ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Doença Arterial Coronariana - Tratamento Farmacológico


Ativação plaquetária


Agressões que produzam alteração ou perda das células endoteliais levam a dois fenômenos simultâneos: a ativação de plaquetas e a da coagulação, que são sinérgicos na formação do trombo. A célula endotelial lesada perde a capacidade de produzir os fatores que impedem a adesão de plaquetas, como o óxido nítrico ou "endothelial derived relaxing factor" (EDRF) e a prostaciclina (PGI3), além de permitir a exposição de estruturas subendoteliais, especialmente o colágeno. Com a exposição de estruturas subendoteliais, as plaquetas ligam-se ao colágeno por meio de sítios específicos, o complexo formado pelas glicoproteínas Ib e IX (GP IbIX), que também
se liga ao fator plasmático, o fator de von Willebrand, formando uma ponte entre as plaquetas e o subendotélio. Outros agentes agregantes plaquetários atuam por meio de receptores específicos: trombina, o principal ativador em condições fisiológicas, adenosina difosfato (ADP), tromboxane A2, serotonina, prostaglandinas. Essa interação com receptores da superfície plaquetária aciona os gatilhos para sua ativação, por meio de sinal transmitido para o interior da célula. O sinal gerado pela interação entre o ligante e o receptor faz a mediação da transformação de compostos altamente fosforilados em mensageiros intracitoplasmáticos.

A geração do segundo mensageiro em qualquer das duas vias é feita dentro do citoplasma da plaqueta por meio da ativação do sistema de proteínas ligadoras de guanina - as proteínas G -, presentes também em outras células. A proteina G, na face interna da plaqueta, liga-se a uma molécula de guanina difosfato (GDP) em situação de repouso. O ligante interage com o receptor específico para ele, na face externa da membrana plaquetária. A molécula de GDP dissocia-se então da proteina, deixando-a livre. Uma molécula de guanina trifosfato (GTP) liga-se em seu lugar interage com a enzima fosfolipase C ou a adenil ciclase, que é o amplificador de sinal, dentro da membrana plaquetária. Essa enzima então vai converter um composto fosforilado em segundo mensageiro, que inicia a resposta plaquetária. Na via de ativação, a fosfolipase C transforma o fosfatidilinositol em inositol trifosfato e diacilglicerol. Na via de inibição, a adenil ciclase converte a adenosina trifosfato (ATP) em adenosina monofosfato cíclico (AMPc).
A fosfolipase C é uma família de enzimas que representam o segundo mensageiro para agonistas plaquetários como a trombina, o colágeno, o PAF, os endoperóxidos de prostaglandinas, a desmopressina e a adrenalina. Sua função é quebrar uma ligação
na molécula do fosfatidil inositol (PIP2) da membrana plaquetária, formando dois compostos importantes na ativação plaquetária: o inositol trifosfato (IP3), que atua aumentando o cálcio intracitoplasmático, e o diacilglicerol (DG), que ativa a proteína cinase C.

Tanto o aumento do cálcio intracitoplasmático como a ativação da proteína cinase C atuam de modo sinérgico, estimulando várias etapas da ativação plaquetária, isto é, a secreção de grânulos e liberação do ácido araquidônico do estoque de fosfolipídios da membrana plaquetária. O cálcio intracitoplasmático liga-se à calmodulina, ativando o sistema contrátil actina-miosina e promovendo a mudança de forma e secreção dos grânulos plaquetários. Isso resulta no recrutamento de novas plaquetas por meio dos constituintes dos grânulos, como o ADP e a serotonina. O cálcio ativa ainda a fosfolipase A2, que libera o ácido araquidônico a partir do fosfatidilinositol da membrana plaquetária, iniciando a via de síntese de prostaglandinas e de tromboxane A2. O ácido araquidônico sofre deacilação, por meio da via da ciclo-oxigenase, que o transforma em endoperóxidos de prostaglandina: prostaglandina G2 (PGG2) e prostaglandina H2 (PGH2). Estes são então transformados em tromboxane A2 pela tromboxane sintetase, presente apenas nas plaquetas. O tromboxane A2 também recruta novas plaquetas para o local de formação do trombo. É nesse ponto que atua o agente anti-agregante mais utilizado mundialmente: a aspirina. Ela acetila a ciclo-oxigenase de modo irreversível, inibindo a síntese de tromboxane A2 e a ativação plaquetária.

Após ativação, a proteína cinase C modifica a conformação da glicoproteína (GP) IIb/IIIa, o que a torna capaz de ligar o fibrinogênio, promovendo a interação plaqueta a plaqueta. A ligação do fibrinogênio à GP IIb/IIIa é específica e dependente de íons cálcio. Só ocorre quando a plaqueta foi ativada, não ocorrendo ligação à plaqueta em repouso. O abximab, composto pela fração Fab da imunoglobulina quimérica (humana e de coelho) dirigida contra a GP IIb/IIIa, permite a inibição desse ponto da função plaquetária. Essa droga tem sido utilizada, com sucesso, na prevenção de trombose em procedimentos como a angioplastia.

O agente capaz de inibir a função plaquetária é a prostaciclina, ou PGI3, produzida na célula endotelial. A PGI3 liga-se a um receptor específico, ativando a proteína G, que atua sobre a adenilciclase da membrana plaquetária. A adenilciclase leva à transformação do ATP em AMPc. A adenosina monofosfato (AMP) impede a liberação de cálcio do sistema tubular denso, inibindo a ação do inositol trifosfato e de várias cinases, prevenindo a agregação plaquetária.

Ácido Acetil Salicilico

O tromboxane A2 (TA2) é um indutor da agregação plaquetária e potente vaso-constrictor, sendo produzido pelas plaquetas através do metabolismo do ácido aracdônico. A cicloxigenase é enzima fundamental nesse metaboismo, produzindo na plaqueta uma endoperoxidase precursora do TA2. O ácido acetil salicílico (AAS) bloqueia de forma irreversivel a cicloxigenase que na plaqueta existe em quantidade limitada por não existir produção proteica neste fragmento celular. Assim a ação de inibição plaquetária do AAS dura por toda a vida da plaqueta, que é de 7 a 10 dias. Doses diárias de 160 mg causam um bloqueio completo da ação da cicloxigenase plaquetária, sendo 320 mg/dia a dose máxima usada em estudos. Doses maiores não aumentam a eficácia anti-plaquetária e produzem efeito de bloqueio de outros eicosanoides, interferindo na produção de prostaciclinas, o que não é desejável. Doses maiores também podem acarretar maior incidência de para-efeitos, como sangramentos. Há evidencias de um segundo mecanismo de ação do AAS, que seria impedir a trombinogenese por um mecanismo independente da cicloxigenase, colaboraria com seu efeito anti-trombótico.

O AAS está indicado em TODAS as síndromes coronarianas agudas ou crônicas e nos procedimentos de revascularização, desde que não haja contra-indicação formal a droga. A profilaxia primária da DAC com o uso de AAS em pacientes sem doença coronariana conhecida não é indicada, pois não há benefício evidente. Pode ser considerado como exceção, seu uso no homem sem DAC diagnosticada, acima de 50 anos com vários fatores de risco não controlados para a DAC.

Nome comercial:

AAS (Sanofi-Synthelabo) comp.100/500mg; Aceticil (Cazi) 100/500mg Aspirina (Bayer) comp. 500mg; Aspirina prevent (Bayer) capsulas 100mg; Aspisin (Farmasa) gotas 200mg/ml; Alidor (Aventis Pharma) 500mg; Analgesin (Teuto Brasileiro) 100/500mg; Antifebrin (Royton) 100/500mg;A-Salicil (Itafarma) 100/500mg; Bufferin (Bristol Meyers Squibb) 500mg; Cimaas (Cimed) 100/500mg; Somalgim (Novaquimica) comp. 325/500mg; Somalgim cardio (Novaquimica) comp. 100/325mg; Acido Acetilsalicilico (EMS, NeoVita,Vital Brazil, Green Pharma, Catarinense)

Ticlopidina e Clopidogrel

Ambos os compostos são derivados da tienopiridina, sem ação in vitro, sugerindo serem precursores de um metabólito ativo não identificado. São antagonistas seletivos, não competitivos da agregação plaquetária pela via do ADP, bloqueando a ativação do receptor IIb/IIIa, mas não atuando diretamente sobre este receptor. A ticlopidina e o clopidogrel inibem a agregação plaquetária e a retração do coágulo, prolongando o teste de tempo de sangramento. A principal indicação é a substituição do AAS nos casos de contra-indicação ou intolerância ao AAS. É usada em associação ao AAS na PTCA eletiva. O efeito máximo da droga só ocorre após vários dias de uso e após a sua interrupção seu efeito persiste por vários dias. O clopidogrel tem potencia equivalente 6 vezes maior que a ticlopidina.

O principal para-efeito da ticlopidina é toxicidade para a medula óssea (leucopenia, trombocitopenia e pancitopenia). O clopidogrel não possui essa toxicidade quando testada em ratos.

Fibrinolíticos

A utilização de medicamentos fibrinolíticos para a recanalização da artéria relacionada ao infarto em pacientes com IAM foi incorporada na prática clínica há mais de 25 anos, e está baseada em duas observações: a alta prevalência da presença de um trombo oclusivo nas artérias coronárias nas primeiras horas do IAM e o conhecimento de que a progressão da necrose miocárdica pode ser reduzida com a reperfusão do vaso e conseqüente redução da

mortalidade.

Implicações clínicas

Os fibrinolíticos têm indicação clara nos pacientes com sintomas sugestivos de IAM, e presença no eletrocardiograma de elevação (supradesnível) persistente do segmento ST em pelo menos duas derivações contíguas ou de um novo bloqueio de ramo esquerdo ou presumivelmente novo, desde que não haja contra-indicação34. Deve-se lembrar que o diabetes e, particularmente, a retinopatia diabética não são contra-indicação para a terapia fibrinolítica.

Evidência de benefício

Mais de 150 mil pacientes foram randomizados em estudos clínicos com fibrinolíticos vs. controle ou vs. outro regime de fibrinolíticos. A análise do grupo de estudos do FTT (Fibrinolytic Therapy Trialists)15 demonstrou que entre os pacientes que tinham dor com até 6h do início dos sintomas e elevação do segmento ST ou bloqueio de ramo no eletrocardiograma, aproximadamente 30 mortes eram evitadas por mil pacientes tratados; se fosse entre 7 e 12h, esse número era de 20 mortes evitadas por mil pacientes tratados. Além de 12h não foram demonstradas evidências convincentes de benefício para o grupo tratado.

Nos pacientes com mais de 75 anos de idade e tratados até 24h do início dos sintomas, o FTT demonstrou pequeno benefício na sobrevida, porém não estatisticamente significativo. Dois estudos recentes questionam o benefício da terapia fibrinolítica em idosos, e um inclusive sugere que sua utilização causaria mais malefício que benefício. Em recente reanálise do FTT, porém, os pacientes com mais de 75 anos e com sintomas até 12h de seu início e com elevação do segmento ST ou bloqueio de ramo ao eletrocardiograma apresentaram taxas de mortalidade significantemente menores quando tratados com fibrinolíticos.

Tempo de tratamento

Em relação ao tempo de tratamento, o maior benefício é visto naqueles tratados o mais precocemente possível. Comparando-se o tratamento fibrinolítico na 1º hora, em que 65 vidas são salvas por mil pacientes tratados, com os pacientes tratados entre 6 e 12h, em que apenas 10 vidas são salvas por mil pacientes tratados, verifica-se a necessidade de estratégias específicas para o início precoce do tratamento fibrinolítico. Da mesma forma, o FTT demonstrou redução progressiva de aproximadamente 1,6 morte por hora de atraso por mil pacientes tratados.

Complicações com o uso de fibrinolíticos

As complicações hemorrágicas são a principal complicação do uso dos fibrinolíticos. Idade avançada, sexo feminino e baixo peso são preditores de complicação hemorrágica de qualquer tipo (cerebral ou não). Hipertensão Arterial e antecedente de doença cérebro vascular são preditores para acidentes vasculares hemorrágicos, além dos fatores já citados.

Há um aumento de 3,9 acidentes vasculares cerebrais por mil pacientes tratados (principalmente no 1º dia após tratamento).

Complicações hemorrágicas que necessitam de transfusão podem ocorrer entre 4% e 13%.

A utilização de estreptoquinase pode estar associada a hipotensão, que deve ser tratada com interrupção de sua administração, com elevação dos membros inferiores e, se necessário, com a reposição de volume ou atropina.

As reações alérgicas são raras e a administração de rotina de corticóides não é indicada.

As contra-indicações absolutas ao emprego dos fibrinolíticos no IAM são:

AVC hemorrágico ou AVC de origem desconhecida em qualquer tempo; AVC isquêmico nos últimos nos últimos 6 meses; Dano ou neoplasia no sistema nervoso central; Trauma maior ou cirurgia nos últimos 3 meses; Sangramento gastrointestinal no último mês; Discrasia sanguínea conhecida ou sangramento ativo exceto menstruação; Suspeita de dissecção de aorta; Doença terminal

As contra-indicações relativas ao emprego dos fibrinolíticos no IAM são:

Ataque isquêmico transitório nos últimos 6 meses; Terapia com anticoagulantes orais; Gravidez ou período de pós-parto na última semana; Punções não-compressíveis; Resssuscitação cardiopulmonar traumática; Hipertensão arterial não controlada (pressão arterial sistólica > 180 mmHg ou diastólica > 110 mmHg); Doença hepática avançada; Endocardite infecciosa; Úlcera péptica ativa; Exposição prévia a SK (mais de 5 dias); Gravidez

Comparação entre os fibrinolíticos

Nem o estudo GISSI-2 (Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell’Infarto Miocardico II)425 nem o ISIS-3 (Third International Study of Infarct Survival)286 encontraram diferenças na mortalidade entre o uso de estreptoquinase e tPA. Entretanto, o estudo GUSTO377 empregou um regime acelerado de tPA em 90min ao invés do regime anterior de 3h. Nesse estudo, o tPA acelerado associado ao uso concomitante de heparina não-fracionada ajustada pelo tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) resultou na redução de 10 mortes adicionais por mil pacientes tratados, comparativamente à estreptoquinase. O risco de acidente vascular cerebral é maior com o tPA que com a estreptoquinase426. Variantes mutantes do tPA já foram estudadas, e tanto rPA, em duplo-bolo, como TNK-tPA, em bolo único, são comercializadas. A rPA não oferece vantagens sobre o tPA. A TNK-tPA, único fibrinolítico disponível para uso em bolo único, é equivalente em termos de mortalidade ao tPA, e está associada a menor taxa de sangramentos não-cerebrais e menor necessidade de transfusão sanguínea. Os fibrinolíticos em bolo facilitam o tratamento mais rápido tanto pré-hospitalar como hospitalar e ainda reduzem as chances de erros em sua administração, que elevam os índices de morbidade e de mortalidade.

Regimes de tratamento dos fibrinolíticos

A escolha do agente fibrinolítico depende da análise individual dos riscos e benefícios, da disponibilidade e do custo. Os regimes de administração dos fibrinolíticos para o tratamento do IAM e a necessidade de terapia coadjuvante são:

Estreptoquinase (SK) 1,5 milhões de unidades em 100 ml de soro glicosado a 5% ou solução salina a 0,9% em 30-60min. A terapia anti trombótica é nenhuma ou heparina não- fracionada para os infartos de grande extensão ou risco de tromboembolismo.

Alteplase (tPA) 15 mg EV em bolo, seguidos por 0,75 mg/kg em 30 minutos e então 0,50 mg/kg em 60min A dose total não deve exceder 100 mg. Deve-se ser associada Heparina não-fracionada por 24-48h.

Reteplase (rPA) 10 unidades + 10 |unidades EV em duplo- bolo, separadas por 30min entre as doses. Associar Heparina não-fracionada por 24-48h.

Tenecteplase (TNK-tPA) Bolo único: 30 mg se <> 90 kg de peso. Associar Heparina não-fracionada por 24-48h.

Todos os regimes devem ser associados ao uso de aspirina desde que não haja contra–indicação.

Readministração dos fibrinolíticos

Se existir evidência de reoclusão ou de reinfarto com nova elevação do segmento ST ou bloqueio de ramo ao eletrocardiograma, nova administração de fibrinolíticos poderá ser realizada se a reperfusão mecânica não estiver disponível, porém a estreptoquinase não deve ser repetida desde que anticorpos para a estreptoquinase persistem por pelo menos dez anos. O tPA e suas variantes não produzem anticorpos. A readministração do fibrinolítico pode aumentar as complicações hemorrágicas.

Terapias anticogulante e antiplaquetária

Com base nas evidências acumuladas ao longo dos anos, existe um benefícioinequívoco em termos de morbidade e mortalidade com a associação de aspirina aos fibrinolíticos, sendo seus efeitos aditivos. A utilização de heparina não-fracionada após tPA deve ser interrompida após 24 a 48h, devendo ser realizada monitorização cuidadosa do TTPa. Valores acima de 70s estão associados a maior probabilidade de morte, sangramento e reinfarto.

Não existe diferença na patência em pacientes tratados com heparina não fracionada ou heparina subcutânea associada à estreptoquinase.

Mais estudos devem ser realizados, principalmente nos idosos, antes de se recomendar o uso de heparina de baixo peso molecular em combinação com os fibrinolíticos.

Remodelamento Ventricular pós IAM

A hiperatividade neuro-humoral pode estar presente durante e após o IAM, independentemente da função ventricular. Inicialmente é, em geral, benéfica, por aumentar a contratilidade e o débito cardíaco e por contribuir para a manutenção da pressão arterial. Entretanto, quando mantida por longo prazo, promove aumento do trabalho cardíaco e do consumo de oxigênio pelo miocárdio, redução do fluxo para o miocárdio isquêmico, e possível expansão do infarto. Essa cascata de eventos leva à redução da contratilidade e à estimulação ainda maior do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático, e esse ciclo vicioso promove aumento progressivo das câmaras cardíacas com piora gradativa da função ventricular, processo conhecido como remodelamento ventricular esquerdo pós IAM.

Os inibidores da enzima conversora da angiotensina, quando utilizados em pacientes com infarto do miocárdio agudo ou crônico, podem atenuar e até mesmo prevenir o remodelamento ventricular, reduzir a incidência de posterior insuficiência cardíaca, melhorar a qualidade de vida e a capacidade funcional, reduzir sintomas, prevenir o reinfarto e aumentar a sobrevida. Esses benefícios foram demonstrados em uma série de estudos clínicos controlados, randomizados, conduzidos internacionalmente, que analisaram em conjunto mais de 100 mil pacientes (SAVE, ISIS-4, CCS-1, com captopril; SOLVD com enalapril; AIRE com ramipril; GISSI-3 com trandolapril e TRACE com trandolapril).

Foi demonstrado que no período de seguimento de 2 a 4 anos de tratamento, o número de vidas salvas por mil pacientes tratados variou entre 40 e 76 . Os inibidores da enzima conversora da angiotensina foram mais efetivos nos subgrupos de maior risco, como infarto de parede anterior, presença de taquicardia, clínica de disfunção ventricular e antecedentes de infarto prévio. Entretanto, os pacientes de menor risco também se beneficiaram com essa forma de tratamento, sendo, portanto, esses agentes indicados em todos os pacientes na fase aguda do infarto, a menos que haja contra-indicação a seu uso.

Forma do tratamento

Conforme demonstrado nos estudos GISSI-3 e ISIS-4, o uso precoce de um inibidor da enzima conversora da angiotensina por via oral é seguro e eficaz. Recomenda-se que seja iniciado dentro das primeiras 24 horas de evolução, normalmente após o término da terapia de recanalização miocárdica (química ou mecânica), tão logo a pressão arterial esteja estabilizada.

A dose inicial deve ser pequena, ajustada a cada 24h, desde que a condição clínica do paciente assim o permita. A dose deve ser aumentada até que se atinja a dose-alvo ou a maior dose tolerada. É recomendável que se estabeleça como dose-alvo a mesma que se mostrou efetiva nos grandes estudos (Captopril 150 mg/dia em 3 doses; Enalapril 20 mg/dia em 2 doses; Ramipril 20mg/dia em 2 doses; Lisinopril 10 mg/dia dose única; Trandolapril 4mg/dia dose úncia.

Existem fortes evidências de que os inibidores da enzima conversora da angiotensina devam ser mantidos indefinidamente após IAM, nos casos em que houver disfunção ventricular esquerda, com ou sem sintomas. Esta recomendação é válida inclusive para aqueles pacientes nos quais esse agente ainda não vinha sendo utilizado, devendo essa forma de terapia ser introduzida independentemente da época em que o infarto tenha ocorrido.

Recentemente estendeu-se a indicação do uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina a longo prazo após IAM em pacientes com função ventricular normal. Esta conduta foi referendada pelos resultados do estudo HOPE.

Detalhes sobre farmacologia, contra-indicações e efeitos adversos dos IECA devem ser consultados no capítulo sobre Hipertensão Arterial onde um texto abrangente sobre a droga está a disposição.

Bloqueadores dos Canais de Cálcio no IAM

Apesar de evidencias de ação anti-isquêmica, o uso dos bloqueadores de cálcio na fase aguda do IAM não é indicado, e o uso rotineiro demonstrou em estudos aumento da mortalidade. O uso de dihidropiridinas de ação curta demonstrou aumento da mortalidade de forma dose dependente. Não existem no momento estudos sobre dihidropiridinas de nova geração, não havendo recomendação de seu uso rotineiro. Quanto ao diltiazem e o verapamil os estudos não demonstraram benefícios em relação a mortalidade ou na redução da área infartada, salvo um benefício em relação a prevenção de arritmias supra-ventriculares. Apesar de evidências sugerindo a redução do re-infarto com o uso nos primeiros dias após o IAM não Q, estes dados não possuem um suporte estatístico significativo, pois os trabalhos que demonstraram melhora da mortalidade com o uso dessas drogas são passiveis de crítica.

Recomendação de uso no IAM: Não há.

Contra-indicações específicas para o uso no IAM: Estado hemodinâmico Killip II ou maior.

Angina instável

O alívio dos sintomas produzido pelos bloqueadores de cálcio é comparável ao dos beta-bloqueadores. No entanto não ocorre redução na incidência do IAM ou reduz a mortalidade. Portanto são drogas de segunda escolha nessa situação, utilizados em associação, nos casos onde não se consiga controle satisfatório com beta-bloqueadores e nitratos apenas. Máxima atenção deve ser dada ao paciente com disfunção ventricular utilizando essa associação.

Angina estável

A eficácia dos antagonistas do cálcio em pacientes com angina pectoris é relacionada a redução da demanda de oxigênio, associado a um aumento da oferta por vasodilatação. Essa última ação tem grande valor nos pacientes com angina de Prinzmetal ou com reserva coronariana reduzida. São eficazes isoladamente ou em conjunto com beta-bloqueadores ou nitratos. Das drogas existentes no Brasil o FDA aprova para uso nos Estados Unidos para o controle da angina estável o Verapamil, o Diltiazem, a Nifedipina, a Nicardipina e a Amlodipina. Todos causam dilatação arterial sistêmica e coronariana, por ação na musculatura lisa do vaso.

Os beta-bloqueadores são primeira escolha na maioria das situações de DAC crônica, por extrapolação do pensamento de melhora de sobrevida no IAM e na angina instável e a falta desse efeito nos bloqueadores do cálcio. No entanto os bloqueadores do cálcio devem ser lembrados nas seguintes situações: 1) Contra-indicações aos beta-bloqueadores, como nos casos de asma; 2) bradicardia sinusal ou doença do nó sinusal; 3) Angina de Prinzmetal; 4) Doença arterial periférica; 5) Disfunção ventricular (apenas dihidropiridinas nesse caso); 6) Angina com desencadeamento variável.

Nitratos

Nitrito de amilo, Nitroglicerina, Dinitrato de Isossorbida, 5-mononitrato de isossorbida, Propatilnitrato

Mecanismo de ação: Produzindo a liberação de óxido nitrico a nível vascular, ativa a guanilato ciclase nas células musculares lisas. O aumento do GMPc intracelular no músculo liso vascular produz a desfosforilação da cadeia leve de miosina, que é a reguladora do estado contrátil desse músculo, levando ao relaxamento da parede vascular. Os efeitos farmacológicos e bioquímicos dos nitratos são idênticos aos do fator relaxante derivado do endotélio, que é o próprio óxido nítrico. O nitrato endógeno é derivado da transformação da l-arginina em citrulina, pela óxido nítrico sintetase existente no endotélio.

Efeito Hemodinâmico: Os nitratos produzem o relaxamento vascular em artérias e veias. Baixas concentrações de nitratos produzem uma vasodilatação predominantemente mais venosa do que arteriolar. A venodilatação predominante produz diminuição do volume das câmaras cardíacas e da pressão diastólica final, ocorrendo pouca alteração na resistência vascular sistêmica. A pressão arterial pode cair pouco e a freqüência cardíaca normalmente se mantém inalterada ou pouco aumentada por ação reflexa. A resistência vascular pulmonar diminui, bem como o débito cardíaco. Mesmo doses que não alterem a pressão arterial, levam a dilatação arteriolar em face e nos vasos meningeos, levando a flush facial e a cefaléia. Doses elevadas podem causar um maior seqüestro venoso, hipotensão e baixo débito.

Efeitos na circulação coronariana: Os nitratos tem a capacidade de causar vaso dilatação das artérias epicárdicas mesmo que acometidas por aterosclerose. Promove a redistribuição do fluxo coronariano para áreas isquêmicas. Produz principalmente a diminuição da demanda de oxigênio miocárdico indiretamente através do seu efeito hemodinâmico. A redução do volume e da pressão diastólica final dos ventrículos leva a uma redução da tensão da parede ventricular. A tensão da parede é um dos principais determinantes do nível de consumo de oxigênio pela fibra miocárdica e sua redução parece ser o principal mecanismo antianginoso dos nitratos.

Metabolismo: Os nitratos orgânicos lipossolúveis sofrem metabolização hepática pela enzima glutation-redutase, gerando compostos mais hidrossolúveis menos potentes e nitritos inorgânicos. Este metabolismo vai determinar a biodisponibilidade e o tempo de ação da droga. O tempo de absorção do dinitrato de isossorbida e da nitroglicerina é rápida, levando a concentrações plasmáticas em cerca de 5 minutos. A meia vida desses 2 compostos é da ordem de 40 minutos, sendo um pouco mais rápida a da nitroglicerina. O 5-monitrato de isossorbida possui uma meia vida mais longa, permitindo uma posologia melhor, sendo usado por via oral.

Tolerância: O uso contínuo dos nitratos leva a redução do seu efeito farmacológico com o passar do tempo. Esta tolerância pode ser diminuída se o uso do nitrato for interrrompido por cerca de 8 a 12 horas entre a última dose de um dia e a primeira dose do dia seguinte. O 5-mononitrato deve ser prescrito com horário excentrico (ex: 8:00 e 16:00h) para evitar esse fenômeno, não devendo ser usado em intervalos regulares (ex: 12/12h).

Efeitos colaterais: Cefaleia é um efeito comum e pode ser severa. Normalmente diminue após alguns dias de tratamento. Pode ocorrer hipotensão postural em pacientes imobilizados por longos períodos.

Mononitrato de Isossorbida

Nome comercial: Monocordil (Baldacci) 20/40/50mg , Cincordil (Novaquimica) comp 20/40mg; Coronar (Biolab) comp. 20mg / amp. 10mg /1ml; Mononitrato de Isossorbida (Eurofarma).

Dinitrato de Isossorbida

Nome comercial: Angil (Sanval) 5/10mg; Isordil (Sigma Pharma) 5/10mg; Isordil AP (Sigma Pharma) 40mg.

Propatilnitrato

Nome comercial: Sustrate (Bristol-Myers Squibb)

Nitroglicerina

Nome comercial: Tridil (Cristália) amp. 5mg/ml c/ 5 ou 10 ml.

Betabloqueadores no IAM

O uso na fase aguda do IAM reduz o índice cardíaco, a freqüência cardíaca e a pressão arterial. Em última análise, diminui o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Um efeito metabólico benéfico do beta bloqueio é a redução dos níveis séricos de ácidos graxos, causada pela inibição da lipólise, por redução das catecolaminas. Os ácidos graxos livres aumentam o consumo de miocárdico de O2 e provavelmente a incidência de arritmias. O uso na fase aguda, em especial nas primeiras 4 horas de IAM, reduz a área infartada. Ocorre redução da mortalidade, do re-infarto e de parada cardíaca não fatal.

Apesar da droga potencialmente poder causar aumento dos niveis da pressão capilar pulmonar, esta droga só leva ao edema agudo de pulmão ou choque cardiogênico em cerca de 2 a 3 % dos casos de IAM, se o paciente for bem selecionado.

Recomendação de uso: Pacientes em estado hiperdinâmico, taquicardia sinusal, hipertensão, na ausência de sinais de insuficiência ventricular ou bronco espasmo, em especial nas primeiras 4 horas de IAM. Caso não haja contra-indicações o beta bloqueador deve ser mantido no pós IAM por pelo menos 2 anos. Caso o paciente apresente alguma complicação como bronco espasmo, insuficiência cardíaca ou bloqueio AV, a droga deve ser suspensa.

Não devem ser usados no IAM os beta bloqueadores com atividade simpaticomimética intrínseca como o pindolol e o oxprenolol.

Contra-indicações específicas para o uso no IAM:

1. FC menor que 60 bpm;

2. PA sistólica menor que 100mmHg;

3. Insuficiência Ventricular esquerda moderada ou severa;

4. Sinais de hipoperfusão periférica;

5. ECG com PR maior que 0,22 s;

6. BAV de 2º (seja tipo I ou II) ou 3º grau; e

7. Doença pulmonar obstrutiva crônica severa.

Passado de asma, doença vascular periférica severa e diabetes mellitus insulino dependente de dificil controle são contra indicações relativas.

Angina instável

Deve ser administrado a todos os pacientes com angina instável desde que não estejam incluídos em contra- indicação da droga. Pacientes que não usavam anteriormente o beta bloqueador deve ter esta incluída a sua prescrição mesmo que já em uso de bloqueadores de cálcio ou nitratos. Os pacientes já em uso do beta bloqueador devem ter como parâmetro a freqüência cardíaca, que deve permanecer em torno de 60 bpm, para o ajuste de dose.

Novamente nesta situação a insuficiência cardíaca originada pela isquemia pode melhorar com o beta bloqueador, seja por disfunção sistólica ou diastólica. Descompensação de insuficiência cardíaca não é comum se respeitadas as contra-indicações.

Angina estável

Pelas suas propriedades anti-isquemicas, anti-hipertensivas e anti-arritmicas, pela redução comprovada da mortalidade do IAM e do re-infarto, o beta bloqueador é a pedra angular do tratamento da doença coronariana crônica, sendo extremamente útil no controle desses pacientes.

Normalmente são bem tolerados, reduzem o limiar e a freqüência da angina, seja em uso isolado ou em conjunto com outros anti-isquemicos.

Para dados gerais sobre os beta bloqueadores veja na seção com este título.

Bloqueadores seletivos dos receptores AT1 da angiotensina II

Os bloqueadores AT1, ao contrário dos inibidores da enzima conversora da angiotensina, não causam aumento dos níveis de bradicinina. Portanto, é menos provável que ocorram, com esses agentes, os efeitos colaterais atribuídos à potencialização das cininas, tais como angioedema e tosse. Por outro lado, os bloqueadores AT1 não teriam alguns benefícios decorrentes do acúmulo da bradicinina sugeridos em estudos experimentais.

Os bloqueadores AT1 já foram avaliados no tratamento da hipertensão arterial, da insuficiência cardíaca e do IAM. Os resultados desses estudos indicam similaridade entre inibidores da enzima conversora da angiotensina e AT1, além de demonstrar que a associação de inibidores da enzima conversora da angiotensina com bloqueador AT1 tampouco acrescenta benefício. Todos os estudos demonstraram melhor tolerância com o uso do bloqueador.

fonte: http://www.manuaisdecardiologia.med.b