ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE


CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR EM SAÚDE
GERSON DE SOUZA SANTOS
Enfermeiro Especialista em Saúde Coletiva - Mestrando em Enfermagem
ÁLVARO DA SILVA SANTOS Enfermeiro Sanitarista. Doutor em Ciências Sociais, Coordenador do Curso de Pós-graduação de Enfermagem em Saúde Coletiva – UNINOVE.

A declaração de direitos que compõe a atual Carta Magna Brasileira é caracterizada como um dos mais avançados textos constitucionais do mundo, particularmente no que se refere ao conjunto de direitos sociais promulgados, e sobretudo quanto aos direitos no campo da saúde. Este trabalho aborda questões referentes ao controle social e saúde e participação popular em saúde, apresentando uma revisão da literatura, baseando-se em opiniões de autores em relação ao tema. Descritores: Controle social, Participação popular The bill of rights that composes the current Brazilian Great Letter is characterized as one of the most advanced constitucional texts of the world, particularly as for the set of promulgated social rights, and over all to the rights in the field of the health. This work approaches referring questions to the social control in health and popular participation in health, presentig a revision of literature, being based on opinions of authors in relation to the subject. Descritors: Social control, Popular participation in health Introdução Até o final da década de 1970, não se falava em controle social por uma razão óbvia: autoritarismo e participação popular são termos antagônicos. Somente com o início do processo de redemocratização do país, a partir do fim do governo militar na década de 1980, é que a expressão “controle sócia e participação popular” passaram a ser aclamadas. Sabemos que o controle social pressupõe um avanço na construção de uma sociedade democrática o que determina alterações profundas nas formas de relação do Estado com o cidadão. Através da reforma e modernização do aparelho do Estado é possível se criar mecanismos capazes de viabilizarem a integração dos cidadãos no processo de definição, implementação e avaliação da ação pública. No decorrer dos últimos anos, as comunidades vem se organizando através de conselhos municipais e comitês populares que abrangem os mais diversos setores da sociedade, quais sejam: transporte coletivo, saúde, e participação na gestão do orçamento municipal, deixando para o Poder Público apenas a função de mediar e fiscalizar as relações entre o público e o privado a fim de garantir meios de proporcionar uma melhor qualidade de vida da população. Um exemplo positivo de controle social e que vem sendo ampliado a cada ano é o que envolve o Orçamento Participativo. A participação popular na elaboração do Orçamento Municipal de inúmeras cidades vêm demonstrando ser esta uma forma mais democrática de decidir sobre a aplicabilidade dos recursos públicos em benefício da maioria. Informações são recolhidas, trocam-se experiências, realizam-se pesquisas, congressos e eventos participativos para que se promova uma maior isonomia na distribuição de bens e serviços. Revisão da Literatura Segundo a definição proposta pela Conferência Nacional de Saúde, controle social é a capacidade que tem a sociedade organizada de intervir nas políticas públicas, interagindo com o Estado para o estabelecimento de suas necessidades e interesses na definição das prioridades e metas dos planos de saúde (BRASIL, 1992). (CARVALHO, 1995) destaca que o controle social deve ser entendido como a tentativa de se estabelecer uma nova relação entre o Estado e a sociedade que implica numa abertura do Estado, para que a sociedade participe das suas decisões. Quando buscamos compreender a atuação da população organizada no cenário político-sanitário, percebemos que esse tema é recente, e teve sua origem na área da saúde, a partir das reformulações setoriais que deram origem ao Sistema Único de Saúde (SUS) no final dos anos 1980. Um dos pressupostos deste sistema é a participação da comunidade, cabendo assegurar o controle social sobre as ações e serviços de saúde. Quando investigamos a história da participação e controle social em saúde no Brasil, percebe-se que os mesmos assumem diversos significados, que depende do contexto nos quais se inserem, do entendimento do processo saúde-doença e, principalmente, das relações entre o Estado e a Sociedade. Diferentes concepções do controle social em saúde Segundo (MENDES, 1996) no início do século XX, o termo “controle social” em saúde, no Brasil, foi utilizado como significado praticamente oposto ao daquele utilizado hoje, ou seja, era visto como medidas sanitárias, de controle do Estado sobre a sociedade. Do inicio deste século até meados de 1960 era vigente no país o sanitarismo campanhista. Neste momento, a Saúde Pública no Brasil passou a ser baseada em intervenções engenhadas na corrente do pensamento do Sanitarismo , que tinha operação no âmbito urbano das cidades, através da comercialização e transporte de alimentos e cobertura dos portos marítimos. Tais medidas eram promovidas sob a forma de campanhas, as quais eram abandonadas assim que se conseguiam controlar os surtos presentes na época. (CARVALHO, 1995) aponta que as medidas severas de combate de vetores (no caso da peste e da febre amarela) e da imunização compulsória da população ( no caso da varíola), o Estado adotava intervenção em pessoas e grupos sociais em nome da saúde de todos. Esta fase foi marcada pelo controle do Estado sobre a sociedade, onde a população era o alvo das ações de saúde. Em 1933 houve a criação do IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), que aos poucos foram constituindo as CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões). Nos IAPs , a organização se dava por categorias funcionais (marítimos, comerciários, bancários etc.) e a representação de empregados e empregadores passou a ser feita pelos sindicatos. Diferentemente do papel de direção e definição de metas, exercido pelo Conselho de Administração nas CAPs, nesse momento, a representação – tanto dos empregados quanto dos empregadores – assume um papel secundário, de acessória ou de fiscalização. (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985). Após o golpe militar de 1964, o Estado assume sozinho a direção do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), os empregados e empregadores perdem por completo o direito de gerenciar e definir as políticas previdenciárias e de saúde. Um segundo termo utilizado para designar a participação da população na área da saúde foi “participação comunitária”. Este termo originou-se no inicio da século XX, a partir das experiências de medicina comunitária desenvolvidas nos centros comunitários de saúde norte-americanos. Nesses centros , o trabalho comunitário tinha caráter de assitencia social (dirigia-se aos mais pobres, com maiores riscos sociais e sanitários); de educação (transmissão de conhecimentos que estimulassem o auto-cuidado, a solidariedade e o coletivismo); de integralidade (programas de atenção materno-infantil, saúde mental, tuberculose etc.) e de descentralização e organização comunitária (o êxito do trabalho dependia do grau de integração da comunidade). (CARVALHO, 1995). Nessa época , as práticas do sanitarismo campanhista eram dominantes, e a oferta de assistência médica pelo sistema previdenciário estava em pleno movimento, portanto essas experiências citadas a cima tiveram pouca repercussão no Brasil. O exemplo mais conhecido foi o SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), implantado através da iniciativa do Ministro de Estado dos Negócios e Relações Exteriores (Osvaldo Aranha) em 17 de julho de 1942, com o apoio de instituições norte-americanas. Aos poucos, o termo participação comunitária foi se consolidando como um processo social em que grupos específicos com necessidades compartilhadas, vivendo numa determinada área geográfica, perseguem ativamente a identificação de suas necessidades, tomam decisões e estabelecem mecanismos para atender a essas necessidades. A idéia de participação social deu lugar a propostas de gestão colegiadas e representativas, que reconhecem e legitimam as organizações da sociedade civil. Houve ainda, uma alteração qualitativa das relações sociais, permitindo o controle popular das atividades de saúde (OPAS, 1990). O processo de reforma sanitária, desencadeado por intelectuais e profissionais do Movimento Sanitário, impulsionava a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde. Em decorrência desse processo, em 1986, O Ministério da Saúde convocou a VIII Conferência Nacional de Saúde. Ao contrário das Conferências de Saúde que haviam sido convocadas até então, e que discutiam questões de caráter essencialmente técnico. A VIII inovou , no que toca à escolha da temática – Direito à Saúde, Sistema de Saúde e Financiamento -, à participação da sociedade civil e ao processo preparatório que envolveu profissionais da saúde, intelectuais, usuários e membros de partidos políticos e sindicatos (BRASIL, 1986). A partir desse momento a participação social é tida como direito de cidadania, e sua relação com o Estado visa o seu controle, ou seja, impedi-lo de transgredir. A Participação Social no Sistema Único de Saúde A Carta Magna de 1988 garante a saúde como direito de todos e um dever do Estado, tendo os usuários acesso igualitário e universal às ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde. As instituições privadas têm sua participação de forma a complementar aos serviços públicos de saúde. Os princípios básicos do SUS são a descentralização, com delegação de poderes para os níveis estatal e municipal, tendo o atendimento integral com maior enfoque a atividades preventivas. A participação da comunidade no SUS foi regulamentada em 1990, através da Lei Orgânica de Saúde (LOS), inicialmente representada pela Lei 8.080/90 e depois complementada pela Lei 8.142/90 e depois complementada pela Lei 8.142/90. Essa segunda Lei teve que ser editada em função dos vetos indevidos que a primeira Lei recebeu, principalmente em relação à participação da comunidade e ao repasse de recursos. Indevidos em função da necessidade de regulamentação da determinação constitucional de participação da comunidade e da instituição constitucional de descentralização da execução das ações e dos serviços públicos de saúde (CARVALHO e SANTOS, 1995). Devido às pressões sociais, os políticos do pós-regime militar criaram uma ferramenta para garantir a seguridade social. Segundo OLIVEIRA JR. (1998), a arrecadação para a seguridade social aumentou de 6% do valor do PIB de 1988 para 11% no ano de 1996. No entanto, estas contribuições também têm sido destinadas para outros Ministérios, chegando representar 3% do PIB no governo Collor. Dos nove vetos à lei 8.080/90, os mais importantes foram: os que instituía as conferências e os conselhos de saúde como instâncias colegiadas e representativas para formular e propor estratégias, além de exercer controle sobre a execução das políticas de saúde; a não extinção dos escritórios regionais do INAMPS; a transferência da verba direta para os Estados e Municípios; a obrigatoriedade de planos de carreiras, de cargos e salários para o SUS em cada esfera de governo e a fixação de pisos nacionais de salários. Cabe ressaltar que o controle social em saúde, apesar de institucionalizado não garante de forma mágica a igualdade de oportunidades de acesso ao poder, nem tampouco elimina as desigualdades de caráter reivindicatório entre os diversos segmentos sociais. Assim, nem os setores dominantes deixam de operar e realizar seus interesses através de canais privativos de acesso e influencia (anéis burocráticos, poder econômico, etc), nem os setores subalternos ou excluídos, tem suas necessidades de saúde automaticamente atendidas (CARVALHO, 1995). Participação Popular em Saúde A participação popular se diferencia das demais formas de participação, uma vez que se caracteriza por atuação popular de grupos e da sociedade civil em órgãos, agências ou serviços do Estado, responsáveis pelas políticas publicas na área social. Essa participação implica em dois principais significados: de um lado legitima a política do Estado diante da população e de outro se torna um canal para que entre outras coisas as entidades populares ou grupos da comunidade disputem o controle e a destinação da verba publica. Apesar disso o Estado e as entidades da sociedade civil que defendem os interesses das classes dominantes buscaram sempre bloquear, desviar e impedir o desenvolvimento do movimento popular, seja restringindo o acesso às informações, fragmentando a participação, limitando o campo das atribuições, retardando decisões ou remetendo-as a instâncias superiores, seja através da cooptação das lideranças do movimento popular para aceitar esses procedimentos em troca de benefícios pessoais ou políticos (SANTOS, 2002). Na área da saúde, as experiências de participação popular não são tão antigas, e muitas vezes estiveram atrelados a grupos populares com os mais variados interesses sociais que não só a saúde (sociedade de amigos de bairros, movimentos populares, dentre outros); todavia as necessidades de manifestação popular frente a questões sociais que necessitassem de respostas (a própria repressão da ditadura militar, por exemplo), geraram certo amadurecimento dos movimentos populares e em conseqüência disso os diretas ou indiretamente relacionados com as questões de saúde. Segundo (SANTOS, 2002) o controle social é a expressão mais viva da participação da sociedade nas decisões tomadas pelo Estado no interesse geral ou a presença do cidadão e usuário no centro do processo de avaliação e o Estado deixando de ser o árbitro infalível do interesse coletivo, do bem comum; de outra forma pode ser entendido como: uma decorrência da democracia onde cidadãos se organizam em associações das mais diversas (de consumidores, de pais e mestres, de comunidades eclesiais, de profissionais, de moradores de bairros, dentre outras) a fim de exigirem do Estado o cumprimento do seu papel em favor do bem estar social. Aspectos Históricos da Participação Popular em Saúde Poucos são os relatos na literatura a respeito da participação popular em saúde e dentre os poucos pode-se destacar alguns movimentos pós-guerras mundiais que se diziam respeito a luta por maiores direitos previdenciários e equidade nestes para todos os trabalhadores. Embora as “Conferências de Saúde” ocorram desde 1941, e nesse tempo se achou importante que as mesmas acontecessem a cada 2 anos, sua legalização ocorre anos depois e a participação social até os anos 80 teve pouca importância, uma vez que somente as camadas dominantes e o próprio Estado tinham efetivo envolvimento e poder de decisão. Os anos 60 marcaram a chegada dos governos militares (Ditadura), que gerou a supressão dos canais de expressão de interesses da população em relação ao Estado (que já era expressiva) surgem os novos movimentos sociais: associações de moradores, movimentos por habitação e movimentos comunitários, assumindo o significado da ação direta e autêntica das bases populares, com características autônomas, na luta por melhores condições de vida, mas com peculiaridades relacionadas ás suas origens e comprometimento ideológico. Em meados dos anos 70 ocorre a queda do regime militar e já existe abertura legal para a criação de “Conselhos de Saúde”, onde a população organizada ou não em movimentos, poderia participar, porém quase nada se avança nessa época devido a uma série de questões antigas ou atuais (medo da repressão do regime anterior – ditadura, questões da previdência, cultura pouco participativa dentre outros). Os anos 80 marca maior abertura com o advento das AIS (Ações Integradas de Saúde), além da possibilidade de participação criada entre INAMPS (curativo) e Ministério da Saúde (Preventivo) onde se criou uma gerência compartilhada, com a presença de representantes de instituições e da população; o que de certa forma representou um passo adiante na participação popular em saúde; vale ressaltar que essa época marca a presença de movimentos populares de saúde não formais (Sociedade de Amigos de Bairro, grupos de luta pela saúde dentre outros) que na prática lutavam principalmente pela ampliação quantitativa dos serviços de saúde. Todavia marco histórico na saúde em vários aspectos de avanços na saúde (e dentre eles a participação da comunidade e o controle social) se dá na “VIII Conferência Nacional de Saúde que teve um alto índice de participação dos representantes da comunidade e de grandes intelectuais e cientistas em Saúde Coletiva que debateram grande temas que até hoje delineiam os pensamentos nessa área” (SUS por exemplo), haja visto que as temáticas debatidas nessa plenária influenciaram a confecção da nova Carta Magna a “Constituição” em 1988 que de forma legal garantiu direitos à saúde até então inexistentes, e embora de fato a realização deste importante documento não teve participação popular direta sofreu influência indireta pelo evento anteriormente citado (SANTOS, 2002). O avanço social da comunidade terá muito a ver com seu nível de mobilização na busca e defesa de seus direitos afim de garantir uma sociedade mais saudável e justa, nesse contexto a participação dos profissionais de saúde é imprescindível. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que o futuro deverá ou deveria ser na saúde coletiva o avanço na qualidade de saúde da comunidade, e nas tantas reuniões científicas no mundo (Alma Ata, OMP, OPS, entre outras) o profissional enfermeiro tem importante papel no alcance da qualidade de vida da comunidade, uma vez que tem capacidade de grande vínculo com a população na sua prática. Mas o momento atual exige sempre lembrar que a luta por cidadania, um processo ainda inacabado no Brasil, corre sérios riscos de fragilizar-se num contexto marcado pela desordem provocada pela globalização. Assim, a necessidade de fortalecer a participação cidadã se confronta com uma realidade dada pela existência de cidadanias cada vez mais restritas e diferenciadas, principalmente pela não resolução das graves desigualdades sociais que caracterizam a séculos a nossa sociedade.A consolidação de práticas participativas que potencializam conquistas materiais para os desiguais dentre os desiguais mostra os alcances que a criação de um espaço público não-estatal pode promover quando se transforma em arena democrática de negociação entre o Estado e Sociedade, como principal pressuposto para a governabilidade e legitimidade

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MENDES, E.V. Uma agenda para a Saúde. São Paulo: Hucitec, 1996.
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OLIVEIRA, J.A.A.; (Im)previdência Social: 60 anos de história da previdência no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985. CARVALHO, G.I.; SANTOS, L. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90 e Lei 8.142/90). 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
SANTOS, A.S, Apostila elaborada para a disciplina, Enfermagem em Saúde Coletiva, Centro Universitário Nove de Julho. 2002.
ANDRADE, S.M.; SOARES, D.A.; JUNIOR, L.C. Bases da Saúde Coletiva. Ed. Abrasco. Rio de Janeiro. 2001. BOSI, Maria Lúcia M. Cidadania, participação popular e saúde na visão dos profissionais do setor: um estudo de caso na rede pública de serviços. Cad. Saúde Pública, out./dez. 1994, vol.10, no.4, p.446-456. ISSN 0102-311X.

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