ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 2 de dezembro de 2018

FEBRE AMARELA

1- Introdução 
A febre amarela é uma doença infecciosa febril aguda transmitida por vetores artrópodes e causada por um vírus do gênero Flavivirus, família Flaviviridae. 
 A doença foi responsável por grande número de mortes entre o século XVIII e o início do século XX, com repetidas epidemias nas regiões tropicais da América do Sul e na África, seguidas por surtos em locais mais distantes como América do Norte, Caribe e Europa. 
 A identificação do Aedes aegypti como transmissor do vírus, em 1900, foi seguida por ações de controle do vetor que resultaram em significativo declínio da doença fora das áreas tropicais endêmicas. 
 A introdução da vacina contra a febre amarela no País em 1937, o intenso combate ao vetor e a imunização em massa na década seguinte levaram à eliminação da doença nas áreas urbanas no Brasil. O registro dos últimos casos da febre amarela urbana no País ocorreu na cidade de Sena Madureira (AC), em 1942. A partir dessa data, a febre amarela urbana (transmitida por Aedes aegypti) não foi mais registrada e o ciclo de transmissão silvestre passou a predominar com registros de epidemias. Atualmente, a febre amarela silvestre (FA) é uma doença endêmica no Brasil (i.e., região amazônica). Na região extra-amazônica, períodos epidêmicos são registrados ocasionalmente, caracterizando a reemergência do vírus no País. O padrão temporal de ocorrência é sazonal, com a maior parte dos casos incidindo entre dezembro e maio, e com surtos que ocorrem com periodicidade irregular, quando o vírus encontra condições favoráveis para a transmissão (elevadas temperatura e pluviosidade; alta densidade de vetores e hospedeiros primários; presença de indivíduos suscetíveis; baixas coberturas vacinais; eventualmente, novas linhagens do vírus), podendo se dispersar para além dos limites da área endêmica e atingir estados das regiões Centro. 
 O vírus é mantido na natureza por transmissão entre primatas não humanos (PNH) e mosquitos silvestres arbóreos, principalmente dos gêneros Haemagogus e Sabethes (no Brasil) e Aedes (Stegomyia) na África, situação denominada epizootia. Em momentos com as condições ideais para transmissão, um número maior de PNH adoece e morre chamando atenção da sociedade na forma de epizootia, que representa o evento sentinela, e define medidas de intensificação de vacinação nos moradores das regiões afetadas. Estima-se que o número de animais infectados aumenta em intervalos cíclicos dependentes do crescimento da população susceptível de macacos em determinadas regiões, além da densidade de vetores nas matas. Seres humanos podem ser infectados esporadicamente quando adentram a mata para trabalho ou turismo e são picados pelo mosquito silvestre infectado, apresentando a chamada febre amarela silvestre, que pode ocorrer em surtos maiores ou menores, de acordo com o número de indivíduos não imunes expostos. Sendo a febre amarela silvestre uma zoonose, sua transmissão não é passível de eliminação, necessitando de vigilância e manutenção das ações de controle (especialmente por meio de cobertura vacinal adequada. Uma pessoa com febre amarela silvestre pode, porém, ser fonte para um surto da chamada febre amarela urbana, transmitida principalmente pelo Aedes aegypti, um mosquito que vive nas cidades. 
 Os grandes desafios que se apresentam aos profissionais de saúde durante um surto de febre amarela silvestre são: oferecer assistência hospitalar de alta complexidade aos pacientes graves, vacinar, em curto espaço de tempo, grande número de pessoas não vacinadas nos locais de ocorrência da doença e controlar assim a infecção, evitando a expansão para áreas urbanas, em áreas infestadas por mosquitos do gênero Aede sp e com baixa cobertura para a vacina febre amarela ou baixa homogeneidade de cobertura vacinal.
2 Manejo clínico de pacientes adultos com suspeita de febre amarela 
O período de incubação (tempo entre a infecção pela picada do mosquito e o aparecimento de quadro clínico) médio varia entre 3 e 6 dias, podendo ser de até 10 a 15 dias. 
O período de transmissibilidade (tempo em que um indivíduo com febre amarela possui vírus no sangue e pode infectar um mosquito vetor se for picado) vai de 24 a 48 horas antes até 3 a 5 dias após o início dos sintomas. O mosquito infectado transmite o vírus por seis a oito semanas. 
O espectro clínico da febre amarela pode variar desde infecções assintomáticas até a quadros graves e fatais (ver Quadro 1), sendo importante destacar que a expressão da doença independe do contexto de transmissão, se urbano ou silvestre. Estima-se que quadros assintomáticos ocorram em aproximadamente metade dos casos infectados.
O quadro clínico clássico caracteriza-se pelo surgimento súbito de febre alta, geralmente contínua, cefaleia intensa e duradoura, inapetência, náuseas e mialgia. O sinal de Faget (bradicardia acompanhando febre alta) pode ou não estar presente. Nas formas leves e moderadas os sintomas duram cerca de dois a quatro dias e são aliviados com o uso de sintomáticos, antitérmicos e analgésicos, e ocorrem em cerca de 20% a 30% dos casos.
 As formas graves e malignas acometem entre 15% a 60% das pessoas com sintomas que são notificadas durante epidemias, com evolução para óbito entre 20% e 50% dos casos. Na forma grave, cefaleia e mialgia ocorrem em maior intensidade, acompanhadas de náuseas e vômitos frequentes, icterícia e pelo menos oligúria ou manifestações hemorrágicas, como epistaxe, hematêmese e metrorragia. Classicamente os casos de evolução maligna podem apresentar um período de remissão dos sintomas de 6 a 48 horas entre o 3º e 5º dias de doença, seguido de agravamento da icterícia, insuficiência renal e fenômenos hemorrágicos de grande monta. 













 Em relação ao diagnóstico clínico, deve ser considerado caso suspeito indivíduo com exposição em área afetada recentemente (em surto) ou em ambientes rurais e/ou silvestres destes, com até sete dias de quadro febril agudo (febre aferida ou relatada) acompanhado de dois ou mais dos seguintes sinais e sintomas: cefaleia (principalmente de localização supraorbital), mialgia, lombalgia, mal-estar, calafrios, náuseas, icterícia e/ou manifestações hemorrágicas sendo residente ou procedente de área de risco para febre amarela, nos 15 dias anteriores, que não tenha comprovante de vacinação de febre amarela ou que tenha recebido a primeira dose há menos de 30 dias. 
Exames laboratoriais inespecíficos podem apresentar alterações e auxiliam na identificação de formas mais graves e no manejo clínico.
O diagnóstico específico de febre amarela pode ser feito de forma direta pela detecção do vírus em amostras clínicas (sangue e/ou tecidos) ou de forma indireta pela detecção de anticorpos. Os exames são realizados em laboratórios de referência em diversos estados brasileiros, e a secretaria de saúde de cada estado e município pode informar sobre como encaminhar o material biológico e como receber o resultado. 
Observações:
–– Toda amostra biológica deverá ser enviada, devidamente identificada e acompanhada de cópia da Ficha de Investigação Epidemiológica, que servirá para orientar os técnicos do laboratório quanto aos exames indicados, de acordo com o período de ocorrência da infecção.
–– A informação sobre histórico vacinal dos casos notificados é importante para subsidiar a análise adequada dos resultados e os exames laboratoriais.
–– Não coletar tecido para exame histopatológico de pacientes vivos, devido ao risco de sangramentos.
–– Lembrar que a coleta oportuna e o perfeito acondicionamento, conservação e transporte da amostra são de fundamental importância para o êxito nos procedimentos laboratoriais. Nas formas leve e moderada o diagnóstico diferencial pode incluir qualquer doença que curse com quadro febril agudo indiferenciado, sobretudo àquelas de maior prevalência e incidência no País como dengue, malária, influenza e mononucleose infecciosa, com outras causas acrescidas a depender da epidemiologia local. Formas graves e malignas devem ser diferenciadas de malária, dengue grave, chikungunya, hepatites agudas, leptospirose, riquetsiose, sepse e febre tifoide. A abordagem inicial de pacientes com caso suspeito realizada por profissionais de saúde deve incluir:
–– Queixa atual e duração, para identificar caso suspeito. Para identificar sinais de gravidade questionar especificamente sobre a presença de hemorragias, características da diurese (volume e cor), presença e frequência de vômitos.
–– História pregressa, incluindo histórico vacinal para febre amarela e dados epidemiológicos que possam indicar a necessidade de investigar diagnósticos diferenciais.
–– Aferição de pressão arterial (PA), frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura e peso.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Febre amarela : guia para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017. 67 p.