ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A avaliação da pessoa idosa nos serviços de Atenção Básica

          A avaliação da pessoa idosa nos serviços de Atenção Básica tem por objetivo a avaliação global com ênfase na funcionalidade. A presença de declínio funcional pode sugerir a presença de doenças ou alterações ainda não diagnosticadas. É por meio dessa avaliação que se pode fazer um balanço entre as perdas e os recursos disponíveis para sua compensação. Vários são os instrumentos existentes que colaboram com a avaliação ampla do idoso. A Avaliação Global da Pessoa Idosa direciona a atenção para o/a idoso/a, com problemas complexos, de forma mais ampla, dando ênfase ao seu estado funcional e à sua qualidade de vida. É desenvolvida por uma equipe multiprofissional e tem por objetivo quantificar as capacidades e os problemas de saúde, psicossociais e funcionais do idoso de forma a estabelecer um planejamento terapêutico a longo prazo e o gerenciamento dos recursos necessários.
          O conceito de “doença única”, onde um único problema pode explicar todos os sinais e sintomas, não se aplica às pessoas idosas, pois, essas costumam apresentar
uma somatória de sinais e sintomas, resultado de várias doenças concomitantes, onde a insuficiência de um sistema pode levar à insuficiência de outro, o que costuma ser denominado “efeito cascata”. Alguns exemplos estão descritos a seguir:
• uma pessoa idosa portadora de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) pode, após um quadro gripal, desenvolver insuficiência respiratória;
• uma pessoa idosa, normalmente muito comunicativa, de repente passa a ficar mais quieta, conversando menos e, após algum tempo, começa a apresentar períodos de confusão mental. Nesse caso, é importante avaliar a presença de infecções;
• um idoso com osteoartrose que apresente dor, tende a reduzir sua participação em atividades externas à sua residência. Isso pode ocasionar um maior isolamento que, com o passar do tempo, pode levá-lo a desenvolver um quadro depressivo.
          Normalmente, o que leva a pessoa idosa a procurar a Unidade de Saúde é um sintoma mais familiar ou mais facilmente reconhecível que pode não refletir, de forma clara ou direta, o estado geral de saúde do mesmo. As doenças nas pessoas idosas também tendem a ter uma apresentação atípica quando comparadas à indivíduos mais jovens, o que faz do diagnóstico diferencial um recurso fundamental. Exemplo: os sintomas, que em um indivíduo jovem podem corresponder a um refluxo gastroesofágico, em uma pessoa idosa podem corresponder a um carcinoma;
um sangramento intestinal em um jovem pode ser indicativo de doença intestinal inflamatória e, em um idoso, pode representar uma diverticulose.
          Todas as alterações decorrentes do processo fisiológico do envelhecimento terão repercussão nos mecanismos homeostáticos do/a idoso/a e em sua resposta orgânica, diminuindo sua capacidade de reserva, de defesa e de adaptação, o que o torna mais vulnerável a quaisquer estímulos (traumático, infeccioso ou psicológico). Dessa forma, as doenças podem ser desencadeadas mais facilmente. Deve-se fazer uma ampla avaliação dos antecedentes diagnósticos, com ênfase nas doenças crônicas que mantêm-se ativas. Dada sua prevalência, devem ser sempre investigadas sistematicamente, para serem descartadas:
1. afecções cardiovasculares, em especial doença hipertensiva;
2. diabetes e suas complicações;
3. déficits sensoriais (auditivo e visual);
4. afecções osteoarticulares;
5. déficits cognitivos.
          Especial atenção deve ser dada na prevenção de iatrogenias1 assistenciais relacionadas ao uso de polifármacos. Os medicamentos em uso pela pessoa idosa,
tanto os prescritos por profissional de saúde quanto os adquiridos pelo próprio idoso, sem prescrição, devem ser investigados. Solicitar à pessoa idosa que, quando for à próxima consulta, traga consigo todos os medicamentos que costuma utilizar freqüente e ocasionalmente. Com essa medida simples é possível detectar o uso de automedicação,
a utilização de posologia incorreta e a utilização de mais de um medicamento para o mesmo objetivo, às vezes prescrito por profissionais diferentes. O registro das medicações mais freqüentemente utilizadas na Caderneta do Idoso contribui para evitar a ocorrência de iatrogenias associadas à polifarmácia.
          Perguntar sobre todos os sistemas e incluir questões que abordem mudanças no estado funcional no último ano, alterações de peso não intencionais, fadiga, mal estar inespecífico, quedas, transtornos do sono, alterações cardiovasculares, alterações miccionais ou intestinais, presença de incontinência, afecções osteoarticulares, dor e problemas sexuais. Verificar sempre a circulação periférica, devido à alta prevalência da insuficiência venosa, causa comum de edema em membros inferiores (MMII). A presença de doença arterial periférica é um marcador de aterosclerose com maior risco de lesões coronarianas e cerebrais.
          Para efeitos didáticos este capítulo apresenta, de forma breve, a avaliação global da pessoa idosa com a finalidade de subsidiar o profissional de saúde sobre as especificidades dessa população e ter uma visão geral dos sistemas. Após essa discussão, haverá uma tabela que sistematiza as diversas áreas a serem avaliadas, facilitando a identificação de problemas. Nessa mesma tabela, são indicados os devidos encaminhamentos, entre eles a necessidade do uso de outras escalas. Cabe ressaltar que o profissional só utilizará as escalas que envolvam o problema
específico identificado na avaliação rápida. Como exemplo: se o profissional detectar problemas cognitivos após a realização do teste rápido (falar três objetos que a pessoa
deverá repetí-los após 3 minutos) e na incapacidade de repetí-los o profissional deve aplicar o Mini Exame do Estado Mental – MEEM. Caso o profissional permaneça em dúvida ele poderá utilizar como complemento o teste do desenho do relógio e o teste de fluência verbal por categorias semânticas. Ainda há a possibilidade combinar o MEEM com o Questionário de Pfeffer - indica uma maior especificidade para a medida de declínio cognitivo mais grave.

a. Alimentação e Nutrição

          A antropometria é muito útil para o diagnóstico nutricional dos idosos. É um método simples, rápido, de baixo custo e com boa predição para doenças futuras, mortalidade e incapacidade funcional, podendo ser usada como triagem inicial, tanto para diagnóstico quanto para o monitoramento de doenças. Nos procedimentos de diagnóstico e acompanhamento do estado nutricional de idosos, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), utilizará como critério prioritário a classificação do Índice de Massa Corporal (IMC), recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), considerando os pontos de corte diferentes daqueles utilizados para adultos. Essa diferença deve-se às alterações fisiológicas nos idosos:
• o declínio da altura é observado com o avançar da idade, em decorrência da compressão vertebral, mudanças nos discos intervertebrais, perda do tônus muscular e alterações posturais;
• o peso pode diminuir com a idade, porém, com variações segundo o sexo. Essa diminuição está relacionada à redução do conteúdo da água corporal e da massa muscular, sendo mais evidente no sexo masculino;
• alterações ósseas em decorrência da osteoporose;
• mudança na quantidade e distribuição do tecido adiposo subcutâneo.
• redução da massa muscular devida à sua transformação em gordura intramuscular, o que leva à alteração na elasticidade e na capacidade de compressão dos tecidos.
          Essas peculiaridades relacionadas ao processo de envelhecimento devem ser avaliadas criteriosamente, para que se possa distingui-las da desnutrição. A população idosa é particularmente propensa à alterações nutricionais devido a fatores relacionados às modificações fisiológicas e sociais, ocorrência de doenças crônicas, uso de diversas medicações, dificuldades com a alimentação, depressão e alterações da mobilidade com dependência funcional. Estas alterações podem comprometer a ingestão dos alimentos e aproveitamento dos nutrientes, podendo levar à desnutrição.
De acordo com a Norma Técnica do SISVAN, recomenda-se que o registro das medidas antropométricas na Caderneta do Idoso e/ou no prontuário seja semestral, permitindo o monitoramento de seu estado nutricional e a determinação de tendências de aumento ou perda de peso, associando possíveis variações às demais condições de saúde da pessoa idosa.
          Em relação à alimentação da pessoa idosa, é importante que o profissional esteja atento para alguns aspectos:
• Perda da autonomia para comprar os alimentos, inclusive financeira;
• Perda da capacidade/autonomia para preparar os alimentos e para alimentar-se;
• Perda de apetite e diminuição da sensação de sede e da percepção da temperatura
dos alimento;
• Perda parcial ou total da visão que dificulte a seleção, preparo e consumo dos alimentos;
• Perda ou redução da capacidade olfativa, interferindo no seu apetite;
• Algum motivo que a faça restringir determinados tipos de alimentos, como dietas para perda de peso, diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia;
• Alterações de peso recentes;
• Dificuldade de mastigação por lesão oral, uso de prótese dentária ou problemas digestivos. Se for detectado que esses aspectos estão influenciando sensivelmente o estado
nutricional do idoso, deve ser feita uma avaliação mais aprofundada, incluindo outras medidas antropométricas, avaliação dietética detalhada e avaliação de exames bioquímicos.


b. Acuidade Visual

O processo natural de envelhecimento associa-se à uma redução da acuidade visual devido às alterações fisiológicas das lentes oculares, déficit de campo visual e doenças de retina. Cerca de 90% das pessoas idosas necessitam do uso de lentes corretivas para enxergar adequadamente. Ao avaliar essa função, pergunte à pessoa idosa se ela sente dificuldade ao ler, assistir televisão, dirigir ou para executar qualquer outra atividade da vida cotidiana.


c. Acuidade Auditiva
Cerca de um terço das pessoas idosas referem algum grau de declínio na acuidade auditiva. A presbiacusia - perda progressiva da capacidade de diferenciar os sons de alta freqüência – é uma das causa mais comuns relacionadas a essa queixa. Muitas vezes, o idoso pode não perceber essa perda e, por essa razão, não referi-la.


d. Incontinência Urinária
A presença de incontinência urinária deve ser avaliada, pois, cerca de 30% das pessoas idosas não institucionalizadas costumam apresentá-la e nem sempre a referem na avaliação clínica ou por vergonha ou por acharem ser isso normal no processo de envelhecimento. A freqüência e a importância do evento estão associadas às repercussões emocionais e sociais. Muitas das causas são reversíveis - delírio, restrição de mobilidade, retenção urinária, infecção e efeito medicamentoso - e devem ser investigadas. Perguntar diretamente se a pessoa idosa perdeu urina recentemente ou sentiu-se molhada é uma forma rápida de verificar o problema. Se a resposta for afirmativa, investigue possíveis causas. Na Medida de Independência Funcional.


e. Sexualidade
A sexualidade da pessoa idosa também deve integrar a avaliação da mesma. Estudos mostram que 74% dos homens e 56% das mulheres casadas mantêm vida sexual ativa após os 60 anos. A identificação de disfunção nessa área pode ser indicativa de problemas psicológicos, fisiológicos ou ambos. Muitas das alterações sexuais que ocorrem com o avançar da idade podem ser resolvidas com orientação e educação. Alguns problemas comuns também podem afetar o desempenho sexual: artrites, diabetes, fadiga, medo de infarto, efeitos colaterais de fármacos e álcool. Embora a freqüência e a intensidade da atividade sexual possam mudar ao longo da vida, problemas na capacidade de desfrutar prazer nas relações sexuais não devem ser considerados como parte normal do envelhecimento. Devem fazer parte da avaliação sistemática das pessoas idosas sexualmente ativas.   As mulheres após a menopausa, principalmente, após os 60 anos, normalmente apresentam algum desconforto nas relações sexuais com penetração vaginal, devido às condições de hipoestrogenismo e, consequentemente, hipotrofia dos tecidos genitais. A utilização de um creme vaginal à base de estriol, 2ml, uma a duas vezes por semana, permite uma manutenção do trofismo do epitélio (mucosa), favorecendo uma melhoria nas condições genitais para o exercício pleno da sexualidade. Para o início de sua utilização, é necessário a realização dos exames preventivos para o câncer ginecológico e mamário, conforme protocolos vigentes, recomendados nessa faixa etária.


f. Vacinação
A influenza (gripe) é uma doença infecciosa aguda, de natureza viral, altamente contagiosa que acomete o trato respiratório e cuja ocorrência se observa em maior intensidade ao final do outono e durante o inverno. Embora tipicamente de pouca relevância em sua forma não complicada, é uma doença que se dissemina rapidamente e apresenta elevada morbimortalidade em grupos de maior vulnerabilidade. As pessoas idosas, especialmente aquelas institucionalizadas ou as portadoras de doenças crônicas de base, são alvos de sérias complicações relacionadas à gripe (pneumonia primária viral pelo vírus da influenza, pneumonia bacteriana secundária, pneumonia mista, exacerbação de doença pulmonar ou cardíaca e óbito).
A situação vacinal da pessoa idosa também deve ser inquirida de forma sistemática. Recomenda-se uma dose anual da vacina contra influenza no outono. Idosos com mais de 60 anos devem também receber ao menos uma dose de vacina anti-pneumocócica durante a vida. Os idosos institucionalizados e não vacinados deverão receber uma dose da vacina e outra após cinco anos da primeira, caso a indicação persista. A vacina dupla adulto (dT – contra difteria e tétano) deve ser administrada a cada dez anos podendo ser reforçada em cinco anos no caso de ferimentos considerados “sujos”. O registro da vacinação deve ser feito na Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, facilitando o acompanhamento da realização da mesma.


g. Avaliação Cognitiva
A avaliação cognitiva deve fazer parte da avaliação clínica, pois, auxilia na identificação das principais alterações na saúde mental das pessoas idosas. O desempenho físico e social do idoso depende da integridade de suas funções cognitivas. A perda de memória recente e a habilidade de cálculo são indicadores sensíveis de redução dessas funções. A avaliação da perda de memória recente é considerada como mais adequada, dado que a escolaridade
pode influenciar na avaliação da habilidade de cálculo. Sugere-se para uma primeira avaliação a realização do teste rápido, que consiste em solicitar à pessoa idosa que repita o nome dos objetos: Mesa, Maçã e Dinheiro. Após 3 minutos, pedir que os fale novamente. Se for incapaz de repeti-los, há necessidade de uma investigação mais aprofundada.
O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (anexo 3, página 138 ) é uma das escalas mais comuns para avaliar o estado cognitivo, por sua rapidez e facilidade de aplicação. Como complementação dessa avaliação, pode-se utilizar o Desenho do Relógio o Teste de Fluência Verbal por Categorias Semânticas e o Quesionário Pfeffer (QPAF – Questionário Pfeffer de Avaliação Funcional). Caso, ao final dos testes, ainda haja dúvidas acerca do diagnóstico, a pessoa idosa deverá ser encaminhada para testes neuropsicológicos mais elaborados.


h. Depressão
No Brasil, a prevalência de depressão entre as pessoas idosas varia de 4,7% a 36,8%, dependendo fundamentalmente do instrumento utilizado, dos pontos de corte e da gravidade dos sintomas. É um dos transtornos psiquiátricos mais comuns entre as pessoas idosas e sua presença necessita ser avaliada. As mulheres apresentam prevalências maiores que os homens na proporção de 2:1. Pessoas idosas doentes ou institucionalizadas também apresentam prevalências maiores. A depressão leve representa a presença de sintomas depressivos frequentemente associados com alto risco de desenvolvimento de depressão maior, doença física, maior procura pelos serviços de saúde e maior consumo de medicamentos. É essencial que seja feita a diferença entre tristeza e depressão, uma vez que os sintomas depressivos podem ser mais comuns nessa faixa etária ocorrendo, com freqüência, no contexto de desordens médicas e neurológicas. A presença de depressão entre as pessoas idosas tem impacto negativo em sua vida. Quanto mais grave o quadro inicial, aliado à não existência de tratamento adequado, pior o prognóstico. As pessoas idosas com depressão tendem a apresentar maior comprometimento físico, social e funcional afetando sua qualidade de vida. Evidências sugerem que é necessário instituir precocemente o tratamento. É fundamental a construção de um projeto terapêutico singular (PTS)2, a partir do Acolhimento e da Avaliação, incluindo diferentes estratégias que possam atender às necessidades dos usuários.


I. Mobilidade
A grande propensão da pessoa idosa à instabilidade postural e à alteração da marcha aumenta o risco de quedas e, por essa razão, equilíbrio e marcha devem ser sempre avaliados. As alterações na mobilidade e quedas podem ocorrer por disfunções motoras, de sensopercepção, equilíbrio ou déficit cognitivo. A dinâmica do aparelho locomotor sofre alterações com uma redução na amplitude dos movimentos, tendendo a modificar a marcha, passos mais curtos e mais lentos com tendência a arrastar os pés. A amplitude de movimentos dos braços também diminui, tendendo a ficar mais próxima do corpo. A base de sustentação se amplia e o centro de gravidade corporal tende a se adiantar, em busca de maior equilíbrio. A Escala de Tinneti, que no Brasil é conhecida como POMA-Brasil, mostra-se útil para o desenvolvimento dessa avaliação.


j. Quedas
Quedas representam um sério problema para as pessoas idosas e estão associadas à elevados índices de morbi-mortalidade, redução da capacidade funcional e institucionalização precoce. O profissional deve questionar a ocorrência e freqüência de quedas, registrando na Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. Essas informações
possibilitam a identificação do risco. O ambiente residencial pode aumentar o risco de quedas e deve ser incluído na programação de avaliação da pessoa idosa. Presença de escadas, ausência de diferenciação de degraus e corrimãos, iluminação inadequada, tapetes soltos, obstáculos (fios elétricos, pisos mal conservados etc) no local de circulação, são alguns dos riscos comuns observados. Recomendações específicas para prevenção de quedas em pessoas idosas serão apresentadas posteriormente.



k. Avaliação Funcional
A avaliação funcional, preconizada pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, é fundamental e determinará não só o comprometimento funcional da pessoa idosa, mas sua necessidade de auxilio. Pode ser compreendida como uma tentativa sistematizada de avaliar de forma objetiva os níveis no qual uma pessoa está funcionando numa variedade de áreas utilizando diferentes habilidades. Representa uma maneira de medir se uma pessoa é ou não capaz de desempenhar as atividades necessárias para cuidar de si mesma. Caso não seja capaz, verificar se essa necessidade
de ajuda é parcial, em maior ou menor grau, ou total. Usualmente, utiliza-se a avaliação no desempenho das atividades cotidianas ou atividades de vida diária. Didaticamente essas atividades são subdivididas em: a) Atividades de Vida Diária (AVD) que são as relacionadas ao autocuidado e que, no caso de limitação de desempenho, normalmente requerem a presença de um cuidador para auxiliar a pessoa idosa a desempenhá-las. São elas:
• Alimentar-se
• Banhar-se
• Vestir-se
Mobilizar-se
• Deambular
• Ir ao banheiro
• Manter controle sobre suas necessidades fisiológicas.

 
b) Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) que são as relacionadas à participação do idoso em seu entorno social e indicam a capacidade de um indivíduo em levar uma
vida independente dentro da comunidade. São elas:
Utilizar meios de transporte
• Manipular medicamentos
• Realizar compras
• Realizar tarefas domésticas leves e pesadas
• Utilizar o telefone
• Preparar refeições
• Cuidar das próprias finanças

Desde seu início, as avaliações funcionais dão ênfase às Atividades de Vida Diárias (AVD). A primeira escala desenvolvida, e a que é até os dias de hoje mais citada e utilizada, é a Escala de Katz, planejada para medir a habilidade da pessoa em desempenhar suas atividades cotidianas de forma independente e assim determinar as necessárias intervenções de reabilitação. Posteriormente, Lawton propôs um outro instrumento para avaliar as Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD), consideradas mais complexas e cuja independência para desempenho está diretamente relacionada com a capacidade de vida comunitária independente. A capacidade em realizá-las torna as pessoas idosas mais auto-confiantes para a vida em comunidade. Outro instrumento de avaliação funcional que vem sendo gradativamente adotado, é o denominado Medida de Independência Funcional (MIF), que, diferentemente dos outros que identificam se a pessoa precisa de ajuda ou não, procura quantificar a ajuda necessária mostrando-se, muito útil no planejamento assistencial. Quando se avalia a funcionalidade da pessoa idosa é necessário diferenciar desempenho e capacidade funcional.
• Desempenho avalia o que o idoso realmente faz no seu dia-a-dia.
• Capacidade funcional avalia o potencial que a pessoa idosa tem para realizar a atividade, ou seja, sua capacidade remanescente, que pode ou não ser utilizada. Um exemplo disso é quando o idoso mora em uma casa que possui escada e não a utiliza porque a família teme que ele caia. Logo, o idoso não desempenha a função de desceR e subir escada por limitação da família, mas, esse possui capacidade funcional para executá-la. A atenção à saúde da pessoa idosa por meio da avaliação da capacidade funcional, tem demonstrado ser mais significativa nas intervenções terapêuticas do que apenas a presença ou ausência de doenças. Para melhor entendimento, será utilizado o seguinte exemplo: dois idosos que tem o diagnóstico de Diabetes Mellitus, um se mantém independente para todas suas AVD e outro necessita de ajuda para sair da cama e alimentar-se. Os dois possuem a mesma doença de base, mas, seu nível funcional é muito diferente. Dentre as conseqüências do processo incapacitante destacam-se a hospitalização e a institucionalização, que influenciam a qualidade de vida das pessoas idosas. Algumas intervenções – reabilitação, terapia medicamentosa e, modificações do ambiente físicosocial, mudanças no comportamento e estilo de vida, atributos psicosociais, adaptação às atividades e a presença de suporte extra (pessoal e/ou equipamento especial) - podem
reduzir as dificuldades. Três conceitos apresentam-se interligados e interdependentes quando se discute o processo incapacitante. São eles: autonomia, independência e dependência. Autonomia – pode ser definida como auto-governo e se expressa na liberdade para agir e para tomar decisões. Independência – significa ser capaz de realizar as atividades sem ajuda de outra pessoa. Dependência – significa não ser capaz de realizar as atividades cotidianas sem a ajuda de outra pessoa. Muitas pessoas mantêm sua autonomia (capacidade de decisão) embora sejam dependentes (incapacidade física para executar uma determinada ação). Por exemplo: um idoso que após um Acidente Vascular Encefálico (AVE), apresenta limitação em sua mobilidade e requer auxílio para tomar banho (dependência), mas pode ser perfeitamente capaz de decidir o horário do banho, a roupa que prefere vestir (autonomia), etc.


 
A capacidade de tomar decisões e a de auto-governo podem ser comprometidas por doenças físicas e mentais ou por restrições econômicas e educacionais. Infelizmente, é muito freqüente observar que, na vigência de situações de dependência, a autonomia da pessoa idosa tende a não ser considerada. Parece ser erroneamente aceitável que, uma vez que ele não é parcial ou totalmente capaz de executar uma ação (em termos físicos), ele também não é capaz de decidir sobre a mesma. Tal observação ocorre tanto no contexto familiar como no institucional. A condição de dependência é a que mais amedronta os idosos. A principal
conseqüência da associação entre velhice e dependência é o desenvolvimento de atitudes negativas em relação às pessoas idosas. Na presença de declínio cognitivo, as informações dadas pela pessoa idosa deverão ser confirmadas com o acompanhante. Se as deficiências forem relatadas ou observadas, o tempo e o motivo do aparecimento podem ajudar na determinação da causa e na avaliação de sua potencial reversibilidade. Déficits
agudos ou subagudos são sintomas freqüentes de doenças, e tratá-las auxilia no restabelecimento da função. A avaliação funcional determinará, necessariamente, o grau de dependência da pessoa idosa e os tipos de cuidados que vão ser necessários, além de como e por quem os mesmos poderão ser mais apropriadamente realizados. Espera-se que essa ajuda venha das famílias, no entanto, um estudo recente demonstrou, que a ajuda fornecida pelas famílias às pessoas idosas com dificuldade no desempenho de uma ou mais atividades de vida diária gira em torno de 50% da demanda, ou seja, cerca de metade das necessidades dos/as idosos/ as não são atendidas mesmo sendo necessárias. Isso mostra que, apesar do esforço da maioria das famílias no atendimento de seus familiares mais necessitados, essa ajuda não está sendo suficiente, necessitando, assim, de uma revisão nas políticas assistenciais adotadas até o momento. Frente a isso, a avaliação da rede de suporte social e da funcionalidade familiar torna-se essencial para o planejamento assistencial da pessoa idosa.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica – Brasília : Ministério da Saúde, 2006.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O ferro é um mineral essencial para a produção da hemoglobina, a proteína que transporta o oxigênio pelo nosso organismo. Anemia ferropriva (ou ferropénica em Portugal) é o tipo de anemia mais comum no mundo, causada por uma grave deficiência de ferro.

Relação entre ferro e anemia


Antes de falarmos nas causas e no tratamento da anemia ferropriva, vale a pena fazermos uma rápida revisão do papel do ferro na anemia.


Os glóbulos vermelhos, também chamados de hemácias ou eritrócitos, são as células do sangue responsáveis pelo transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos e de gás carbônico dos tecidos em direção aos pulmões.

Hemácias
Hemácias
Chamamos de anemia quando a concentração de hemácias do sangue está reduzida. Para um melhor entendimento do que é uma anemia.

O principal componente da hemácia é a hemoglobina, uma proteína que necessita de ferro para ser formada. Quando ocorre uma deficiência de ferro no organismo, há falta de matéria-prima para a formação da hemoglobina e, consequentemente, para a formação das hemácias, levando à anemia.

Metabolismo do ferro

O corpo controla seus estoques de ferro de modo preciso, mantendo-o sempre estável. Quando precisamos de mais ferro, o intestino delgado aumenta sua absorção dos alimentos. Quando estamos com o estoque completo, o intestino para de absorver o ferro dos alimentos, deixando-o ser excretado nas fezes.

Além do ferro dentro das hemoglobinas, o corpo tem sempre pronto um estoque de ferro para quando necessário. Esse ferro é estocado no fígado, "empacotado" em uma proteína chamada ferritina. Quando temos níveis baixos de ferritina, significa que os nossos estoques de ferro estão baixos. Geralmente, da quantidade total de ferro existente no nosso corpo, metade fica dentro das hemácias e metade estocada em forma de ferritina. Ainda há uma pequena fração ligada à transferrina, uma proteína que transporta o ferro dos estoques em direção à medula óssea, onde são produzidas as novas hemácias.

Geralmente, adultos saudáveis não precisam de muito ferro na dieta, pois o ferro já presente no organismo é constantemente reciclado. Quando uma hemácia torna-se velha e é destruída (mais ou menos com 120 dias de vida), o seu ferro é captado pela transferrina e levado de volta à medula óssea, sendo reaproveitado na formação de uma nova hemácia. Portanto, são precisos muitos anos com uma baixa absorção de ferro para que haja uma deficiência nos estoques corporais.

O grande risco de uma alimentação pobre em ferro se dá naqueles indivíduos que estão precisando de mais ferro do que o existe nos estoques. Dois exemplos fáceis de se entender são as crianças e as grávidas. O primeiro grupo está constantemente em crescimento e, portanto, necessitando de quantidades cada vez maiores de ferro. As crianças entre 6 meses e três anos são as mais propensas a desenvolverem carência de ferro, pois apresentam grande demanda e ainda não tiveram tempo para criarem seus estoques. As grávidas geralmente apresentam bons estoques de ferro, todavia, passam a gastá-lo de forma rápida na formação de um novo ser. Nestes dois grupos, uma dieta rica em ferro é essencial para se manter os estoques preenchidos.

Causas de anemia ferropriva

a.) Dieta

Como já explicado, uma deficiência simples de ferro na dieta é atualmente uma causa rara de anemia ferropriva em adultos saudáveis. A dieta da maioria das pessoas contém quantidades suficientes de ferro para compensar as pequenas perdas que ocorrem ao longo do tempo. A não ser em pessoas com desnutrição por falta de alimentação, não é preciso haver muita preocupação com a dieta, pois a maioria das carnes têm quantidades suficientes de ferro. Mesmo os vegetarianos são capazes de ingerir boas quantidade de ferro, já que alimentos como espinafre, ovos, creme de trigo, feijão e cereais contêm bastante ferro.

b.) Má-absorção

A deficiência de ferro e a anemia ferropriva podem surgir em pacientes com doenças do trato gastrointestinal que impeçam a absorção de ferro cronicamente, como nos casos de gastrite atrófica ou doença celíaca. Esse pacientes podem ingerir ferro, mas não conseguem absorvê-lo, impedindo-os de repor seus estoques quando necessário.

c.) Perdas de sangue

A anemia ferropriva ocorre na imensa maioria dos casos por perdas de ferro, como nos casos de sangramento. Quando perdemos sangue, perdemos junto o ferro que estava dentro das hemoglobinas, obrigando o organismo a lançar mão dos seus estoques na produção de novas hemácias.

Quando o sangramento é visível, como nos casos de vômitos com sangue, sangue nas fezes ou traumatismos com sangramentos, por exemplo, a causa da anemia torna-se óbvia, pois há perdas agudas de grande volume de hemácias. Nestes casos, até há uma grande perda de ferro, mas a causa da anemia é uma perda imediata de sangue, sem que haja tempo hábil para o organismo produzir mais hemácias. Mulheres com períodos menstruais muito fortes, também podem desenvolver anemia ferropriva.

A anemia ferropriva é mais difícil de ser identificada quando há pequenos sangramentos, mas de forma constante. Esses quadros são comuns em úlceras de estômago, tumores do intestino e hemorroidas. Muitas vezes o paciente sequer nota a presença de sangue nas fezes. A quantidade de sangue perdida é pequena para causar uma anemia imediata, mas a longo prazo faz com que o organismo tenha que estar sempre usando seus estoques de ferro para compensar as hemácias perdidas nos sangramento. Nestes casos, a quantidade de ferro na dieta pode ser menor do que a necessária para repor os estoques, fazendo com que o paciente deplete suas reservas e desenvolva anemia ferropriva ao longo do tempo.

Portanto, atualmente, qualquer anemia ferropriva, a não ser que haja uma causa óbvia, deve indicar a investigação de uma fonte de sangramento oculta.

Sintomas da anemia ferropriva

Os sintomas da anemia ferropriva são os mesmos dos de qualquer anemia: cansaço, palidez da pele, falta de ar, intolerância ao exercício, taquicardia (coração acelerado). Todavia, a anemia ferropriva pode causar alguns sintomas que não são comuns em outras anemias, como perversão do apetite (também chamado de pica), que é o desejo de comer não-alimentos, como gelo, terra, papel, concreto etc... A síndrome das pernas inquietas é outro achado comum. Um sinal típico da anemia ferropriva é a presença de uma urina muito avermelhada após a ingestão de beterraba.

Diagnóstico da anemia ferropriva

O diagnóstico de anemia é feito quando os valores da hemoglobina e do hematócrito (percentual de hemácias no sangue) estão abaixo do valor de referência:

Anemia (dependendo do laboratório os valores podem ser um pouco diferentes):
- hematócrito menor que 41% nos homens ou 35% nas mulheres
- hemoglobina menor que 13 g/dL nos homens ou 12 g/dL nas mulheres.

Uma vez estabelecido o diagnóstico da anemia, é preciso identificar sua causa.  No hemograma, além da queda do hematócrito e da hemoglobina, o VCM e o HCM costumam estar baixos na anemia ferropriva. No seguimento da investigação da anemia deve-se dosar a quantidade de ferro no sangue, a ferritina e a saturação de transferrina. Estando estes valores baixos na presença de anemia, pode-se dizer que há uma anemia por carência de ferro.

Se não houver causas óbvias para a anemia ferropriva (gravidez ou sangramentos visíveis), geralmente incia-se a investigação solicitando exames para procurar sangramentos ocultos do trato digestivo, como a endoscopia digestiva e a colonoscopia.

Tratamento da anemia ferropriva

O tratamento da anemia ferropriva é feito com reposição de ferro. Os comprimidos de sulfato ferroso geralmente têm até 6x mais ferro do que obtemos em uma dieta normal. Se a anemia ferropriva for causada por gravidez ou por um fluxo menstrual mais forte, geralmente a reposição de ferro é suficiente.

O ferro é melhor absorvido se tomado em jejum e junto com vitamina C ou suco de laranja. O ferro pode causar alguns efeitos colaterais, sendo os mais comuns, náuseas e azia. A reposição de ferro costuma deixar as fezes com uma coloração bem escura.

Não se deve apenas repor ferro se a causa da anemia ferropriva for um sangramento do trato digestivo. Prescrever ferro sem realizar uma investigação de sangramentos ocultos pode até corrigir temporariamente a anemia, mas não irá tratar a doença de base. Se a causa for um tumor do intestino, a não investigação irá atrasar o diagnóstico, diminuindo as chances de tratamento curativo da lesão.