ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 10 de março de 2011

BRUCELOSE


ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS

Descrição - Doença sistêmica bacteriana, com quadro clínico muito polimorfo. Seu início pode ser agudo ou insidioso, caracterizado por febre contínua, intermitente ou irregular, de duração variável. Um sintoma quase constante é a astenia e qualquer exercício físico produz pronunciada fadiga, acompanhada de mal-estar, cefaleia, debilidade, suor profuso, calafrios, artralgia, estado depressivo e perda de peso. Em alguns casos, podem surgir supurações de órgãos, como fígado e baço. Quadros sub-clínicos são frequentes, bem como quadros crônicos de duração de meses e até anos, se não tratados. Devido ao polimorfismo das manifestações e ao seu curso insidioso, nem sempre se faz a suspeita diagnóstica. Muitos casos se enquadram na síndrome de febre de origem obscura (FOO). Essa febre, na fase aguda e subaguda, em 95% dos casos, é superior a 39°C. Complicações ósteo-articulares podem estar presentes em cerca de 20 a 60% dos pacientes, sendo a articulação sacroilíaca a mais atingida. Orquite e epididimite têm sido relatadas e, também, pode ocorrer endocardite bacteriana. Em geral, o paciente se recupera, porém pode ficar com incapacidade intensa no curso da enfermidade, sendo importante o diagnóstico e tratamento precoces. Recidivas ocorrem, com manifestações parciais do quadro inicial ou com todo o seu cortejo.

Sinonímia - Febre ondulante, febre de Malta, febre do mediterrâneo,
doença das mil faces ou melitococia.

Agente etiológico - Brucella melitensis, biotipos 1 e 3; Brucella suis, biotipos 1 e 5; Brucella abortus, biotipos 1, 6 e 9; Brucella canis. No Brasil, a maioria dos quadros de Brucelose está associada à infecção
por B. abortus.

Reservatórios - Gado bovino, suíno, ovino, caprino e outros animais,
como cães.

Modo de transmissão - Contato com tecidos, sangue, urina, secreções vaginais, fetos abortados, placenta (grande fonte de infecção), ingestão de leite cru e derivados provenientes de animais infectados, acidentes em laboratórios e da prática vacinal.

Período de incubação - Muito variável, de 1 a 3 semanas, mas pode
prolongar-se por vários meses.

Período de transmissibilidade - Não se transmite de pessoa a pessoa.

Complicações - Encefalites, meningites, neurites periféricas, artrite supurativa, endocardite vegetativa e endocardite bacteriana subaguda,
que, se não diagnosticada e tratada, pode levar a óbito. Ocorrem também infecções do aparelho geniturinário, podendo ocasionar redução da potência sexual.

Diagnóstico - Suspeita clínica aliada à história epidemiológica de ingesta de produtos animais contaminados mal cozidos, não pasteurizados ou esterilizados. A confirmação diagnóstica se faz através da cultura de sangue, medula óssea, tecidos ou secreções do paciente. As provas sorológicas (aglutinação em tubos) devem ser realizadas com soros pareados em laboratórios com experiência e em soros pareados, para se observar a elevação dos anticorpos. A soroaglutinação em tubos para B. abortus com títulos >80 ou >160, respectivamente, em 24 a 48 horas do período de incubação e o aumento desses, em 4 vezes, em testes pareados indicam a doença. A interpretação desses testes, em pacientes com quadro crônico, fica dificultada porque os títulos em geral são baixos.

Diagnóstico diferencial - Febres de origem obscura, endocardite bacteriana, febre tifóide, dentre outras infecções.

Tratamento - Antibioticoterapia, sendo a droga de escolha a Doxiciclina (200mg/dia), em combinação com a Rifampicina (600 a 900mg/ dia), durante 6 semanas. Se houver recidivas, repetir o tratamento, porque, em geral, não se deve à resistência aos antibióticos e sim a sequestro dos agentes por algum órgão que não permite a ação da droga. Não usar a Doxiciclina em menores de 7 anos. Sulfametoxazol e Trimetoprim podem ser associados à Gentamicina, nesses casos.

Características epidemiológicas - A distribuição é universal, estando
relacionada com o controle dos animais. É doença comumente ligada à atividade profissional, portanto frequente em trabalhadores que lidam com gado e no beneficiamento de leite e derivados. Os funcionários de matadouros, por terem contato direto com os animais e suas vísceras e secreções durante as operações do abate e evisceração, são o grupo de risco mais acometido. Durante essas operações pode haver ruptura de vísceras e contaminação de lesões da pele ou de conjuntivas dos funcionários envolvidos nesses processos.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
Objetivo - Reduzir a morbimortalidade por meio da articulação com os órgãos responsáveis pelo controle sanitário dos rebanhos, alertando a vigilância sanitária para impedir a distribuição e consumo de produtos contaminados.

Notificação - Não é obrigatória a notificação de casos isolados. Na vigência de surtos, deve ser notificada, realizada a investigação epidemiológica e adotadas as medidas de controle indicadas.

Definição de caso
Suspeito - Todo paciente com febre de início agudo ou insidioso, história epidemiológica sugestiva de contato com produto de origem animal contaminado e com outras manifestações clínicas sugestivas de Brucelose.

Confirmado - Indivíduo com as características descritas para o caso suspeito e confirmação através de exames laboratoriais.

MEDIDAS DE CONTROLE
Educação em saúde - Informar a população para consumir leite e outros derivados devidamente pasteurizados e/ou fervidos; educar os trabalhadores que cuidam de animais sobre os riscos da doença e sobre os cuidados (incluindo o uso de equipamentos de proteção individual) para evitar o contato com animais doentes ou potencialmente contaminados.

Controle sanitário animal - Realizar provas sorológicas e eliminar os animais infectados. Cuidados no manejo para eliminação de placentas, secreções e fetos dos animais.

Inspeção sanitária de produtos - Atuação dos órgãos de fiscalização
agropecuária na inspeção de produtos de origem animal, como leite e seus derivados. Desinfecções das áreas contaminadas.

Manejo dos pacientes - Ter precauções com o material de drenagens
e secreções. Realizar a desinfecção concorrente das secreções purulentas. Investigar os contatos para tratamento e controle. Investigar as fontes de infecção para adoção de medidas de prevenção. Em situações de epidemia, investigar fontes de contaminação comum, que, em geral, são os produtos de origem animal contaminados, principalmente leite e derivados não pasteurizados, esterilizados ou fervidos. Confiscar os alimentos suspeitos até que sejam instituídas as medidas de prevenção definitivas. Em laboratórios, observar o cumprimento das normas de biossegurança, incluindo o uso correto dos equipamentos de proteção individual.

Fonte:Doenças Infecciosas e Parasitárias - Guia de bolso. Ministério da Saúde. 2010.

BRUCELOSE ACIDENTAL


Orniudo Fernandes

Médico clínico-infectologista, Professor Adjunto Aposentado da Universidade Federal da Paraíba, Membro Titular da Academia Paraibana de Medicina e Presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, do Hospital Napoleão Laureano de João Pessoa(PB).

Apresento para conhecimento da comunidade médica, veterinária e acadêmica um caso clínico muito interessante e bem documentado cientificamente. No dia 17 de fevereiro deste ano em curso atendi no nosso consultório, um jovem veterinário de 32 anos que relatara a seguinte história clínica. Havia quadro dias que durante a vacinação de um rebanho, uma novilha arisca no momento da introdução da vacina, assustada, recolheu bruscamente uma das patas, provocando acidentalmente a inoculação da agulha no profissional que estava executando o procedimento, ferindo-o na mão esquerda. No mesmo dia, no período da noite, começou a apresentar febre alta, calafrios, sudorese, dor de cabeça e dores no corpo. No dia seguinte ao acontecimento, surgiram dor, calor e inchaço na mão afetada. Referia que a dor se irradiava por toda a mão, estendendo-se pelo punho até a axila. Tomou antitérmicos, antiinflamatório e antibiótico(cefalexina), porém, como não apresentava melhora, dois dias depois nos procurou.




Depois de colhida a história clínica, solicitei exames, dentre eles, a sorologia para brucelose, devido ao fato do paciente ter sido inoculado pela vacina(ver figura acima) para a profilaxia da brucelose animal. O resultado mostrou títulos elevados. Iniciei no mesmo dia, o tratamento com Doxiciclina, 100 mg de 12/12 horas + rifampicina 600 mg ao dia, por seis semanas. Durante a evolução, apresentou abscesso da mão
(ver figura abaixo), que drenou espontaneamente, necessitando posteriormente de intervenção cirúrgica complementar.



O paciente apresentou plena recuperação.


A vacina utilizada foi a Brucelina B19 Vallée, para uso veterinário, produzida com amostra adquirida no Instituto de Biologia Animal do Ministério da Agricultura. Após a aplicação da vacina, os animais ficarão com o resultado do exame positivo para Brucella por um período de 90 a 120 dias. O registro deste caso serve para alertar a classe médica e aos veterinários, sobre a ocorrência de brucelose acidental no ser humano, com sinais e sintomas locais, que em poucas horas podem se agravar. A brucelose é doença dos animais, de distribuição universal, causando abortamento e esterilidade, com repercussão para pecuária e economia dos países. Afeta principalmente os rebanhos bovinos, suínos e caprinos. No homem, causa doença febril aguda, subaguda ou de evolução crônica. A transmissão da bactéria Brucella ocorre por ingestão de alimentos contaminados(leite e derivados), pelo contato com secreções, fluidos e tecidos de animais infectados. A inoculação acidental tem sido observada em abatedouros de animais, durante a vacinação do gado, e, em laboratórios de microbiologia.