ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Administração, Distribuição e Eliminação dos Medicamentos


O tratamento por medicamentos implica a introdução de uma substância no corpo (administração), para que chegue até a corrente sangüínea (absorção) e seja transportada até onde é necessária (distribuição). A substância deixa o corpo (eliminação) pela urina ou pela conversão em outra substância.

Administração

Os medicamentos podem ser administrados por diversas vias: pela boca (oral); por injeção em uma veia (intravenosa) ou em um músculo (intramuscular) ou sob a pele (subcutânea); inseridos no reto (retal); instilados no olho (ocular); borrifados dentro do nariz (nasal) ou dentro da boca (inalação); aplicados à pele para efeito local (tópica) ou sistêmico (transdérmica). Cada via tem finalidades, vantagens e desvantagens específicas.

Via Oral

A administração oral é, em geral, a mais conveniente, segura e barata, e portanto a mais comum. Contudo, a via oral tem suas limitações. Muitos fatores, como outros medicamentos e a alimentação, afetam a forma de absorção dos medicamentos depois de sua ingestão oral. Assim, alguns medicamentos apenas devem ser tomados com o estômago vazio, enquanto outros devem ser ingeridos com o alimento ou simplesmente não podem ser tomados por via oral. Os medicamentos administrados por via oral são absorvidos pelo trato gastrointestinal.

A absorção começa na boca e no estômago, mas ocorre principalmente no intestino delgado. Para chegar à circulação geral, o medicamento precisa primeiramente atravessar a parede intestinal e, em seguida, o fígado. A parede intestinal e o fígado alteram quimicamente (metabolizam) muitos medicamentos, diminuindo a quantidade absorvida. Em contraposição, os medicamentos injetados por via intravenosa chegam à circulação geral sem atravessar a parede intestinal e o fígado, e assim oferecem uma resposta mais rápida e consistente.

Alguns medicamentos administrados por via oral irritam o trato gastrointestinal: a aspirina e a maioria das outras drogas antiinflamatórias não-esteróides, por exemplo, podem prejudicar o revestimento do estômago e do intestino delgado e causar úlceras. Outros medicamentos são absorvidos de forma deficiente ou errática no trato gastrointestinal ou destruídos pelo ambiente ácido e pelas enzimas digestivas do estômago. A despeito dessas limitações, a via oral é utilizada com freqüência muito maior que as demais vias de administração.

As outras vias geralmente são reservadas para situações em que o paciente não pode ingerir nada pela boca, em que o medicamento deve ser administrado rapidamente ou em dose muito precisa ou quando a droga é absorvida de forma deficiente e errática.

Vias Injetáveis

A administração por injeção (administração parenteral) compreende as vias subcutânea, intramuscular e intravenosa. No caso da via subcutânea, a agulha é inserida por baixo da pele. Depois de injetada, a droga chega aos pequenos vasos e é transportada pela corrente sangüínea. A via subcutânea é utilizada para muitos medicamentos protéicos, como a insulina, que poderiam ser digeridos no trato gastrointestinal se fossem tomados pela boca.

Os medicamentos podem ser preparados em suspensões ou em complexos relativamente insolúveis, de modo que sua absorção se prolongue por horas, dias ou mais tempo, não precisando ser administrados com tanta freqüência.

A via intramuscular é preferível à via subcutânea quando há necessidade de maiores volumes do medicamento. Levando em consideração que os músculos estão situados mais profundamente que a pele, é utilizada uma agulha mais comprida. No caso da via intravenosa, a agulha é inserida diretamente em uma veia.

A aplicação intravenosa pode ser mais difícil que as demais parenterais, especialmente em pessoas obesas. A administração intravenosa, seja em dose única ou em infusão contínua, é o melhor modo de administrar medicamentos com rapidez e precisão.

Via Sublingual

Alguns medicamentos são colocados debaixo da língua para serem absorvidos diretamente pelos pequenos vasos sangüíneos ali situados. A via sublingual é especialmente boa para a nitroglicerina, que é utilizada no alívio da angina (dor no peito), porque a absorção é rápida e o medicamento ingressa diretamente na circulação geral, sem passar através da parede intestinal e pelo fígado. Mas a maioria dos medicamentos não pode ser administrada por essa via, porque a absorção é, em geral, incompleta e errática.

Via Retal

Muitos medicamentos que são administrados por via oral podem também ser administrados por via retal, em forma de supositório. Nessa forma, o medicamento é misturado a uma substância cerosa, que se dissolve depois de ter sido inserida no reto. Em razão do revestimento delgado e da abundante irrigação sangüínea do reto, o medicamento é rapidamente absorvido.

Supositórios são receitados quando a pessoa não pode tomar o medicamento por via oral em razão da náusea, impossibilidade de engolir ou alguma restrição à ingestão, como ocorre em seguida a uma cirurgia. Alguns medicamentos são irritantes em forma de supositório; para essas substâncias, deve ser utilizada a via parenteral.

Via Transdérmica

Alguns medicamentos podem ser administrados pela aplicação de um emplastro à pele. Essas substâncias, às vezes misturadas a um agente químico que facilita a penetração cutânea, atravessam a pele e chegam à corrente sangüínea.

A via transdérmica permite que o medicamento seja fornecido de forma lenta e contínua, durante muitas horas ou dias, ou mesmo por mais tempo. Mas algumas pessoas sofrem irritação onde o emplastro toca a pele.

Além disso, a via transdérmica fica limitada pela velocidade com que a substância pode atravessar a pele. Apenas medicamentos que devem ser administrados em doses diárias relativamente pequenas podem ser dados por via transdérmica. Alguns exemplos são: nitroglicerina (para angina), escopolamina (contra o enjôo de viagem), nicotina (para a cessação do fumo), clonidina (contra a hipertensão) e fentanil (para o alívio da dor).

Inalação

Algumas substâncias, como os gases utilizados em anestesia e os medicamentos contra a asma em recipientes aerossóis de dose medida, são inaladas. Essas substâncias transitam através das vias respiratórias diretamente até os pulmões, onde são absorvidas pela circulação sangüínea.

Um número pequeno de medicamentos é administrado por essa via, porque a inalação precisa ser cuidadosamente monitorada para garantir que o paciente receba a quantidade certa do medicamento dentro de determinado período.

Os sistemas de dose medida são úteis para os medicamentos que atuam diretamente nos canais condutores do ar até os pulmões. Considerando que a absorção até a corrente sangüínea é muito variável no caso da inalação por aerossol, raramente esse método é utilizado na administração de medicamentos que atuem em outros tecidos ou órgãos além dos pulmões.

Absorção

O conceito de biodisponibilidade refere-se à velocidade e ao grau de absorção de determinado medicamento pela corrente sangüínea. A biodisponibilidade depende de diversos fatores, como o modo com que foi concebido e manufaturado o produto farmacológico, as propriedades físicas e químicas do medicamento e a fisiologia da pessoa tratada.

Produto farmacológico é a própria forma de dosagem de um medicamento: comprimido, cápsula, supositório, emplastro transdérmico ou solução. Habitualmente, consiste da droga combinada com outros ingredientes. Por exemplo, os comprimidos são uma mistura do medicamento e de aditivos que funcionam como diluentes, estabilizadores, desintegrantes e lubrificantes. As misturas são granuladas e reduzidas à forma do comprimido.

O tipo e a quantidade de aditivos e o grau de compressão afetam a rapidez com que o comprimido se dissolve. Os fabricantes de medicamentos ajustam essas variáveis para otimizar a velocidade e o grau de absorção do medicamento. Se um comprimido se dissolver e liberar com demasiada rapidez o medicamento, poderá gerar um alto nível da substância ativa na circulação sangüínea, provocando resposta excessiva.

Por outro lado, se o comprimido não se dissolver e liberar com suficiente rapidez a substância ativa, grande parte do medicamento poderá ser eliminada nas fezes sem que tenha ocorrido absorção. Laxantes e diarréia, que aceleram o trânsito pelo trato intestinal, podem reduzir a absorção do medicamento. Portanto, alimentos, outros medicamentos e moléstias gastrointestinais influenciam a biodisponibilidade.

É desejável que haja coerência de biodisponibilidade entre os produtos farmacológicos, o que nem sempre ocorre. Produtos quimicamente equivalentes contêm a mesma substância ativa, mas podem ter ingredientes inativos diferentes, que afetam a velocidade e o grau de absorção. Por isso, produtos farmacológicos equivalentes podem apresentar diferenças quanto aos efeitos do medicamento, mesmo quando ministrados na mesma dose.

Dizemos que os produtos farmacológicos são bioequivalentes quando não apenas contêm o mesmo ingrediente ativo, mas também produzem virtualmente os mesmos níveis sangüíneos com o passar do tempo. Portanto, a bioequivalência garante a equivalência terapêutica, e produtos bioequivalentes são intercambiáveis. Alguns produtos são especialmente formulados para liberar o ingrediente ativo com lentidão, em geral durante doze horas ou mais.

Essas formas de dosagem com liberação controlada diminuem ou retardam a velocidade de dissolução do medicamento. Assim, as partículas do medicamento reunidas em uma cápsula podem ser revestidas com polímeros (substância química) de espessuras variáveis, projetadas para que as partículas se dissolvam em tempos diferentes no trato gastrointestinal.

Alguns comprimidos e cápsulas apresentam revestimentos protetores (entéricos) cujo objetivo é impedir que medicamentos irritantes, como a aspirina lesionem o revestimento do estômago ou se decomponham em seu ambiente ácido. Essas formas de dosagem são revestidas com um material que não se dissolve até entrar em contato com um ambiente menos ácido ou com as enzimas digestivas do intestino delgado. Mas nem sempre esses revestimentos protetores dissolvem-se de forma apropriada, e muitas pessoas, especialmente as idosas, eliminam esses produtos intactos em suas fezes.

Muitas outras propriedades das formas sólidas de dosagem (comprimidos ou cápsulas) afetam a absorção do medicamento após a ingestão. Cápsulas consistem de medicamentos e outras substâncias no interior de um invólucro de gelatina. Ao se molhar, a gelatina se expande e libera o conteúdo. Comumente esse invólucro sofre erosão facilmente.

O diâmetro das partículas do medicamento e das demais substâncias afeta a rapidez da dissolução e também da absorção. Medicamentos em cápsulas que contêm líquido tendem a ser absorvidos mais rapidamente que medicamentos em cápsulas que contêm sólidos.

Distribuição

Depois de absorvido pela corrente sangüínea, o medicamento circula rapidamente pelo corpo, porque o tempo de circulação do sangue é, em média, de 1 minuto. Mas a substância pode mover-se lentamente da corrente sangüínea até os tecidos do corpo.

Os medicamentos penetram nos diferentes tecidos com velocidades diferentes, dependendo de sua capacidade de atravessar membranas. O anestésico tiopental, por exemplo, entra com rapidez no cérebro, mas o mesmo não ocorre com o antibiótico penicilina. Em geral, os medicamentos solúveis em gordura (lipossolúveis) atravessam as membranas celulares com mais rapidez que os medicamentos solúveis em água (hidrossolúveis).

Assim que absorvidos, os medicamentos não se disseminam igualmente por todo o corpo. Algumas substâncias tendem a ficar nos tecidos aquosos do sangue e dos músculos, enquanto outras concentram-se em tecidos específicos, como os da glândula tireóide, do fígado e dos rins. Alguns medicamentos ligam-se firmemente às proteínas do sangue, abandonando a corrente sangüínea de forma muito lenta, enquanto outros escapam da corrente sangüínea rapidamente para outros tecidos.

Alguns tecidos acumulam níveis tão elevados de determinado medicamento que passam a funcionar como reservatórios do mesmo, prolongando a distribuição da substância. De fato, alguns medicamentos, como os que se acumulam nos tecidos gordurosos, deixam esses tecidos lentamente e, em conseqüência, circulam pela corrente sangüínea durante vários dias após a ingestão.

A distribuição de uma substância também pode variar de pessoa para pessoa. Indivíduos muito robustos, que possuem maior quantidade de tecidos e de sangue circulante, talvez necessitem de doses maiores do medicamento.

Pessoas obesas podem armazenar grandes quantidades do medicamento no tecido gorduroso, enquanto pessoas muito magras armazenam uma quantidade relativamente pequena. Essa distribuição também é observada em pessoas idosas, porque a proporção de gordura corporal aumenta com a idade.

Eliminação

Os medicamentos são metabolizados ou excretados intactos. Metabolismo é o processo pelo qual uma droga é quimicamente alterada pelo corpo. O fígado é o local principal (mas não o único) de metabolismo das drogas.

Os produtos do metabolismo – os metabólitos – podem ser inativos ou exibir graus similares ou diferentes de atividade terapêutica ou toxicidade em comparação com a droga original. Algumas drogas, chamadas promedicamentos, são administradas em forma inativa; seus metabólitos são ativos e promovem os efeitos desejados. Esses metabólitos ativos são excretados (principalmente na urina ou nas fezes) ou convertidos em outros metabólitos, que terminam sendo excretados.

O fígado possui enzimas que facilitam reações químicas como a oxidação, redução e hidrólise das drogas. Também possui outras enzimas que fixam substâncias à droga, produzindo reações chamadas conjugações. Os conjugados (moléculas da droga com as substâncias fixadas) são excretados na urina.

Tendo em vista que os sistemas enzimáticos metabólicos estão apenas parcialmente desenvolvidos no nascimento, os recém-nascidos têm dificuldade de metabolizar muitos medicamentos; portanto, os bebês necessitam de menor quantidade de medicamento em proporção ao peso corporal que os adultos.

Por outro lado, crianças de 2 a 12 anos de idade necessitam de maior quantidade de medicamento em proporção ao peso corporal que os adultos. Como os recém-nascidos, as pessoas idosas também exibem reduzida atividade enzimática, não sendo capazes de metabolizar os medicamentos de forma tão eficiente como os adultos mais jovens e as crianças.

Por isso, recém-nascidos e pessoas idosas freqüentemente necessitam de doses menores por quilograma de peso corporal, enquanto as crianças precisam de doses maiores. Excreção refere-se aos processos pelos quais o corpo elimina uma droga. Os rins são os principais órgãos de excreção. Esses órgãos são particularmente efetivos na eliminação de medicamentos solúveis em água e de seus metabólitos.

Os rins filtram medicamentos da corrente sangüínea e excretam essas substâncias na urina. Muitos fatores podem afetar a capacidade de excreção de medicamentos pelos rins. Um medicamento ou metabólito deve ser solúvel em água e não deve estar ligado muito fortemente às proteínas plasmáticas. A acidez da urina afeta a velocidade de eliminação de algumas substâncias ácidas e alcalinas.

A capacidade renal de excreção de medicamentos também depende do fluxo urinário, do fluxo de sangue através dos rins e do estado dos rins. À medida que as pessoas vão envelhecendo, diminui a função renal. O rim de uma pessoa com 85 anos de idade tem apenas cerca da metade da eficiência, em termos de excreção de drogas, que o rim de uma pessoa com 35 anos.

Muitas moléstias – especialmente pressão sangüínea alta, diabetes e infecções renais recorrentes – e a exposição a níveis elevados de agentes químicos tóxicos podem prejudicar a capacidade renal de excreção de drogas. Se os rins não estão funcionando normalmente, o médico pode ajustar a dose de determinado medicamento que é eliminado principalmente pelos rins.

A diminuição normal da função renal com o envelhecimento pode ajudar o médico a determinar uma dose apropriada com base apenas na idade de seu paciente. Mas um modo mais preciso de determinar uma dose apropriada consiste em avaliar a função renal com um exame de sangue (medindo a quantidade de creatinina no soro), isoladamente ou em combinação com um exame de urina (medindo a creatinina na urina coletada durante 12 a 24 horas). O fígado excreta alguns medicamentos pela bile.

Essas substâncias entram no trato gastrointestinal e terminam nas fezes, se não forem reabsorvidas pela corrente sangüínea, ou decompostas. Também pequenas quantidades de algumas substâncias são excretadas na saliva, suor, leite materno e mesmo no ar expirado. A administração de um medicamento eliminado principalmente pelo metabolismo no fígado talvez tenha que ser ajustada para a pessoa com doença hepática.

Não existem modos simples de avaliar a função hepática (para o metabolismo dos medicamentos) comparáveis aos que medem a função renal.