1. Conceito
Um divertículo representa uma protrusão sacular de uma víscera oca. Um
pseudo-divertículo é aquele constituído apenas pela mucosa e pela serosa do
órgão (no caso de vísceras ocas intraperitoneais). Os divertículos de intestino
grosso podem ser verdadeiros (constituídos por todas as camadas do cólon),
porém os de importância clínica são pseudo-divertículos e representam, dessa
forma, herniação da mucosa através da parede do cólon.
Embora sob o ponto de
vista anatomopatológico a moléstia seja caracterizada pelo aparecimento dos
divertículos, é a anormalidade da camada muscular a alteração que melhor define
a enfermidade e que conduz à formação dos divertículos. A partir destas
alterações musculares pode-se distinguir duas formas distintas da doença:
a) Doença Diverticular Hipotônica
dos Cólons: cuja característica anatomopatológica é representada por uma
camada muscular delgada, hipotrófica; constitui-se na forma mais freqüente da
doença;
b) Doença Diverticular Hipertônica
dos Cólons: caracterizada anatomopatologicamente pela presença de uma
camada muscular espessa, hipertrofiada.
Embora seja a forma menos
freqüente da doença diverticular é a que tem um quadro clínico mais expressivo,
com sintomatologia característica, embora não patognomônica, e que pode levar a
um índice maior de complicações.
Ocorre no adulto jovem,
com predominância de aparecimento entre a terceira e a quarta décadas;
entretanto, face a evolução tediosa e crônica da enfermidade, ela pode ser
encontrada na população mais idosa e coexistir com a forma hipotônica da doença
determinando uma forma mista, difícil de ser avaliada e explicada.
Predomina na raça caucasiana, sem prevalência de sexo.
A presença de divertículos no cólon é conhecida como diverticulose e é
usualmente empregada para distinguir a ausência de sintomas associados aos
divertículos. A diverticulite é o processo inflamatório e infeccioso associado
aos divertículos e representa a principal complicação da diverticulose. A
doença diverticular do cólon inclui todas as manifestações associadas aos
divertículos, desde sua simples presença até a ocorrência de sintomas ou
complicações (diverticulite aguda e sangramento). A diverticulite aguda, por
sua vez, pode ser simples ou complicada (associada à formação de abscesso,
fístula, obstrução ou peritonite difusa). O termo diverticulite perfurada,
historicamente utilizado para classificar uma complicação da diverticulite
aguda, deveria ter seu emprego desestimulado uma vez que em todas as crises de
diverticulite aguda ocorre perfuração (ainda que microscópica na maioria das
vezes). Diverticulite perfurada usualmente distingue a diverticulite aguda com
contaminação difusa da cavidade peritoneal associada ou não a pneumoperitônio.
2. Epidemiologia
A maioria dos pacientes com divertículos é assintomática o que dificulta
a estimativa de sua prevalência. A prevalência da diverticulose colônica
aumenta com a idade. Parece inferior a 10% para a população com menos de 40
anos, atinge um terço da população acima dos 45 anos e está estimada entre 50%
e 66% para os indivíduos com mais de 80 anos podendo atingir até 80% dessa
população idosa. Não existe evidente correlação com o sexo. Dez a 25% dos
indivíduos com diverticulose evoluirão com diverticulite. As evidências
provenientes de estudos observacionais epidemiológicos e que contemplam dados
de necrópsias indicam que a doença diverticular resulta da ocidentalização de
hábitos alimentares que incluem dietas com alto teor de carboidratos refinados
e pobres em fibras.
Conhecida como doença da civilização ocidental, a afecção é
rara na Ásia e na África rurais e as maiores prevalências são observadas nos Estados
Unidos, Europa Ocidental e Austrália.
3. Etiologia e fisiopatologia
Divertículos do cólon podem variar em número desde solitários ou raros
até centenas. São mais frequentemente observados na topografia dos vasos retos
mesocólicos. Esses vasos, ao atravessarem a camada muscular própria a partir da
subserosa e comunicar-se com a rede vascular submucosa, originam regiões de
fraqueza na parede do cólon e, portanto, predispõem à herniação da mucosa
através da espessura do cólon. Os divertículos, que são por origem adquiridos e
de pulsão, podem acometer todo o cólon e ocorrem em duas fileiras paralelas e
adjacentes às duas bordas da tênia mesocólica (Fig.1). A etiologia da doença
diverticular do cólon permanece parcialmente esclarecida. Existem evidências
que apontam para a ação de três fatores: redução da resistência da parede do
cólon, dismotilidade e dieta pobre em fibras.
Com relação à redução da resistência da parede do cólon, é possível que
mudanças decorrentes da idade levem a alteração na composição da matriz
extracelular da musculatura lisa colônica. Essas alterações teriam portanto
origem degenerativa consistindo em modificações na composição do colágeno com
aumento do componente de elastina, esta última alteração já demonstrada por
observações por microscopia eletrônica.
Evidências sobre o papel de distúrbios da motilidade colônica como causa
da doença diverticular vêm sendo obtidas há alguns anos. Postulou-se a teoria
da segmentação colônica, na qual a ação da musculatura lisa em sintonia com as
pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que
corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria grandemente aumentada,
favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede colônica
na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.
A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita
correlação com a dieta ocidental, há muito sugerem a existência de um fator
etiológico presente na dieta. Painter e Burkitt observaram em mais de 1.200
habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta
ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110
gamas), exibiam tempo de trânsito intestinal duas vezes maior do que os
africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal
avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de
trânsito intestinal prolongado resultantes de dieta pobre em fibras levariam a
significativo aumento das pressões intraluminares e predisporiam à formação de
divertículos. No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental,
tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não
foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para
comprovar a evidência epidemiológica.
Com relação à fisiopatologia da diverticulite aguda, uma vez que
divertículos estejam presentes, partículas de comida não-digeridas ou fezes
ressecadas podem se acumular em seu interior. A obstrução do colo do
divertículo por essas substâncias resultaria em aumento da pressão no interior
do divertículo e/ou hiperproliferação bacteriana. O divertículo, cuja parede
tem espessura de mucosa isolada é altamente susceptível à isquemia e subseqüente
perfuração.
4. Quadro clínico e diagnóstico
A – Doença Diverticular
Não-Complicada
A maioria dos pacientes com diverticulose permanecerá completamente
assintomática durante a vida e frequentemente os divertículos representam
achados de sigmoidoscopias ou colonoscopias de rastreamento.
Por outro lado, pacientes com
divertículos podem queixar-se de dor ou sensibilidade abdominal em baixo ventre
ou mais caracteristicamente em quadrante inferior esquerdo associada a
alterações do hábito intestinal. A dor pode ser acentuada pela refeição e
aliviada pela evacuação e “gases” representa uma queixa comumente associada. A
constipação pode representar complicação da diverticulose na forma de estenose
porém pode fazer parte da etiologia da doença. Da mesma forma, um aumento do
número de evacuações pode ser secundária a diminuição da complacência do
sigmóide. Ao exame físico, pode ser percebida leve sensibilidade à palpação do
quadrante inferior esquerdo. Esse quadro é geralmente distinguido pela
denominação de cólica diverticular e representa a manifestação clínica da
doença diverticular não-complicada.
O diagnóstico diferencial mais importante a ser estabelecido é com a
síndrome do intestino irritável. Se as duas doenças são ou não distintas, não
se sabe; no entanto a importância do diagnóstico diferencial diminui uma vez
que o tratamento clínico é semelhante e a presença de divertículos não é contra-indicação
à intervenção medicamentosa destinada a tratar o intestino irritável. Com
relação ao diagnóstico da doença diverticular não-complicada, o enema opaco
provê informações com elevada acurácia acerca da presença e da localização dos
divertículos de cólon de forma superior à colonoscopia. No entanto, a
sensibilidade do exame radiológico para o diagnóstico de pólipos e carcinoma é
reduzida se comparada à da colonoscopia especialmente na vigência de
divertículos. Daí a importância da realização da colonoscopia diagnóstica
especialmente se os sintomas sugestivos de diverticulose não-complicada incluem
a alteração do hábito intestinal e emagrecimento. Numerosas séries e anos de
experiência demonstraram a segurança do exame colonoscópico cuidadoso na
diverticulose não-complicada afastando o temor de que essa afecção
representaria relativa contra-indicação à endoscopia do cólon.
B – Diverticulite
Aguda
A diverticulite aguda representa a mais freqüente complicação da
diverticulose do cólon e estima-se afetar entre 10 e 25% dos pacientes com
divertículos do cólon. É resultante de micro ou macroperfuração de um
divertículo isolado. A dor no quadrante inferior esquerdo ocorre em 70% dos
pacientes com diverticulite aguda e está mais comumente presente por vários
dias antes do diagnóstico, o que permite diferenciá-la de outras causas de
abdome agudo inflamatório. Em pacientes com cólon sigmóide redundante, a dor em
baixo ventre ou mesmo em quadrante inferior direito pode ocorrer. Até metade
dos pacientes refere um ou mais episódios semelhantes anteriores. Pode haver
história de alteração da freqüência evacuatória (sendo a diarréia a mais
freqüente) podendo também haver náuseas e vômitos. Sintomas urinários tais como
disúria e urgência podem ocorrer como resultado de proximidade entre o
divertículo perfurado e a bexiga. Ao exame físico, a dor à palpação do
quadrante inferior esquerdo é característica. Dor à descompressão brusca
localizada é freqüentemente observada, porém dor e defesa à palpação de todos os
quadrantes devem sugerir a presença de peritonite difusa. Massa palpável pode
ser identificada em cerca de 20% dos casos. O achado de massa palpável requer
afastar a presença de carcinoma. Febre baixa e leucocitose são comuns porém
pode não haver febre ou leucocitose em até 45% dos casos. A leucocitúria pode
ser indicativa da infecção no sigmóide adjacente, o que pode ser confirmado
pela urocultura estéril. Ainda que 85% dos casos de diverticulite ocorram em
cólon descendente e sigmóide, a diverticulite de cólon direito é observada com
grande freqüência entre indivíduos asiáticos e cursa de forma mais benigna
exigindo atenção no diagnóstico diferencial com apendicite aguda.
Na diverticulite aguda, a localização e magnitude da contaminação
determinam a apresentação clínica e o prognóstico. Microperfurações podem
permanecer restritas à gordura pericólica entre folhetos peritoneais do
mesossigmóide originando apenas um flegmão ou abscesso pericólico. Perfurações
maiores podem resultar na formação de abscessos que podem atingir localmente a
cavidade peritoneal, exigindo o bloqueio pelo grande omento ou outros órgãos
intraperitoneais (intestino delgado, útero e anexos ou bexiga), originando
massa palpável ou trajetos fistulosos. Perfurações em peritônio livre são mais
raras, porém podem causar peritonite purulenta ou fecal difusas com ou sem
pneumoperitônio identificável à radiografia simples do abdome, situações graves
e associadas a variável letalidade. Hinchey e cols. publicaram uma
classificação para a intensidade do processo inflamatório e infeccioso na
diverticulite aguda (Quadro 1).
Quadro 1:
|
Classificação
de Hinchey
|
1.
Abscesso pericólico ou mesentérico
|
2.
Abscesso pélvico contido
|
3.
Peritonite generalizada purulenta
|
4.
Peritonite fecal generalizada
|
O diagnóstico diferencial da
diverticulite aguda é amplo. A apendicite aguda representa a hipótese
diagnóstica errônea mais freqüentemente realizada para os indivíduos com
diverticulite aguda. A enterite ou colite de Crohn agudas podem se apresentar
com dor abdominal, febre e leucocitose. O câncer de cólon ocorre na mesma faixa
etária dos pacientes com diverticulite e representa diagnóstico diferencial
importante quando contemplados emagrecimento, massa palpável, alteração
importante do hábito intestinal e hematoquezia. A hipótese diagnóstica de
colite isquêmica deve ser afastada nos pacientes mais idosos ou com doença
aterosclerótica coronariana, de carótidas ou femorais. Afecções ginecológicas
agudas devem ser lembradas em mulheres.
O diagnóstico da diverticulite aguda não raramente pode ser realizado com
base na anamnese e exame físico bem conduzidos. Recomenda-se que, quando a
apresentação deixar poucas dúvidas, não sejam realizados exames adicionais para
a comprovação do diagnóstico. No entanto, o diagnóstico clínico isolado pode
estar incorreto em até um terço dos casos. Além do mais, a comprovação
diagnóstica e documentação de uma crise de diverticulite é útil ao planejamento
do acompanhamento e da proposta terapêutica, sobretudo se estes vierem a ser
conduzidos por outro especialista. As radiografias simples para abdome agudo (abdome
em ortostase e em decúbito e tórax) servem ao diagnóstico de pneumoperitônio e
de obstrução intestinal, bem como para avaliação da área cardíaca em uma
população mais idosa e com comorbidades. Radiografias anormais serão
encontradas em 30 a 50% dos pacientes com diverticulite na forma de níveis
hidroaéreos em intestino delgado, dilatação colônica ou imagens de macicez
sugerindo abscessos. Devido ao seu baixo custo, baixa invasividade e ampla
disponibilidade e também devido a algumas possibilidades terapêuticas que
oferece, a ultrassonografia transabdominal tem utilidade na diverticulite
aguda. Os achados característicos incluem o espessamento hipoecóico da parede
do cólon, visibilização de divertículos, abscesso ou hiperecogenicidade
pericólica sugerindo flegmão ou mesmo coleções intraperitoneais. Evidências
acerca de similar acurácia no diagnóstico da diverticulite aguda pela
ultrassonografia se comparada à tomografia computadorizada (TC) também existem.
No entanto deve-se levar em consideração que a ultrassonografia é mais
dependente do examinador do que a TC e tem sua eficácia significativamente
diminuída na presença de distensão abdominal. As ultrassonografias
transabdominal e transvaginal prestam-se muito bem ao diagnóstico diferencial
com afecções ginecológicas. Achados considerados diagnósticos na diverticulite
aguda são o extravasamento de meio de contraste para uma loja fora do cólon ,
trajeto fistuloso intramural ou em fistulização para outros órgãos. Massa
extraluminal que comprime ou desloca o sigmóide é tida como o mais freqüente
achado na diverticulite aguda complicada, porém não é específica para o
diagnóstico. Obviamente a ausência de divertículos deveria levar a reconsideração
do diagnóstico. Esta é a razão para o entusiasmo que ainda cerca o exame
contrastado do cólon como método de diagnóstico útil na diverticulite aguda. A
realização do enema opaco é segura na diverticulite aguda desde que apenas o
contraste hidrossolúvel isolado (sem ar) seja utilizado.
Com a ampla disponibilidade da TC,
o enema opaco assume posição secundária, embora possa ser útil frente a achados
tomográficos inconclusivos. Estudos retrospectivos indicam que o enema opaco
tem sensibilidade de 62 a
94% para o diagnóstico da diverticulite aguda. Em função da maior sensibilidade
da TC para o diagnóstico das repercussões extraluminais e em órgãos vizinhos,
menor dependência do operador, avaliação completa da cavidade abdominal, baixa
invasividade e possibilidades terapêuticas, muitos preferem e advogam esse
método como de escolha, associando-o a maior relação custo-efetividade na
diverticulite aguda. Melhores resultados são obtidos pela administração oral,
endovenosa e retal de meio de contraste hidrossolúvel. Os critérios para o
diagnóstico de diverticulite incluem: espessamento da parede do cólon
acometido, a presença de um único ou múltiplos divertículos, achado de abscesso
pericólico, ar fora de alça e infiltração da gordura. A tomografia de abdome na
diverticulite aguda tem sensibilidade de 90 a 95%, especificidade de 72% e taxa de
falsos-negativos entre 7 e 21%.O valor preditivo da TC para o diagnóstico de
diverticulite aguda é de 73% para o achado de divertículos em sigmóide, 88%
para o achado de inflamação pericólica, 100% quando considerado o achado de
espessamento da parede do cólon maior do que 10 mm, e de 85% quando a
parede do cólon tem espessura entre 7 e 10 mm. Vale lembrar que a TC isoladamente não é
útil ao diagnóstico diferencial entre diverticulite e câncer. Apesar de sua
elevada relação custo-efetividade, não é necessária ao adequado manejo de todos
os casos, especialmente para as crises leves, nas quais o diagnóstico de
diverticulose já está estabelecido, quando não há suspeita de abscesso e para
cujos pacientes se instituirá o tratamento ambulatorial sob risco de se elevar
desnecessariamente os custos. Tem sua precípua indicação quando há repercussão
da doença sobre o estado geral do doente, quando há dúvida diagnóstica e, é
claro, na piora clínica. Devido ao risco de desbloqueio de um divertículo já
perfurado ou mesmo de nova perfuração resultante da insuflação de ar ou
progressão do aparelho, a endoscopia do sigmóide está historicamente contra-indicada
na suspeita de diverticulite aguda. No entanto, a sigmoidoscopia cuidadosa é
útil para excluir a presença de câncer, colite inespecífica ou isquêmica.
Associadamente, a observação de drenagem purulenta proveniente de um
divertículo inflamado adiciona acurácia à hipótese de diverticulite. A
avaliação colonoscópica completa deve ser realizada entre seis e oito semanas
após a crise de diverticulite aguda se já não houver sido realizada
anteriormente por outra indicação.
5. Complicações
A – Complicações
da diverticulite aguda
O abscesso e a fístula colovesical são as principais complicações de um
episódio de diverticulite aguda.
Quando a perfuração de um divertículo ocorre, a capacidade de bloqueio
dos órgãos adjacentes determina a intensidade do quadro clínico. Quando o
bloqueio não é suficiente para restringir a contaminação a apenas um flegmão,
um abscesso intramesocólico ou pélvico pode se formar. Febre persistente,
leucocitose acentuada e ausência de melhora com o tratamento clínico
representam os sinais mais comuns.
O diagnóstico de abscesso pode ser suspeitado pela ultrassonografia,
porém a TC é a melhor modalidade diagnóstica pois permite documentar
adequadamente o achado e planejar o tratamento por punção. Quando existe
extensão do processo infeccioso na forma de um flegmão ou abscesso em direção a
outros órgãos levando a perfurações bloqueadas, fístulas podem ocorrer.
Pneumatúria, fecalúria e infecções urinária de repetição ocorrem em mais da
metade dos pacientes. O diagnóstico pode ser estabelecido pela TC, a qual
evidencia espessamento do cólon sigmóide associado a presença de divertículos e
ar no interior da bexiga . A cistoscopia, cistografia e o enema opaco também
podem contribuir para o diagnóstico, embora não sejam imprescindíveis à
instituição do tratamento cirúrgico. A fístula colovaginal é a segunda mais
comum. A passagem de fezes ou ar pela vagina é patognomônica. As fístulas
coloentérica, colouterina e colocutânea são raras.
B – Hemorragia digestiva
por doença diverticular
Hemorragia gastrintestinal grave pode ocorrer em 3 a 5% dos indivíduos com
diverticulose do intestino grosso. Ao contrário da localização mais distal no
cólon dos divertículos na população ocidental, a origem do sangramento nesses
indivíduos é mais proximal. Existe associação comprovada entre risco de sangramento
em pacientes com diverticulose e uso de antiinflamatórios não-esteroidais. A
melena é incomum e a hemorragia por doença diverticular manifesta-se na forma
de eliminação anal de grande quantidade de sangue vivo inicialmente na
companhia de fezes e, posteriormente, na de coágulos, o que acontece com início
abrupto e na ausência de dor abdominal. Cólicas abdominais acompanham a
necessidade de evacuação.
Ressuscitação imediata por venóclise calibrosa e segura, reposição por
cristalóides e concentrado de glóbulos de acordo com a hematimetria e nível
pressórico precedem inclusive a investigação diagnóstica na hemorragia
digestiva baixa importante. A realização da endoscopia digestiva alta é
adequada à exclusão com boa acurácia de origem em trato digestivo alto para o
sangramento uma vez que 10 a
15% dos pacientes com hemorragia digestiva baixa podem ter etiologia do
sangramento em trato digestivo alto. A realização do exame proctológico com
anuscopia não necessita de preparo e é sempre necessária para afastar uma
afecção orificial (hemorróidas) ou retal.
A colonoscopia representa o procedimento diagnóstico de escolha desde que
o ritmo de sangramento permita a realização do preparo intestinal devido à sua
elevada acurácia para o diagnóstico de sangramento de origem colônica bem como
devido a possibilidade terapêutica. O preparo intestinal anterógrado é
essencial para adequada visão durante o exame. Quando existe instabilidade após
ressuscitação ou quando há evidências de persistência de sangramento importante
(elevação tímida do hematócrito após reposição e manutenção da enterorragia), o
exame indicado é a arteriografia mesentérica.
6. Tratamento
A – Doença Diverticular
Não-Complicada
Há duas possibilidades terapêuticas historicamente utilizadas em associação
para pacientes com diverticulose sintomática: dieta de fibras e intervenções
medicamentosas. Estudos epidemiológicos observacionais do tipo caso-controle
suportam evidência de efeito protetor da dieta de fibras sobre o risco de
doença diverticular sintomática. Com relação a estudos de intervenção com
suplementação de fibras em indivíduos com diverticulose sintomática, a
evidência é conflitante. Mesmo diante do conhecimento de que a doença
diverticular não regride por modificações dietéticas, indivíduos com
diverticulose são estimulados a seguir dieta rica em fibras frente aos
benefícios para a saúde que tais dietas oferecem (redução ponderal, dos níveis
de gorduras no sangue e do risco coronariano).
Historicamente, pacientes com diverticulose são orientados a evitar a
ingestão de sementes e caroços e alertados sobre o risco de que esses alimentos
bloqueiam o colo de um divertículo originando diverticulite aguda. Evidência em
favor dessa suposição ainda não está disponível. Uma vez documentado o estado
de hipermotilidade associado a origem da doença diverticular, sugere-se que
antiespasmódicos e anticolinérgicos sejam de utilidade no controle da cólica
diverticular e podem ser utilizados sem risco tendo sido excluída a
possibilidade de crise de diverticulite aguda.
B – Diverticulite
Aguda
A diverticulite aguda não está associada a complicações (abscesso,
pneumoperitônio, obstrução ou fístula) em cerca de 70% dos casos e por vezes se
decidirá pela necessidade ou não de internação. Por outro lado, a maioria dos
pacientes com essas complicações (mais freqüentes em jovens mesmo no primeiro
episódio) necessitará de tratamento cirúrgico ainda que muitas dessas operações
possam ser convertidas em procedimentos eletivos. A primeira decisão acerca do
tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar sua necessidade
de internação. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem sinais
sistêmicos (febre e queda do estado geral), com trânsito normal e capazes de assumir
dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as
indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O
tratamento inclui dieta sem resíduos, hidratação oral e antibioticoterapia por
via oral (metronidazol, ciprofloxacina ou amoxicilina-clavulanato). Melhora
sintomática é observada 48 horas, após o que a dieta pode progredir para
normalidade. Pacientes submetidos a tratamento ambulatorial devem ser
submetidos a ultrassonografia abdominal e avaliação laboratorial por hemograma
como mínima investigação. Em contraposição, pacientes muito idosos, diabéticos
ou imunossuprimidos, em corticoterapia prolongada, incapazes de tolerar dieta e
hidratação oral, com dor abdominal importante, com suspeita de complicações e/ou
sem melhora, indica-se a internação hospitalar. Todos os pacientes submetidos a
internação devem se submeter a TC. Pacientes hospitalizados inicialmente são
tratados por jejum. A critério, podem beber líquidos sem resíduos. Soroterapia
de manutenção com cristalóides e eletrólitos é realizada. A antibioticoterapia
é mais baseada em consensos do que em ensaios clínicos randomizados. Inclui
mais freqüentemente cobertura contra anaeróbios com metronidazol ou
clindamicina associados a aminoglicosídeos (amicacina ou gentamicina) ou
cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxone, cefotaxima ou ceftazidime).
Mais modernamente, a terapia com ertapenem pode ser utilizada nos casos
complicados ou não por abscesso.
Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro
dias. Piora clínica sugere diagnóstico incorreto ou peritonite generalizada
não-detectada, a qual está associada a mortalidade maior do que 30%. Ausência
de melhora ou quadro clínico arrastado sugerem presença de abscesso. Para
pacientes com crise de diverticulite aguda e para os quais é feito diagnóstico
de abscesso com pelo menos 5 cm
de tamanho em posição pericólica, opta-se pela drenagem percutânea guiada, o
que traz indiscutível melhora clínica em todos os casos sem os riscos da
anestesia geral e permite postergar o tratamento cirúrgico para condição
eletiva, evitando-se, assim, operações em dois tempos (com construção de
colostomia).
C – Tratamento cirúrgico
de urgência
Estima-se que 15 a
30% dos pacientes hospitalizados com diverticulite aguda necessitarão de
tratamento cirúrgico. Os objetivos do tratamento cirúrgico são: remoção do
segmento perfurado (sigmoidectomia), redução da contaminação (lavagem da
cavidade), e, quando possível, restabelecimento do trânsito intestinal
(anastomose primária). As indicações clássicas de tratamento cirúrgico na
urgência são:
1.
Diagnóstico ou suspeita de peritonite generalizada;
2.
Diagnóstico de abscesso inadequado à drenagem por
punção transabdominal guiada por ultrassonografia ou TC;
3.
Obstrução intestinal não-aliviada;
4.
Piora clínica evidente (piora da dor, do exame físico
ou da leucocitose); e mais raramente,
5.
A incapacidade de se afastar neoplasia.
Mais freqüentemente, reserva-se o tratamento cirúrgico de urgência frente
ao diagnóstico de peritonite generalizada, à impossibilidade de drenar um
abscesso, se a drenagem não desencadeia melhora clínica ou se há ausência de
melhora de um modo geral. Nessas situações, a atenção está centrada na adequada
ressuscitação ou preparo pré-operatório (reposição volêmica,
antibioticoterapia, avaliação da coagulação e correção de eventual anemia) para
laparotomia sem preparo intestinal. O paciente é informado sobre a eventual
necessidade de estoma e dessa forma se procede à demarcação deste no
pré-operatório. A via de acesso videolaparoscópica não é freqüentemente
empregada na situação de urgência, devido a dificuldades técnicas para o manejo
da peritonite difusa, da obstrução intestinal e na suspeita de malignidade.
Na situação de peritonite difusa purulenta ou fecal (estágios III e IV da
classificação de Hinchey — Quadro 1), há pouca discordância sobre a melhor
conduta operatória: a operação em dois tempos. Realiza-se a ressecção do
segmento perfurado (sigmoidectomia), colostomia terminal do descendente e
sepultamento retal preferencialmente com drenagem pélvica (primeiro tempo).
Entre seis e oito semanas, procede-se à reconstrução do trânsito por anastomose
colorretal (segundo tempo) que pode ser realizada por videolaparoscopia sem
necessidade de nova incisão abdominal. Mortalidade elevada está associada a simples
laparotomia e drenagem da cavidade, pois nessa alternativa não há remoção do
foco infeccioso.
Frente ao quadro de obstrução intestinal associado a diverticulite aguda,
entende-se que a melhor alternativa é proceder à tentativa de descompressão
nasogástrica, o que leva o paciente a uma situação semi-eletiva, em que a
possibilidade de ressecção do sigmóide com anastomose primária pode ser
realizada. Frente ao insucesso da descompressão, a laparotomia deve objetivar
afastar a presença de obstrução por neoplasia e remover o cólon sigmóide
obstruído por diverticulite. Emprega-se mais freqüentemente a operação em dois
tempos como descrita para a peritonite generalizada. As operações em três
tempos, quando no primeiro tempo é realizada somente uma colostomia em alça do
transverso para a descompressão, caíram em desuso devido à necessidade de o
paciente enfrentar mais dois tempos operatórios (sigmoidectomia e fechamento da
colostomia), associados a uma morbidade cumulativa muito elevada. A realização
de anastomose primária sem a necessidade de confecção de colostomia é uma
alternativa realizada mais frequentemente por cirurgiões colorretais se
realizado o preparo intraoperatório do cólon ou ainda a operação de colectomia
total com anastomose ileorretal.
Pacientes submetidos a operações de urgência para os quais o achado
intraoperatório foi o de abscesso localizado ou flegmão (estágios I e II da
classificação de Hinchey) podem ser submetidos a ressecção com anastomose
primária. A principal contra-indicação para a realização de anastomose primária
é a peritonite difusa purulenta ou fecal. As demais contra-indicações são
relativas e incluem achados operatórios (abscesso pericólico ou pélvico),
condições clínicas (desnutrição, anemia, corticoterapia ou terapia imunossupressora)
e experiência do cirurgião.
D – Tratamento cirúrgico
eletivo
O risco de recidiva de um episódio agudo de diverticulite aguda situa-se
entre 7% e 62%, sendo que a maioria dos pesquisadores estima essa chance em um
terço. Metade dessas recidivas ocorre ainda no primeiro ano e 90%, após cinco
anos. O seguimento de longo prazo prevê uma incidência de reinternação por
crise de diverticulite aguda de 2% ao ano em pacientes submetidos a tratamento
clínico com sucesso de episódios pregressos de diverticulite aguda. De modo que
a ressecção cirúrgica eletiva não é necessária para muitos pacientes que
responderam ao tratamento clínico na primeira crise.
Há, no entanto, risco aumentado de complicações após uma segunda crise de
diverticulite aguda, uma vez que o risco de complicações durante um próximo
surto agudo atinge 60% e a mortalidade duplica. Apenas 10% dos pacientes após
uma segunda crise de diverticulite evolui de maneira assintomática. Como
resultado, o tratamento cirúrgico eletivo da diverticulite está indicado para
pacientes após uma crise complicada (abscesso, obstrução ou fístula) e para
aqueles que tiveram duas crises necessitando hospitalização. Essa recomendação,
no entanto, vem sendo questionada pois alguns autores entendem que a indicação
cirúrgica deve ser individualizada e levar em conta as condições clínicas do
paciente e o grau de incapacidade que a crise trouxe. Quando se considera a via
de acesso videolaparoscópica, a morbidade de uma nova crise deve ser comparada
com a do tratamento cirúrgico (significativamente diminuída).
O tratamento cirúrgico eletivo, quando indicado, é realizado dentro de
seis a oito semanas após uma crise de diverticulite aguda. Pacientes
imunossuprimidos (transplantados e com a síndrome da imunodeficiência adquirida)
e aqueles com afecções do tecido conjuntivo são mais susceptíveis a infecção,
têm deficiência do processo de cicatrização e maior incidência de complicações
da diverticulite aguda. Para esses pacientes, o tratamento cirúrgico eletivo
está indicado após o diagnóstico de uma crise de diverticulite aguda. Para os
indivíduos jovens, costuma ser oferecido após a primeira crise de diverticulite
devido à maior chance de recidiva e também à maior gravidade dos episódios
nessa população.
As operações eletivas são realizadas após a realização de preparo
intestinal completo e sob antibioticoprofilaxia de amplo espectro. Pratica-se a
sigmoidectomia ou a colectomia esquerda com anastomose colorretal manual ou
mecânica. A operação pode ser realizada pela via de acesso videolaparoscópica.
Contra-indicações relativas à essa via de acesso são a presença de cicatriz
abdominal prévia, massa palpável, diagnóstico de fístula e índice de massa
corporal maior do que 35 kg/m² . Apesar de constituir ainda em nosso meio
técnica associada a maior custo e dependente da experiência do cirurgião,
experiências uni e multicêntricas consistentemente demonstraram a segurança e
eficácia dessa via de acesso para o tratamento cirúrgico eletivo da
diverticulite aguda. Menor dor, menor duração do íleo pós-operatório e da
internação hospitalar já foram demonstrados por estudos retrospectivos e
prospectivos comparando a via de acesso convencional com a videolaparoscópica.
Frente ao achado de fístula colovesical, o tratamento cirúrgico é fundamentalmente
o mesmo. Realiza-se a mobilização para ressecção do sigmóide que inclui a
dissecção e identificação da fístula colovesical, o que representa mais
propriamente uma perfuração bloqueada. Procede-se à separação dos órgãos e
verifica-se a necessidade de rafiar a bexiga.
Há evidências que apontam para risco de recidiva de crises de
diverticulite após tratamento cirúrgico de até 10% sendo que pode haver
necessidade de reoperação em cerca de 3%. A principal medida objetivando evitar
a ocorrência de recidiva sintomática após tratamento cirúrgico eletivo da
diverticulite é de ordem técnica e consiste em realizar a anastomose do cólon
descendente diretamente com o reto. Segmento de cólon sigmóide remanescente em
posição distal à anastomose parece albergar divertículos capazes de originar
complicações.
D – Hemorragia digestiva
por doença diverticular
A história natural da doença diverticular hemorrágica é bem conhecida. A
hemorragia cessa espontaneamente em 70 a 80% dos casos. O risco de ressangramento,
no entanto, é superior a 30%. O risco de um terceiro episódio de sangramento é
de 50%. O objetivo do atendimento aos pacientes com hemorragia por doença
diverticular é diagnosticar a origem do sangramento (o que nem sempre é
possível) e proceder ao tratamento endoscópico quando a hemorragia não houver
cessado espontaneamente, postergando a indicação de tratamento cirúrgico para
uma situação eletiva.
No que se refere à terapia endoscópica disponível para o sangramento
digestivo baixo, não há aparentemente dados na literatura para avaliar a
superioridade de qualquer um ou de sua associação. O tratamento cirúrgico de
urgência se impõe quando a hemorragia não houver cessado espontaneamente e após
o insucesso do tratamento endoscópico. As colectomias segmentares só devem ser
realizadas se houver diagnóstico da origem do sangramento. Para os pacientes
com sangramento persistente e na ausência de diagnóstico endoscópico ou
arteriográfico, a colectomia total deve ser realizada.
FONTE: http://www.abcdasaude.com.br/gastroenterologia/diverticulite-diverticulose-do-intestino-grosso