ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 22 de novembro de 2009

Distúrbios Vasculares dos Rins


O suprimento sangüíneo aos rins é vital para que eles funcionem adequadamente. Qualquer interrupção ou redução do suprimento sangüíneo pode causar problemas como, por exemplo, uma lesão renal, uma disfunção renal ou um aumento da pressão arterial.

Enfarto Renal

O infarto renal é a morte de uma área de tecido renal causada pela obstrução da artéria renal, a principal artéria que transporta sangue ao rim.

A obstrução da artéria renal é rara e ocorre mais freqüentemente quando uma partícula que se encontrava flutuando na corrente sangüínea (um êmbolo) aloja-se nessa artéria. O êmbolo pode originar-se de um coágulo sangüíneo (trombo) localizado no coração ou do descolamento de um depósito de colesterol (ateroma) localizado na aorta. Por outro lado, o infarto pode ser decorrente da formação de um coágulo sangüíneo (trombose aguda) no interior da própria artéria renal devido a alguma lesão. A lesão pode ser causada por uma cirurgia, uma angiografia ou uma angioplastia. O coágulo também pode ser decorrente de uma aterosclerose grave, de uma arterite (inflamação das artérias), da doença das células falciformes ou da ruptura de um aneurisma (dilatação da parede arterial) da artéria renal. Uma laceração do revestimento da artéria renal (dissecção aguda) faz com que o fluxo sangüíneo da artéria seja obstruído ou provoca a ruptura da mesma. As causas subjacentes do infarto incluem a arteriosclerose e a fibrodisplasia (desenvolvimento anormal de tecido fibroso na parede de uma artéria).

Ocasionalmente, um infarto renal é produzido intencionalmente (infarto terapêutico) para tra-tar tumores renais, a proteinúria (perda de proteínas na urina) maciça ou a hemorragia renal intensa e incontrolável. O fluxo sangüíneo ao rim é obstruído através da introdução de um cateter no interior da artéria que irriga o rim.

Sintomas e Diagnóstico

Freqüentemente, pequenas obstruções parciais da artéria renal não causam qualquer sinto-ma. No entanto, elas podem causar uma dor surda e constante no flanco do lado afetado. A febre, a náusea e o vômito também podem ocorrer. A obstrução parcial da artéria pode causar elevação da pressão arterial.

A obstrução total de ambas as artérias renais (ou de uma artéria renal naqueles que possuem apenas um rim) interrompe totalmente a produção de urina e a função dos rins (insuficiência renal aguda).

Normalmente, os exames de sangue revelam uma quantidade anormalmente elevada de leucócitos. O exame de urina revela a presença de proteínas e de quantidades microscópicas de sangue. Raramente, a quantidade de sangue na urina é suficientemente grande a ponto de permitir a sua observação a olho nu.

Exames de diagnóstico por imagem são necessários para se estabelecer o diagnóstico, pois nenhum dos sintomas ou dos exames laboratoriais é específico para o diagnóstico do infarto renal. Durante as primeiras duas semanas após um infarto renal, a função do rim afetado é deficiente. A urografia intravenosa ou a cintilografia renal com radionuclídeos podem revelar a função deficiente do rim, pois ele não consegue excretar quantidades normais do contraste (visível nas radiografias) utilizado na urografia ou do marcador radioativo utilizado na cintilografia. No entanto, como a disfunção renal também pode ser causada por outros distúrbios que não o infarto, pode ser necessária a realização de uma ultra-sonografia ou de uma urografia retrógrada para diferenciar entre as possíveis causas.

O melhor método para se confirmar o diagnóstico e se obter uma imagem clara do problema é a arteriografia renal, na qual é realizada a injeção de um contraste (substância radiopaca) na artéria renal. No entanto, a arteriografia renal somente deve ser realizada quando o médico aventa a possibilidade de tentar desobstruir a artéria. O grau de recuperação da função renal pode ser avaliado através da urografia intravenosa ou da cintilografia renal com radionuclídeos realizadas com intervalos de um mês.

Tratamento

O tratamento usual consiste na administração de anticoagulantes, visando evitar que novos coágulos sangüíneos obstruam a artéria renal. As drogas trombolíticas (que dissolvem os coágulos) são mais recentes e podem ser mais eficazes que outros tratamentos. Os medicamentos melhoram as funções renais somente quando a artéria não se encontra totalmente obstruída ou quando os coágulos podem ser dissolvidos em 1 e meia a 3 horas (o tempo que o tecido renal pode tolerar sem irrigação sangüínea).

Para remover a obstrução, o médico pode, a partir da artéria femoral (na região inguinal) pas-sar um cateter com balão até atingir a artéria renal. A seguir, o balão é insuflado para forçar a abertura da área obstruída. Este procedimento é denominado angioplastia transluminal percutânea.

O tratamento ideal do infarto renal ainda não foi definido, mas o tratamento medicamentoso é o preferido. Embora a desobstrução cirúrgica seja possível, este procedimento apresenta riscos maiores de complicações e de morte e não melhora a função renal mais do que o tratamento exclusivo com drogas anticoagulantes ou trombolíticas. A cirurgia é o tratamento de eleição em uma situação: quando ela é realizada precocemente (em 2 a 3 horas) para remover o coágulo localizado no interior da artéria renal decorrente de um traumatismo (trombose traumática da artéria renal).

Embora possa ocorrer uma melhoria da função renal com o tratamento, ela geralmente não é totalmente recuperada.

Doença Renal Ateroembólica

A doença renal ateroembólica é um distúrbio no qual numerosas partículas (êmbolos) de material gorduroso (ateromatoso) obstruem arteríolas (artérias pequenas) renais e acarretam insuficiência renal.

As partículas de material gorduroso alojadas na parede de um vaso sangüíneo desprendem-se, deslocam-se até as arteríolas renais e obs truem o suprimento sangüíneo aos rins. Este distúrbio pode ocorrer espontaneamente ou como complicação de uma cirurgia ou de procedimen tos sobre a aorta (p.ex., angiografia), nos quais fragmentos do material gorduroso que reveste aorta são desprendidos de forma involuntária A doença renal ateroembólica ocorre mais comumente em indivíduos idosos e o seu risco aumenta com a idade.

Sintomas

Comumente, a doença renal ateroembólica evolui gradualmente, com insuficiência renal progressiva que permanece assintomática até tornar-se avançada. Quando a obstrução é decorrente de algum procedimento sobre a aorta, o momento em que a obstrução ocorreu é evidente e, normalmente, a insuficiência renal instala-se abruptamente. Na insuficiência renal completa, o indivíduo apresenta uma grande variedade de sintomas, começando com fadiga e uma sensação de mal-estar generalizado. Os sintomas não são causados especificamente pela doença renal ateroembólica, mas são secundários à insuficiência renal. Eles incluem distúrbios dos músculos, dos nervos, do coração, do sistema digestivo e da pele.

Normalmente, os êmbolos não estão limitados às artérias renais. Freqüentemente, eles causam obstrução de outros vasos sangüíneos de outros órgãos (p.ex., pâncreas e intestino) Os sintomas comumente observados são a dor abdominal, fezes sanguinolentas e diarréia. Quando os êmbolos deslocam-se para as extremidades, podem ocorrer sintomas como, por exemplo, a pele passa a apresentar um aspecto moteado e uma coloração violácea, nódulos musculares dolorosos e inclusive gangrena. Êmbolos que trafegam até um olho podem causar cegueira súbita.

Diagnóstico e Tratamento

A insuficiência renal é facilmente diagnosticada através de exames de sangue. A doença renal ateroembólica é diagnosticada através da biópsia renal (coleta de uma amostra de tecido renal para exame microscópico com o auxílio de uma agulha), a qual revela a presença de partículas microscópicas de gordura obstruindo as arteríolas.

Os únicos tratamentos para a insuficiência renal avançada causada pela doença renal ateroembólica são a diálise e o transplante renal.

Necrose Cortical

A necrose cortical é uma forma rara de morte do tecido renal que afeta parcial ou totalmente a porção externa do rim (córtex), mas não a sua porção interna (medula).

A necrose cortical é decorrente da obstrução das arteríolas (pequenas artérias) que se dirigem ao córtex renal, a qual pode ser causada por muitas condições.

A necrose cortical pode ocorrer em qualquer idade. Aproximadamente 10% dos casos ocorrem na infância e na pré-adolescência. Mais da metade dos recém-nascidos com esse distúrbio tiveram partos complicados pelo descolamento abrupto da placenta (abruptio placentae). A segunda causa mais comum é a sépsis (infecção bacteriana da corrente sangüínea). Nas crianças maiores, a necrose cortical pode ocorrer após uma infecção, um episódio de desidratação, o choque ou a síndrome hemolítico-urêmica. Nos adultos, a sépsis é respon-sável por um terço de todos os casos de necrose cortical. Aproximadamente 50% dos casos notificados ocorrem em mulheres que apresentaram complicações na gravidez como, por exemplo, descolamento abrupto da placenta, posição anormal da placenta (placenta prévia), sangramento uterino, infecções imediatamente depois do parto (sépsis puerperal), obstrução de uma artéria (embolia) por líquido amniótico, morte fetal intrauterina e pré-eclâmpsia (hipertensão arterial com proteinúria e edema durante a gravidez).

Outras causas possíveis incluem a rejeição de um rim transplantado, queimaduras, a pancreatite (inflamação do pâncreas), lesões, mordida de cobra e envenenamento (p.ex., por fósforo ou arsênico).

Sintomas

A necrose cortical pode assemelhar-se a outros tipos de insuficiência renal. Contudo, o médico suspeita de necrose cortical quando a produção da urina diminui súbita e radicalmente, sem evidências de obstrução nos ureteres ou na bexiga, e é observada a presença de sangue na urina de um indivíduo que apresenta uma condição que pode causar necrose cortical. Freqüentemente, o indivíduo apresenta febre. A hipertensão arterial leve ou mesmo a hipotensão arterial é comum.

A pequena quantidade de urina que é produzida contém proteínas e muitos eritrócitos, juntamente com leucócitos e cilindros (aglomerados de eritrócitos e leucócitos e outros produtos da degradação metabólica). Nos estágios iniciais da doença, os exames de sangue revelam concentrações anormalmente elevadas de algumas enzimas.

Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico normalmente pode ser estabelecido através da ultra-sonografia ou da tomografia computadorizada (TC). Pode ser realiza-da uma biópsia renal ou uma arteriografia renal, mas, na maioria dos casos, esses procedimentos são desnecessários. A observação de depósitos de cálcio nas radiografias sugere a necrose cortical renal, mas eles formam-se tardiamente na evolução da doença como conseqüência do processo de cura e são observados apenas em 20 a 50% dos indivíduos.

Freqüentemente, o tratamento é complicado porque a condição subjacente deve ser tratada. A insuficiência renal exige a diálise. Ocasionalmente, o indivíduo recupera uma função renal suficiente para interromper a diálise após vários meses. Aproximadamente 20 a 40% dos indivíduos recuperam parcialmente a função renal. Para a maioria, no entanto, as únicas soluções são o transplante renal ou a diálise por toda a vida.

Nefrosclerose Maligna

A nefrosclerose maligna é um distúrbio associado a uma pressão arterial muito elevada (hipertensão maligna), na qual as arteríolas (artérias pequenas) renais são lesadas e a insuficiência renal evolui rapidamente.

A nefrosclerose com hipertensão maligna é mais comum entre os homens com 40 a 60 anos de idade e em mulheres 30 a 40 anos de idade. Ela é mais comum entre os indivíduos da raça negra do que entre os da raça branca e é incomum entre aqueles que apresentam hipertensão arterial.

A arteriosclerose das artérias renais (nefrosclerose benigna) acompanha freqüentemente o processo de envelhecimento e está associada à hipertensão arterial. A nefrosclerose maligna é um distúrbio muito mais grave que cursa junto com uma hipertensão maligna. A hipertensão maligna muito freqüentemente é conseqüência de uma hipertensão arterial mal controlada, mas também pode ser decorrente de outras afecções como, por exemplo, a glomerulonefrite, a insuficiência renal crônica, a estenose da artéria renal (hipertensão vascular renal), a inflamação dos vasos sangüíneos renais (vasculite renal) ou, raramente, distúrbios hormonais (p.ex., feocromocitoma, síndrome de Conn ou síndrome de Cushing).

Sintomas e Diagnóstico

Os sintomas são causados por uma lesão cerebral, cardíaca ou renal decorrente da hipertensão arterial grave. A pressão diastólica normalmente é superior a 130 mmHg (milímetros de mercúrio). Os sintomas incluem a agitação, confusão mental, sonolência, visão borrada, cefaléia, náusea e vômito. Através do exame do fundo de olho realizado com o auxílio de um oftalmoscópio, o médico pode observar áreas de sangramento, de acúmulo de líquido e de edema do nervo óptico. O coração aumenta de volume e a insuficiência cardíaca é comum. O coma pode ocorrer em conseqüência do edema ou de uma hemorragia cerebral.

Devido à disfunção renal, pode haver a presença de proteínas na urina. O exame microscópico da urina pode revelar a presença de células sangüíneas e de cilindros (formados pela aglomeração de eritrócitos). Freqüentemente, o indivíduo apresenta anemia em conseqüência da destruição e do comprometimento da produção de eritrócitos. A coagulação intravascular disseminada também é comum. A concentração de renina e de aldosterona (substâncias produzidas pelos rins que ajudam a regular a pressão arterial) no sangue encontra-se elevada.

Prognóstico e Tratamento

Quando o distúrbio não é tratado, aproximadamente 50% dos indivíduos morrem em 6 meses e a maioria dos remanescentes morrem em 1 ano.

Aproximadamente 60% das mortes são devidas à insuficiência renal, 20% à insuficiência cardíaca, 20% a um acidente vascular cerebral e 1% a um infarto do miocárdio. A redução da pressão arterial e o tratamento da insuficiência renal reduzem significativamente a taxa de mortalidade, sobretudo devida à insuficiência cardíaca e renal e ao acidente vascular cerebral.
Os indivíduos que apresentam uma insuficiência renal menos grave respondem melhor ao tratamento. Para a maioria dos indivíduos, a pressão arterial extremamente elevada pode ser reduzida satisfatoriamente com a dieta e o tratamento medicamentoso. Aqueles com insuficiência renal progressiva podem ser mantidos vivos e, ocasionalmente, melhoram o suficiente para que a diálise seja interrompida.

Trombose da Veia Renal

A trombose da veia renal é a obstrução da veia renal, a qual transporta o sangue para fora do rim.

A obstrução pode ser aguda (súbita) ou crônica (gradual), produzindo uma grande variedade de sintomas e, normalmente, resultando na síndrome nefrótica, na qual ocorre uma proteinúria (perda de proteínas na urina) acentuada.

Nos adultos, esse distúrbio normalmente ocorre associado a outros distúrbios renais que causam proteinúria. A trombose da veia renal pode ser causada pelo câncer de rim ou por distúrbios que comprimem a veia renal (p.ex., um tumor) ou a veia cava inferior (na qual a veia renal desemboca). Outras causas possíveis incluem são o uso de contraceptivos orais, as lesões ou, raramente, a tromboflebite migratória (um distúrbio no qual a coagulação ocorre consecutivamente em diferentes veias por todo o corpo).

Sintomas e Diagnóstico

Os indivíduos com trombose da veia renal comumente são assintomáticos e o distúrbio passa despercebido. Quando a trombose da veia renal causa sintomas, ela segue dois padrões em função de o seu início ter sido gradual ou súbito.

Nos adultos, o início e a evolução normalmente são graduais. A urina contém proteínas e ocorre uma diminuição do volume urinário. Quando o início é súbito em adultos, a dor normalmente é localizada na região lateral do corpo, entre as costelas e o quadril. O indivíduo apresenta febre, sangue na urina, urina pouco, retém água e sal (sódio) com conseqüente edema, uma quantidade anormalmente elevada de leucócitos e os exames de sangue revelam evidências de insuficiência renal. As crianças apresentam sintomas semelhantes, mas, comumente, o distúrbio inicia com diarréia, desidratação e uma maior propensão do sangue à coagulação. A destruição maciça do rim ocorre apenas raramente.

A ultra-sonografia renal mostra um rim aumentado de volume quando a obstrução foi súbita ou um rim atrofiado quando a obstrução foi gradual. Os métodos de diagnóstico por imagem (p.ex., urografia intravenosa e cintilografia renal com radionuclídeos) revelam uma função renal deficiente. Nesses exames, é realizada a injeção intravenosa de uma substância radiopaca e o seu deslocamento é acompanhado. As radiografias da veia cava inferior ou da veia renal (venografia) podem revelar o perfil da trombose. Quando maiores informações são necessárias, pode ser realizada uma tomografia computadorizada (TC) ou radiografias da artéria renal.

Prognóstico e Tratamento

O prognóstico depende da causa da trombose, de suas complicações e do grau da lesão renal. A morte causada por esse distúrbio é rara e, geralmente, é conseqüência de uma causa subjacente mortal ou de suas complicações. Uma complicação grave é a embolia pulmonar, na qual ocorre o alojamento de um coágulo nos pulmões. A função renal adequada depende de vários fatores: se um ou ambos os rins foram afetados, se o suprimento sangüíneo foi restaurado e do estado da função renal anterior à trombose.

Raramente, é realizada a cirurgia de remoção de coágulos localizados no interior da veia renal. O rim somente é removido se houver ocorrido a morte de todo o tecido devida à interrupção do seu suprimento sangüíneo (infarto total). Comumente, as drogas anticoagulantes melhoram a função renal evitando a formação de mais coágulos e podem prevenir a embolia pulmonar. O uso de drogas trombolíticas (que dissolvem coágulos), além dos anticoagulantes, é um procedimento que ainda se encontra em fase experimental, mas seus resultados são promissores.

FONTE: MANUAL MERCK