ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

FARMACODINÂMICA


A farmacodinâmica descreve uma infinidade de modos pelos quais as substâncias afetam o corpo. Depois de terem sido engolidos, injetados ou absorvidos através da pele, quase todos os medicamentos entram na corrente sangüínea, circulam pelo corpo e interagem com diversos locais-alvo. Mas dependendo de suas propriedades ou da via de administração, um medicamento pode atuar apenas em uma área específica do corpo (por exemplo, a ação dos antiácidos fica em grande parte confinada ao estômago). A interação com o local-alvo comumente produz o efeito terapêutico desejado, enquanto a interação com outras células, tecidos ou órgãos pode resultar em efeitos colaterais (reações medicamentosas adversas).

Seletividade da Ação dos Medicamentos

Seletividade da Ação dos Medicamentos

Alguns medicamentos são relativamente não seletivos, atuando em muitos tecidos ou órgãos diferentes. Exemplificando, a atropina, uma substância administrada com o objetivo de relaxar os músculos no trato gastrointestinal, também pode relaxar os músculos do olho e do trato respiratório, além de diminuir a secreção das glândulas sudoríparas e mucosas. Outros medicamentos são altamente seletivos e afetam principalmente um órgão ou sistema isolado.

Um Encaixe Perfeito

Um receptor de superfície celular tem uma configuração que permite a uma substância química específica, por exemplo um medicamento, hormônio ou neurotransmissor, se ligar ao receptor, porque a substância tem uma configuração que se encaixa perfeitamente ao receptor.

Exemplificando, a digital, uma droga administrada a pessoas com insuficiência cardíaca, atua principalmente no coração para aumentar sua eficiência de bombeamento. Drogas soníferas se direcionam a certas células nervosas do cérebro. Drogas antiinflamatórias não-esteróides como a aspirina e o ibuprofen são relativamente seletivas, porque atuam em qualquer local onde esteja ocorrendo inflamação. Como as drogas sabem onde exercer seus efeitos? A resposta está em como elas interagem com as células ou com substâncias como as enzimas.

Receptores

Muitas drogas aderem (se ligam) às células por meio de receptores existentes na superfície celular. A maioria das células possui muitos receptores de superfície, o que permite que a atividade celular seja influenciada por substâncias químicas como os medicamentos ou hormônios localizados fora da célula.

O receptor tem uma configuração específica, permitindo que somente uma droga que se encaixe perfeitamente possa ligarse a ele – como uma chave que se encaixa em uma fechadura. Freqüentemente a seletividade da droga pode ser explicada por quão seletivamente ela se fixa aos receptores. Algumas drogas se fixam a apenas um tipo de receptor; outras são como chaves-mestras e podem ligar-se a diversos tipos de receptores por todo o corpo. Provavelmente a natureza não criou os receptores para que, algum dia, os medicamentos pudessem ser capazes de ligar-se a eles.

Os receptores têm finalidades naturais (fisiológicas) mas os medicamentos tiram vantagem dos receptores. Exemplificando, morfina e drogas analgésicas afins ligam-se aos mesmos receptores no cérebro utilizados pelas endorfinas (substâncias químicas naturalmente produzidas que alteram a percepção e as reações sensitivas). Uma classe de drogas chamadas agonistas ativa ou estimula seus receptores, disparando uma resposta que aumenta ou diminui a função celular.

Exemplificando, o agonista carbacol liga-se a receptores no trato respiratório chamados receptores colinérgicos, fazendo com que as células dos músculos lisos se contraiam e causando broncoconstrição (estreitamento das vias respiratórias). Outro agonista, albuterol, liga-se a outros receptores no trato respiratório, chamados receptores adrenérgicos, fazendo com que as células dos músculos lisos relaxem e causando broncodilatação (dilatação das vias respiratórias).

Outra classe de drogas, chamadas antagonistas, bloqueia o acesso ou a ligação dos agonistas a seus receptores. Os antagonistas são utilizados principalmente no bloqueio ou diminuição das respostas celulares aos agonistas (comumente neurotransmissores) normalmente presentes no corpo. Exemplificando, o antagonista de receptores colinérgicos ipratrópio bloqueia o efeito broncoconstritor da acetilcolina, o transmissor natural dos impulsos nervosos colinérgicos. Os agonistas e os antagonistas são utilizados como abordagens diferentes, mas complementares, no tratamento da asma.

O agonista dos receptores adrenérgicos albuterol, que relaxa os músculos lisos dos bronquíolos, pode ser utilizado em conjunto com o antagonista dos receptores colinérgicos ipratrópio, que bloqueia o efeito broncoconstritor da acetilcolina. Um grupo muito utilizado de antagonistas é o dos beta-bloqueadores, como o propranolol. Esses antagonistas bloqueiam ou diminuem a resposta excitatória cardiovascular aos hormônios do estresse – adrenalina e noradrenalina; esses antagonistas são utilizados no tratamento da pressão sangüínea alta, angina e certos ritmos cardíacos anormais.

Os antagonistas são mais efetivos quando a concentração local de um agonista está alta. Esses agentes operam de forma muito parecida à de uma barreira policial em uma auto-estrada. Um número maior de veículos é parado pela barreira na hora do “rush” que às 3 horas da madrugada. Do mesmo modo, beta-bloqueadores em doses que têm pouco efeito na função cardíaca normal podem proteger o coração contra elevações súbitas dos hormônios do estresse.

Enzimas

Além dos receptores celulares, outros alvos importantes para a ação dos medicamentos são as enzimas, que ajudam no transporte de substâncias químicas vitais, regulam a velocidade das reações químicas ou se prestam a outras funções de transporte, reguladoras ou estruturais. Enquanto as drogas que se direcionam para os receptores são classificadas como agonistas ou antagonistas, as drogas direcionadas para as enzimas são classificadas como inibidoras ou ativadoras (indutoras). Exemplificando, a droga lovastatina, utilizada no tratamento de algumas pessoas que têm níveis sangüíneos elevados de colesterol, inibe a enzima HMG-CoA redutase, fundamental na produção de colesterol pelo corpo.

Quase todas as interações entre drogas e receptores ou entre drogas e enzimas são reversíveis – depois de certo tempo a droga “se solta” e o receptor ou enzima reassume sua função normal. Às vezes uma interação é em grande parte irreversível (como ocorre com omeprazol, uma droga que inibe uma enzima envolvida na secreção do ácido gástrico), e o efeito da droga persiste até que o corpo manufature mais enzimas.

Afinidade e Atividade Intrínseca

Duas propriedades importantes para a ação de uma droga são a afinidade e a atividade intrínseca. A afinidade é a atração mútua ou a força da ligação entre uma droga e seu alvo, seja um receptor ou enzima. A atividade intrínseca é uma medida da capacidade da droga em produzir um efeito farmacológico quando ligada ao seu receptor.

Medicamentos que ativam receptores (agonistas) possuem as duas propriedades; devem ligarse efetivamente (ter afinidade) aos seus receptores, e o complexo droga-receptor deve ser capaz de produzir uma resposta no sistema-alvo (ter atividade intrínseca). Por outro lado, drogas que bloqueiam receptores (antagonistas) ligam-se efetivamente (têm afinidade com os receptores), mas têm pouca ou nenhuma atividade intrínseca – sua função consiste em impedir a interação das moléculas agonistas com seus receptores.

Potência e Eficácia

A potência refere-se à quantidade de medicamento (comumente expressa em miligramas) necessária para produzir um efeito, como o alívio da dor ou a redução da pressão sangüínea. Exemplificando, se 5 miligramas da droga B alivia a dor com a mesma eficiência que 10 miligramas da droga A, então a droga B é duas vezes mais potente que a droga A. Maior potência não significa necessariamente que uma droga é melhor que a outra. Os médicos levam em consideração muitos fatores ao julgar os méritos relativos dos medicamentos, como seu perfil de efeitos colaterais, toxicidade potencial, duração da eficácia (e, conseqüentemente, número de doses necessárias a cada dia) e custo.

A eficácia refere-se à resposta terapêutica máxima potencial que um medicamento pode produzir. Exemplificando, o diurético furosemida elimina muito mais sal e água por meio da urina, que o diurético clorotiazida. Assim, furosemida tem maior eficiência, ou eficácia terapêutica, que a clorotiazida. Da mesma forma que no caso da potência, a eficácia é apenas um dos fatores considerados pelos médicos ao selecionar o medicamento mais apropriado para determinado paciente.

Tolerância

A administração repetida ou prolongada de alguns medicamentos resulta em tolerância – uma resposta farmacológica diminuída. Tolerância ocorre quando o corpo adapta-se à contínua presença da droga. Comumente, são dois os mecanismos responsáveis pela tolerância: (1) o metabolismo da droga é acelerado (mais freqüentemente porque aumenta a atividade das enzimas que metabolizam os medicamentos no fígado) e (2) diminui o número de receptores ou sua afinidade pelo medicamento.

O termo resistência é utilizado para descrever a situação em que uma pessoa não mais responde satisfatoriamente a um medicamento antibiótico, antiviral ou quimioterápico para o câncer. Dependendo do grau de tolerância ou resistência ocorrente, o médico pode aumentar a dose ou selecionar um medicamento alternativo.

Planejamento e Desenvolvimento dos Medicamentos

Muitos dos medicamentos em uso corrente foram descobertos por pesquisas experimentais e pela observação em animais e seres humanos. As abordagens mais recentes ao desenvolvimento de um medicamento baseiam-se na determinação das alterações bioquímicas e celulares anormais causadas pela doença e no planejamento de compostos que possam impedir ou corrigir especificamente essas anormalidades. Quando um novo composto mostra-se promissor, comumente ele é modificado muitas vezes para otimizar sua seletividade, potência, afinidade pelos receptores e eficácia terapêutica.

Também são considerados outros fatores ao longo do desenvolvimento dos medicamentos, como se o composto é absorvido pela parede intestinal e se é estável nos tecidos e líquidos do corpo. Idealmente, o medicamento deve ser efetivo ao ser tomado por via oral (para a conveniência da auto-administração), bem absorvido pelo trato gastrointestinal e razoavelmente estável nos tecidos e líquidos do corpo, de modo que uma dose por dia seja adequada.

O medicamento deve ser altamente seletivo para seu local-alvo, de modo que tenha pouco ou nenhum efeito nos outros sistemas do organismo (efeitos colaterais mínimos ou ausentes). Além disso, o medicamento deve ter potência e eficácia terapêutica em alto grau para que seja efetivo em baixas doses, mesmo nos transtornos de difícil tratamento. Não existe o remédio que seja perfeitamente efetivo e completamente seguro.

Portanto, os médicos avaliam os benefícios e riscos potenciais dos medicamentos em cada situação terapêutica que exija tratamento com medicamento de receita obrigatória. Mas às vezes alguns transtornos são tratados sem a supervisão de um médico; por exemplo, pessoas fazem autotratamento com medicamentos de venda livre para pequenas dores, insônia, tosses e resfriados. Nesses casos, essas pessoas devem ler a bula fornecida com o medicamento, seguindo explicitamente as orientações para seu uso.