ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Incontinência Urinária


A incontinência urinária é a perda incontrolável de urina.

A incontinência urinária pode ocorrer e ocorre em qualquer idade, mas as suas causas tendem a ser diferentes entre as faixas etárias. A incidência global da incontinência urinária aumenta progressivamente com a idade.

Aproximadamente um em cada três indivíduos idosos apresenta algum problema com o controle da bexiga. As mulheres apresentam o dobro de probabilidade que os homens de serem afetadas. Mais de 50% dos residentes de asilos de velhos apresentam incontinência. A incontinência urinária pode ser um motivo de internação de indivíduos idosos e contribui para o desenvolvimento de úlceras de decúbito, de infecções vesicais e da depressão. A incontinência urinária também produz situações embaraçosas e é frustrante.

Os rins produzem urina constantemente, a qual flui através de dois longos tubos (os ureteres) até a bexiga, onde ela é armazenada. A parte mais baixa da bexiga (o colo) está circundada por um músculo (o esfíncter urinário) que permanece contraído para manter fechado o canal que leva a urina para fora do corpo (a uretra), de modo que a urina fica retida no interior da bexiga até que ela encha. Quando a bexiga enche, estímulos são transmitidos ao longo de certos nervos que ligam a bexiga à medula espinhal e, em seguida, são enviados ao cérebro e o indivíduo toma consciência da necessidade de urinar. Ele pode então, de modo consciente e voluntário, decidir se irá urinar ou não. Quando a decisão tomada é a de urinar, o músculo do esfíncter relaxa, permitindo que a urina flua através da uretra ao mesmo tempo que os músculos da bexiga contraem para empurrar a urina para fora. Esta força de expulsão pode ser aumentada com a contração dos músculos da parede abdominal e do assoalho pélvico para aumentar a pressão sobre a bexiga.

O processo completo de retenção e liberação da urina (micção) é complexo e a capacidade de controlar a micção pode ser comprometida em diferentes etapas do processo devido a várias anormalidades. O resultado dessas anormalidades é a incontinência urinária (perda de controle).

Os tipos de incontinência urinária são classificados de acordo com o modo e o momento do início da incontinência: incontinência recente e repentina e incontinência de início gradual e persistente. A incontinência urinária de início súbito freqüentemente indica um problema de bexiga. A cistite (infecção da bexiga) é a causa mais comum. Outras causas incluem os efeitos colaterais de medicamentos, os distúrbios que afetam a mobilidade ou causam confusão mental, o consumo excessivo de bebidas que contêm cafeína ou de álcool e as condições que irritam a bexiga ou a uretra (p.ex., vaginite atrófica, constipação grave). A incontinência urinária persistente (crônica) pode ser decorrente de alterações cerebrais, alterações vesicais ou uretrais ou problemas dos nervos que inervam a bexiga. Essas alterações são particularmente comuns em idosos e mulheres na pós-menopausa.

O Que Causa Incontinência?
Tipo Descrição Algumas Causas Possíveis
Incontinência de urgência
Incapacidade de postergar a micção por mais que alguns minutos após sentir a necessidade de urinar
• Infecção do trato urinário
• Bexiga hiperativa
• Obstrução do fluxo urinário
• Cálculos e tumores na bexiga
• Medicamentos, especialmente os
diuréticos
Incontinência por esforço
Escape de urina, habitualmente em pequenos jatos, causado pelo aumento da pressão abdominal, o qual ocorre quando o indivíduo tosse, ri, faz força, espirra ou levanta um objeto pesado
• Fraqueza do esfíncter urinário (o músculo que controla o fluxo urinário da bexiga)
• Nas mulheres, diminuição da resistência ao fluxo urinário através da uretra; comumente causada pela deficiência de estrogênio
• Alterações anatômicas causadas por múltiplos partos ou por uma cirurgia pélvica
• Nos homens, remoção da próstata ou uma lesão da parte superior da uretra ou do colo da bexiga
Incontinência por transbordamento
Acúmulo de urina na bexiga que se torna muito grande para que o esfíncter urinário consiga reter e, conseqüentemente, a urina escapa intermitentemente, freqüentemente sem sensação da bexiga
• Obstrução do fluxo urinário,
usualmente causada pelo aumento
benigno ou pelo câncer de próstata nos homens e pela estenose uretral (defeito congênito) nas crianças
• Musculatura da bexiga enfraquecida
• Disfunção nervosa
• Medicamentos
Incontinência total
Escape contínuo, pois o esfíncter urinário não fecha
• Defeito congênito
• Lesão do colo da bexiga (p.ex., durante uma cirurgia)
Incontinência psicogênica
Perda de controle por razões psicológicas
• Distúrbios emocionais (p.ex., depressão)
Incontinência mista
Combinação dos problemas acima (p.ex., muitas mulheres apresentam incontinência mista, isto é, por esforço e de urgência)
• Combinação das causas acima

A incontinência urinária também é classificada de acordo com a sintomatologia. Ela pode ser de urgência, de esforço, de transbordamento ou total.

Causas e Tipos

A incontinência de urgência é um desejo urgente de urinar seguido pela perda introntolável de urina. Normalmente, os indivíduos conseguem conter a urina durante algum tempo após a primeira sensação de que a bexiga está cheia. Em contraste, os indivíduos com incontinência de urgência normalmente têm pouco tempo para chegar ao banheiro. Uma mulher pode apresentar esta condição isoladamente ou concomitante com um grau variado de incontinência por esforço (incontinência mista). A causa aguda mais comum é a infecção do trato urinário. No entanto, a incontinência de urgência não acompanhada por uma infecção é o tipo mais comum de incontinência em indivíduos idosos e, freqüentemente, não apresenta uma causa evidente. As causas comuns de incontinência de urgência em indivíduos idosos são a hiperatividade da bexiga e distúrbios neurológicos (p.ex., acidente vascular e demência), os quais interferem na capacidade do cérebro de inibir a bexiga. A incontinência urinária de urgência torna-se um problema especial quando uma doença ou uma lesão impede que o indivíduo consiga chegar rapidamente ao banheiro.

A incontinência por esforço é a perda incontrolável de urina durante a tosse, o esforço, o espirro, o levantamento de objetos pesados ou qualquer manobra que aumente a pressão intra-abdominal. A incontinência urinária por esforço é o tipo mais comum de incontinência entre as mulheres. Ela pode ser causada por um enfraquecimento do esfíncter urinário. Algumas vezes, a causa são alterações uretrais resultantes do trabalho de parto ou de uma cirurgia pélvica. Nas mulheres que se encontram na pós-menopausa, a incontinência por esforço ocorre devido ao fato da carência de estrogênio (um hormônio) contribuir para o en-fraquecimento da uretra e, conseqüentemente, reduzindo a resistência ao fluxo urinário através desse canal. Nos homens, a incontinência por esforço pode ocorrer após uma cirurgia de remoção da próstata (prostatectomia, ressecção transuretral da próstata) durante a qual ocorreu uma lesão da parte superior da bexiga ou do colo da bexiga.

A incontinência por transbordamento (ou paradoxal) é o escape incontrolável de pequenas quantidades de urina de uma bexiga cheia. O escape ocorre quando a bexiga torna-se dilatada e insensível devido à retenção crônica de urina. A pressão na bexiga aumenta tanto que ocorre um gotejamento de pequenas quantidades de urina. Ao exame físico, o médico freqüentemente consegue palpar a bexiga cheia.

Em última instância, o indivíduo pode tornar-se incapaz de urinar porque o fluxo encontra-se bloqueado ou porque os músculos da parede da bexiga não conseguem mais contrair. Nas crianças, a obstrução do trato urinário inferior pode ser causado pela estenose da extremidade da uretra ou do colo da bexiga. Nos adultos do sexo masculino, a obstrução da saída da bexiga (a abertura da bexiga para a uretra) é normalmente causada por um aumento benigno da próstata ou pelo câncer prostático. Menos comumente, a obstrução pode ser causada pela estenose do colo da bexiga ou da uretra, a qual pode ocorrer após uma cirurgia prostática. Mesmo a constipação pode causar incontinência por transbordamento, pois quando as fezes enchem o reto, o colo da bexiga e a uretra são pressionados. Diversos medicamentos que afetam o cérebro ou a medula espinhal ou que interferem na transmissão nervosa (p.ex., drogas anticolinérgicas e narcóticos) podem comprometer a capacidade de contração da bexiga, acarretando distensão da bexiga e incontinência por transbordamento.

A disfunção nervosa que acarreta a bexiga neurogênica também pode causar incontinência por transbordamento. A bexiga neurogênica pode ser decorrente de várias causas como, por exemplo, uma lesão medular, uma lesão nervosa causada pela esclerose múltipla, o diabetes, traumatismos, alcoolismo e intoxicação medicamentosa.

A incontinência total é a condição na qual a urina escapa constantemente da uretra, dia e noite. Ela ocorre quando o esfíncter urinário não fecha adequadamente. Algumas crianças apresentam esse tipo de incontinência devido a um defeito congênito no qual a uretra não se fecha como um tubo. Nas mulheres, a incontinência total normalmente é causada por uma lesão do colo da bexiga e da uretra ocorrida durante o trabalho de parto. Nos homens, a causa mais comum é uma lesão do colo da bexiga e da uretra resultante de uma cirurgia, principalmente a prostatectomia devido a um câncer.

A incontinência psicogênica é a incontinência decorrente de causas emocionais e não de causas físicas. Este tipo ocorre ocasionalmente em crianças e mesmo em adultos que apresentam problemas emocionais. A enurese (ato de urinar na cama) persistente pode ser um exemplo. O médico pode suspeitar de uma causa psicológica quando o sofrimento emocional ou a depressão é evidente e as outras causas de incontinência foram descartadas.

Algumas vezes, ocorrem tipos mistos de incontinência. Por exemplo, uma criança pode apresentar uma incontinência decorrente tanto de uma disfunção nervosa quanto de fatores psicológicos. Um homem pode apresentar uma incontinência por transbordamento devido ao aumento da próstada juntamente com uma incontinência de esforço devido a um acidente vascular cerebral. As mulheres idosos freqüentemente apresentam um misto de incontinência de urgência e por esforço.

Diagnóstico

Comumente, os indivíduos tendem a conviver com a incontinência sem buscar auxílio profissi-onal por terem medo ou por sentirem-se embaraçados para discutir o problema com o médico ou porque eles acreditam equivocadamente que a incontinência faz parte do processo de envelhecimento normal. No entanto, muitos casos de incontinência podem ser curados ou controlados, especialmente quanto o tratamento é iniciado precocemente.

Normalmente, a causa pode ser descoberta e um plano terapêutico pode ser elaborado após a realização de uma anamnese (história clínica) e de um exame físico. Deve ser realizado um exame de urina para se verificar a presença de infecção. A quantidade de urina que permanece na bexiga após a micção (urina residual) é freqüentemente mensurada com o a auxílio da ultra-sonografia ou da sondagem vesical (colocação de um pequeno tubo, denominado sonda ou cateter, no interior da bexiga). Um grande volume de urina residual indica uma obstrução ou algum problema dos nervos ou da musculatura da bexiga.

Algumas vezes, pode ser necessária a realização da avaliação urodinâmica (exames especiais realizados durante a micção). Esses exames mensuram a pressão da bexiga em repouso e quando ela enche, sendo particularmente úteis nos casos de incontinência crônica. É realizada a passagem de uma sonda vesical e, enquanto a bexiga é enchida com água através da sonda, é realizada a mensuração da pressão no seu interior. Normalmente, a pressão aumenta lentamente. Em alguns indivíduos, a pressão aumenta em espasmos súbitos ou aumenta muito rapidamente antes da bexiga estar completamente cheia. O registro das alterações da pressão ajuda o médico a determinar o mecanismo da incontinência e o melhor tratamento.

Um outro exame mensura a velocidade do fluxo urinário. Este exame pode ajudar a determinar se o fluxo urinário encontra-se obstruído e se os músculos da bexiga conseguem contrair com uma força suficiente para expulsar a urina.

A incontinência por esforço é diagnosticada através da história clínica do problema, do exame vaginal nas mulheres e da observação da perda de urina durante a tosse ou durante a realização de um esforço. O exame ginecológico também ajuda a determinar se o revestimento uretral ou vaginal sofreu um adelgaçamento devido à falta de estrogênio.

Tratamento

O tratamento ideal depende da análise minuciosa do problema de forma individualizada e varia de acordo com a natureza específica do problema. A maioria dos indivíduos com insuficiência urinária podem ser curados ou podem ser ajudados consideravelmente.

Freqüentemente, o tratamento exige apenas a instituição de medidas simples para mudar o comportamento. Muitos indivíduos podem recuperar o controle vesical através de técnicas de modificação comportamental como, por exemplo, urinar em intervalos regulares (a cada 2 a 3 horas) para manter a bexiga relativamente vazia. Evitar irritantes da bexiga (p.ex., bebidas que contêm cafeína) e a ingestão de uma quantidade de líquido (6 a 8 copos de 240 ml por dia) para evitar que a urina se torne concentrada (o que pode irritar a bexiga) podem ser medidas úteis. Freqüentemente, o uso de medicações que afetam a função da bexiga de modo adverso pode ser interrompido. Tratamentos específicos (descritos a seguir) devem ser ten-tados. Quando é impossível controlar totalmente a incontinência urinária com tratamentos específicos, absorventes e roupas de baixo especialmente projetadas para incontinência urinária podem proteger a pele, permitindo que os indivíduos permaneçam secos, confortáveis e socialmente ativos. Esses dispositivos são discretos e podem ser facilmente adquiridos.

Os episódios de incontinência de urgência freqüentemente podem ser evitados através da micção em intervalos regulares, antes do surgimento da urgência miccional. As técnicas de treinamento vesical, os quais incluem os exercícios da musculatura pélvica e o biofeedback, podem ser muito úteis. Alguns medicamentos que relaxam a bexiga (p.ex., propantelina, imipramina, hiosciamina, oxibutinina e diciclomina) também podem ser úteis. Apesar de muitas das drogas disponíveis poderem ser muito úteis, cada uma atua de forma diferente e pode causar efeitos adversos. Por exemplo, um medicamento que relaxa a bexiga pode reduzir a irritabilidade desse órgão e a forte urgência para urinar, mas pode causar ressecamento da boca ou uma retenção excessiva de urina. Algumas vezes, os outros efeitos do medicamento podem ser utilizados de modo vantajoso. Por exemplo, a imipramina é um antidepressivo eficaz e pode ser particularmente útil no tratamento de um indivíduo que apresenta incontinência urinária e depressão. Às vezes, as combinações de medicamentos podem ajudar. O tratamento medicamentoso deve ser controlado e ajustado segundo as necessidades individuais.

Em muitas mulheres com incontinência por esforço, o problema pode ser aliviado com a aplicação de um creme vaginal de estrogênio ou o uso oral de comprimidos de estrogênio. Os adesivos cutâneos de estrogênio ainda não foram estudados para o tratamento da incontinência. Outros medicamentos que ajudam a contrair o esfíncter (p.ex., fenilpro-panolamina, pseudo-efedrina) devem ser concomitantemente com o estrogênio. Para as mulheres com fraqueza da musculatura pélvica, os exercícios (de Kegel) que reforçam essa musculatura podem ser úteis. O auto-aprendizado dessas técnicas de contração muscular não é fácil e, por essa razão, são freqüentemente utilizados mecanismos de biofeedback para ajudar no treinamento. Os enfermeiros ou os fisioterapeutas podem auxiliar no ensino desses exercícios. Os exercícios implicam na contração repetida da musculatura, várias vezes ao dia, para desenvolver a resistência e aprender a utilização adequada da musculatura, nas situações que provocam incontinência (p.ex., tosse). Podem ser utilizados absorventes para reter as pequenas quantidades de urina que geralmente escapam durante os exercícios.

Os casos mais graves, os quais não respondem aos tratamentos não-cirúrgicos, podem ser corrigidos cirurgicamente através da utilização de qualquer um dos vários procedimentos de levantamento da bexiga e do fortalecimento do fluxo urinário de saída. Em alguns casos, a injeção de colágeno em torno da uretra é eficaz.

Para a incontinência por transbordamento causada pelo aumento da próstata ou por uma outra obstrução, a cirurgia normalmente é necessária. Existem disponíveis vários procedimentos de remoção parcial ou total da próstata. O medicamento finasterida freqüentemente consegue reduzir o tamanho da próstada ou interromper o seu crescimento, de modo que a cirurgia pode ser evitada ou postergada. As drogas que relaxam o esfíncter (p.ex., terazosina) também são freqüentemente úteis.

Quando a causa é a contração fraca da musculatura da bexiga, os medicamentos que aumen-tam a contração vesical (p.ex., betanecol) podem ser úteis. A aplicação de uma leve pressão através da compressão da região abdominal inferior com as mãos, logo acima da bexiga, também pode ser útil, especialmente para os indivíduos que conseguem esvaziar a bexiga, mas apresentam dificuldade para esvaziá-la completamente. Em alguns casos, é necessária a sondagem (cateterização) vesical pra drenar a bexiga e prevenir complicações (p.ex., infecções recorrentes e lesão renal). A sonda pode ser mantida de modo permantente ou pode ser inserida e removida de acordo com a necessidade.

A incontinência urinária total pode ser tratada através de diversos procedimentos cirúrgicos. Por exemplo, um esfíncter urinário que não fecha adequadamente pode ser substituído por um esfíncter artificial.

O tratamento da incontinência psicogênica consiste de psicoterapia, normalmente coordenada com a modificação comportamental e o uso dos dispositivos que despertam a criança quando a enurese começa ou com o uso de medicamentos que inibem as contrações da bexiga. O indivíduo com incontinência e depressão pode ser beneficiado com o uso de medicamentos antidepressivos.

Fonte: Manual Merck