ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

ANSIEDADE


Há autores que definem a era moderna como a Idade da Ansiedade, associando a este acontecimento psíquico a agitada dinâmica existencial da modernidade; sociedade industrial, competitividade, consumismo desenfreado e assim por diante.

Diz-se que a simples participação da pessoa na sociedade contemporânea já preenche, por si só, um requisito suficiente para o surgimento da Ansiedade. Portanto, viver ansiosamente passou a ser considerado uma condição do homem moderno ou um destino comum ao qual todos estamos, de alguma maneira, atrelados.

Com certeza, até por uma questão biológica, podemos dizer que a Ansiedade sempre esteve presente na jornada humana, desde a caverna até a nave espacial. A novidade é que só agora estamos dando atenção à quantidade, tipos e efeitos dessa Ansiedade sobre o organismo e sobre o psiquismo humanos.

Nosso potencial ansioso sempre se manteve fisiologicamente presente e sempre carregando consigo o sentimento do medo, sua sombra inseparável. É muito difícil dizer se era diferente o estresse (esta revolução orgânica e psíquica) que acometia o homem das cavernas diante de um urso invasor de sua morada, daquilo que sente hoje um cidadão comum diante do assaltante que invade seu lar. Provavelmente não.

Faz parte da natureza humana certos sentimentos determinados pelo perigo, pela ameaça, pelo desconhecido e pela perspectiva de sofrimento. A Ansiedade passou a ser objeto de distúrbios quando o ser humano colocou-a não a serviço de sua sobrevivência, como fazia antes, mas a serviço de sua existência, com o amplo leque de circunstâncias quantitativas e qualitativas desta existência.

Assim, o estresse passou a ser o representante emocional da Ansiedade, a correspondência psíquica de toda movimentação que o estresse causa na pessoa. O fato de um evento ser percebido como estressante não depende apenas da natureza do mesmo, como acontece no mundo animal, mas do significado atribuído à este evento pela pessoa, de seus recursos, de suas defesas e de seus mecanismos de enfrentamento.

Isso tudo diz respeito mais à personalidade que aos eventos do destino em si. Isso quer dizer que no mundo animal, um cachorro representa para o gato um estímulo estressante preciso e definido: um cachorro realmente. No ser humano, um elevador pode representar um elevador mesmo, se a pessoa não tem ansiedade patológica, ou um estímulo bastante estressor, se a pessoa tiver claustrofobia.

Grafico 1

Embora a Ansiedade favoreça a performance e a adaptação, ela o faz somente até certo ponto, até que nosso organismo atinja um máximo de eficiência. À partir de um ponto excedente a Ansiedade, ao invés de contribuir para a adaptação, concorrerá exatamente para o contrário, ou seja, para a falência da capacidade adaptativa.

Em nossos ancestrais o mecanismo da ansiedade-estresse foi destinado à sobrevivência da espécie diante dos perigos próprios da luta pela vida, como acontece com qualquer animal acima dos répteis na escala filogenética. Era um mecanismo útil no caso das ameaças de animais ferozes, das guerras tribais, das intempéries climáticas, da busca pelo alimento, da luta pelo espaço geográfico, etc.

No ser humano moderno, apesar dessas ameaças não mais existirem em sua plenitude, tal como existiram outrora, o equipamento biológico da ansiedade-estresse continuou existindo. Apesar dos perigos primitivos e concretos não existirem mais com a mesma freqüência, persistiu em nossa natureza a capacidade de reagirmos ansiosamente diante das ameaças.

Com a civilidade do ser humano, outros perigos apareceram e ocuparam o lugar daqueles que estressavam nossos ancestrais arqueológicos. Hoje em dia tememos a competitividade social, a segurança, a competência profissional, a sobrevivência econômica, as perspectivas futuras e mais uma infinidade de ameaças abstratas e reais. Enfim, tudo isso passou a ter o mesmo significado de ameaça e de perigo que as questões de pura sobrevivência à vida animal que assombravam nossos ancestrais.

Na antigüidade tais ameaças eram concretas e a pessoa tinha um determinado objeto real à combater (fugir ou atacar), localizável no tempo e no espaço, hoje em dia esse objeto de perigo vive dentro de nós. As ameaças vivem, dormem e acordam conosco.

Se, em épocas primitivas o coração palpitava, a respiração ofegava e a pele transpirava diante de um animal feroz a nos atacar, se ficávamos estressados diante da invasão de uma tribo inimiga, hoje em dia nosso coração bate mais forte diante do desemprego, dos preços altos, das dificuldades para educação dos filhos, das perspectivas de um futuro sombrio, dos muitos compromissos econômicos cotidianos e assim por diante. Como se vê, hoje nossa Ansiedade é contínua e crônica. Se a adrenalina antes aumentava só de vez em quando, hoje ela está aumentada quase diariamente.

A Ansiedade aparece em nossa vida como um sentimento de apreensão, uma sensação de que algo está para acontecer, ela representa um contínuo estado de alerta e uma constante pressa em terminar as coisas que ainda nem começamos. Desse jeito, nosso domingo têm uma apreensão de segunda-feira e a pessoa antes de dormir já pensa em tudo que terá de fazer quando o dia amanhecer. É a corrida para não deixar nada para trás, além de nossos concorrentes. É um estado de alarme contínuo e uma prontidão para o que der e vier.

No ser humano o conflito parece ser essencial ao desenvolvimento da Ansiedade. Em nosso cotidiano, sem termos plena consciência, experimentamos um sem-número de pequenos conflitos, interpessoais ou intrapsíquicos; as tensões entre ir e não ir, fazer e não fazer, querer e não poder, dever e não querer, poder e não dever, a assim por diante. Portanto, motivação fisiológica para o aparecimento da Ansiedade existe de sobra.

A Ansiedade pode se manifestar em três níveis: neuroendócrino, visceral e de consciência. O nível neuroendócrino diz respeito aos efeitos da adrenalina, noradrenalina, glucagon, hormônio anti-diurético e cortisol. No plano visceral a Ansiedade corre por conta do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), o qual reage se excitando o organismo na reação de alarme (sistema simpáticoto) ou relaxando (sistema vagal) nas fase de esgotamento.

Cognitivamente a Ansiedade se manifesta por dois sentimentos desagradáveis:

1- através da consciência das sensações fisiológicas de sudorese, palpitação, inquietação e outros sintomas autossômicos (do sistema nervoso autônomo);
2- através da consciência de estar nervoso ou amedrontado.

Os padrões individuais de Ansiedade variam amplamente. Alguns pacientes têm sintomas cardiovasculares, tais como palpitações, sudorese ou opressão no peito, outros manifestam sintomas gastrointestinais como náuseas, vômito, diarréia ou vazio no estômago, outros ainda apresentam mal-estar respiratório ou predomínio de tensão muscular exagerada, do tipo espasmo, torcicolo e lombalgia. Enfim, os sintomas físicos e viscerais variam de pessoa para pessoa. Psicologicamente a Ansiedade pode monopolizar as atividades psíquicas e comprometer, desde a atenção e memória, até a interpretação fiel da realidade.

Assim sendo, considerando a nossa necessidade fisiológica de nos adaptarmos às diversas circunstâncias através da Ansiedade, falamos em Ansiedade Normal. Por outro lado, falamos também da Ansiedade Patológica como uma forma de resposta inadequada, em intensidade e duração, à solicitações de adaptação. Um determinado estímulo (interno ou externo) funcionando como uma convocação de alarme continuamente, por exemplo, pode favorecer o surgimento da Ansiedade Patológica.

Estresse1

Na fig. ao lado vemos a relação entre o nível de estresse e a performance; quando o estresse aumenta (linha horizontal) melhora a adaptação, até um ponto Ótimo, daí em diante a performance começa a decrescer (vertical) até o a Desadaptação e, finalmente, o Esgotamento

Se em outros tempos o ser humano manifestava sua Ansiedade de maneira muito próxima a um medo especificamente dirigido a algum objeto ou situação específicos e delimitados no tempo (animal feroz, tempestade, guerra, etc.), hoje a maioria dos estímulos para esta emoção são inespecíficos (insucesso, insegurança social, competitividade profissional, frustração amorosa, política ou religiosa, constrangimento ético, etc.); o ser humano moderno coloca-se em posição de alarme diante de um inimigo abstratos e impalpável.

A Ansiedade aparece em nossa vida como um sentimento de apreensão, uma sensação de que algo está para acontecer, ela representa um contínuo estado de alerta e uma constante pressa em terminar as coisas que ainda nem começamos. É desse jeito que nosso domingo tem uma representação de segunda-feira e a pessoa antes de dormir já pensa em tudo que terá de fazer quando o dia amanhecer. É um estado de alarme contínuo e uma prontidão para o que der e vier.

A natureza foi generosa nos oferecendo a atitude da Ansiedade ou Estresse, no sentido de favorecer nossa adaptação. Porém, não havendo um tempo suficiente para a recuperação desse esforço psíquico, o qual restabeleceria a saúde, ou persistindo continuadamente os estímulos de ameaça que desencadeiam a reação de Estresse, nossos recursos para a adaptação acabam por esgotar-se. O Esgotamento é, como diz o próprio nome, um estado onde nossas reservas de recursos para a adaptação se acabam.

Biologicamente a etiologia da Ansiedade parece estar relacionada aos sistemas Noradrenérgico, Gabaérgico e Serotoninérgico (da noradrenalina, serotonina e gaba, respectivamente) do Lombo Frontal e do Sistema Límbico. Os pacientes ansiosos tendem a ter um tônus simpático aumentado, respondendo emocionalmente de forma excessiva aos estímulos ambientais e demorando mais a adaptar-se às alterações do Sistema Nervoso Autônomo. Segundo Kaplan, a Ansiedade tem uma ocorrência duas vezes maior no sexo feminino e se estima que até 5% da população geral tenha um distúrbio generalizado de Ansiedade. As teorias psicossociais sobre a gênese da Ansiedade são exaustivamente estudadas, não só pela medicina como também pela psicologia, pela sociologia, pela antropologia e pela filosofia.

Transtorno de Ansiedade Generalizada
A característica essencial do Transtorno de Ansiedade Generalizada, segundo o DSM.IV, é uma expectativa apreensiva ou preocupação excessiva, ocorrendo na maioria dos dias e com duração de, pelo menos, 6 meses. A pessoa portadora de Transtorno de Ansiedade Generalizada considera difícil controlar essa preocupação excessiva, a qual é acompanhadas de pelo menos três dos seguintes sintomas adicionais:

Inquietação,
Fatiga,
Dificuldade em concentrar-se,
Irritabilidade,
Tensão muscular e
Perturbação do sono

Embora os pacientes com Transtorno de Ansiedade Generalizada nem sempre sejam capazes de identificar suas preocupações como "excessivas", eles relatam sofrimento subjetivo por causa delas, têm dificuldade em controlá-las ou experimentam prejuízo social ou ocupacional por causa disso.

A intensidade, duração ou freqüência da ansiedade ou preocupação excessivas são claramente desproporcionais ao evento estressor e a pessoa considera difícil evitar que essas preocupações interfiram na atenção e nas tarefas que precisam ser realizadas. Normalmente ela tem dificuldade em parar de se preocupar.

Os adultos com Transtorno de Ansiedade Generalizada freqüentemente se preocupam com circunstâncias cotidianas e rotineiras, tais como possíveis responsabilidades no emprego, finanças, saúde de membros da família, infortúnio acometendo os filhos ou questões menores, tais como tarefas domésticas, consertos no automóvel ou atrasos a compromissos.

Critérios Diagnósticos para F41.1 - 300.02 Transtorno de Ansiedade Generalizada

A. Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos 6 meses, nos diversos eventos ou atividades (tais como desempenho escolar ou profissional).

B. O indivíduo considera difícil controlar a preocupação.

C. A ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais) dos seguintes sintomas, presentes na maioria dos dias nos últimos 6 meses. Nota: Apenas um item é exigido para crianças.

(1) inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele

(2) fatiga

(3) dificuldade em concentrar-se ou sensações de "branco" na mente

(4) irritabilidade

(5) tensão muscular

(6) perturbação do sono (dificuldades em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e inquieto).

D. O foco da ansiedade ou preocupação não se refere a ter um Ataque de Pânico,ou ficarr embaraçado em público (como na Fobia Social), ou ser contaminado (como no Transtorno Obsessivo-Compulsivo).

E. A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

F. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (por ex., hipertiroidismo).

As crianças com Transtorno de Ansiedade Generalizada tendem a exibir preocupação excessiva com sua competência ou a qualidade de seu desempenho. Durante o curso do transtorno, o foco da preocupação pode mudar de uma preocupação para outra.

Estresse e Ansiedade
Diante de uma situação estressora, o tipo e o grau da resposta de cada pessoa não dependerá apenas da força, importância e freqüência do evento de vida estressor. Dependerá sim da capacidade de cada um em interpretar, avaliar e enfrentar as vivências estressoras. Essa capacidade tem sido atribuída a determinadas características da personalidade da pessoa.

Apesar de ter seu perfil básico atrelado à personalidade, a resposta ao estresse, chamada de capacidade de enfrentamento do evento estressor, acaba fazendo parte do arsenal cognitivo de cada um. Como se deduz, esse arsenal cognitivo não é estático e imutável ao longo da vida, podendo ser dinamicamente alterado para melhor ou para pior. Talvez essa questão seja um dos principais objetivos da chamada Terapia Cognitivo-Comportamental.

Quando intensa a resposta ao estresse pode gerar ativação fisiológica, ou seja, pode mobilizar todo organismo a participar desse esforço adaptativo; inicialmente através do Sistema Nervoso Autônomo e, em seguida, de todo sistema neuro-endócrino-eletrolítico.

Se o esforço adaptativo aos eventos estressores for freqüente, duradouro ou intenso, pode levar a um estado de Esgotamento, que é a falência dos recursos emocionais e fisiológicos. Isso leva ao aparecimento de transtornos orgânicos diversos e, do lado psíquico, predispõe ao aparecimento de Transtornos de Ansiedade e outros transtornos emocionais.

Assim, por conta do estresse, o desenvolvimento de um transtorno, seja ele emocional ou orgânico (psicossomático), está diretamente relacionado à freqüência e duração das situações que o sujeito avalia como estressoras para si, e não, exatamente, da magnitude do evento de vida propriamente dito (objetivamente considerado). Margis e cols. (2003), concluíram em trabalho sobre a relação entre estressores, estresse e ansiedade que, para os eventos de vida estressores causarem o surgimento de sintomas de Depressão ou Ansiedade, deve haver uma predisposição genética para lidar de forma inadequada com esses eventos.

Os acontecimentos vividos ou as circunstâncias ambientais podem provocar estresse. Se esse estresse provoca ou não a Ansiedade Patológica é uma outra questão. Margis e cols. falam sobre os eventos de vida estressores.

Os eventos de vida estressores têm sido diferenciados em dependentes e independentes. Os eventos de vida dependentes apresentam a participação do sujeito, ou seja, dependem da forma como o sujeito se coloca nas relações interpessoais, como se relaciona com o meio, de forma que seu comportamento pode provocar situações desfavoráveis para si mesmo. Os eventos de vida estressores independentes são aqueles que estão além do controle do sujeito, independem de sua participação, sendo inevitáveis, como por exemplo, a morte de um familiar ou a saída de um filho de casa, etc.

Há ainda uma diferença entre evento traumático e evento de vida estressor. O evento traumático é aquele que produz conseqüências psíquicas por longo tempo, às vezes por muitos anos. O evento de vida estressor é aquele que, embora possa ter efeitos psicológicos sob a forma de sintomas e desadaptação, uma vez removido ou afastado, há uma diminuição do quadro psicopatológico provocado por ele.

Além dos eventos de vida estressores, mais fortes e importantes, existem também os acontecimentos diários menores, vindos das diversas situações cotidianas, como a agitação do dia-a-dia, a luta pela competitividade, os dissabores da violência urbana, as dificuldades econômicas, etc. Muitas vezes estes acontecimentos diários menores, por serem freqüentes acabam gerando respostas de estresse também, com efeitos psicológicos e biológicos para alguns indivíduo