ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Diagnóstico e classificação do diabetes melito


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 Definição e epidemiologia
diabetes melito (DM) compreende um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que têm em comum a hiperglicemia. Pode resultar de defeitos na secreção de insulina, sua ação, ou de ambas as condições. O boletim da International Diabetes Federation, de 2014, reporta uma prevalência mundial de 387 milhões de indivíduos com diagnóstico de DM, sendo 13 milhões de casos no Brasil. Esses números vêm crescendo devido ao aumento da expectativa de vida e da prevalência de obesidade e de sedentarismo.
O DM deve ser considerado em todos os pacientes que apresentam poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso e visão turva, podendo, também, manifestar-se com complicações agudas, como cetoacidose e síndrome hiperosmolar hiperglicêmica, ou mesmo com evidências de complicações crônicas. Deve-se, também, suspeitar da doença em pacientes que apresentam fatores de risco, como apresentado no Quadro 1.1.
Classificação
Atualmente, a classificação é baseada na etiologia da doença, e não em seu tratamento, substituindo os antigos termos insulino-dependente e não insulino-dependente pelos termos diabetes melito tipo 1 (DM1) e diabetes melito tipo 2 (DM2), respectivamente. A classificação se divide em quatro tipos (Quadro 1.2). O DM1 é responsável por cerca de 5 a 10% dos casos de DM e é decorrente, na maioria dos casos, da destruição autoimune das células β das ilhotas pancreáticas, acarretando a deficiência de secreção pancreática de insulina. É caracterizado, portanto, por um estado de dependência da aplicação de insulina exógena para evitar o quadro de cetoacidose diabética e para preservação da vida nesses pacientes. O pico de incidência é na adolescência, mas pode acometer qualquer faixa etária. O início do quadro é, em geral, abrupto, com sintomas marcados de poliúria, polidipsia e emagrecimento. Devido à etiologia autoimune do DM1, pode ocorrer associação com outras doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto, a insuficiência suprarrenal e a doença celíaca. Um subtipo de DM1, entendido como um extremo de evolução mais lenta no espectro da doença, é o LADA (do inglês latent autoimmune diabetes in adults), que se caracteriza por apresentar instalação insidiosa do quadro de dependência à insulina, demorando anos, por vezes, até manifestar-se com quadro de cetoacidose diabética. O DM2 representa 90 a 95% dos casos de DM e, apesar de não existir um completo entendimento do padrão de herança genética, é marcado pela presença de um componente hereditário importante. Acomete indivíduos, em geral, acima dos 45 anos, mas pode ser identificado em indivíduos mais jovens e até em crianças. O DM2 resulta da combinação da diminuição de ação da insulina nos tecidos-alvo com a diminuição relativa da secreção pancreática de insulina, que ocorre precocemente no quadro. O paciente com DM2 apresenta um quadro clínico mais silencioso e, algumas vezes, pode vir a ser diagnosticado já pelos sintomas das complicações crônicas, como cegueira e uremia. Cerca de 80% dos pacientes com DM2 apresenta o quadro de síndrome metabólica, a qual é definida pela presença de dois ou mais dos seguintes critérios: medida da cintura alterada (homens
com cintura acima de 94 cm e mulheres acima de 80 cm), triglicerídeos ≥ 150 mg/dL, HDL baixo (< 40 mg/dL em homens e < 50 mg/dL em mulheres), pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 130 mmHg ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 85 mmHg (ou uso de anti-hipertensivos) e glicemia ≥ 100 mg/dL.
Por vezes, alguns pacientes podem não ser claramente classificados com DM1 ou DM2. Pacientes com DM2 podem apresentar-se com cetoacidose, especialmente na vigência de outra comorbidade, e pacientes com DM1 podem ter início tardio e progressão insidiosa. Em casos de dúvida, pode ser realizada a medida da reserva pancreática de insulina por meio da dosagem de peptídeo-C
(níveis < 0,9 ng/mL indicam DM1 e acima desse valor sugerem DM2). Os anticorpos anti-insulina, anti-ilhotas e antiGAD (descarboxilase do ácido glutâmico, do inglês glutamic acid decarboxylase) estão presentes no DM1, espelhando a autoimunidade. A positividade dos anticorpos prediz a necessidade de insulina, e sua solicitação está indicada nos casos de dúvida diagnóstica, que ocorrem especialmente quando a instalação do quadro de DM ocorre após os 30 anos de idade. O antiGAD tem seu melhor desempenho nos indivíduos com
início da doença acima dos 20 anos de idade e é o mais duradouro (até 10 a 15 anos de doença), sendo o anticorpo de escolha para o diagnóstico de LADA.
Na categoria de “outros tipos específicos”, na
subclassificação de defeitos genéticos da célula β, tem-se o tipo MODY (do inglês maturity onset diabetes of the young), que representa um tipo monogênico de DM, com padrão de herança autossômico dominante. Acomete indivíduos abaixo dos 25 anos e caracteriza-se por defeito genético na secreção de insulina, havendo heterogeneidade nos seis subtipos de MODY já descritos, cada um com peculiaridades quanto à gravidade da hiperglicemia e à presença das complicações do DM. Outro subtipo nessa categoria é o MIDD (do inglês maternally inherited diabetes and deafness), caracterizado pela presença de mutação no DNA mitocondrial, que provoca diminuição da secreção de insulina pelo pâncreas. É caracterizado por herança materna e presença de surdez. Os demais subtipos estão listados no Quadro 1.2. Duas categorias de risco aumentado constituem o pré-diabetes: glicemia de jejum alterada e a tolerância diminuída à glicose.
Diagnóstico
O diagnóstico de DM pode ser feito com os procedimentos listados a seguir e, na ausência de sintomas, deve ser sempre confirmado:
• Glicose plasmática de jejum (8 horas);
• Teste oral de tolerância à glicose (TOTG): glicose em jejum e 2 h após ingerir 75 g de glicose;
• Glicose plasmática casual;
• Hemoglobina glicada (HbA1c) por meio de método certificado e calibrado pelo DCCT (Diabetes Control and Complications Trial).
Na Tabela 1.1, são apresentados os valores empregados para o diagnóstico do diabetes com os diferentes procedimentos. Os testes para diagnóstico de DM devem ser repetidos
para descartar erro laboratorial, exceto se o diagnóstico é inequívoco clinicamente, como na presença de crise hiperglicêmica ou na presença de sintomas clássicos e uma glicemia casual ≥ 200 mg/ dL. É preferível que o mesmo teste seja repetido para confirmação. Se dois testes diferentes forem
realizados, e os resultados forem discordantes, recomenda-se repetir o teste alterado, sendo feito o diagnóstico com base no teste confirmado. O TOTG-75 g deve ser feito de forma padronizada (Quadro 1.3) e deve ser indicado sempre que valores intermediários de glicemia forem encontrados (glicemia jejum ³ 100 e < 126 mg/dL) ou ocorrência de valores inferiores a 100 mg/dL na presença de dois ou mais fatores de risco (Quadro 1.1) para o diabetes nos indivíduos  45 anos. Em 2010, a dosagem da HbA1c, que reflete o nível de controle glicêmico dos últimos 2 a 3 meses e que é, portanto, recomendada no acompanhamento do tratamento do paciente, teve seu uso também indicado pela American Diabetes Association (ADA) para definir o diagnóstico de DM. As restrições para seu uso com esse fim baseiam-se na falta de padronização do método, sendo indicado o emprego de método certificado e calibrado pelo DCCT. O ponto de corte sugerido é o valor de 6,5%, que se associa com incidência aumentada de retinopatia. 
 

Situações especiais
CRIANÇAS: Para o diagnóstico do diabetes em crianças que não apresentam um quadro característico de cetoacidose diabética, são adotados os mesmos procedimentos e pontos de corte da glicemia empregados para os adultos. Quando houver a indicação de um TOTG, utiliza-se 1,75 g/kg de peso de glicose (máximo 75 g). A indicação para rastrear o diagnóstico em crianças é a presença de sobrepeso (IMC acima do percentil 85 ou peso acima de 120% do ideal para altura), aliada a pelo menos dois fatores de risco adicionais, como história familiar, etnia de risco, outros sinais de resistência insulínica ou história de DM na sua gestação. A avaliação deve iniciar aos 10 anos de idade ou na puberdade (se esta for antes dos 10 anos), devendo ser repetida a cada três anos.
GESTANTES: Todas as gestantes devem ser avaliadas com a glicemia de jejum no primeiro trimestre da gestação, com a finalidade de detectar o diabetes pré-gestacional (diabetes na gestação, conforme nomenclatura da Organização Mundial da Saúde [OMS]). O diagnóstico deve ser feito com o critério empregado para adultos não gestantes (glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL). As gestantes com glicemia entre 92 mg/dL e 125 mg/dL recebem o diagnóstico de diabetes gestacional. 
Uma glicemia de jejum abaixo de 92 mg/dL exclui o diagnóstico nesse momento, e as gestantes deverão ser reavaliadas no segundo trimestre com o TOTG 75 g. No segundo trimestre, o TOTG é interpretado com os pontos de corte apresentados na Tabela 1.2, critério referendado pela maior parte das entidades oficiais (Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD]; Organização Mundial da Saúde [OMS]; International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups [IADPSG]; American Diabetes Association [ADA]), sendo um ponto de corte
alterado suficiente para o diagnóstico do diabetes gestacional.
Fonte: Bulletin International Diabetes Federation. 2014 [capturado em 25 outubro 2016]. Disponível em: http:// www.diabetes.org.br/images/pdf/atlas idf-2014.pdf.