que a varfarina, pois não apresenta interações conhecidas com alimentos e interage minimamente com outros medicamentos e, desta forma, não exige testes de coagulação de rotina”.


O estudo RECOVER foi financiado pela Boehringer Ingelheim, a fabricante do dabigatran. O Dr. Schulman alega ter recebido finaciamento da GlaxoSmithKline, Bayer, Boehringer Ingelheim e Sanofi-Aventis. Vários de seus co-autores também alegam relações financeiras, conforme detalhado no artigo. O Dr. Buller alega ter recebido financiamento da Bayer. Os Drs. Chasis e Schwartz não declararam quaisquer relações financeiras relevantes.


American Society of Hematology (ASH) 51st Annual Meeting: Abstract 1. Presented December 6, 2009. N Engl J Med. Published online December 6, 2009.

Informações sobre a autora: Zosia Chustecka é editora de notícias da Medscape Hematology-Oncology e anteriormente foi editora de notícias da jointandbone.org, um website adquirido pela WebMD. Jornalista médica veterana em Londres, Reino Unido, ela ganhou um prêmio da British Medical Journalists Association e é graduada em farmacologia. Escreveu para uma ampla variedade de publicações destinadas a profissionais médicos e da área de saúde.