ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

DOENÇA DIVERTICULAR DO CÓLON





1. Conceito



Um divertículo representa uma protrusão sacular de uma víscera oca. Um pseudo-divertículo é aquele constituído apenas pela mucosa e pela serosa do órgão (no caso de vísceras ocas intraperitoneais). Os divertículos de intestino grosso podem ser verdadeiros (constituídos por todas as camadas do cólon), porém os de importância clínica são pseudo-divertículos e representam, dessa forma, herniação da mucosa através da parede do cólon.

Embora sob o ponto de vista anatomopatológico a moléstia seja caracterizada pelo aparecimento dos divertículos, é a anormalidade da camada muscular a alteração que melhor define a enfermidade e que conduz à formação dos divertículos. A partir destas alterações musculares pode-se distinguir duas formas distintas da doença:

a) Doença Diverticular Hipotônica dos Cólons: cuja característica anatomopatológica é representada por uma camada muscular delgada, hipotrófica; constitui-se na forma mais freqüente da doença;

b) Doença Diverticular Hipertônica dos Cólons: caracterizada anatomopatologicamente pela presença de uma camada muscular espessa, hipertrofiada.

Embora seja a forma menos freqüente da doença diverticular é a que tem um quadro clínico mais expressivo, com sintomatologia característica, embora não patognomônica, e que pode levar a um índice maior de complicações.

Ocorre no adulto jovem, com predominância de aparecimento entre a terceira e a quarta décadas; entretanto, face a evolução tediosa e crônica da enfermidade, ela pode ser encontrada na população mais idosa e coexistir com a forma hipotônica da doença determinando uma forma mista, difícil de ser avaliada e explicada.

Predomina na raça caucasiana, sem prevalência de sexo.

A presença de divertículos no cólon é conhecida como diverticulose e é usualmente empregada para distinguir a ausência de sintomas associados aos divertículos. A diverticulite é o processo inflamatório e infeccioso associado aos divertículos e representa a principal complicação da diverticulose. A doença diverticular do cólon inclui todas as manifestações associadas aos divertículos, desde sua simples presença até a ocorrência de sintomas ou complicações (diverticulite aguda e sangramento). A diverticulite aguda, por sua vez, pode ser simples ou complicada (associada à formação de abscesso, fístula, obstrução ou peritonite difusa). O termo diverticulite perfurada, historicamente utilizado para classificar uma complicação da diverticulite aguda, deveria ter seu emprego desestimulado uma vez que em todas as crises de diverticulite aguda ocorre perfuração (ainda que microscópica na maioria das vezes). Diverticulite perfurada usualmente distingue a diverticulite aguda com contaminação difusa da cavidade peritoneal associada ou não a pneumoperitônio.





2. Epidemiologia



A maioria dos pacientes com divertículos é assintomática o que dificulta a estimativa de sua prevalência. A prevalência da diverticulose colônica aumenta com a idade. Parece inferior a 10% para a população com menos de 40 anos, atinge um terço da população acima dos 45 anos e está estimada entre 50% e 66% para os indivíduos com mais de 80 anos podendo atingir até 80% dessa população idosa. Não existe evidente correlação com o sexo. Dez a 25% dos indivíduos com diverticulose evoluirão com diverticulite. As evidências provenientes de estudos observacionais epidemiológicos e que contemplam dados de necrópsias indicam que a doença diverticular resulta da ocidentalização de hábitos alimentares que incluem dietas com alto teor de carboidratos refinados e pobres em fibras. Conhecida como doença da civilização ocidental, a afecção é rara na Ásia e na África rurais e as maiores prevalências são observadas nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Austrália.



3. Etiologia e fisiopatologia



Divertículos do cólon podem variar em número desde solitários ou raros até centenas. São mais frequentemente observados na topografia dos vasos retos mesocólicos. Esses vasos, ao atravessarem a camada muscular própria a partir da subserosa e comunicar-se com a rede vascular submucosa, originam regiões de fraqueza na parede do cólon e, portanto, predispõem à herniação da mucosa através da espessura do cólon. Os divertículos, que são por origem adquiridos e de pulsão, podem acometer todo o cólon e ocorrem em duas fileiras paralelas e adjacentes às duas bordas da tênia mesocólica (Fig.1). A etiologia da doença diverticular do cólon permanece parcialmente esclarecida. Existem evidências que apontam para a ação de três fatores: redução da resistência da parede do cólon, dismotilidade e dieta pobre em fibras.

Com relação à redução da resistência da parede do cólon, é possível que mudanças decorrentes da idade levem a alteração na composição da matriz extracelular da musculatura lisa colônica. Essas alterações teriam portanto origem degenerativa consistindo em modificações na composição do colágeno com aumento do componente de elastina, esta última alteração já demonstrada por observações por microscopia eletrônica.

Evidências sobre o papel de distúrbios da motilidade colônica como causa da doença diverticular vêm sendo obtidas há alguns anos. Postulou-se a teoria da segmentação colônica, na qual a ação da musculatura lisa em sintonia com as pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria grandemente aumentada, favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede colônica na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.

A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita correlação com a dieta ocidental, há muito sugerem a existência de um fator etiológico presente na dieta. Painter e Burkitt observaram em mais de 1.200 habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110 gamas), exibiam tempo de trânsito intestinal duas vezes maior do que os africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de trânsito intestinal prolongado resultantes de dieta pobre em fibras levariam a significativo aumento das pressões intraluminares e predisporiam à formação de divertículos. No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental, tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para comprovar a evidência epidemiológica.

Com relação à fisiopatologia da diverticulite aguda, uma vez que divertículos estejam presentes, partículas de comida não-digeridas ou fezes ressecadas podem se acumular em seu interior. A obstrução do colo do divertículo por essas substâncias resultaria em aumento da pressão no interior do divertículo e/ou hiperproliferação bacteriana. O divertículo, cuja parede tem espessura de mucosa isolada é altamente susceptível à isquemia e subseqüente perfuração.



4. Quadro clínico e diagnóstico



A – Doença Diverticular Não-Complicada



A maioria dos pacientes com diverticulose permanecerá completamente assintomática durante a vida e frequentemente os divertículos representam achados de sigmoidoscopias ou colonoscopias de rastreamento.

 Por outro lado, pacientes com divertículos podem queixar-se de dor ou sensibilidade abdominal em baixo ventre ou mais caracteristicamente em quadrante inferior esquerdo associada a alterações do hábito intestinal. A dor pode ser acentuada pela refeição e aliviada pela evacuação e “gases” representa uma queixa comumente associada. A constipação pode representar complicação da diverticulose na forma de estenose porém pode fazer parte da etiologia da doença. Da mesma forma, um aumento do número de evacuações pode ser secundária a diminuição da complacência do sigmóide. Ao exame físico, pode ser percebida leve sensibilidade à palpação do quadrante inferior esquerdo. Esse quadro é geralmente distinguido pela denominação de cólica diverticular e representa a manifestação clínica da doença diverticular não-complicada.

O diagnóstico diferencial mais importante a ser estabelecido é com a síndrome do intestino irritável. Se as duas doenças são ou não distintas, não se sabe; no entanto a importância do diagnóstico diferencial diminui uma vez que o tratamento clínico é semelhante e a presença de divertículos não é contra-indicação à intervenção medicamentosa destinada a tratar o intestino irritável. Com relação ao diagnóstico da doença diverticular não-complicada, o enema opaco provê informações com elevada acurácia acerca da presença e da localização dos divertículos de cólon de forma superior à colonoscopia. No entanto, a sensibilidade do exame radiológico para o diagnóstico de pólipos e carcinoma é reduzida se comparada à da colonoscopia especialmente na vigência de divertículos. Daí a importância da realização da colonoscopia diagnóstica especialmente se os sintomas sugestivos de diverticulose não-complicada incluem a alteração do hábito intestinal e emagrecimento. Numerosas séries e anos de experiência demonstraram a segurança do exame colonoscópico cuidadoso na diverticulose não-complicada afastando o temor de que essa afecção representaria relativa contra-indicação à endoscopia do cólon.



B – Diverticulite Aguda



A diverticulite aguda representa a mais freqüente complicação da diverticulose do cólon e estima-se afetar entre 10 e 25% dos pacientes com divertículos do cólon. É resultante de micro ou macroperfuração de um divertículo isolado. A dor no quadrante inferior esquerdo ocorre em 70% dos pacientes com diverticulite aguda e está mais comumente presente por vários dias antes do diagnóstico, o que permite diferenciá-la de outras causas de abdome agudo inflamatório. Em pacientes com cólon sigmóide redundante, a dor em baixo ventre ou mesmo em quadrante inferior direito pode ocorrer. Até metade dos pacientes refere um ou mais episódios semelhantes anteriores. Pode haver história de alteração da freqüência evacuatória (sendo a diarréia a mais freqüente) podendo também haver náuseas e vômitos. Sintomas urinários tais como disúria e urgência podem ocorrer como resultado de proximidade entre o divertículo perfurado e a bexiga. Ao exame físico, a dor à palpação do quadrante inferior esquerdo é característica. Dor à descompressão brusca localizada é freqüentemente observada, porém dor e defesa à palpação de todos os quadrantes devem sugerir a presença de peritonite difusa. Massa palpável pode ser identificada em cerca de 20% dos casos. O achado de massa palpável requer afastar a presença de carcinoma. Febre baixa e leucocitose são comuns porém pode não haver febre ou leucocitose em até 45% dos casos. A leucocitúria pode ser indicativa da infecção no sigmóide adjacente, o que pode ser confirmado pela urocultura estéril. Ainda que 85% dos casos de diverticulite ocorram em cólon descendente e sigmóide, a diverticulite de cólon direito é observada com grande freqüência entre indivíduos asiáticos e cursa de forma mais benigna exigindo atenção no diagnóstico diferencial com apendicite aguda.

Na diverticulite aguda, a localização e magnitude da contaminação determinam a apresentação clínica e o prognóstico. Microperfurações podem permanecer restritas à gordura pericólica entre folhetos peritoneais do mesossigmóide originando apenas um flegmão ou abscesso pericólico. Perfurações maiores podem resultar na formação de abscessos que podem atingir localmente a cavidade peritoneal, exigindo o bloqueio pelo grande omento ou outros órgãos intraperitoneais (intestino delgado, útero e anexos ou bexiga), originando massa palpável ou trajetos fistulosos. Perfurações em peritônio livre são mais raras, porém podem causar peritonite purulenta ou fecal difusas com ou sem pneumoperitônio identificável à radiografia simples do abdome, situações graves e associadas a variável letalidade. Hinchey e cols. publicaram uma classificação para a intensidade do processo inflamatório e infeccioso na diverticulite aguda (Quadro 1).



Quadro 1:
Classificação de Hinchey
1.                  Abscesso pericólico ou mesentérico
2.                  Abscesso pélvico contido
3.                  Peritonite generalizada purulenta
4.                  Peritonite fecal generalizada



 O diagnóstico diferencial da diverticulite aguda é amplo. A apendicite aguda representa a hipótese diagnóstica errônea mais freqüentemente realizada para os indivíduos com diverticulite aguda. A enterite ou colite de Crohn agudas podem se apresentar com dor abdominal, febre e leucocitose. O câncer de cólon ocorre na mesma faixa etária dos pacientes com diverticulite e representa diagnóstico diferencial importante quando contemplados emagrecimento, massa palpável, alteração importante do hábito intestinal e hematoquezia. A hipótese diagnóstica de colite isquêmica deve ser afastada nos pacientes mais idosos ou com doença aterosclerótica coronariana, de carótidas ou femorais. Afecções ginecológicas agudas devem ser lembradas em mulheres.

O diagnóstico da diverticulite aguda não raramente pode ser realizado com base na anamnese e exame físico bem conduzidos. Recomenda-se que, quando a apresentação deixar poucas dúvidas, não sejam realizados exames adicionais para a comprovação do diagnóstico. No entanto, o diagnóstico clínico isolado pode estar incorreto em até um terço dos casos. Além do mais, a comprovação diagnóstica e documentação de uma crise de diverticulite é útil ao planejamento do acompanhamento e da proposta terapêutica, sobretudo se estes vierem a ser conduzidos por outro especialista. As radiografias simples para abdome agudo (abdome em ortostase e em decúbito e tórax) servem ao diagnóstico de pneumoperitônio e de obstrução intestinal, bem como para avaliação da área cardíaca em uma população mais idosa e com comorbidades. Radiografias anormais serão encontradas em 30 a 50% dos pacientes com diverticulite na forma de níveis hidroaéreos em intestino delgado, dilatação colônica ou imagens de macicez sugerindo abscessos. Devido ao seu baixo custo, baixa invasividade e ampla disponibilidade e também devido a algumas possibilidades terapêuticas que oferece, a ultrassonografia transabdominal tem utilidade na diverticulite aguda. Os achados característicos incluem o espessamento hipoecóico da parede do cólon, visibilização de divertículos, abscesso ou hiperecogenicidade pericólica sugerindo flegmão ou mesmo coleções intraperitoneais. Evidências acerca de similar acurácia no diagnóstico da diverticulite aguda pela ultrassonografia se comparada à tomografia computadorizada (TC) também existem. No entanto deve-se levar em consideração que a ultrassonografia é mais dependente do examinador do que a TC e tem sua eficácia significativamente diminuída na presença de distensão abdominal. As ultrassonografias transabdominal e transvaginal prestam-se muito bem ao diagnóstico diferencial com afecções ginecológicas. Achados considerados diagnósticos na diverticulite aguda são o extravasamento de meio de contraste para uma loja fora do cólon , trajeto fistuloso intramural ou em fistulização para outros órgãos. Massa extraluminal que comprime ou desloca o sigmóide é tida como o mais freqüente achado na diverticulite aguda complicada, porém não é específica para o diagnóstico. Obviamente a ausência de divertículos deveria levar a reconsideração do diagnóstico. Esta é a razão para o entusiasmo que ainda cerca o exame contrastado do cólon como método de diagnóstico útil na diverticulite aguda. A realização do enema opaco é segura na diverticulite aguda desde que apenas o contraste hidrossolúvel isolado (sem ar) seja utilizado.

 Com a ampla disponibilidade da TC, o enema opaco assume posição secundária, embora possa ser útil frente a achados tomográficos inconclusivos. Estudos retrospectivos indicam que o enema opaco tem sensibilidade de 62 a 94% para o diagnóstico da diverticulite aguda. Em função da maior sensibilidade da TC para o diagnóstico das repercussões extraluminais e em órgãos vizinhos, menor dependência do operador, avaliação completa da cavidade abdominal, baixa invasividade e possibilidades terapêuticas, muitos preferem e advogam esse método como de escolha, associando-o a maior relação custo-efetividade na diverticulite aguda. Melhores resultados são obtidos pela administração oral, endovenosa e retal de meio de contraste hidrossolúvel. Os critérios para o diagnóstico de diverticulite incluem: espessamento da parede do cólon acometido, a presença de um único ou múltiplos divertículos, achado de abscesso pericólico, ar fora de alça e infiltração da gordura. A tomografia de abdome na diverticulite aguda tem sensibilidade de 90 a 95%, especificidade de 72% e taxa de falsos-negativos entre 7 e 21%.O valor preditivo da TC para o diagnóstico de diverticulite aguda é de 73% para o achado de divertículos em sigmóide, 88% para o achado de inflamação pericólica, 100% quando considerado o achado de espessamento da parede do cólon maior do que 10 mm, e de 85% quando a parede do cólon tem espessura entre 7 e 10 mm. Vale lembrar que a TC isoladamente não é útil ao diagnóstico diferencial entre diverticulite e câncer. Apesar de sua elevada relação custo-efetividade, não é necessária ao adequado manejo de todos os casos, especialmente para as crises leves, nas quais o diagnóstico de diverticulose já está estabelecido, quando não há suspeita de abscesso e para cujos pacientes se instituirá o tratamento ambulatorial sob risco de se elevar desnecessariamente os custos. Tem sua precípua indicação quando há repercussão da doença sobre o estado geral do doente, quando há dúvida diagnóstica e, é claro, na piora clínica. Devido ao risco de desbloqueio de um divertículo já perfurado ou mesmo de nova perfuração resultante da insuflação de ar ou progressão do aparelho, a endoscopia do sigmóide está historicamente contra-indicada na suspeita de diverticulite aguda. No entanto, a sigmoidoscopia cuidadosa é útil para excluir a presença de câncer, colite inespecífica ou isquêmica. Associadamente, a observação de drenagem purulenta proveniente de um divertículo inflamado adiciona acurácia à hipótese de diverticulite. A avaliação colonoscópica completa deve ser realizada entre seis e oito semanas após a crise de diverticulite aguda se já não houver sido realizada anteriormente por outra indicação.



5. Complicações



A – Complicações da diverticulite aguda



O abscesso e a fístula colovesical são as principais complicações de um episódio de diverticulite aguda.

Quando a perfuração de um divertículo ocorre, a capacidade de bloqueio dos órgãos adjacentes determina a intensidade do quadro clínico. Quando o bloqueio não é suficiente para restringir a contaminação a apenas um flegmão, um abscesso intramesocólico ou pélvico pode se formar. Febre persistente, leucocitose acentuada e ausência de melhora com o tratamento clínico representam os sinais mais comuns.

O diagnóstico de abscesso pode ser suspeitado pela ultrassonografia, porém a TC é a melhor modalidade diagnóstica pois permite documentar adequadamente o achado e planejar o tratamento por punção. Quando existe extensão do processo infeccioso na forma de um flegmão ou abscesso em direção a outros órgãos levando a perfurações bloqueadas, fístulas podem ocorrer. Pneumatúria, fecalúria e infecções urinária de repetição ocorrem em mais da metade dos pacientes. O diagnóstico pode ser estabelecido pela TC, a qual evidencia espessamento do cólon sigmóide associado a presença de divertículos e ar no interior da bexiga . A cistoscopia, cistografia e o enema opaco também podem contribuir para o diagnóstico, embora não sejam imprescindíveis à instituição do tratamento cirúrgico. A fístula colovaginal é a segunda mais comum. A passagem de fezes ou ar pela vagina é patognomônica. As fístulas coloentérica, colouterina e colocutânea são raras.



B – Hemorragia digestiva por doença diverticular



Hemorragia gastrintestinal grave pode ocorrer em 3 a 5% dos indivíduos com diverticulose do intestino grosso. Ao contrário da localização mais distal no cólon dos divertículos na população ocidental, a origem do sangramento nesses indivíduos é mais proximal. Existe associação comprovada entre risco de sangramento em pacientes com diverticulose e uso de antiinflamatórios não-esteroidais. A melena é incomum e a hemorragia por doença diverticular manifesta-se na forma de eliminação anal de grande quantidade de sangue vivo inicialmente na companhia de fezes e, posteriormente, na de coágulos, o que acontece com início abrupto e na ausência de dor abdominal. Cólicas abdominais acompanham a necessidade de evacuação.

Ressuscitação imediata por venóclise calibrosa e segura, reposição por cristalóides e concentrado de glóbulos de acordo com a hematimetria e nível pressórico precedem inclusive a investigação diagnóstica na hemorragia digestiva baixa importante. A realização da endoscopia digestiva alta é adequada à exclusão com boa acurácia de origem em trato digestivo alto para o sangramento uma vez que 10 a 15% dos pacientes com hemorragia digestiva baixa podem ter etiologia do sangramento em trato digestivo alto. A realização do exame proctológico com anuscopia não necessita de preparo e é sempre necessária para afastar uma afecção orificial (hemorróidas) ou retal.

A colonoscopia representa o procedimento diagnóstico de escolha desde que o ritmo de sangramento permita a realização do preparo intestinal devido à sua elevada acurácia para o diagnóstico de sangramento de origem colônica bem como devido a possibilidade terapêutica. O preparo intestinal anterógrado é essencial para adequada visão durante o exame. Quando existe instabilidade após ressuscitação ou quando há evidências de persistência de sangramento importante (elevação tímida do hematócrito após reposição e manutenção da enterorragia), o exame indicado é a arteriografia mesentérica.



6. Tratamento



A – Doença Diverticular Não-Complicada



Há duas possibilidades terapêuticas historicamente utilizadas em associação para pacientes com diverticulose sintomática: dieta de fibras e intervenções medicamentosas. Estudos epidemiológicos observacionais do tipo caso-controle suportam evidência de efeito protetor da dieta de fibras sobre o risco de doença diverticular sintomática. Com relação a estudos de intervenção com suplementação de fibras em indivíduos com diverticulose sintomática, a evidência é conflitante. Mesmo diante do conhecimento de que a doença diverticular não regride por modificações dietéticas, indivíduos com diverticulose são estimulados a seguir dieta rica em fibras frente aos benefícios para a saúde que tais dietas oferecem (redução ponderal, dos níveis de gorduras no sangue e do risco coronariano).

Historicamente, pacientes com diverticulose são orientados a evitar a ingestão de sementes e caroços e alertados sobre o risco de que esses alimentos bloqueiam o colo de um divertículo originando diverticulite aguda. Evidência em favor dessa suposição ainda não está disponível. Uma vez documentado o estado de hipermotilidade associado a origem da doença diverticular, sugere-se que antiespasmódicos e anticolinérgicos sejam de utilidade no controle da cólica diverticular e podem ser utilizados sem risco tendo sido excluída a possibilidade de crise de diverticulite aguda.



B – Diverticulite Aguda



A diverticulite aguda não está associada a complicações (abscesso, pneumoperitônio, obstrução ou fístula) em cerca de 70% dos casos e por vezes se decidirá pela necessidade ou não de internação. Por outro lado, a maioria dos pacientes com essas complicações (mais freqüentes em jovens mesmo no primeiro episódio) necessitará de tratamento cirúrgico ainda que muitas dessas operações possam ser convertidas em procedimentos eletivos. A primeira decisão acerca do tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar sua necessidade de internação. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem sinais sistêmicos (febre e queda do estado geral), com trânsito normal e capazes de assumir dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O tratamento inclui dieta sem resíduos, hidratação oral e antibioticoterapia por via oral (metronidazol, ciprofloxacina ou amoxicilina-clavulanato). Melhora sintomática é observada 48 horas, após o que a dieta pode progredir para normalidade. Pacientes submetidos a tratamento ambulatorial devem ser submetidos a ultrassonografia abdominal e avaliação laboratorial por hemograma como mínima investigação. Em contraposição, pacientes muito idosos, diabéticos ou imunossuprimidos, em corticoterapia prolongada, incapazes de tolerar dieta e hidratação oral, com dor abdominal importante, com suspeita de complicações e/ou sem melhora, indica-se a internação hospitalar. Todos os pacientes submetidos a internação devem se submeter a TC. Pacientes hospitalizados inicialmente são tratados por jejum. A critério, podem beber líquidos sem resíduos. Soroterapia de manutenção com cristalóides e eletrólitos é realizada. A antibioticoterapia é mais baseada em consensos do que em ensaios clínicos randomizados. Inclui mais freqüentemente cobertura contra anaeróbios com metronidazol ou clindamicina associados a aminoglicosídeos (amicacina ou gentamicina) ou cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxone, cefotaxima ou ceftazidime). Mais modernamente, a terapia com ertapenem pode ser utilizada nos casos complicados ou não por abscesso.

Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro dias. Piora clínica sugere diagnóstico incorreto ou peritonite generalizada não-detectada, a qual está associada a mortalidade maior do que 30%. Ausência de melhora ou quadro clínico arrastado sugerem presença de abscesso. Para pacientes com crise de diverticulite aguda e para os quais é feito diagnóstico de abscesso com pelo menos 5 cm de tamanho em posição pericólica, opta-se pela drenagem percutânea guiada, o que traz indiscutível melhora clínica em todos os casos sem os riscos da anestesia geral e permite postergar o tratamento cirúrgico para condição eletiva, evitando-se, assim, operações em dois tempos (com construção de colostomia).



C – Tratamento cirúrgico de urgência



Estima-se que 15 a 30% dos pacientes hospitalizados com diverticulite aguda necessitarão de tratamento cirúrgico. Os objetivos do tratamento cirúrgico são: remoção do segmento perfurado (sigmoidectomia), redução da contaminação (lavagem da cavidade), e, quando possível, restabelecimento do trânsito intestinal (anastomose primária). As indicações clássicas de tratamento cirúrgico na urgência são:

1.      Diagnóstico ou suspeita de peritonite generalizada;

2.      Diagnóstico de abscesso inadequado à drenagem por punção transabdominal guiada por ultrassonografia ou TC;

3.      Obstrução intestinal não-aliviada;

4.      Piora clínica evidente (piora da dor, do exame físico ou da leucocitose); e mais raramente,

5.      A incapacidade de se afastar neoplasia.

Mais freqüentemente, reserva-se o tratamento cirúrgico de urgência frente ao diagnóstico de peritonite generalizada, à impossibilidade de drenar um abscesso, se a drenagem não desencadeia melhora clínica ou se há ausência de melhora de um modo geral. Nessas situações, a atenção está centrada na adequada ressuscitação ou preparo pré-operatório (reposição volêmica, antibioticoterapia, avaliação da coagulação e correção de eventual anemia) para laparotomia sem preparo intestinal. O paciente é informado sobre a eventual necessidade de estoma e dessa forma se procede à demarcação deste no pré-operatório. A via de acesso videolaparoscópica não é freqüentemente empregada na situação de urgência, devido a dificuldades técnicas para o manejo da peritonite difusa, da obstrução intestinal e na suspeita de malignidade.

Na situação de peritonite difusa purulenta ou fecal (estágios III e IV da classificação de Hinchey — Quadro 1), há pouca discordância sobre a melhor conduta operatória: a operação em dois tempos. Realiza-se a ressecção do segmento perfurado (sigmoidectomia), colostomia terminal do descendente e sepultamento retal preferencialmente com drenagem pélvica (primeiro tempo). Entre seis e oito semanas, procede-se à reconstrução do trânsito por anastomose colorretal (segundo tempo) que pode ser realizada por videolaparoscopia sem necessidade de nova incisão abdominal. Mortalidade elevada está associada a simples laparotomia e drenagem da cavidade, pois nessa alternativa não há remoção do foco infeccioso.

Frente ao quadro de obstrução intestinal associado a diverticulite aguda, entende-se que a melhor alternativa é proceder à tentativa de descompressão nasogástrica, o que leva o paciente a uma situação semi-eletiva, em que a possibilidade de ressecção do sigmóide com anastomose primária pode ser realizada. Frente ao insucesso da descompressão, a laparotomia deve objetivar afastar a presença de obstrução por neoplasia e remover o cólon sigmóide obstruído por diverticulite. Emprega-se mais freqüentemente a operação em dois tempos como descrita para a peritonite generalizada. As operações em três tempos, quando no primeiro tempo é realizada somente uma colostomia em alça do transverso para a descompressão, caíram em desuso devido à necessidade de o paciente enfrentar mais dois tempos operatórios (sigmoidectomia e fechamento da colostomia), associados a uma morbidade cumulativa muito elevada. A realização de anastomose primária sem a necessidade de confecção de colostomia é uma alternativa realizada mais frequentemente por cirurgiões colorretais se realizado o preparo intraoperatório do cólon ou ainda a operação de colectomia total com anastomose ileorretal.

Pacientes submetidos a operações de urgência para os quais o achado intraoperatório foi o de abscesso localizado ou flegmão (estágios I e II da classificação de Hinchey) podem ser submetidos a ressecção com anastomose primária. A principal contra-indicação para a realização de anastomose primária é a peritonite difusa purulenta ou fecal. As demais contra-indicações são relativas e incluem achados operatórios (abscesso pericólico ou pélvico), condições clínicas (desnutrição, anemia, corticoterapia ou terapia imunossupressora) e experiência do cirurgião.









D – Tratamento cirúrgico eletivo



O risco de recidiva de um episódio agudo de diverticulite aguda situa-se entre 7% e 62%, sendo que a maioria dos pesquisadores estima essa chance em um terço. Metade dessas recidivas ocorre ainda no primeiro ano e 90%, após cinco anos. O seguimento de longo prazo prevê uma incidência de reinternação por crise de diverticulite aguda de 2% ao ano em pacientes submetidos a tratamento clínico com sucesso de episódios pregressos de diverticulite aguda. De modo que a ressecção cirúrgica eletiva não é necessária para muitos pacientes que responderam ao tratamento clínico na primeira crise.

Há, no entanto, risco aumentado de complicações após uma segunda crise de diverticulite aguda, uma vez que o risco de complicações durante um próximo surto agudo atinge 60% e a mortalidade duplica. Apenas 10% dos pacientes após uma segunda crise de diverticulite evolui de maneira assintomática. Como resultado, o tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite está indicado para pacientes após uma crise complicada (abscesso, obstrução ou fístula) e para aqueles que tiveram duas crises necessitando hospitalização. Essa recomendação, no entanto, vem sendo questionada pois alguns autores entendem que a indicação cirúrgica deve ser individualizada e levar em conta as condições clínicas do paciente e o grau de incapacidade que a crise trouxe. Quando se considera a via de acesso videolaparoscópica, a morbidade de uma nova crise deve ser comparada com a do tratamento cirúrgico (significativamente diminuída).

O tratamento cirúrgico eletivo, quando indicado, é realizado dentro de seis a oito semanas após uma crise de diverticulite aguda. Pacientes imunossuprimidos (transplantados e com a síndrome da imunodeficiência adquirida) e aqueles com afecções do tecido conjuntivo são mais susceptíveis a infecção, têm deficiência do processo de cicatrização e maior incidência de complicações da diverticulite aguda. Para esses pacientes, o tratamento cirúrgico eletivo está indicado após o diagnóstico de uma crise de diverticulite aguda. Para os indivíduos jovens, costuma ser oferecido após a primeira crise de diverticulite devido à maior chance de recidiva e também à maior gravidade dos episódios nessa população.

As operações eletivas são realizadas após a realização de preparo intestinal completo e sob antibioticoprofilaxia de amplo espectro. Pratica-se a sigmoidectomia ou a colectomia esquerda com anastomose colorretal manual ou mecânica. A operação pode ser realizada pela via de acesso videolaparoscópica. Contra-indicações relativas à essa via de acesso são a presença de cicatriz abdominal prévia, massa palpável, diagnóstico de fístula e índice de massa corporal maior do que 35 kg/m² . Apesar de constituir ainda em nosso meio técnica associada a maior custo e dependente da experiência do cirurgião, experiências uni e multicêntricas consistentemente demonstraram a segurança e eficácia dessa via de acesso para o tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite aguda. Menor dor, menor duração do íleo pós-operatório e da internação hospitalar já foram demonstrados por estudos retrospectivos e prospectivos comparando a via de acesso convencional com a videolaparoscópica. Frente ao achado de fístula colovesical, o tratamento cirúrgico é fundamentalmente o mesmo. Realiza-se a mobilização para ressecção do sigmóide que inclui a dissecção e identificação da fístula colovesical, o que representa mais propriamente uma perfuração bloqueada. Procede-se à separação dos órgãos e verifica-se a necessidade de rafiar a bexiga.

Há evidências que apontam para risco de recidiva de crises de diverticulite após tratamento cirúrgico de até 10% sendo que pode haver necessidade de reoperação em cerca de 3%. A principal medida objetivando evitar a ocorrência de recidiva sintomática após tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite é de ordem técnica e consiste em realizar a anastomose do cólon descendente diretamente com o reto. Segmento de cólon sigmóide remanescente em posição distal à anastomose parece albergar divertículos capazes de originar complicações.



D – Hemorragia digestiva por doença diverticular



A história natural da doença diverticular hemorrágica é bem conhecida. A hemorragia cessa espontaneamente em 70 a 80% dos casos. O risco de ressangramento, no entanto, é superior a 30%. O risco de um terceiro episódio de sangramento é de 50%. O objetivo do atendimento aos pacientes com hemorragia por doença diverticular é diagnosticar a origem do sangramento (o que nem sempre é possível) e proceder ao tratamento endoscópico quando a hemorragia não houver cessado espontaneamente, postergando a indicação de tratamento cirúrgico para uma situação eletiva.

No que se refere à terapia endoscópica disponível para o sangramento digestivo baixo, não há aparentemente dados na literatura para avaliar a superioridade de qualquer um ou de sua associação. O tratamento cirúrgico de urgência se impõe quando a hemorragia não houver cessado espontaneamente e após o insucesso do tratamento endoscópico. As colectomias segmentares só devem ser realizadas se houver diagnóstico da origem do sangramento. Para os pacientes com sangramento persistente e na ausência de diagnóstico endoscópico ou arteriográfico, a colectomia total deve ser realizada.



FONTE: http://www.abcdasaude.com.br/gastroenterologia/diverticulite-diverticulose-do-intestino-grosso