ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 16 de outubro de 2011

CIRROSE HEPÁTICA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS, COMPLICAÇÕES E TRATAMENTO


INTRODUÇÃO
Qualquer doença crônica que acometa o fígado pode resultar em cirrose à partir da instalação de necrose hepatocelular difusa e da conseqüente tentativa de regeneração dos hepatócitos. Este processo dinâmico de destruição regeneração leva a modificações na matriz extracelular que culmina em deposição progressiva de tecido fibrótico em substituição ao parênquima funcionante. Surge, assim, uma significativa desorganização arquitetônica e vascular dos 16- bulos hepáticos que acaba por gerar graves danos funcionais. Neste momento seria interessante que o aluno revisse o primeiro capítulo do vol.2, onde está descrita a patogênese e a patologia da cirrose hepática. O termo 'insuficiência hepática crônica' é utilizado para descrever as complicações sistêmicas decorrentes de uma queda lenta e progressiva da função dos hepatócitos, tal como acontece na cirrose. Reservamos o termo 'insuficiência hepática aguda' para os casos de lesão hepatocelular fulminante, em que a função dos hepatócitos é abruptamente perdida. Este tema será abordado com detalhes no capítulo seguinte.

Quais são as conseqüências da Cirrose Hepática?
A perda progressiva de hepatócitos funcionantes leva a uma série de conseqüências que se instalam no paciente de forma insidiosa. Distúrbios endócrinos e hemodinâmicos predominam nas fases iniciais da hepatopatia, enquanto que problemas mais graves, como encefalopatia hepática, hipoalbuminemia e coagulopatia aparecem em uma fase mais avançada da doença. Os distúrbios endócrinos são caracterizados pelo hiperestrogenismo e hipoandrogenismo, explicando (pelo menos em parte) vários achados semiológicos da cirrose, como o eritema palmar, as telangiectasias, a ginecomastia, a rarefação de pelos e a atrofia testicular. As alterações hemodinâmicas da cirrose são um tanto complexas: ao lado de um estado hiperdinâmico de alto débito cardíaco e retenção hidrossalina, observa- se uma 'hipovolemia relativa, na qual o volume circulante efetivo, e portanto, o fluxo sangüíneo para os órgãos está reduzido.

Principais Complicações da Cirrose Hepática
Insuficiência Hepática Crônica
Hiperestrogenismo/Hipoandrogenismo
- Eritema palmar
- Telangiectasias do tipo 'aranha vascular'
- Ginecomastia
- Redução da massa muscular
- Atrofia interóssea
- Rarefação de pêlos
- Atrofia testicular
Distúrbios Hemodinâmicos
- Resistência vascular periférica diminuída (vasodilatação)
- Alto débito cardíaco
- Retenção hidrossalina (ascite, anasarca)
- Hipovolemia relativa - redução do volume circulante
efetivo
Outras alterações
- Baqueteamento (ou hipocratismo) digital
- Aumento de parótidas
Hipertensão Portal ('Sinusoidal')
- Ascite
- Varizes de esôfago e fundo gástrico - sangramento
digestivo
- Esplenomegalia congestiva - hiperesplenismo -
anemia, pancitopenia
- Circulação porta visível no abdome
Insuficiência Hepática Descompensada
- Encefalopatia hepática
- Coagulopatia
- Hipoalbuminemia - anasarca
- Síndrome hepato-renal
- Síndrome hepato-pulmonar

DISTÚRBIOS HEMODINÂMICOS
Embora os distúrbios hemodinâmicos da cirrose hepática sejam altamente dependentes da hipertensão portal, a disfunção hepatocelular também pode contribuir para sua gênese, uma vez que um distúrbio semelhante é identificado nos pacientes com insuficiência hepática fulminante (quando não hipertensão portal). Uma teoria clássica, chamada 'Teoria do Underfilling', diz o seguinte: a hipertensão portal da cirrose provoca o extravasamento de líquido intravascular para a cavidade peritoneal, através dos sinusóides hepáticos. Esta pequena queda da volemia estimula os barorreceptores a ativar o sistema reninaangiotensina- aldosterona, o sistema nervoso simpático e a liberação de ADH (hormônio anti-diurético). A ativação desses sistemas, por sua vez, promove a retenção de líquido pelos rins, na tentativa de restaurar a volemia. Porém, todo o líquido retido volta a extravasar para a cavidade peritoneal e assim formase um ciclo vicioso aonde 'quanto mais líquido extravasa, maior a tendência hipovolêmica' e 'quanto maior a tendência hipovolêmica, maior a retenção hidrossalina renal' e 'quanto maior a retenção hidrossalina renal, mais líquido extravasa para o peritôneo'. Com isso, o paciente vai formando a sua ascite e mantém-se sempre com uma tendência hipovolêmica.

ENCEFALOPATIA HEPÁTICA
O termo 'encefalopatia hepática' é uma síndrome neuro-psiquiátrica potencialmente reversível que pode surgir em pacientes portadores de hepatopatia crônica avançada ou na insuficiência hepática fulminante A disfunção hepatocelular grave é um elemento primordial para o desenvolvimento da síndrome, porém, na cirrose hepática avançada, um outro fator deve ser considarado: a hipertensão portal, que desvia o sangue mesentérico para a circulação sistêmica 'bypassando' os sinusóides hepáticos. Por isto a expressão tão freqüentemente usada - encefalopatia porto-sistêmica. As principais fontes de amônia intestinal são: (1) enterócitos - metabolismo do aminoácido glutamina, (2) bactérias colônicas - catabolismo de proteínas alimentares e da uréia secretada no lúmen intestinal. É importante ressaltar que o fígado normal depura quase toda a amônia presente no sistema porta. Os hepatócitos transformam este composto de alta toxicidade no aminoácido glutamina ou numa substância bem menos tóxica para o organismo — a uréia.
Para compreender a patogênese da encafalopatia hepática, o leitor deve ter em mente o seguinte conceito: uma das principais funções do fígado é a depuração de toxinas provenientes da absorção intestinal. Estas substâncias são absorvidas pelos enterócitos intestinais, ganham a circulação venosa mesentérica e em seguida a veia porta, para então penetrarem nos espaços porta, atingindo os sinusóides hepáticos. Dentre essas substâncias, a mais importante é a amônia, derivada dos enterócitos e do catabolismo protêic
o das bactérias colônicas.

ANATOMIA, FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO PORTA

O fígado é o único órgão em que há duplo aporte sanguíneo: a veia porta e a artéria hepática.

A veia porta é formada pela confluência das veias mesentérica superior e esplénica, posteriormente ao colo do pâncreas, e tem 6 a 8 cm de extensão

A veia gástrica esquerda, ou coronária, drena o esôfago distai e a pequena curvatura gástrica, em geral se unindo à veia porta próximo à sua origem.

A veia esplénica se localiza posteriormente ao pâncreas e, na maioria das vezes, se une à veia mesentérica inferior um pouco antes da sua confluência com a veia mesentérica superior.
A artéria hepática, um dos três grandes ramos do tronco celíaco, localiza-se medialmente ao ducto biliar comum e à veia porta no ligamento hepatoduodenal.

Variações comuns incluem origem da artéria hepática direita da artéria mesentérica superior e artéria hepática esquerda da artéria gástrica esquerda respectivamente (ATENÇÃO, CLIQUE AQUI) , cada uma delas ocorrendo em aproximadamente 20% da população.
O fluxo sanguíneo hepático tem um valor médio de 1.500 ml/minuto, o que representa cerca de 25% do débito cardíaco.

A veia porta contribui com dois terços do fluxo sanguíneo hepático total, enquanto a perfusão arterial hepática é responsável por mais da metade do aporte de oxigénio ao figado.

O volume do fluxo venoso porta é indiretamente regulado pela vasoconstrição e vasodilatação do leito arterial esplâncnico. Em contraste, as arteríolas hepáticas respondem às catecolaminas circulantes e estimulação nervosa simpática; portanto, o fluxo arterial hepático é diretamente regulado.

Contudo, mesmo influências vasoconstritoras intensas podem ser superadas por uma resposta arterial hepática auto-reguladora, o que mantém um fluxo sanguíneo hepático total próximo ao normal, tanto quanto possível, quando a perfusão porta é diminuída em pacientes com choque ou mesmo com derivações portossistêmicas criadas cirurgicamente, ou induzidas por doença.

Muitos hormônios esplâcnicos são importantes reguladores do metabolismo hepático.

A insulina é particularmente importante porque é um hormônio hepatotrófico e é essencial para a manutenção da estrutura e função hepáticas; conse-qüentemente, mesmo se o fluxo sanguíneo hepático for mantido em níveis normais pela compensação arterial hepática a um fluxo porta diminuído, o funcionamento hepático pode estar prejudicado.
Pelo fato de a resistência venosa porta aumentada ser frequentemente o indicador da hipertensão porta, as classificações desses distúrbios em geral tem como base o local da resistência aumentada. Entretanto, o fluxo venoso porta aumentado, secundário a uma circulação sistémica hiperdinâmica e hlperemia esplâncnica é frequentemente a maior contribuição para a manutenção da hipertensão porta. A causa do débito cardíaco aumentado e da hiperemia esplâncnica não é conhecida, mas os hormônios viscerais, como o glucagon, e a sensibilidade diminuída da vasculatura esplâncnica às catecolaminas provavelmente têm seu lugar.

A produção aumentada de óxido nitroso e prostaciclina pelo endotélio vascular também é um importante fator. Uma melhor compreensão da fisiopatologia da hipertensão porta tem implicações terapêuticas, porque medicações que alteram essas respostas estão disponíveis.

        1. HIPERTENSÃO PRE-HEPATICA
        2. HIPERTENSÃO INTRAHEPATICA
            1. pre-sinusoidal
            2. sinusoidal
            3. pós sinusoidal
        3. HIPERTENSÃO PÓS-HEPATICA
        4. HIPERTENSÃO PORTA PRE-HEPATICA

1. HIPERTENSÁO PRE-HEPATICA

A causa mais comum de hipertensão porta pré-hepática é a trombose da veia portal, responsável por metade dos casos de hipertensão porta em crianças. Quando a veia porta está trombosada, na ausência de doença hepática, desenvolvem-se vasos colaterais portais hepatopetais (para o fígado), para restaurar a perfusão porta. Esta combinação é denominada transformação cavernomatosa da veia porta.

A inflamação pancreática ou neoplasia. trombose da veia esplénica isolada (hipertensão porta esquerda). O resultado é a hipertensão venosa gastroesplênica.

As pressões venosas porta e mesentérica superior permanecem normais.

CONSEQUÊNCIAS:

A veia gastroepiplóica esquerda torna-se um vaso colateral maior, e varizes gástricas, predominantemente as esofagianas, se desenvolvem.

Essa variante de hipertensão porta é importante de ser reconhecida porque é facilmente convertida apenas pela esplenectomia.

2. HIPERTENSÁO INTRA-HEPATICA

O local de resistência aumentada na hipertensão porta intra-hepática pode ser nos níveis:

  1. pré-sinusoidal,
  2. sinusoidal
  3. pós-sinusoidal.

Frequentemente, mais de um nível está envolvido.

A causa mais comum de hipertensão intra-hepática pré-sinusoidal é a esquistossomose; adicionalmente, muitas causas de cirrose não alcoólica também resultam em hipertensão portal pré-sinusoidal, especialmente precoces no seu curso.

A cirrose alcoólica, a causa mais comum de hipertensão porta nos Estados Unidos, muitas vezes causa resistência aumentada ao fluxo portal nos níveis sinusoidal (secundária à deposição de colágeno no espaço de Disse) e pós-sinusoidal (secundária aos nódulos de regeneração que distorcem pequenas veias hepáticas).

3. HIPERTENSÁO PÓS-HEPATICA

Causas pós-hepaticas de hipertensão porta são raras e incluem:

  1. a síndrome de Budd-Chiari (trombose da veia hepática)
  2. pericardite constritiva
  3. insuficiência cardíaca.

Raramente, o fluxo venoso portal aumentado isoladamente, secundário tanto a uma grande esplenomegalia (hipertensão porta idiopática) quanto a uma fístula esplâncnica arteriovenosa, causa hipertensão porta.

A hipertensão porta é definida por uma pressão porta maior que 5 mmHg.

Pressões algo maiores (8 a 10 mmHg) são necessárias para estimular uma colaterização portossistêmica.

Vasos colaterais se desenvolvem frequentemente onde as circulações venosas porta e sistémica estão em proximidade.

A trama colateral através das veias coronárias e gástricas curtas para a ázigos é a mais importante clinicamente, porque resulta na formação de varizes esofago-gástricas;

Outros sítios incluem a recanalização da veia umbilical através da veia porta esquerda para o sistema venoso epigástrico (caput medusae), vasos retroperitoneais colaterais e plexo venoso hemorroidário. Em adição aos vasos colaterais extra-hepáticos, uma fração importante do fluxo venoso porta passa através de derivações intra-hepáticas (capilarização dos sinusóides hepáticos), tanto anatómicos quanto fisiológicos. Como a perfusão hepática porta diminui, em geral, o fluxo arterial hepático aumenta (resposta tampão).

AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM CIRROSE

Os principais aspectos da abordagem a um paciente com doença hepática crónica, ou com uma das complicações da hipertensão porta são os seguintes:

1) diagnóstico da doença hepática subjacente;

2) estimativa da reserva hepática funcional - útil na determinação do risco associado a intervenções terapêuticas e se o tratamento definitivo (transplante hepático) ou paliativo (por exemplo, procedimento endoscópico de escleroterapia ou de derivação) está indicado

3) definição da anatomia venosa porta e avaliação hemodinâmica hepática - guia o cirurgião na seleção da operação apropriada para o controle do sangramento de varizes

4) identificação do sítio de hemorragia digestiva alta, se presente. A hemorragia secundária à hipertensão porta pode ser decorrente de varizes esofagianas, varizes gástricas ectópicas, gastropatia hipertensiva porta (GHP), ou colopatia porta; e porque uma fração significativa de pacientes com hipertensão porta sangra devido a outras lesões.


História e Exame Físico

O que sugere a hipertensão portal? Existem 3 categorias de sinais:

I) ANTECEDENTES

Deveriamos levar à inclusão da cirrose como diagnóstico diferencial num paciente com queixas constitucionais inespecíficas, como:

            1. perda ponderai
            2. mal-estar
            3. fraqueza
            4. história pregressa de alcoolismo, hepatite ou doença biliar complicada
            5. exposição a hepatoxinas

II) PRESENTES - Pistas à presença de doença hepática crónica no exame físico incluem:

    1. as telangiectasias,
    2. eritema palmar,
    3. atrofia testicular
    4. ginecomastia.
    5. Um baço palpável em associação a esses sinais sugere hipertensão porta.

III) DE DESCOMPENSAÇÃO:

A evidência confirmatória de cirrose é proporcionada por sinais de descompensação hepática funcional ou hipertensão porta avançada, como:

    1. icterícia,
    2. ascite
    3. borda hepática firme e irregular
    4. veias dilatadas na parede abdominal
    5. estado mental diminuído
    6. presença de asterixe (flap hepático).

Testes Laboratoriais

Em geral, a cirrose é acompanhada de:

  1. anemia
  2. leucopenia
  3. trombocitopenia.

A anemia pode resultar de sangramento, deficiência nutricional, hemólise ou depressão da medula óssea secundária ao alcoolismo.

Apesar de alguns pacientes com hipertensão porta terem algum grau de hiperesplenismo, é incomum encontrar uma contagem plaquetária menor que 50.000/mm3, ou uma leucometria menor que 2.000/mm3. Somada à trombocitopenia, a coagulação pode estar diminuída por um tempo prolongado de protrombina, porque muitos fatores de coagulação são sintetizados pelo fígado e por fibrinólise primária, presente em muitos pacientes com doença hepática crónica.

Um perfil bioquímico é necessário tanto para diagnóstico quanto para determinação da gravidade da cirrose. A hipoalbuminemia e/ou um INR (International Normalized Ratio - Taxa Internacional Normalizada) prolongado são habitualmente índices confiáveis de doença hepática crónica, mais que de quadro agudo.

A elevação das enzimas hepatocelulares aspartato aminotransferase (AST) e alanino aminotransferase (AAT) a níveis três vezes maiores que o normal é indicativa de necrose hepatocelular significativa em curso, a qual está quase sempre presente em pacientes com hepatite alcoólica e hepatite crónica ativa, resultante de uma variedade de causas.

A atividade aumentada da doença pode ser um importante fator de risco em pacientes operados.

Uma taxa de alanino aminotransferase para aspartato aminotransferase maior que 2 é altamente sugestiva de ter o álcool como uma causa de doença hepática. Embora o aumento moderado da fosfatase-alcalina e da gama-glutamil-transpeptidase seja inespecífico, o aumento acentuado dessas enzimas é indício de colestase intra ou extra-hepática (cirrose biliar primária e secundária).

Na ausência de transfusões sanguíneas prévias, um nível de bilirrubinas totais maior que 3 mg/100 ml é indicativo de descompensação hepática grave e de um alto risco operatório.

A sorologia para hepatite deve ser obtida na maioria dos pacientes com cirrose.

Uma fração significativa de pacientes com hepatite B e hepatite C desenvolve cirrose, enquanto a hepatite A apenas causa doença hepática aguda.

Uma das malignidades internas mais comuns em todo o mundo é o carcinoma hepatocelular, que é frequentemente secundário à infecção por hepatite B ou C.

Contudo, é habitual que esta malignidade se desenvolva em pacientes com outras causas de cirrose e, ocasionalmente, em pacientes sem doença hepática crónica. A piora da função hepática inesperada em um paciente com cirrose é regularmente o resultado do desenvolvimento de um carcinoma hepatocelular, que pode ser diagnosticado em 60% dos pacientes com um nível elevado de alfa-fetoproteína.

Todos os pacientes com um diagnóstico recente de cirrose devem ser rastreados para um carcinoma hepatocelular pela determinação do nível de alfa-fetoproteína e pela obtenção de uma tomografia computadorizada (TC) do fígado.

As anormalidades eletrolíticas comuns na cirrose são hiponatremia, hipocalemia e alcalose metabólica. Essas distúrbios metabólicas são secundárias a hiperaldosteronismo, diarreia e êmese recorrente, os quais frequentemente acompanham a cirrose.

As consequências deletérias da alcalose metabólica são um desvio da curva de dissociação da oxiemoglobina para a esquerda, o que diminui a disponibilidade de oxigénio para os tecidos, e a conversão do cloreto de amónio a amónia, o que facilita o transporte dessa toxina cerebral pela barreira hematoencefálica.

Biopsia Hepática

A biopsia hepática percutânea é uma técnica útil ao estabelecimento da causa da cirrose e ao acesso à atividade da doença hepática. A biopsia hepática percutânea não deve ser realizada quando houver coagulopatia ou ascite moderada. Nessas situações, deve ser obtida uma amostra de tecido hepático por abordagem transjugular venosa ou laparoscópica.

A biopsia hepática laparoscópica reduz a taxa de falso-negativos para o diagnóstico de cirrose, quando comparada com as técnicas de biopsia às cegas.

Medida da Reserva Hepática Funcional

A CLASSIFICAÇÃO CHILD - PUGH
FATOR
NUMERO DE PONTOS
1
2
3

Bilirrubina (mg/100 ml)

< 2
2-3
> 3

Albumina (g/100 ml)

> 3,5
2,8 - 3,5
< 2,8

Tempo de protrombina (aumento em segundos)

1-3
4-6
>6

Ascite

Sem ascite
Leve
Moderada

Encefalopatia

Não
Minima
Avançada
A 5-6 pontos
B 7-9 pontos
C 10-15 pontos

O método primordial de acesso à reserva hepática funcional é a classificação de Child, ou uma de suas modificações.

O esquema mais comumente usado é o de Child-Pugh, que inclui duas variações clínicas em adição a três índices bioquímicos. Apesar de não ser uma medida direta da reserva hepática funcional, nenhum outro teste superou este no que diz respeito à previsão do resultado operatório ou ao acesso ao prognóstico a longo prazo do paciente não operado.

O nível de bilirrubina sérica deve ser interpretado no contexto de, se houve transfusão sanguínea recente, o que pode temporariamente elevá-la sem ser indicativo de diminuição da reserva funcional hepática.

Pelo fato de muitos pacientes com sangramento agudo de varizes esofagianas apresentarem descompensação da função hepática como refletido na classe Child-Pugh, um intervalo de tratamento clínico melhora o paciente da classe C para a A ou B e é válido antes que a intervenção cirúrgica seja indicada.

A escala do modelo para Doença Hepática em Estágio Terminal (Modelfor End-Stage Liver Disease — MELD) consiste nos níveis de bilirrubina e creatinina séricos, INR, e, recentemente, descobriu-se que a etiologia da doença hepática é tão preditiva da mortalidade quanto o escore de Child-Pugh.

Medidas verdadeiras quantitativas da função hepatocelular, não estão disponíveis na maioria das instituições:

  • capacidade de eliminação da galactose
  • teste de respiração da aminopirina
  • depuração do verde de indocianina
  • depuração dos aminoácidos hepáticos

Esses testes, entretanto, podem ser indicadores valiosos da reserva hepática limitada em alguns pacientes com testes de função hepática convencionais próximos à normalidade. Agora que o transplante hepático se tornou uma opção real para vários pacientes com cirrose, uma acurada quantificação da função hepatocelular para determinar quais pacientes são candidatos a transplante se tornou cada vez mais importante.

Avaliação Hepática Hemodinâmica

Em paciente com cirrose alcoólica, e em muitas variedades de cirrose não alcoólica, a pressão portal pode ser indiretamente estimada pela medida da pressão venosa hepática encunhada (Hepatic Venous Wedge Pressure — HVWP). Como a HVWP é normal em pacientes com hipertensão porta pré-sinusoidal, a pressão porta nesses pacientes só pode ser medida diretamente por cateterização venosa transepática ou umbilical do sistema venoso porta ou por punção percutânea do baço.
A pressão porta deve ser expressa como o gradiente de pressão porta, que é a diferença entre a pressão porta e a pressão da veia cava inferior. É uma importante medida porque um gradiente excessivo de 10 mmHg é necessário à formação de varizes esofagianas e uma pressão maior que 12 mmHg é necessária para que haja sangramento das varizes.
Como a trombose venosa esplâncnica pode ser a causa da hipertensão porta, ou se desenvolver como resultado da cirrose, a anatomia venosa porta deve ser definida antes da realização da derivação portossistêmica.

Apesar de a angiografia visceral seletiva ser um método frequentemente utilizado para a visualização do sistema venoso porta e para estimativa qualitativa da perfusão hepática porta, essa abordagem relativamente invasiva está sendo atualmente substituída em muita instituições por métodos menos invasivos, como a angiografia por TC, ultra-sonografia com Doppler e ressonância nuclear magnética.

A angio-TC pode delinear a localização, o tamanho e a patência de todas as veias (p. ex., veia esplénica e veia renal esquerda) a serem utilizadas na criação de uma derivação portossistêmica. A ressonância nuclear magnética também tem sido utilizada com sucesso para a visualização da circulação venosa porta. Essa técnica é particularmente apropriada para pacientes com alergia ao contraste radiopaco.

Uma reconstrução tridimensional de uma angiografia por TC. A veia porta (PV), veia mesentérica superior (SMV), veia es­plénica e veia renal esquerda são claramente demonstradas. A pronta avaliação dessa exploração diminuiu a necessidade de técnicas mais invasivas, como a angiografia visceral.

A ultra-sonografia com Doppler é uma técnica não invasiva de acesso à patência da veia porta, direção do fluxo portal e estado de perversidade da derivação. Por não ser invasiva, a ultra-sonografia com Doppler se tornou um método-padrão na avaliação da maioria dos pacientes com doença hepática crónica, porque a direção do fluxo porta e sua velocidade podem ser diagnósticos de hipertensão porta associada. Também pode detectar ascite.

A ultra-sonografia também é útil no acesso do tamanho hepático, tamanho esplénico e presença de massas hepáticas. Também pode detectar ascite em estágios precoces (volume> 100 ml). A ultra-sonografia com Doppler tem menos acurácia em determinar a perversidade de derivações construídas cirurgicamente, a menos que não haja gás intestinal. A ultra-sonografla com Doppler também tem sido utilizada para avaliar a patência e o estreitamento de derivações portossistêmicas transjugulares intra-hepáticas (TIPS), mas tem menor acurácia que o cateterismo direto via uma abordagem venosa sistémica.

Diagnóstico de Sangramento

Na ausência de hematêmese, um cateter nasogástrico deve ser instalado para determinar se o sangramento é do trato digestivo alto. O procedimento fundamental para diagnosticar o local do sangramento digestivo alto em um paciente com hipertensão porta é a endoscopia. Antes da endoscopia, o paciente deve ser estabilizado hemodinamicamente e o estômago esvaziado de coágulos sanguíneos através da lavagem com um cateter de calibre apropriado.
O sangramento do trato digestivo alto em pacientes com hipertensão porta é causado pela própria hipertensão porta em 90% dos casos. Os 10% restantes dos pacientes sangram por Mallory-Weiss, úlceras gástricas e úlceras duodenais, todas estas mais comuns em paciente com cirrose alcoólica que na população geral. O sangramento porta hipertensivo é mais comum em varizes esofagogástricas (varizes esofagianas, 80%; varizes gástricas, 20%). As varizes gástricas mais comumente ocorrem em associação a varizes esofagianas, mas em alguns casos ocorrem separadamente.

Varizes gástricas isoladas devem levantar a suspeita de trombose da veia esplénica. O sangramento de varizes do fundo gástrico pode ser especialmente grave e estar associado a maior recidiva de sangramento e mortalidade que o sangramento de varizes esofagianas. O diagnóstico endoscópico de hemorragia de varizes pode ser estabelecido pela observação de uma variz sangrante (aproximadamente 25% dos pacientes) ou de varizes de calibre moderado a grosso e nenhuma outra lesão em paciente que recentemente teve um grande sangramento do trato gastrintestinal (perda maior que duas unidades de sangue).
As únicas causas de sangramento por hipertensão porta não originadas de varizes são GHP e, muito mais rara, colopatia porta. A frequência de GHP é desconhecida, mas é provável que seja mais comum após a erradicação das varizes por escleroterapia endoscópica ou ligadura. A GHP envolve principalmente o fundo e corpo do estômago, quando leve, e tem aparência endoscópica de uma trama reticular branca cercada de áreas eritematosas.

A forma mais grave de GHP inclui mucosa granular e pontos vermelho-cereja, e ambos indicam um alto risco de sangramento. A GHP está associada à perfusão aumentada da mucosa gástrica e reflete mais uma hiperemia que uma congestão fisiopatológica.

Em virtude do fato de as varizes e a GHP coexistirem, pode ser difícil determinar qual lesão é a responsável por um dado episódio de sangramento. Ocasionalmente, um sangramento maciço em um paciente com cirrose torna um diagnóstico endoscópico inicial impossível, caso em que a endoscopia deve ser repetida após o controle do sangramento. As varizes gástricas podem ser difíceis de serem reconhecidas endoscopicamente, mesmo em pacientes que não estão sangrando. A ultra-sonografia endoscópica é um teste diagnóstico mais sensível que a endoscopia isolada para a detecção de varizes gástricas.

HEMORRAGIA DE VARIZES

O sangramento de varizes esofagogástricas é a complicação mais ameaçadora à vida na hipertensão porta, responsável por aproximadamente um terço de todas as mortes em pacientes com cirrose. Portanto, o sangramento agudo de varizes está associado a uma taxa de mortalidade aproximada de 25% a 30%.

Cerca da metade das mortes é decorrente de sangramento não controlado. O risco de morte por sangramento é principalmente relacionado com reserva funcional hepática.

Pacientes com obstrução venosa porta extra-hepática e função hepática normal raramente morrem de sangramento de varizes, enquanto aqueles com cirrose descompensada (Child-Pugh classe C) podem ter uma taxa de mortalidade excessiva de 50%. O maior risco de ressangramento de varizes ocorre dentro dos primeiros dias após o sangramento; o risco diminui rapidamente entre estes e seis semanas após o estabelecimento da hemorragia, quando então retorna ao nível de risco pré-hemorragia.

Patogênese

As varizes do esôfago distai e estômago proximal são um componente da rede colateral que deriva o fluxo venoso porta de alta pressão para as veias gástricas direita e esquerda e veias gástricas curtas para o sistema ázigos. Menos comumente, as varizes se desenvolvem em outros locais no trato gastrintestinal, mas são menos suscetíveis à rotura nesses outros locais. As varizes esofagogástricas não sangram até que a pressão venosa porta exceda 12 mmHg e depois sangram em apenas um terço à metade dos pacientes.

A patogênese da rotura das varizes não é completamente compreendida, mas sem dúvida é multifatorial.
Polio e Groszmann divulgaram uma hipótese de rotura de varizes com base na lei de Laplace. Apesar de se observar que o tamanho das varizes, a magnitude da pressão porta e o adelgaçamento do epitélio das varizes significativamente distinguem pacientes que sangram dos que não sangram, a distância entre esses grupos é maior quando uma dessas variáveis é considerada independentemente.

A lei de Laplace afirma que a tensão na parede das varizes é diretamente relacionada com a pressão transmural e o raio da variz, e inversamente relacionada com a espessura da parede, portanto todas as três variáveis.

Pelo fato de todos esses parâmetros não poderem ser medidos clinicamente, há uma ausência de acurácia em predizer quais pacientes com varizes podem sangrar.

As três variáveis-chave preditivas de sangramento de varizes são:

  1. a classificação de Child - Pugh,
  2. o tamanho das varizes
  3. a presença e gravidade de marcas vermelhas (indicativas de adelgaçamento da parede).

Esses fatores podem ser combinados em um índex que, com precisão, pressupõe quais as varizes que sangrarão. A capacidade de pressupor o sangramento de varizes é especialmente importante quando se considera o tratamento profilático (tratamento das varizes que não tiveram sangramento anterior).

TRATAMENTO

O tratamento da hipertensão porta e do sangramento das varizes evoluiu nos últimos 100 anos. As várias modalidades de tratamento disponíveis sugerem que não há uma única terapia inteiramente satisfatória para todos os pacientes, ou todas as situações clínicas. Muitas vezes, terapias sequenciais são necessárias. Tratamentos não cirúrgicos são em geral preferíveis para pacientes com sangramento agudo, porque, com frequência, há um alto risco cirúrgico pela função hepática descompensada.

Tratamentos que são efetivos (têm baixo índice de ressangramento) e alteram minimamente a fisiologia hepática são ótimos para a prevenção à longo prazo de recidiva de sangramento.

Apenas tratamentos associados à baixa morbidade e mortalidade podem ser considerados para a profilaxia, porque muitos pacientes serão tratados sem necessidade (apenas um terço à metade dos pacientes eventualmente sangram).

1) Tratamento do Episódio de Sangramento Agudo

Pelo fato de muitos pacientes com sangramento agudo de varizes terem função hepática descompensada secundária tanto ao alcoolismo recente ou hipotensão, eles estão sob risco de intervenção cirúrgica de emergência. Adicionalmente, esses pacientes também têm outras complicações da doença hepática crónica, como encefolopatia, ascite, coagulopatia e desnutrição. Portanto, o tratamento de emergência deve ser não cirúrgico, sempre que possível.

O tratamento endoscópico (esclerose ou ligadura), que se tornou o passo principal do tratamento não cirúrgico do sangramento agudo na maioria dos grandes centros, controla a hemorragia em mais de 85% dos pacientes, permitindo um intervalo de tratamento clínico visando à melhora da função hepática, resolução da ascite e encefalopatia, e melhora nutricional antes do tratamento definitivo para a prevenção de recidiva de sangramento. A farmacoterapia pode ser iniciada em qualquer hospital, e alguns estudos sugerem que é tão eficiente quanto o tratamento endoscópico.

O tamponamento por balão, que não é usado com frequência, pode ser salvador da vida em pacientes com hemorragia exsanguinante e quando outros métodos não cirúrgicos não obtiveram sucesso. As TIPS substituíram as derivações cirúrgicas para o tratamento de sangramento agudo de varizes, quando os tratamentos farmacoterápico e endoscópico falharam no controle do sangramento. A intervenção cirúrgica de emergência, na maioria dos centros, é reservada para pacientes selecionados que não são candidatos às TIPS.

Ressuscitação e Diagnóstico

A maior prioridade do tratamento de emergência é a restauração do volume sanguíneo circulante, que deve ser realizada antes da endoscopia digestiva alta. Apesar de em geral a ressuscitação inicial ser efetuada com soluções cristalóides isotônicas, um mínimo de seis bolsas de sangue devem ser tipadas e cruzadas para a maioria dos pacientes com sangramento de varizes.

O grau do volume é acessado pela pressão venosa central, débito urinário e um cateter de Swan-Ganz na artéria pulmonar, se necessário.

Se o tempo de protrombina está prolongado em mais de três segundos, o plasma fresco congelado deve ser um componente de reposição de volume. Apesar de o hiperesplenismo moderado ser um acompanhante da hipertensão porta, as transfusões plaquetárias são apenas necessárias quando a contagem de plaquetas é menor que 50.000/mm3.
A endoscopia para determinar a causa do sangramento deve ser realizada tão logo o paciente esteja estabilizado.

Se é observada uma variz sangrante, ou suspeita por um coágulo aderido, a escleroterapia ou a ligadura elástica devem ser realizadas durante a endoscopia inicial, se disponíveis.

O sangramento de varizes gástricas ou de GHP deve ser tratado inicialmente com farmacoterapia. Pelo fato de essas lesões serem incompletamente controladas por meios não cirúrgicos, esses pacientes muitas vezes requerem inserção de TIPS ou intervenção cirúrgica precoce.
Os antibióticos profiláticos devem ser iniciados, já que as infecções são comuns em pacientes com sangramento de varizes. Eles demonstram reduzir a taxa de infecção em mais de 50%.

Farmacoterapia

A vasopressina, que é um potente vasoconstritor esplâncnico, tem sido a droga mais comumente utilizada no episódio agudo e controla a hemorragia em metade dos pacientes. Estudos de metanálise variados demonstraram ser a vasopressina mais eficiente que o placebo. A vasopressina é usualmente administrada via endovenosa, em urna dose de 20 unidades em bolus durante 20 minutos e depois como uma infusão contínua de 0,2 a 0,4 unidade/minuto. Pelo fato de a vasopressina também causar vasoconstrição nas arteríolas sistémicas, frequentemente causa hipertensão, bradicardia, diminuição do débito cardíaco e vasoconstrição coronariana. Portanto, o uso dessa droga deve ser restrito a unidades de tratamento intensivo, onde o paciente pode ser adequadamente monitorizado. Por causa dos efeitos sistémicos adversos da vasopressina, a nitroglicerina deve ser continuamente infundida em uma taxa inicial de 40 ug/minuto, que deve então ser titulada para alcançar o controle da pressão sanguínea.

A combinação de vasopressina e nitroglicerina também pode ser mais efetiva que apenas a vasopressina no controle da hemorragia de varizes.

Estudos randomizados demonstraram que a somatostatina e o seu análogo de longa duração, o octreotídio, são tão eficientes quanto o tratamento endoscópico para o controle do sangramento de varizes. Estes agentes também estão associados a menos efeitos adversos que a vasopressina. Pela sua facilidade de administração e efetividade, essas drogas recentes podem trazer a farmacoterapia a um papel mais central no tratamento do sangramento agudo da hipertensão porta, especialmente quando o tratamento endoscópico não foi eficaz (falha de tratamento endoscópico crónico, varizes gástricas e GHP). A somatostatina é administrada a 250 μg em bolus intravenoso, seguida por uma infusão contínua de 250 μg/hora por dois a quatro dias.

O octreotídio é dado em bolus intravenoso de 50 μg, seguido por uma infusão de 25 a 50 μg/hora. por um período de tempo similar. Pêlos efeitos adversos mí­nimos e fácil administração, o octreotídio é agora comumente usado como um adjuntivo à terapia endoscópica.

Tamponamento por Balão

As maiores vantagens do tamponamento por balão de Sengstaken-Blakemore são

  • cessação imediata da hemorragia, em mais de 85% dos pacientes, e
  • larga disponibilidade desse instrumento, inclusive em pequenos hospitais

As desvantagens significativas do tamponamento por balão são:

  1. recidiva de sangramento em mais de 50% dos pacientes após esvaziamento do balão,
  2. desconforto considerável do paciente
  3. alta incidência de complicações graves, quando o instrumento é utilizado por pessoas inexperientes.

As complicações potencialmente letais da perfuração esofagiana se­cundária à insuflação intra-esofágica do balão gástrico:

  • a necrose isquêmica do esôfago secundária à superinsuflacão do balão esofágico e

  • a broncoaspiração, podem ser evitadas pelo uso do tamponamento por balão apenas em unidades intensivas de tratamento e aderindo a um protocolo restrito.

Estudos controlados demonstraram que o tamponamento por balão é tão eficiente quanto a farmacoterapia e terapia endoscópica no controle do sangramento agudo de varizes.

Devido à eficácia do tratamento endoscópico e farmacoterápico para o sangramento agudo de varizes, o tamponamento por balão é pouco solicitado. Pode ser salvador, entretanto. nas hemorragias exsanguinantes que descartam o tratamento endoscópico agudo, em pacientes nos quais a escleroterapia falhou e naqueles que não responderam à farmacoterapia. Pelo fato de o esvaziamento do balão ser seguido de uma alta taxa de ressangramento, o tratamento definitivo, como terapia endoscópica, TIPS ou operação, deve ser planejado para a maioria dos pacientes em que o balão de Sengstaken-Blake-more é utilizado.

Tratamento Endoscópico

O tratamento endoscópico (esclerose de varizes ou ligadura) é a terapia mais comumente utilizada tanto para tratamento do sangramento agudo quanto para prevenção de recidiva de sangramento. No evento agudo, a escleroterapia e a ligadura elástica demonstraram ser igualmente eficientes.

Ambas as técnicas requerem endoscopista treinado e param o sangramento em 80% a 90% dos pacientes.

Tanto a técnica de injeção eslerosante no interior das varizes quanto próxima às varizes são utilizadas, e frequentemente essas duas técnicas são combinadas propositalmente, ou inadvertidamente. Os agentes esclerosantes mais comuns nos Estados Unidos são o morruato de sódio e o sulfato tetradecil de sódio.

Os sais de sódio dos ácidos graxos do óleo de fígado de bacalhau; um agente irritante e esclerótico utilizado para tratar veias varicosas e juntas artríticas.

Quando pessoas treinadas estão disponíveis, as injeções de escleroterapia iniciais podem ser realizadas durante a endoscopia na qual é feito o diagnóstico de sangramento.

É habitualmente injetada 1 a 2 ml de substância esclerosante em cada variz, logo acima da junção esofagogástrica e 5 cm proximalmente a ela. Alternativamente, cada variz pode ser ligada com um elástico de borracha.

Uma sessão de tratamento subsequente é planejada para quatro ou seis dias depois. Tratamentos endoscópicos adicionais dependem da eficácia do tratamento inicial no controle do sangramento e de se a terapia endoscópica foi selecionada como um tratamento definitivo para o paciente.

Complicações menores da escleroterapia, incluindo dor retroesternal, úlcera esofagiana e febre ocorrem com frequência.

Complicações mais graves, responsáveis pela taxa de mortalidade de 1% a 3% desse procedimento, são perfuração esofagiana, piora do sangramento das varizes e pneumonite por aspiração.

A falência do tratamento endoscópico deve ser declarada quando duas sessões falham em controlar a hemorragia. A menos que seja realizada a operação de emergência nesses pacientes, a taxa de mortalidade excede 60%.

Derivação Portossistêmica Transjugular Intra-Hepática (TIPS)

A TIPS é uma técnica que acarreta descompressão porta sem operação.

Pela complexidade do procedimento, é necessário um radiologista intervencionista experiente. O acesso é feito a um grande ramo porta intra-hepático, através da punção de uma veia hepática. É criado um trajeto parenquimatoso entre veias hepáticas e porta através de um cateter com um balão, e é inserida uma prótese expansível de metal de 10 mm criando, assim a derivação.

Em grandes séries, a taxa de sucesso das TIPS foi maior que 95%, mas a experiência com essa técnica é limitada em pacientes com sangramento agudo, que são apenas uma pequena fração dos pacientes que recebem a TIPS.

Atualmente, as TIPS não podem ser recomendadas como uma terapia inicial para a hemorragia aguda, mas devem apenas ser usadas depois que o tratamento menos invasivo, como terapia endoscópica e farmacoterapia, falhou no controle do sangramento. As TIPS são eficientes no controle do sangramento nesse cenário. A mortalidade é relacionada com o grau de função hepática.
Uma indicação clara para as TIPS é quando resta apenas um pequeno intervalo para o transplante hepático nos pacientes nos quais o tratamento endoscópico falhou. Em adição ao controle de sangramento, são vantagens nessa situação a baixa pressão porta, que torna a operação de transplante mais fácil, sendo a derivação desfeita quando o fígado do receptor é retirado.

Pacientes com descompensação funcional hepática avançada (classe C de Child), mesmo aqueles que não são candidatos a transplante, podem ser mais bem servidos pelas TIPS que por uma operação de emergência, quando abordagens menos invasivas falharam.

Estudos hemodinâmicos sugerem que a TIPS é uma derivação não seletiva, e muitos trabalhos demonstraram uma frequência similar de encefalopatia após a TIPS àquelas previamente relatadas após derivações não seletivas. Uma outra desvantagem do procedimento é que a estenose da derivação ou oclusão se desenvolve em até metade dos pacientes em até um ano após sua inserção. Contudo, essa situação pode ser controlada por intervenção angiográfica repetida.

Contra-indicações absolutas às TIPS incluem insuficiência cardíaca direita e doença policística hepática. Contra-indicações relativas ao procedimento são trombose de veia porta, tumores hepáticos hipervascularizados e encefalopatia, que pode ser piorada devido à derivação do fluxo porta.

Cirurgia de Emergência

Apesar de técnicas não cirúrgicas serem efetivas na maioria dos pacientes com sangramento agudo de varizes, a cirurgia de emergência deve ser prontamente realizada quando medidas menos invasivas falharam no controle da hemorragia ou não estão indicadas.

As situações mais comuns que requerem cirurgia de emergência ou de urgência são:

  1. falência do tratamento endoscópico agudo
  2. falência no tratamento endoscópico de longa duração
  3. hemorragia de varizes gástricas ou de GHP
  4. falência na colocação da TIPS.

Na maioria das instituições, a TIPS se tornou o tratamento preferido para o sangramento agudo de varizes, quando a farmacoterapia e o tratamento endoscópico falharam, com procedimentos cirúrgicos sendo reservados para as situações em que a TIPS não está indicada ou não está disponível.

A escolha da operação de emergência apropriada deve ser principalmente guiada pela experiência do cirurgião. A secção esofágica com um instrumento grampeador é rápida e relativamente simples, mas as taxas de recidiva de sangramento após esse procedimento são altas, e há pouca evidência de que a mortalidade operatória seja menor do que após a descompressão porta cirúrgica.

Uma operação de derivação comumente realizada no cenário de emergência é a anastomose portocava, porque rapidamente e eficientemente descomprime a circulação venosa porta. Resultados impressionantes foram alcançados por Orloff e colaboradores, mas não por outros, quando a anastomose portocava de emergência é usada como terapia de rotina para sangramento agudo de varizes; para pacientes que não estão sangrando ativamente no momento da operação e naqueles em que o sangramento é temporariamente controlado por farmacoterapia ou tamponamento por balão, uma operação mais complexa, como a anastomose esplenorrenal distai, é mais apropriada. A maior desvantagem da operação de emergência é que a taxa de mortalidade excede 25%, na maioria das séries relatadas. A mortalidade precoce pós-opera-tória é usualmente relacionada com o grau de reserva funcional hepática, mais que com o tipo de operação de emergência executada.

2) Prevenção da Recidiva de Sangramento

Depois que um paciente sangrou de varizes, a probabilidade de um episódio repetido excede 70%. Pelo fato de que muitos pacientes com sangramento de varizes têm doença hepática crónica, o desafio do tratamento a longo prazo é tanto a prevenção da recidiva de sangramento quanto a manutenção de função hepática satisfatória.

Opções disponíveis para o tratamento definitivo incluem:

  1. farmacoterapia
  2. tratamento endoscópico crónico
  3. TIPS
  4. três tipos hemodinâmicos de anastomoses cirúrgicas (não seletivos, seletivos e parciais)
  5. uma variedade de procedimentos sem anastomose
  6. transplante hepático.

O tratamento mais efetivo realizado utiliza duas ou mais dessas terapias em sequência.

Na maioria das instituições, o tratamento inicial consiste em farmacoterapia e tratamento endoscópico com descompressão porta através das TIPS, ou de uma derivação cirúrgica reservada a falências do tratamento de primeira linha.

O transplante hepático é destinado a pacientes com doença hepática em estágio avançado.

1. Farmacoterapia

A farmacoterapia para a prevenção da recidiva de sangramento de varizes foi introduzida em 1984, por Lebrec e colaboradores, que relataram que uma dose de propranolol suficiente para reduzir o débito cardíaco em 25% resultou numa frequência menor de recidiva de sangramento e prolongou a sobrevida em pacientes tendo um bom risco e com cirrose alcoólica.

O objetivo da farmacoterapia é reduzir a HVWP abaixo de 12 mmHg, um nível em que não ocorre sangramento de varizes.

A monitorização hemodinâmica invasiva desses pacientes que usam propranolol demonstrou redução mínima ou ausente da HVWP em muitos pacientes e ausência de correlação entre o decréscimo de pressão porta e redução da frequência cardíaca, que foi o parâmetro utilizado na maioria dos estudos para certificar o efeito terapêutico. Portanto, dois obstáculos ao tratamento efetivo com drogas são: variáveis de resposta à droga e ausência de um indicador de medida hemodinâmica para monitorizar o tratamento.

Uma metanálise de 11 estudos controlados de bloqueadores beta-adrenérgicos não seletivos demonstrou que esse tratamento significativamente diminui a probabilidade de recidiva de sangramento e demonstra uma tendência à mortalidade reduzida.

A combinação de um beta-bloqueador e um nitrato de longa duração (5-monitrato de isossorbida) demonstrou ser mais efetiva que a escleroterapia e ligadura elástica. A terapia combinada é provavelmente mais efetiva que o beta-bloqueador sozinho. A farmacoterapia a longo prazo deve ser utilizada apenas em pacientes que concordam e que são observados de perto por seus médicos. Apesar da abordagem atraente pela sua ausência de invasibidade, a farmacoterapia, como a terapia endoscópica, está associada a uma alta incidência de recidiva de sangramento.

2. Terapia Endoscópica

Desde o final dos anos de 1970, a terapia endoscópica crónica se tornou o tratamento mais comum para a prevenção da recidiva da hemorragia de varizes.

A popularidade crescente do tratamento endoscópico pode ser atribuída a vários fatores:

  • (1) vários gastroenterologistas e cirurgiões demonstraram desencantamento com as anastomoses;
  • (2) a terapia endoscópica é menos invasiva que a operação;
  • (3) não há efeitos hemodinâmicos adversos com a terapia endoscópica;
  • (4) o tratamento endoscópico pode ser realizado por gas-troenterogistas a quem os pacientes são inicialmente encaminhados;
  • (5) vários estudos controlados confirmaram a sua eficácia terapêutica;

O objetivo do tratamento endoscópico crónico é erradicar as varizes esofagianas. Apesar de o tempo de repetição das sessões variar entre as séries, a erradicação das varizes costuma ser atingida em aproximadamente dois terços dos pacientes.

Quando a erradicação das varizes é alcançada, a endoscopia diagnostica deve ser realizada com intervalos de seis meses a um ano, porque as varizes recidivam e podem sangrar. Alguns estudiosos notaram um aumento na frequência de sangramento de varizes gástricas e GHP após a erradicação das varizes esofagianas.
Vários estudos controlados e uma metanálise comparando a escleroterapia endoscópica com a ligadura elástica demonstrou uma vantagem significativa da última técnica. As complicações são menos frequentes após a ligadura elástica, e são necessárias menos sessões de tratamento para erradicar as varizes. Adicionalmente, o ressangramento e a taxa de mortalidade parecem ser menores após a ligadura elástica da varizes.
Vários estudos controlados, comparando terapia endoscópica crónica com o tratamento médico convencional, estão completos. Apesar de menos pacientes que receberam o tratamento endoscópico com relação ao tratamento clínico experimentarem ressangramento em todos os estudos, a recidiva de sangramento ainda ocorreu em cerca de metade dos pacientes tratados endoscopicamente.

O ressangramento é mais comum durante o primeiro ano, e a taxa de ressangramento diminui cerca de 15% ao ano após isso.

Apesar de um único episódio de ressangramento não significar falência da terapia, a hemorragia descontrolável, vários episódios maiores de ressangramento e hemorragia de varizes gástricas e de GHP, todos requerem que o tratamento endoscópico seja abandonado e substituído por outra modalidade de tratamento.

A falência do tratamento endoscópico secundário a ressangramento ocorre em até um terço dos pacientes. Então, o tratamento endoscópico crónico é um tratamento inicial racional para muitos pacientes que sangram de varizes esofagianas, mas o tratamento subsequente com a TIPS, um procedimento de derivação, uma operação sem derivação ou o transplante hepático pode ser antecipado para uma pequena percentagem dos pacientes pela sua relativamente alta taxa de falência.

Um curso de terapia endoscópica crónica não deve ser completado em pacientes que não estão de acordo e naqueles que residem a longas distâncias de unidades avançadas de tratamento médico.

Derivação Portossistêmica Transjugular Intra-Hepática


As TIPS estão sendo utilizadas como um tratamento definitivo de uma maneira crescente para pacientes que sangram de hipertensão porta.

Uma maior limitação das TIPS, entretanto, é a alta incidência (maior que 50%) de estenose ou trombose da derivação no primeiro ano. A estenose da derivação, que é habitualmente secundária à hiperplasia da neoíntima, é mais comum que a trombose e, frequentemente, pode ser resolvida por uma dilatação por balão das TIPS, ou, em alguns casos, por colocação de uma segunda prótese. A oclusão total da prótese ocorre em 10% a 15% dos pacientes. Tanto a estenose quanto a trombose da prótese são seguidas de sangramento recidivante da hipertensão portal.

Exceto por derivações de interposição protética, uma derivação criada cirurgicamente raramente falha no pósoperatório tardio. Até que a tecnologia das TIPS melhore, uma derivação cirúrgica é provavelmente preferível em pacientes que requerem descompressão porta de longo prazo.

Estudos angiográficos e ultra-sonográficos com Doppler sugerem que as TIPS, quando descomprimem eficientemente as varizes, são uma derivação não seletiva e derivam completamente o fluxo porta. Evidência clínica da não-seletividade das TIPS é sua eficiência em resolver ascites clinicamente intratáveis e a incidência razoavelmente alta de encefalopatia pós-TEPS (~ 30%).

E, ainda, todos os estudos clínicos com relação às TIPS têm um pequeno período de acompanhamento. É provável que a incidência de encefalopatia aumente com o aumento de acompanhamento dos estudos.

As TIPS foram comparadas com o tratamento endoscópico crónico em 11 estudos controlados randomizados. Menos pacientes ressangram após as TIPS (19%) que após o tratamento endoscópico (47%), mas a encefalopatia foi significativamente mais comum nos pacientes com TIPS (34%).

A disfunção das TIPS se desenvolveu em 50% dos pacientes.

A maior vantagem das TIPS é ser um procedimento não cirúrgico. Por causa disto, elas pareceriam a terapia ideal quando é desejada apenas a descompressão de curta duração.

Além do mais, pacientes candidatos a transplante hepático que falham no tratamento endoscópico e/ou farmacoterápico são mais adequadamente tratados com as TIPS seguido de transplante hepático quando um doador de órgão está disponível.
O paciente é protegido de sangramento nesse ínterim, e o procedimento de transplante é facilitado pela diminuição da hipertensão porta. Um outro grupo de pacientes em que as TIPS são vantajosas inclui aqueles com descompensação da função hepática que provavelmente não sobreviverão o suficiente para que haja um mau funcionamento das TIPS. Como ele funciona como uma derivação portossistêmica laterolateral, as TIPS também são efetivas no tratamento de ascite clinicamente intratável.

Derivações Portossistêmicas

As derivações portossistêmicas são claramente o meio mais eficiente de prevenir recidiva de sangramento em pacientes com hipertensão porta.

Esses procedimentos são eficientes porque, em algum grau, descomprimem o sistema venoso porta por realizar uma derivação entre o fluxo porta e o sistema venoso sistémico de baixa pressão.

A derivação do sangue porta, todavia, que contém hormônios hepatotrópicos, nutrientes e toxinas cerebrais, também é responsável pelas consequências adversas das operações de derivações, chamadas encefalopatias portossistêmicas e insuficiência hepática acelerada.

Dependendo de se elas descomprimem completa, compartimentai ou parcialmente a circulação venosa porta, as derivações podem ser classificadas como não seletivas, seletivas ou parciais. Em adição à descompressão das varizes, o objetivo das anastomo-ses portossistêmicas seletivas e parciais é a preservação da função hepática, portanto prevenindo ou minimizando as consequências adversas desses procedimentos.

a) Derivações Não Seletivas.

Variedades comumente utilizadas de anastomoses portocavas não seletivas, todas elas derivando completamente o fluxo porta, incluem:

  1. anastomose portocava terminolateral (fístula de Eck),
  2. a anastomose portocava laterolateral,
  3. derivações de interposição de largo calibre
  4. anastomose esplenorrenal convencional

Derivações não seletivas desviam completamente o fluxo sanguíneo porta do fígado.

A anastomose portocava terminolateral é o protótipo das derivações não seletivas e é o único procedimento de derivação que tem sido comparado ao tratamento clínico convencional, em estudos randomizados controlados.

As causas mais comuns de morte em pacientes tratados clinicamente e com anastomose foram ressangramento e insuficiência hepática acelerada, respectivamente.

Apesar de não poder ser demostrada nenhuma vantagem de sobrevida em pacientes com derivação, todos esses estudos tiveram um viés a favor dos pacientes tratados clinicamente, muitos deles receberam uma derivação quando desenvolveram recidiva de hemorragia de varizes intratável. Ainda mais, quase todos os pacientes dos estudos tinham cirrose alcoólica; portanto, esses resultados não se aplicam, necessariamente, a outras causas de hipertensão porta.

Outros achados importantes desses estudos randomizados incluem

  • segurança no controle do sangramento dos pacientes com derivação,
  • ressangramento de varizes em mais de 70% dos pacientes tratados clinicamente
  • encefalopatia espontânea muitas vezes grave, em 20% a 40% dos pacientes com derivação

Todas as outras derivações não seletivas mantêm a continuidade da veia porta, entretanto conectando os sistemas venosos porta e sistémico de uma maneira laterolateral. Portanto, esses procedimentos descomprimem tanto a circulação venosa esplâncnica como a trama sinusoidal intra-hepática.

1. derivações latero-laterais:

Porque o fígado e o intestino são ambos contribuintes importantes à formação de ascite, as derivações portossistêmicas laterolaterais são os procedimentos de derivação mais eficientes para o alívio da ascite, bem como para a eficaz prevenção de recidiva de sangramento de varizes. Pelo fato de eles derivarem completamente o fluxo porta, como a anastomose portocava terminolateral, portanto, derivações terminoterminais também aceleram a insuficiência hepática e levam a frequente encefalopatia pós-anastomose.

2. derivações de interposição de longo calibre

Enxertos sintéticos ou veia autógena podem ser interpostos às circulações venosa porta e sistémica, numa variedade de localizações . A maior desvantagem das derivações de interposição protética é uma alta taxa de trombose do enxerto, que atinge 35% durante o intervalo tardio de pós-operatório. Esse problema pode ser evitado com o uso de veia autógena (veia jugular interna), em vez do enxerto protético. Por outro lado, as vantagens dessas derivações são que são relativamente fáceis de serem executadas; o hilo hepático é evitado, portanto, tornando o subsequente transplante hepático menos complicado; e eles podem ser facilmente ocluídos, caso surja encefalopatia pós derivação intratável.

A anastomose esplenorrenal convencional consiste na anastomose da veia esplénica proximal à veia renal. A esplenectomia também é realizada. Pelo fato de a boca proximal estreita ser usada, em vez da boca distal mais larga da veia esplénica, a trombose da derivação é mais comum após esse procedimento que após a anastomose esplenorrenal distal.

Apesar de estudos recentes notarem que a encefalopatia pós-derivação foi menos comum após a anastomose esplenorrenal convencional que após a anastomose portocava, análises subsequentes sugeriram que essa baixa frequência de encefalopatia foi provavelmente o resultado da restauração da perfusão hepática porta após a derivação, depois que a trombose da anastomose se desenvolveu em muitos pacientes.

Uma anastomose esplenorrenal convencional que é de calibre suficiente para permanecer patente gradualmente se dilata e, às vezes, causa descompressão porta completa e derivação do fluxo porta.

Uma vantagem do procedimento é que o hiperesplenismo é eliminado através da esplenectomia. A trombocitopenia e a leucopenia acompanham a hipertensão porta; entretanto, são raramente significativas clinicamente, tornando a esplenectomia um procedimento desnecessário na maioria dos pacientes.

Resumindo, as derivações não seletivas descomprimem efetivamente as varizes. Pela completa derivação do fluxo porta, entretanto, eles são complicados com frequência por encefalopatia pós-operatória e insuficiência hepática acelerada. Anastomoses laterolaterais não seletivas aliviam eficientemente a ascite e previnem hemorragia de varizes. Atualmente, as únicas indicações para as derivações não seletivas são casos de emergência, quando todos os meios não cirúrgicos de controle do sangramento falharam, em pacientes com sangramento de varizes associado à ascite intratável clinicamente, e como uma ponte para o transplante hepático em pacientes nos quais o sangramento não é controlado por tratamento endoscópico ou UPS.

b) Derivações Seletivas.

As falhas clínicas e hemodinâmicas das derivações não seletivas estimularam o desenvolvimento do conceito de descompressão seletiva das varizes.

A anastomose da veia gástrica esquerda à cava.

Esse procedimento consiste na interposição de um enxerto venoso entre a veia gástrica esquerda (coronária) e veia cava inferior, e, portanto, descomprime diretamente e seletivamente as varizes esofagogástricas. Contudo, somente poucos pacientes com hipertensão porta possuem anatomia apropriada para esse procedimento; a experiência com ele está limitada ao Japão, e não há relato de estudos controlados.

A anastomose esplenorrenal distal

Consiste na anastomose da veia esplénica em sua porção distal à veia renal esquerda e interrupção de todos os vasos colaterais, como as veias coronárias e gastroepiplóicas, conectando os componentes mesentérico superior e gastroesplênico da circulação venosa esplâncnica.

Isso resulta na separação da circulação venosa portal em um circuito venoso gastroesplênico descomprimido e em um sistema mesentérico superior de alta pressão que continua a perfundir o fígado. Apesar de o procedimento ser tecnicamente exigente, pode ser dominado pela maioria dos cirurgiões bem treinados, que são conhecedores dos princípios da operação vascular.

Nem todos os pacientes são candidatos à anastomose esplenorrenal distai.

Como a hipertensão sinusoidal e mesentérica são mantidas e importantes vias linfáticas são seccionadas, durante a dissecção da veia renal esquerda, a anastomose esplenorrenal distai tende a agravar a ascite em vez de melhorá-la.

Ainda mais, pacientes com ascite clinicamente intratável não devem ser submetidos a esse procedimento. Entretanto, a grande população de pacientes que desenvolve ascite transitória após tratamento de sangramento de varizes é candidata a uma derivação seletiva.

Outra contra-indicação à anastomose esplenorrenal distai é a esplenectomia prévia.

Um diâmetro de veia esplénica menor que 7 mm é uma contra-indicação relativa ao procedimento pela incidência alta de trombose, quando se usa uma veia de calibre reduzido.

Apesar de a descompressão seletiva das varizes ser um conceito fisiológico, a anastomose esplenorrenal distai permanece controversa após uma experiência clínica externa de mais de 35 anos.

As questões-chave que dizem respeito a esse procedimento são:

  1. Quão efetivo ele é na preservação da perfusão hepática porta ?
  2. Ele é superior às derivações não seletivas, no que diz respeito à duração ou qualidade de sobrevida ?

Apesar de a anastomose esplenorrenal distal resultar em preservação do fluxo porta, em mais de 85% dos pacientes durante o intervalo de pós-operatório inicial, o sistema venoso mesentérico de alta pressão colateraliza aos poucos para uma derivação de baixa pressão, resultando em perda do fluxo portal em aproximadamente metade dos pacientes dentro de um ano.

O grau e a duração da preservação do fluxo porta dependem tanto da causa da hipertensão porta quanto dos detalhes técnicos da operação (extensão pela qual a circulação venosa mesentérica e gastroesplênica estão separadas).

O fluxo porta é mantido na maioria dos pacientes com cirrose não alcoólica e hipertensão porta não cirrótica (p. ex., trombose da veia porta). Em contraste, o fluxo porta rapidamente se colateraliza para a derivação em pacientes com cirrose alcoólica.

A modificação da anastomose esplenorrenal distal com ligadura da veia coronária, proposital ou por omissão técnica, resulta em perda precoce do fluxo porta.

Mesmo quando todos os maiores vasos colaterais são interrompidos, o fluxo porta pode gradualmente ser derivado através de um circuito colateral pancreático (sifão pancreático).

Este caminho pode ser desencorajado pela dissecção de toda a extensão da veia esplénica do pâncreas (desconexão esplenopancreática), o que resulta em melhor preservação da perfusão hepática porta, especialmente em pacientes com cirrose alcoólica.

Entretanto, esta extensão do procedimento torna-o tecnicamente mais desafiador, o que pode ser uma desvantagem significativa em uma era em que menos anastomoses estão sendo realizadas por causa do aumento do uso da terapia endoscópica, TIPS e transplante hepático.


Muito poucas informações estão disponíveis no que diz respeito à derivação seletiva na cirrose não alcoólica e na hipertensão portal não alcoólica. Pelo fato de a perfusão hepática portal ser mais bem preservada após a anastomose esplenorrenal distai nessas categorias de doença, melhores resultados deveriam ser esperados.
Em uma comparação não randomizada com as TIPS:

  1. a anastomose esplenorrenal distai teve taxas menores de ressangramento, encefalopatia e trombose da anastomose
  2. a ascite é menos prevalente após as TIPS.


c) Derivações Parciais.

Os objetivos das derivações parciais e seletivas são os mesmos:

  • (1) descompressão efetiva das varizes
  • (2) preservação da perfusão hepática porta
  • (3) manutenção de alguma hipertensão porta residual

As tentativas iniciais de derivação parcial consistiram em uma anastomose veia-veia de pequeno calibre, mas estas geralmente trombosavam ou dilatavam com o tempo, portanto se tornando derivações não seletivas.
Mais recentemente, foi descrita uma interposição portocava de pequeno calibre, usando um enxerto de politetrafluoroetileno, combinado a uma ligadura da veia coronária e certos vasos colaterais.

Quando o enxerto protético é de 10 mm ou menos de diâmetro a perfusão hepática é preservada na maioria dos pacientes, pelo menos durante o intervalo pós-operatório precoce.

A experiência recente com esta prótese de pequeno calibre é que menos de 15% das anastomoses trombosaram, e a maioria foi permeada com sucesso por técnicas radiológicas intervencionistas. Um estudo prospectivo randomizado de anastomoses portocava de interposição parciais (8 mm de diâmetro) e não seletiva (16 mm de diâmetro) demonstrou uma frequência menor de encefalopatia, após a derivação parcial, mas a sobrevida foi semelhante após ambos os tipos de derivações.


d) Operações Não Derivativas

Os objetivos dos procedimentos não derivativos são tanto a ablação de varizes como, mais comumente, a interrupção extensa de vasos colaterais que ligam o sistema venoso porta de alta pressão às varizes. Uma exceção é a esplenectomia, que é eficiente em hipertensão porta esquerda causada por trombose da veia esplénica.
A operação não derivativa mais comum é a transecção e reanastomose do esôfago distai com um grampeador. Essa operação, que tem sido utilizada de emergência, é quase sempre seguida de recidiva da hemorragia.

A operação não derivativa mais eficiente é a desvascularização esofagogástrica extensa associada à transecção esofágica e esplenectomia.

O procedimento de Sugiura secciona as veias coronária e paraesofagianas para manter uma via colateral portossistêmica e então desencorajar o ressurgimento de varizes.

No Japão, os resultados dessa operação têm sido excelentes, com taxas de ressangramento menores que 10%. Procedimentos de desvascularização extensos, entretanto, têm tido menos sucesso em pacientes norte-americanos com cirrose alcoólica.

O acompanhamento a longo prazo, em estudos americanos, revela taxas de ressangramento de 35% a 55%, que são similares à experiência com o tratamento endoscópico. Em muitos centros, o procedimento de desvascularização esofagogástrica é utilizado principalmente em pacientes não candidatos à derivação, com trombose venosa esplâcnica difusa e em pacientes com trombose de anastomose esple-norrenal distai.

Transplante Hepático

O transplante hepático não é um tratamento para o sangramento de varizes, per se, melhor que isso, precisa ser considerado para todos os pacientes que se apresentam com insuficiência hepática em estágio avançado, acompanhada ou não de sangramento.

O transplante para pacientes que sangraram secundariamente à hipertensão porta é a única terapia que se dirige à doença hepática subjacente e, em adição, proporciona a descompressão hepática confiável. Devido a fatores económicos e a um número limitado de doadores, o transplante hepático não está disponível para todos os pacientes. Adicionalmente, o transplante não está indicado a algumas das causas mais comuns de sangramento de varizes, tais como, esquistossomose (função hepática normal) e alcoolismo ativo (não-aderência).

Há evidências cumulativas de que os pacientes que sangram de varizes com reserva funcional hepática bem compensada (Child A e B+) são tratados por estratégias outras que não o transplante inicial. O tratamento de primeira linha para esses pacientes deve ser a terapia farmacológica e endoscópica, e com a descompressão porta através de uma derivação cirúrgica e TIPS reservada àqueles que falharam ao tratamento de primeira linha e a circunstâncias nas quais a terapia farmacológica ou endoscópica fosse arriscada (p. ex.. pacientes com varizes gástricas e aqueles que estão geograficamente distantes de unidades médicas terciárias).

Pacientes com sangramento de varizes que são candidatos a transplante incluem aqueles com:

  1. cirrose não-alcoólica
  2. cirrose alcoólica abstêmios
      • com reserva funcional hepática limitada (Child B e C)
      • com falta de qualidade de vida secundária à sua doença (p. ex., encefalopatia, fadiga ou dor óssea).

Nesses pacientes, a hemorragia aguda deve ser tratada por meio de tratamento endoscópico, e a candidatura do paciente ao transplante hepático deve ser imediatamente firmada. Se a escleroterapia não é efetiva, as TIPS devem ser inseridas como uma pequena ponte de intervalo de tempo para o transplante.

Se não é realizada uma operação de transplante, inicialmente (p. ex., derivações), esses pacientes devem ser meticulosamente avaliados com intervalos de seis meses a um ano.

O transplante hepático deve ser considerado quando surgirem outras complicações da cirrose ou quando a descompensação funcional hepática é evidente, seja clinicamente ou por avaliação cuidadosa de testes quantitativos da função hepática
ALGARISMO DE TRATAMENTO

Os pacientes são primeiramente agrupados de acordo com a sua candidatura ao transplante.

A divisão tem por base vários fatores:

  1. etiologia da hipertensão porta
  2. abstinência nos pacientes com cirrose alcoólica
  3. presença ou ausência de outras doenças
  4. idade fisiológica mais que a idade cronológica.

Os candidatos ao transplante, tanto com função hepática descompensada quanto com pobre qualidade de vida secundária à sua doença hepática, devem ser submetidos a transplante o quanto antes.

A maioria dos candidatos ou não-candidatos a transplante futuro devem ser submetidos inicialmente a tratamento endoscópico e/ou farmacoterápico, a menos que sangrem de varizes gástricas ou de GHP, ou residam em locais remotos e tenham acesso limitado a atendimento de emergência terciário. Pacientes que moram distante e que falham à terapia endoscópica e medicamentosa devem receber uma derivação seletiva se preencherem os critérios para a operação. Se as TIPS podem ser eficazes nesse caso ainda está sob investigação. Pacientes com ascite clinicamente intratável associada a sangramento de varizes são mais adequadamente tratados com as TIPS ou com uma derivação portossistêmica laterolateral. Se as TIPS eventualmente falharem, pode ser realizada uma anastomose laterolateral em pacientes com reserva hepática razoável que não são candidatos a transplante. AS TIPS estão claramente indicadas para pacientes com falência ao tratamento endoscópico que podem requerer o transplante num futuro próximo e para pacientes não candidatos a transplante com grande agravamento da função hepática. Futuros candidatos a transplante devem ser monitorados cuidadosamente para que sejam transplantados num tempo apropriado antes que tenham risco cirúrgico incompatível.

Prevenção da Hemorragia Inicial por Varizes (Tratamento Profilático)

A razão para se tratar os pacientes com varizes antes que eles sangrem é a alta taxa de mortalidade associada ao episódio inicial.

Apenas um terço dos pacientes com varizes eventualmente sangra, por isso a menos que aqueles com potencial de sangramento sejam mais fidedignamente reconhecidos, cerca de dois terços dos pacientes submetidos a tratamento profilático serão tratados sem necessidade.

O maior impulso à reconsideração da terapia profilática foi o desenvolvimento de tratamentos relativamente não invasivos (terapia endoscópica e farmacoterapia), que poderiam ser associados a uma menor morbidade que os procedimentos cirúrgicos maiores, e o desenvolvimento de melhores métodos para identificar as varizes suscetíveis sangramento.

O tratamento endoscópico, entretanto, pode ser indicado para a profilaxia, porque estudos controlados não demonstraram benefício consistente, e alguns revelaram uma taxa de ressangramento maior no grupo com escleroterapia que nos grupos-controles tratados clinicamente".

Em contrapartida, a maioria dos estudos que usaram o beta-bloqueador como tratamento profilático teve uma incidência reduzida de hemorragia de varizes inicial nos pacientes tratados. Em muitos desses estudos, a taxa decrescente de sangramento no grupo tratado foi estatisticamente significativa, e, em um estudo, a sobrevida foi prolongada nos pacientes que receberam beta-bloqueador.

Como o beta-bloqueador foi associado a menos efeitos colaterais, ele pode ser recomendado com segurança a pacientes com varizes que nunca sangraram. A experiência com as TIPS como um procedimento profilático é limitada.

ASCITE E SINDROME HEPATORRENAL

A ascite é frequentemente um indicativo de cirrose avançada e está associada a taxa de sobrevida em um ano de aproximadamente 50%, comparada com a sobrevida em um ano de mais de 90% para pacientes com cirrose sem ascite.

Pacientes com ascite refratária a tratamento clínico, os que desenvolvem peritonite bacteriana espontânea e os que evoluem para síndrome hepatorrenal têm um prognóstico particularmente sombrio.

A ascite da hipertensão portal inicia-se por alterações hemodinâmicas hepáticas e esplâncnicas, que causam transudação de fluido para o espaço intersticial.

Quando a taxa de formação de fluido para o espaço intersticial excede a capacidade de drenagem linfática, a ascite se acumula. Esse processo fisiopatológico resulta em um déficit de volume intravascular, que inicia mecanismos compensatórios, como a secreção de aldosterona para compensar o volume plasmático. Tanto o fígado quanto o intestino são sítios importantes de formação de ascite, e ascite clinicamente significativa é rara em pacientes com hipertensão portal extra-hepática.

A hipoalbuminemia, que com frequência acompanha essa doença hepática crónica avançada, também pode contribuir para a formação de ascite.

Já que a retenção ávida de sódio pêlos rins é um dos mecanismos-chave para o desenvolvimento da ascite, um objetivo central do tratamento é atingir um balanço de sódio negativo.

Uma pequena percentagem de pacientes com ascite pode ser efetivamente tratada por meio de restrição dietética de sal e repouso apenas.

Mais comumente, a terapia diurética é necessária e irá resolver essa complicação da hipertensão porta em mais de 90% dos pacientes.

Já que o hiperaldosteronismo secundário é um mecanismo patogênico fundamental na formação de ascite, um diurético racional de primeira linha é a espironolactona.

Uma combinação de restrição de sódio (2 g/dia) e espironolactona, em uma dose de 100 a 400 mg/dia, resulta em uma diurese efetiva em cerca de dois terços dos pacientes.

Estudos clínicos demonstraram que a espironolactona sozinha é tão efetiva quanto a combinação de espironolactona e furosemida. Entretanto, a terapia combinada de diuréticos pode ser associada a complicações significativas, já que pode levar à redução do volume intravascular e, potencialmente, à disfunção renal. Os valores dos eletrolitos séricos, da ureia e da creatinina devem ser seguidos de perto nos pacientes com diuréticos, que devem ser interrompidos se surgir azotemia.

Como uma orientação geral, pacientes com ocorrência recente de ascite, quase imperceptível ao exame físico, devem ser incluídos apenas na restrição de sal.

Entretanto, pacientes com ascite mais avançada ou tensa em geral requerem a combinação de restrição de sal e terapia diurética.

A dose inicial de espironolactona preferida é de 100 mg/dia, e esta pode ser aumentada a uma dose máxima de 400 mg/dia até que seja alcançada a diurese desejada.

Se o tratamento com a espironolactona sozinha é ineficaz, ou resulta em hipercalemia, a furosemida, em uma dose inicial de 40 mg/dia, deve ser adicionada ao esquema. Durante a diurese, o peso corporal deve ser cuidadosamente monitorizado e não permitido que caia mais que 500 g/dia em pacientes apenas com ascite, sem edema periférico. Uma diurese mais agressiva usualmente resulta numa contração do volume intravascular e azotemia.

Cerca de 5% a 10% dos pacientes com ascite são refratários ao tratamento clínico e requerem medidas mais agressivas.

Os dois principais tópicos da terapia nesse grupo são a paracentese de grande volume, combinada com a administração intravenosa de albumina e TIPS.

Como isso pode ser realizado no paciente ambulatorial e é pouco invasivo, o tratamento inicial geralmente preferido para pacientes com ascite refratária a tratamento clínico é a paracentese de grande volume associada à infusão intravenosa de albumina, numa dose de 6 a 8 g de ascite retirada.

As TIPS, que são mais eficientes no controle a longo prazo da ascite que a paracentese de grande volume, devem ser utilizadas nos pacientes que requerem paracenteses frequentes no tratamento de sua ascite.

Após a paracentese de grande volume, a ascite é menos provável de retornar nos pacientes tratados com espironolactona que naqueles sem um diurético.

Estudos controlados demonstram uma resolução da ascite, parcial ou completa, após colocação das TIPS, em mais de 80% dos pacientes com ascite clinicamente intratável.

Como nos pacientes tratados com TIPS para sangramento de varizes, as maiores desvantagens desse tratamento são uma taxa razoavelmente alta de encefalopatia e uma disfunção eventual das TIPS, na maioria dos pacientes.

Apesar de inicialmente efetiva na maioria dos pacientes, uma derivação peritonio-venosa cirurgicamente colocada raramente é utilizada no tratamento da ascite clinicamente refratária, por causa das suas complicações associadas, como oclusão, infecção e coagulação intravascular disseminada.

Adicionalmente, estudos controlados demonstraram que essa operação relativamente simples, que pode ser realizada com anestesia local, não é mais eficiente que o tratamento clínico em prolongar a sobrevida do paciente. Uma derivação porta laterolateral construída cirurgicamente também é eficaz em aliviar a ascite. Entretanto, por causa da sua morbidade e mortalidade associadas, essas operações não são realizadas com frequência e deveriam ser reservadas apenas para pacientes ascíticos que sangraram de varizes esofagogástricas e naqueles em que as TIPS não estão indicadas ou falharam.

Pacientes cirróticos com ascite que desenvolvem febre, tensão abdominal e piora da função hepática e/ou renal devem ser submetidos a paracentese diagnostica, para afastar peritonite bacteriana espontânea.

Essa complicação da ascite está associada a uma taxa de mortalidade de aproximadamente 25% por episódio.

O diagnóstico é feito através de um fluido ascítico com contagem de leucócitos maior que 250/mm3, ou de uma cultura positiva da ascite.

Os microorganismos que mais comumente causam a peritonite bacteriana espontânea são bactérias aeróbias gram-negativas que advêm do intestino através de translocação bacteriana.

Antes que os resultados de cultura estejam disponíveis, a terapia antibiótica deve ser iniciada quando se suspeita de peritonite bacteriana espontânea.

Um curso de cinco a dez dias tanto de cefotaxime quanto de uma combinação de amoxicilina e ácido clavulânico demonstrou ser um tratamento eficaz. Já que a peritonite bacteriana espontânea recidiva em mais de 70% dos pacientes, a terapia profilática com norfloxacina oral deve ser iniciada tão logo a terapia intravenosa esteja completa e continuada até que a ascite esteja resolvida.

Outra complicação ameaçadora da hipertensão porta é a síndrome hepatorrenal, que se desenvolve quase exclusivamente em pacientes com ascite tensa e declínio da função hepática. Quando a insuficiência renal é rapidamente progressiva, o prognóstico é pior, com uma sobrevida média de aproximadamente duas semanas. Em outros pacientes, a insuficiência renal se desenvolve mais gradativamente e o prognóstico é um pouco melhor. O único tratamento confiável para a síndrome hepatorrenal é o transplante hepático. Pelo fato de a insuficiência renal ser funcional mais que estrutural, uma vez que a função hepática é melhorada e a hipertensão porta aliviada, os rins melhoram. Um pequeno número de estudos sugeriu que a função renal pode melhorar em pacientes com síndrome hepatorrenal após a inserção de uma TIPS. Entretanto, nesse cenário, a UPS deve ser reservada como uma ponte para o transplante hepático em um futuro próximo.

ENCEFALOPATIA

A encefalopatia é uma síndrome psiconeural que pode ter uma variedade de manifestações, inclusive:

  1. alterações do nível de consciência,
  2. queda intelectual,
  3. mudança de personalidade
  4. achados neurais, como flapping e asterixe

Apesar de a patogênese dessas alterações não estar clara, elas ocorrem em pacientes tanto com disfunção hepatocelular significativa quanto com derivação portossistêmica.

As derivações podem ser congénitas, formadas espontaneamente, secundárias a uma hipertensão porta ou construídas cirurgicamente ou radiologicamente (TIPS).

A relação mais comum para o desenvolvimento de encefalopatia é em pacientes cirróticos que se submetem a um procedimento de derivação. Derivações não seletivas, como a anastomose portocava e as TIPS, são frequentemente seguidas de encefalopatia (20% a 40% dos pacientes), enquanto essa complicação é menos comum em pacientes que receberam uma derivação seletiva, como a derivação esplenorrenal distai.

A maioria das teorias da patogênese da encefalopatia é fundamentada nas toxinas cerebrais circulantes, que são absorvidas pelo intestino e fazem uma derivação do fígado, através da anastomose, ou falham na sua inativação pela capacidade hepática metabólica diminuída.

As toxinas cerebrais presumíveis incluem

  1. a amónia,
  2. mercaptanos
  3. ácido gamma-aminobutírico (GABA).

A hipótese do falso neurotransmissor, com base na alta taxa de aminoácidos aromáticos de cadeias ramificadas, presentes no sangue de pacientes com doença hepática crónica, também foi proposta para explicar os distúrbios psiconeurais observados. É quase certo que a síndrome é multifatorial, com a maioria das evidências demonstrando que a amónia é a principal toxina cerebral. Entretanto, a gravidade da encefalopatia não se correlaciona diretamente com o nível de amónia sanguínea.

A encefalopatia se desenvolve espontaneamente em menos de 10% dos pacientes, e esta forma de síndrome é quase inteiramente restrita àqueles pacientes submetidos a um procedimento de derivação.

Mais comumente, um ou mais dos seguintes fatores precipitantes induz a síndrome:

  1. hemorragia gastrintestinal
  2. diurese excessiva
  3. azotemia
  4. constipação
  5. sedativos
  6. infecção
  7. excesso de proteína alimentar

ESTADIAMENTO CLÍNICO DA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA

GRAU
QUADRO CLÍNICO
I

Inversão do sono, alterações da personalidade, perda de memória, desorientação tempo/espaço, adinamia, faetor hepaticus, flapping e alterações da escrita

II

Crise convulsiva, disartria, incontinência esfincteriana, excitação psicomotora, flapping intenso e faetor hepaticus marcante

III

Flutuação do nível de consciência, confusão mental, torpor e crise convulsiva

IV

Estado profundo de inconsciência, ausência de resposta aos estímulos e posição de descerebração

De fato. quando a encefalopatia se desenvolve em um paciente cirrótico que estava estável, o sangramento gastrintestinal ou a infecção súbita devem ser suspeitados. A maioria dos fatores precipitantes causa aumento da ureia sanguínea.

Fundamental ao tratamento da encefalopatia é identificar e depois eliminar quaisquer fatores precipitantes.

  1. proteína dietética deve ser restringida,
  2. infecções devem ser tratadas,
  3. todos os sedativos devem ser interrompidos
  4. laxativos intestinais, administrados.

As medidas gerais do tratamento da encefalopatia hepática são:

  • Dieta livre de proteínas de origem animal;
  • Suspensão do diurético e correção hidroeletrolítica;
    Phosfoenema VR 12/12h;
    Lactulona 20ml por SNG 6/6h;
    Gentamicina 80 mg por SNG 8/8h ou metronidazol 500mg por SNG 8/8h;
    Oferta de calorias (2.000 a 2.500 calorias/dia), em forma de solução glicosada parenteral.

A maioria dos episódios de encefalopatia é de manifestação aguda e se desenvolve em um período de horas a dias.

Esses episódios podem primeiro se apresentar como uma mudança súbita da personalidade e distúrbios do sono.

Com a progressão da encefalopatia, a desorientação, a fala desarticulada, a confusão e, eventualmente, o coma podem se desenvolver.

O tremor de flapping está comumente presente e representa uma inabilidade de manter ativamente a postura ou posição. Nem o asterixe nem as manifestações psiconeurais dessa síndrome são específicos de encefalopatia portossistêmica e podem estar presentes em outro tipos de disfunção metabólica, como na insuficiência renal.

Quase todos os casos de encefalopatia aguda são induzidos por um ou mais fatores precipitantes, que devem ser identificados e eliminados. A encefalopatia crónica é bem menos frequente que a aguda e em geral ocorre em pacientes tanto com anastomose portossistêmica não seletiva quanto com TIPS.

O tratamento famacológico da encefalopatia está indicado para pacientes com sintomas crónicos, intermitentes, e para aqueles com distúrbios agudos psiconeurais persistentes, a despeito da eliminação dos fatores precipitantes.

As únicas drogas com efetividade comprovada são:

  1. a neomicina, um antibiótico pobremente absorvido que suprime as bactérias urease-positivas;
  2. a lactulose, um dissacarídio não absorvível que acidifica o conteúdo colônico e também tem efeito laxativo.

Um mecanismo de ação de ambas as drogas é um decréscimo na quantidade intestinal de amónia e inibição da sua absorção.

Os episódios agudos de encefalopatia podem ser tratados com igual eficácia com neomicina e com lactulose. A neomicina deve ser administrada oralmente, em uma dose de 1,5 g a cada seis horas.

No evento agudo, a lactulose deve ser dada em uma dose de 30 g a cada uma ou duas horas, até que o efeito laxativo seja notado.

O paciente deve ser mantido com 20 a 30 g de lactulose, duas a quatro vezes ao dia, ou quando necessário, para que os resultados sejam dois episódios evacuatórios diários.

Pacientes comatosos podem ser tratados com enema de lactulose. A lactulose é o fator principal da terapia para a encefalopatia crónica, porque o uso a longo prazo da neomicina pode causar nefrotoxicidade ou ototoxicidade em alguns pacientes.

A restrição proteica também é um componente do regime terapêutico.

O paciente comatoso deve ser inicialmente tratado exclusivamente com suplementos de glicose, como soluções intravenosas.

À medida que a encefalopatia abranda, devem ser administrados 0,5 a 1,2 g/kg ao dia de aminoácidos ou proteínas. Quando a dieta oral é introduzida, deve inicialmente consistir de 40 a 60 g/dia de proteína, a qual pode ser gradualmente aumentada até uma dose de manutenção de 60 a 80 g/dia.

Terapias não comprovadas para a encefalopatia incluem a administração enteral ou parenteral de aminoácidos de cadeia ramificada e da droga flumazenil, um antagonista seletivo dos receptores benzodiazepínicos. Nenhum desses tratamentos foi definitivamente estabelecido em estudos controlados randomizados.
Procedimentos intervencionistas e a operação melhoram a faição cerebral em alguns pacientes com encefalopatia pela interrumpção de uma anastomose portossistêmica cirúrgica, ou de uma TIPS. Do mesmo modo, em casos isolados, a oclusão de uma grande colateral portossistêmica, como a veia coronária. reverteu a encefalopatia após a anastomose esplenorrenal distal. Apesar de tanto a colectomia total quanto a exclusão colônica resolverem a encefalopatia em alguns pacientes, as altas taxas de morbidade e mortalidade após essas operações, em pacientes com doença hepática descompensada, impedram o seu uso em larga escala.

FONTE: http://www.misodor.com/HIPERTENSAO%20PORTAL.php