A velocidade com que os medicamentos entram no organismo e dele saem varia amplamente entre diferentes pessoas. Muitos fatores podem afetar a absorção, a distribuição, o metabolismo, a excreção e o efeito final de determinada droga. Entre outras razões, as pessoas respondem de modo diverso aos medicamentos por causa de diferenças genéticas ou da ingestão simultânea de dois ou mais medicamentos que interagem entre si, ou ainda pela presença de moléstias que influenciam os efeitos medicamentosos.
Genética
Diferenças genéticas (hereditárias) entre indivíduos afetam a cinética das drogas, ou seja, a velocidade com que as drogas movimentamse dentro do corpo. O estudo da influência das diferenças genéticas sobre a resposta às drogas é chamado farmacogenética. Em razão de sua constituição genética, algumas pessoas metabolizam medicamentos lentamente, promovendo um acúmulo do medicamento no organismo, o que causa toxicidade. Outras pessoas possuem uma constituição genética que faz com que metabolizem rapidamente as drogas; determinado medicamento pode ser metabolizado com tanta rapidez que seus níveis no sangue nunca tornam-se suficientemente altos para que seja eficaz. Às vezes, diferenças genéticas afetam de outra forma o metabolismo das drogas.
Assim, por exemplo, nos níveis decorrentes da dose habitual, um medicamento pode ser metabolizado em velocidade normal, mas, quando administrado em doses mais altas ou no caso de outro medicamento que usa o mesmo sistema para seu metabolismo, o sistema pode estar sobrecarregado e a droga pode atingir níveis tóxicos. Para ter certeza de que o paciente tomou medicamento suficiente para a ocorrência do efeito terapêutico com pouca toxicidade, os médicos devem individualizar a terapia, isto é, selecionar o medicamento certo; levar em consideração fatores como idade, sexo, estatura, dieta, raça e origem étnica da pessoa; e ajustar cuidadosamente a dose.
A presença de moléstia, o uso simultâneo de outros medicamentos e o limitado conhecimento acerca das interações desses fatores complicam esse processo. A insuficiência das diferenças genéticas sobre o modo com que os medicamentos afetam o corpo (farmacodinâmica) é muito menos comum que as diferenças no modo com que o corpo afeta os medicamentos (farmacocinética). Ainda assim, as diferenças genéticas são particularmente importantes em certos grupos étnicos e raças.
Cerca de metade da população dos Estados Unidos tem baixa atividade de N-acetiltransferase, uma enzima hepática que ajuda a metabolizar algumas drogas e muitas toxinas. Pessoas com baixa atividade dessa enzima metabolizam muitas drogas lentamente, as quais tendem a atingir níveis sangüíneos mais elevados e a permanecer no corpo mais tempo que nas pessoas com atividade intensa de Nacetiltransferase.
Cerca de uma entre cada 1.500 pessoas tem baixos níveis de pseudocolinesterase, uma enzima do sangue que inativa drogas como a succinilcolina, que é administrada com a anestesia para relaxar temporariamente os músculos. Embora a deficiência dessa enzima não seja comum, suas conseqüências são importantes. Se não for inativada, a succinilcolina causará paralisia dos músculos, inclusive os envolvidos na respiração. Essa situação pode exigir o uso prolongado de um ventilador mecânico.
A glicose-6-fosfato desidrogenase, ou G6PD, é uma enzima normalmente presente nas hemácias, que protege essas células de certos agentes químicos tóxicos. Cerca de 10% dos homens negros e uma porcentagem um pouco menor das mulheres negras têm deficiência de G6PD. Algumas drogas (por exemplo, a cloroquina, a pamaquina e a primaquina, usadas no tratamento da malária, e a aspirina, a probenecida e a vitamina K) destroem as hemácias em pessoas com deficiência de G6PD, causando anemia hemolítica.
Certos anestésicos provocam febre muito alta (transtorno chamado hipertermia maligna) em cerca de uma entre cada 20.000 pessoas. A hipertermia maligna tem origem em um defeito genético dos músculos, que os torna excessivamente sensíveis a alguns anestésicos. Os músculos enrijecem, o coração dispara e a pressão arterial cai. Embora não seja comum, a hipertermia maligna é um problema que representa risco à vida. O sistema enzimático P-450 é o principal mecanismo do fígado para a inativação das drogas.
Os níveis de atividade do P-450 determinam não apenas a velocidade com que as drogas são inativadas, como também o ponto a partir do qual o sistema enzimático torna-se sobrecarregado. Muitos fatores podem alterar a atividade do P-450, e diferenças na atividade desse sistema enzimático influenciam profundamente os efeitos dos medicamentos. É o que acontece, por exemplo, com o indutor do sono flurazepam: em pessoas com níveis enzimáticos normais, os efeitos duram dezoito horas; em pessoas com baixos níveis da enzima, os efeitos podem se prolongar por mais de três dias.
Muitos Fatores Influenciam a Resposta aos Medicamentos
Interações Medicamentosas
Interações medicamentosas são alterações nos efeitos de um medicamento em razão da ingestão simultânea de outro medicamento (interações do tipo medicamento-medicamento) ou do consumo de determinado alimento (interações do tipo alimento- medicamento). Embora em alguns casos os efeitos de medicamentos combinados sejam benéficos, mais freqüentemente as interações medicamentosas são indesejáveis e prejudiciais.
Tais interações podem intensificar ou diminuir os efeitos de um medicamento ou agravar seus efeitos colaterais. Quase todas as interações do tipo medicamento- medicamento envolvem medicamentos de receita obrigatória, mas algumas envolvem medicamentos de venda livre (sem necessidade de receita) – mais comumente aspirina, antiácidos e descongestionantes.
O risco de ocorrência de uma interação medicamentosa depende do número de medicamentos usados, da tendência que determinadas drogas têm para a interação e da quantidade tomada do medicamento. Muitas interações são descobertas durante testes de medicamentos. Médicos, enfermeiras e farmacêuticos podem reduzir a incidência de problemas sérios mantendo-se informados a respeito de interações medicamentosas potenciais. Livros de referência e programas de software de computador podem ajudar.
O risco de uma interação medicamentosa aumenta quando não há coordenação entre a receita dos medicamentos e o fornecimento e a orientação de seu uso. As pessoas que estão aos cuidados de vários médicos estão em maior risco, porque um dos profissionais pode não ter conhecimento de todos os medicamentos que estão sendo tomados. O risco de interação medicamentosa pode ser reduzido pela utilização de uma mesma farmácia, que aviará todas as receitas. Os medicamentos podem interagir de muitas formas. Um medicamento pode duplicar o efeito de outro ou se opor a ele, ou ainda alterar a velocidade de absorção, o metabolismo ou a excreção do outro medicamento.
Efeitos de Duplicação
Às vezes dois medicamentos tomados simultaneamente têm efeitos similares, o que resulta em duplicação terapêutica. Uma pessoa pode, por descuido, tomar dois medicamentos com o mesmo ingrediente ativo. Isso ocorre comumente com medicamentos de venda livre. Por exemplo, a difenidramina é ingrediente de muitos remédios para tratamento de alergia ou de resfriado; é também o ingrediente ativo de muitos indutores do sono.
A aspirina pode ser ingrediente de remédios contra a gripe e de produtos para o alívio da dor. Mais freqüentemente dois medicamentos similares, mas não idênticos, são tomados ao mesmo tempo. Em alguns casos, o médico planeja isso, para que seja obtido um efeito maior. Assim, o médico pode prescrever dois medicamentos anti-hipertensivos para uma pessoa cuja pressão alta é de difícil controle. No tratamento de câncer, os médicos às vezes prescrevem diversos medicamentos (quimioterapia combinada) para a obtenção de um resultado melhor. Mas podem surgir problemas quando o médico, inadvertidamente, prescreve medicamentos similares.
Os efeitos colaterais podem se tornar graves; por exemplo, podem ocorrer sedação e tontura excessivas quando uma pessoa toma dois sedativos diferentes (ou álcool ou outra droga que tenha efeitos sedativos).
Efeitos Opostos
Dois medicamentos com ações opostas (antagonistas) podem interagir. É o caso de drogas antiinflamatórias não-esteróides (DAINEs), como o ibuprofeno, que, tomadas para combater a dor, fazem com que o organismo retenha sal e água; os diuréticos, por seu lado, ajudam a eliminar o excesso de sal e água do organismo.
Se esses medicamentos forem tomados simultaneamente, o DAINE diminuirá (fará oposição, ou antagonizará) a eficácia do diurético. Alguns medicamentos administrados para o controle da pressão alta e da doença cardíaca (por exemplo, betabloqueadores como o propranolol e o atenolol) antagonizam certos medicamentos administrados contra a asma (por exemplo, drogas estimulantes betaadrenérgicas, como o albuterol).
Alterações na Absorção
Medicamentos tomados por via oral devem ser absorvidos através do revestimento do estômago ou do intestino delgado. Em alguns casos, os alimentos ou alguma droga podem reduzir a absorção de outra droga. Por exemplo, o antibiótico tetraciclina não é absorvido adequadamente se for tomado no período de uma hora após a ingestão de cálcio ou de alimentos que contenham cálcio, como o leite e laticínios.
A obediência a orientações específicas – por exemplo, evitar alimentos por uma hora antes ou algumas horas depois de ter tomado um remédio, ou tomar os remédios com um intervalo de pelo menos duas horas – é uma precaução importante.
Alterações no Metabolismo
Muitos medicamentos são inativados por sistemas metabólicos no fígado, como o sistema enzimático P-450. Os medicamentos circulam através do organismo e passam pelo fígado, onde as enzimas atuam inativando as drogas ou alterando sua estrutura, de modo que os rins possam filtrá-las. Algumas drogas alteram esse sistema enzimático, fazendo a inativação de outra droga ocorrer com maior rapidez ou lentidão que o habitual.
Assim, por exemplo, pelo fato de os barbitúricos, como o fenobarbital, aumentarem a atividade enzimática no fígado, drogas como a warfarina tornam-se menos eficazes quando tomadas durante o mesmo período. Por isso, os médicos às vezes precisam aumentar a dose de certos medicamentos para compensar esse tipo de efeito. Mas se o fenobarbital for interrompido mais tarde, o nível de outros medicamentos poderá aumentar de forma drástica, levando a efeitos colaterais potencialmente graves.
As substâncias químicas presentes na fumaça do cigarro podem aumentar a atividade de algumas enzimas hepáticas. É por isso que o fumo diminui a eficácia de alguns analgésicos (como o propoxifeno) e de alguns medicamentos utilizados para problemas pulmonares (como a teofilina). A cimetidina, um medicamento utilizado em úlceras, e os antibióticos ciprofloxacina e eritromicina são exemplos de drogas que retardam a atividade das enzimas hepáticas, prolongando a ação da teofilina.
A eritromicina afeta o metabolismo da terfenadina e do astemizol (antialérgicos), levando a um acúmulo potencialmente sério dessas drogas.
Alterações na Excreção
Uma droga pode afetar a velocidade de excreção pelos rins de outra droga. Algumas drogas, por exemplo, alteram a acidez da urina, o que, por sua vez, afeta a excreção de outras drogas. Em grandes doses, a vitamina C pode ter esse efeito.
Como Reduzir o Risco de Interações Medicamentosas
• Consulte seu médico, antes de tomar qualquer medicamento novo |
Interações do Tipo Medicamento-Doença
A maioria dos medicamentos circula por todo o corpo; embora exerçam a maior parte de seus efeitos em um órgão ou sistema específico, também afetam outros órgãos e sistemas. Um medicamento tomado por causa de um distúrbio pulmonar pode afetar o coração, e um medicamento tomado para o tratamento de um resfriado pode afetar os olhos. Considerando que os medicamentos podem afetar outros problemas clínicos além do que está sendo tratado, o médico deve tomar conhecimento de todos os distúrbios que porventura existam, antes de prescrever um novo medicamento. Diabetes, pressão arterial alta ou baixa, glaucoma, dilatação da próstata, controle deficiente da bexiga e insônia são distúrbios particularmente importantes.
Placebos
Placebos são substâncias prescritas como medicamentos, mas que não contêm substâncias químicas ativas.
Um verdadeiro placebo é produzido de modo a se parecer exatamente com um remédio de verdade, mas se compõe de uma substância química inativa, como amido ou açúcar. Os placebos são utilizados em pesquisas para comparação com drogas ativas. Além disso, um placebo pode ser prescrito em circunstâncias muito limitadas, para aliviar os sintomas quando o médico não considera cabível o uso de um medicamento que contenha agente químico ativo.
O efeito de placebo – uma modificação nos sintomas depois de ter sido ministrado um tratamento sem efeito comprovado – pode ser obtido por qualquer tipo de terapia, inclusive por medicamentos, cirurgias e psicoterapia. Placebos podem produzir ou estar associados a um número notável de mudanças, tanto desejáveis como indesejáveis.
Dois fatores tendem a influenciar o efeito de placebo. Um desses fatores é a antecipação dos resultados (comumente otimista) pelo fato de tomar um remédio; às vezes isso é chamado de sugestão, fé, esperança ou otimismo. Em alguns casos, o segundo fator, mudança espontânea, é ainda mais importante. Às vezes as pessoas experimentam uma melhora espontânea; ficam melhor sem nenhum tipo de tratamento. Se a melhora espontânea ocorre depois de ter sido tomado um placebo, este poderá, incorretamente, receber o crédito pelo resultado.
Por outro lado, se ocorre espontaneamente uma dor de cabeça ou erupção depois de tomado um placebo, este poderá, também incorretamente, ser considerado o culpado. Pesquisas com o objetivo de determinar se pessoas com certas características de personalidade apresentam maior tendência a responder a placebos acabaram chegando a conclusões diametralmente opostas. A reatividade ao placebo é questão de grau, já que virtualmente todas as pessoas, em certas circunstâncias, são influenciadas pela sugestão. Mas algumas pessoas parecem ser mais suscetíveis que outras.
As que respondem intensamente a placebos exibem muitas das características de dependência a drogas: tendência a necessitar de aumentos de doses, desejo compulsivo de tomar a droga e apresentação de sintomas de abstinência ao serem privadas da substância.
Placebo: “Agradarei”
Em latim, placebo quer dizer “agradarei”. Em 1785, a palavra placebo surgiu pela primeira vez em um dicionário médico, como um “método ou remédio corriqueiro”. Duas edições depois, placebo havia se transformado em “remédio fictício”, e foi alegado inerte e inofensivo. Atualmente sabemos que os placebos podem ter efeitos profundos, tanto bons como maus. |
Uso em Pesquisa
Qualquer droga pode ter um efeito de placebo – efeitos bons ou maus, não relacionados aos ingredientes químicos ativos. Para diferenciar um efeito medicamentoso real de um efeito de placebo, os pesquisadores comparam drogas com placebos em testes experimentais. Nesses estudos, metade dos participantes recebe um placebo parecido em tudo com o medicamento. Idealmente, nem os participantes nem os pesquisadores sabem quem recebeu a droga e quem recebeu o placebo (assim, a pesquisa é chamada experimento duplo-cego). Quando a pesquisa termina, todas as alterações observadas para a droga que está sendo testada são comparadas com as do placebo.
Para estimar os verdadeiros efeitos químicos da droga, os efeitos do placebo são subtraídos dos resultados observados para a droga em teste. Para que seu uso se justifique, o medicamento em teste deve sair-se de forma significativamente melhor que o placebo. Por exemplo, em estudos de novos medicamentos para aliviar a angina (dor no peito decorrente de irrigação sangüínea inadequada ao músculo cardíaco), o alívio oferecido por um placebo em geral ultrapassa os 50%. Por essa razão, a demonstração da eficácia de novos medicamentos é um desafio considerável.
Uso na Terapia
Todos os tratamentos têm um efeito de placebo, fazendo com que os efeitos atribuídos aos medicamentos variem de pessoa para pessoa e de médico para médico. Para a pessoa que tem uma opinião positiva a respeito de medicamentos, médicos, enfermeiras e hospitais, é maior a probabilidade de responder favoravelmente aos placebos ou de exibir uma resposta de placebo a medicamentos ativos, em comparação à pessoa com orientação negativa, que pode negar os benefícios ou experimentar efeitos adversos.
É mais provável a ocorrência de um efeito positivo quando tanto o paciente como o médico acreditam que o placebo será benéfico. Uma droga ativa sem efeito terapêutico conhecido para o transtorno que está sendo tratado (por exemplo, vitamina B12 para a artrite) pode trazer alívio; ou um medicamento com atividade leve (por exemplo, um analgésico fraco) pode ter seu efeito reforçado. Em geral, os médicos evitam o uso deliberado e secreto de placebos (ao contrário do que ocorre nos experimentos de pesquisa), porque a decepção pode abalar a relação entre o médico e o paciente. Do mesmo modo, o médico pode interpretar de forma errada a resposta do paciente, acreditando equivocadamente que os sintomas não se baseiam na enfermidade física ou são exagerados.
Quando outros médicos e profissionais da saúde também estão envolvidos (como no tratamento realizado por um grupo ou em um hospital), as atitudes e o comportamento do profissional com relação ao paciente podem ser adversamente afetados, aumentando a possibilidade de descoberta da burla. Mas os médicos têm um método simples e direto de receitar placebos. Assim, se um paciente com dor crônica está se tornando demasiadamente dependente de um analgésico capaz de viciar, o médico pode sugerir uma tentativa com placebos. Essencialmente, o paciente e o médico concordam com uma experiência, para confirmar se realmente há necessidade do medicamento “perigoso”.
Embora raramente os médicos receitem placebos, quase todos têm notícia de pacientes que estão totalmente convencidos de que o uso de alguma substância impede ou alivia sua enfermidade, mesmo sem a existência de evidência científica em apoio a essa crença. É o caso de pessoas que são beneficiadas por tomar vitamina B12 ou outras vitaminas como tônicos e que freqüentemente adoecem e sofrem indigestão caso o medicamento lhes seja negado.
Algumas pessoas que são informadas que seus analgésicos leves são “potentes”, freqüentemente conseguem excelente alívio da dor e ficam convencidas de que os medicamentos são mais fortes do que qualquer outro que haviam tomado anteriormente. Em razão de crenças culturais ou de atitudes psicológicas, algumas pessoas parecem necessitar de um medicamento cientificamente não comprovado e beneficiarem-se com seu uso ou com determinada forma de administração (por exemplo, uma injeção quando um comprimido bastaria).
fonte: Manual Merck