ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cefaléias


As cefaléias (dores de cabeça) encontram-se entre os problemas médicos mais comuns. Alguns indivíduos apresentam cefaléia freqüentemente, enquanto outros raramente a apresentam. Tanto as cefaléias crônicas quanto as recorrentes podem ser muito intensas e angustiantes, mas, raramente, elas refletem uma condição médica grave. No entanto, a alteração das características e da natureza da cefaléia (p.ex., de rara a freqüente ou de leve a intensa) pode indicar um problema grave e exige uma avaliação médica imediata. A maioria das cefaléias é decorrente de tensão muscular, enxaquecas ou sem causa evidente. Muitas delas estão relacionadas a problemas dos olhos, nariz, garganta, dentes e ouvidos. Quase todas as cefaléias crônicas atribuidas à fadiga ocular são, na verdade, devidas à tensão. Uma dor recente e intensa nos olhos ou em torno deles pode indicar aumento de pressão do líquido ocular (glaucoma), que é uma emergência médica. Uma consulta oftalmológica pode permitir a identificação da causa e a instituição do tratamento para esse tipo de dor.

A hipertensão arterial pode causar uma dor do tipo latejante. No entanto, ela raramente causa cefaléia crônica. Normalmente, o médico consegue determinar a causa de uma cefaléia baseando-se na história clínica e no exame físico. Entretanto, algumas vezes, é necessária a realização de exames de sangue para se detectar uma enfermidade subjacente. A punção lombar (espinhal), através da qual é coletada uma pequena quantidade de líquido cefalorraquidiano para exame microscópico, é realizada quando o médico suspeita que a causa da cefaléia é uma infecção como, por exemplo, uma meningite. Uma infecção bacteriana ou fúngica que inflama as meninges (membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal) é uma causa rara de um tipo de cefaléia característica, que é comumente aguda e contínua. Essa infecção é acompanhada por febre e outros sinais de uma doença grave. A punção lombar também pode ser realizada quando houver suspeita de hemorragia nas meninges. Somente raramente as cefaléias crônicas são causadas por tumores cerebrais, lesões cerebrais ou falta de oxigênio ao cérebro. No caso de suspeita de um tumor, de um acidente vascular cerebral ou de um outro distúrbio cerebral, o médico pode solicitar a realização de exames que forneçam imagens do cérebro como por exemplo, a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM).

Cefaléias Tensionais

As cefaléias tensionais são causadas pela tensão muscular no pescoço , nos ombros e na cabeça. A tensão muscular pode ser decorrente de uma posição desconfortável do corpo, do estresse social ou psicológico ou da fadiga.

Sintomas e Diagnóstico

Em geral, as cefaléias tensionais manifestamse pela manhã ou no início da tarde e pioram durante o dia. Freqüentemente, o indivíduo apresenta uma dor contínua e moderada sobre os olhos ou na parte posterior da cabeça, e uma sensação de compressão, como uma faixa em torno da cabeça, pode acompanhar a dor. Ela pode estender-se por toda a cabeça e, algumas vezes, para baixo, em direção à região posterior do pescoço e aos ombros. Para diferenciar as cefaléias tensionais daquelas produzidas por condições mais graves, o médico deve levar em consideração a duração da dor e também a descrição do paciente relacionada à sua localização, o que faz com que ela seja desencadeada, o que a alivia. Além disso, deve ser observado se o indivíduo apresenta sintomas que acompanham a dor como, por exemplo, tontura, fraqueza, perda da sensibilidade ou febre.

As cefaléias com início recente, que interrompem o sono do indivíduo, e são incomumente intensas e contínuas, que ocorrem após um traumatismo crânio-encefálico, ou coincidem com outros sintomas, como zumbidos, fraqueza, falta de coordenação, alterações visuais ou desmaio, provavelmente não são tensionais. A sua causa pode ser grave e o indivíduo deve ser imediatamente avaliado por um médico. Por exemplo, as cefaléias causadas por um tumor cerebral ou por um outro problema são mais provavelmente de início recente, apresentam uma evolução constante, são piores pela manhã que no decorrer do dia, não estão relacionadas à fadiga ou ao trabalho; são acompanhadas por diminuição do apetite e náusea e melhoram ou pioram quando o indivíduo muda de posição (deita-se ou fica em pé).

Diferenças Entre as Cefaléias

Tipo ou Causa Características* Exames Diagnósticos

Tensão muscular Cefaléias freqüentes. A dor é intermitente, moderada e sentida nas regiões anterior e posterior ou o indivíduo pode apresentar uma sensação generalizada de compressão ou de rigidez Exames para descartar a possibilidade de uma doença física; avaliação de fatores psicológicos e da personalidade

Enxaqueca A dor começa no olho e em torno do mesmo ou na têmpora. Usualmente, ela afeta toda a cabeça, mas pode ser unilateral, latejante e é acompanhada por perda de apetite, náusea e vômito O indivíduo apresenta episódios periódicos similares durante um longo período. Freqüentemente, os episódios são precedidos por alterações do humor, perda de apetite, escotomas cintilantes (pontos brilhantes na visão). Raramente, o indivíduo apresenta fraqueza num dos lados do corpo. Freqüentemente, a enxaqueca afeta famílias Se o diagnóstico for duvidoso e a dor de cabeça for de início recente, realizar uma RM ou uma TC; a história clínica é fundamental para o diagnóstico

Cefaléia em salvas Os episódios são curtos (1 hora). A dor é intensa e sentida num dos lados do corpo. A crise ocorre episodicamente, em salvas (com períodos sem cefaléia) e afeta sobretudo os homens O indivíduo apresenta os seguintes sintomas no mesmo lado da dor: inchaço abaixo do olho, coriza e lacrimejamento Drogas contra enxaqueca para observar se elas são eficazes (p.ex., sumatriptano, metisergida) ou medicamentos vasoconstritores, corticosteróides, indometacina ou inalação de oxigênio

Hipertensão arterial (pressão arterial elevada) Causa rara de cefaléia, exceto nos indivíduos com episódios intermitentes de hipertensão grave, decorrentes de um tumor de adrenal. A dor é do tipo latejante, ocorre em crises e é sentida na região posterior ou no alto da cabeça Análise química do sangue, provas renais

Problemas oculares (irite, glaucoma) A dor ocorre na região frontal da cabeça ou nos olhos ou acima deles. Ela pode ser moderada ou intensa e, freqüentemente, piora após a utilização excessiva da visão Exame oftalmológico

Problemas dos seios da face A dor é aguda ou subaguda (não crônica), é sentida na região frontal da cabeça. Ela é leve ou intensa e, usualmente, é pior pela manhã, aumenta à tarde e piora com o clima frio e úmido. O indivíduo apresenta uma história de infecção do trato respiratório superior, dor numa região da face e obstrução nasal ou coriza Radiografias dos seios da face

Tumor cerebral A dor é de início recente, intermitente, de intensidade leve a grave. Ela pode ser localizada num ponto ou pode estender-se por toda a cabeça O indivíduo apresenta uma fraqueza lentamente progressiva num dos lados do corpo, convulsões, alterações visuais, perda da fala, vômito, alterações mentais RM ou TC

Infecção cerebral (abcesso) A dor é de início recente, do tipo intermitente, leve a intensa e pode ser localizada num ponto ou estender-se por toda a cabeça O indivíduo pode ter apresentado uma infecção prévia de ouvido, dos seios da face, ou do pulmão, uma doença reumática ou uma cardiopatia congênita RM ou TC

Infecção dos tecidos que envolvem o cérebro (meningite) A dor é de início recente, constante, intensa, estende-se por toda a cabeça e pode irradiar-se até o pescoço. O indivíduo sente-se mal, com febre, vômito, apresenta um antecedente de faringite ou infecção respiratória, e tem dificuldade para flexionar o pescoço e encostar o queixo no peito Exames de sangue, punção lombar

Acúmulo de sangue em torno do cérebro

Hematoma subdural

Hemorragia subaracnóide


A dor é de início recente, intermitente ou constante, de intensidade leve a grave. Ela pode ser localizada num determinado ponto ou estender-se por toda a cabeça e irradia-se até o pescoço O indivíduo apresenta uma história de lesão prévia e pode apresentar períodos de perda de consciência alternados com períodos de lucidez

A dor é de início súbito, disseminada, intensa e constante. Ocasionalmente, ela pode ser sentida num olho e em torno do mesmo. O indivíduo apresenta ptose palpebral (queda da pálpebra)





RM ou TC



RM ou TC. Quando o resultado for negativo, punção lombar Quando o resultado for negativo, deve ser realizada uma punção lombar (espinhal)


Sífilis Tuberculose Criptococose Sarcoidose Câncer A dor pode variar de surda a intensa e é sentida em toda a cabeça ou apenas no alto da mesma. O indivíduo apresenta uma febre moderada e história de sífilis, tuberculose, criptococose, sarcoidose ou câncer Punção lombar


Tratamento

Com freqüência, é possível se prevenir ou controlar as cefaléias tensionais evitando ou compreendendo e ajustando-se ao estresse que as ocasiona. Após o início da cefaléia, a massagem suave dos músculos do pescoço, dos ombros e da cabeça , deitar-se e relaxar por alguns minutos ou o biofeedback podem ser úteis. Para a maioria das cefaléias, quase todos os analgésicos de venda livre (p.ex., aspirina, acetaminofeno, ibuprofeno) podem prover um alívio rápido temporário. As cefaléias graves podem responder a analgésicos mais fortes (de receita obrigatória), alguns deles contendo narcóticos (p.ex., codeína ou oxicodona). Alguns acreditam que a cafeína, um ingrediente existente em algumas preparações para a cefaléia, aumenta o efeito dos analgésicos. Entretanto, o excesso de cafeína pode induzir ao surgimento da cefaléia. Para as cefaléias causadas pelo estresse crônico ou pela depressão, os analgésicos isoladamente não produzirão a cura, pois eles não tratam os problemas psicológicos subjacentes. O aconselhamento profissional pode beneficiar os indivíduos com cefaléias causadas por conflitos sociais ou psicológicos não resolvidos.

Enxaqueca

A enxaqueca é uma dor intensa, do tipo latejante e recorrente que geralmente afeta um lado da cabeça, podendo, algumas vezes, afetar ambos os lados. O seu início é súbito e pode ser precedido ou acompanhado por sintomas visuais, neurológicos ou gastrointestinais. Embora a enxaqueca possa se iniciar em qualquer idade, ela comumente aparece entre os10 e 30 anos. Algumas vezes, a enxaqueca desaparece após os 50 anos, e é mais comum em mulheres que em homens. O fato de mais da metade dos indivíduos com enxaqueca possuir parentes próximos que também a apresentam sugere que a tendência pode ser transmitida geneticamente. Normalmente, a enxaqueca é mais grave que as cefaléias tensionais. Ela ocorre quando as artérias que vão ao cérebro tornam-se estreitadas (contraem) e, em seguida, dilatam, ativando os algorreceptores (receptores da dor) vizinhos. Não se sabe o que faz com que os vasos sangüíneos contraiam e dilatem, mas o nível anormalmente baixo de serotonina, substância química envolvida na comunicação da célula nervosa (neurotransmissão) no sangue, pode desencadear as contrações. Raramente, uma malformação vascular pode ser a causa subjacente da enxaqueca. Neste caso, as cefaléias quase sempre ocorrem no mesmo lado. Entretanto, na maioria das pessoas, elas ocorrem aleatoriamente, em qualquer um dos lados.

Sintomas e Diagnóstico

Não existe disponível um exame laboratorial que auxilie no diagnóstico das enxaquecas, mas, habitualmente, as características da cefaléia tornam fácil a sua identificação. Em aproximadamente 20% dos indivíduos, cerca de 10 a 30 minutos antes do início da cefaléia (período denominado aura, pródromo ou período prodrômico), ocorrem sintomas de depressão, irritabilidade, agitação, náusea ou perda de apetite. Uma porcentagem semelhante de indivíduos apresentam perda de visão de uma área específica (denominado ponto cego ou escotoma) ou percebem luzes dispersas ou cintilantes. Menos comumente, as imagens tornam- se distorcidas. Por exemplo, os objetos parecem ser menores ou maiores do que realmente são. Alguns indivíduos apresentam zumbido ou, raramente, fraqueza de um membro superior ou inferior. Geralmente, esses sintomas desaparecem assim que a cefaléia se inicia, podendo, no entanto, ocorrer concomitantemente. A dor de uma enxaqueca pode ser sentida em qualquer lado da cabeça ou em toda cabeça. Algumas vezes, as mãos e pés podem tornar-se frios e azulados. Na maioria dos indivídos que apresentam um período prodrômico, em cada episódio, as características e a localização da cefaléia são as mesmas. A enxaqueca pode ocorrer freqüentemente durante um longo período e, em seguida, desaparecer por muitas semanas, meses ou mesmo anos.

Prevenção e Tratamento

Quando não tratadas, as crises de enxaqueca podem durar várias horas ou dias. Para alguns indivíduos, a cefaléia é leve e facilmente aliviada com o uso de um analgésico de venda livre. Muito freqüentemente, a enxaqueca é grave e provoca uma incapacidade temporária, especialmente quando ela é acompanhada por náusea, vômito e desconforto em ambientes com iluminação intensa (fotofobia). Neste caso, os analgésicos normalmente não aliviam a cefaléia, a qual pode desaparecer apenas após um período de repouso e sono. Alguns indivíduos apresentam irritabilidade durante as crises de enxaqueca e procuram o isolamento, freqüentemente em um quarto escuro. Como a cefaléia e os principais sintomas da enxaqueca somente ocorrem após a dilatação da artéria contraída, o período prodrômico representa um período de advertência durante o qual os medicamentos podem prevenir a cefaléia. O medicamento mais comumente utilizado é a ergotamina (um vasoconstritor), que provoca a constrição dos vasos sangüíneos e, conseqüentemente, evita que eles dilatem e provoquem dor.

A cafeína em doses elevadas também ajuda a evitar a dilatação dos vasos sangüíneos e, comumente, ela é administrada combinada a analgésicos ou à ergotamina. O sumatriptano aumenta os efeitos da serotonina. Acreditase que níveis baixos dessa substância desencadeiem crises de enxaqueca. Seja pela via oral ou injetável, o sumatriptano é mais eficaz que a aspirina ou o acetaminofeno no alívio dos sintomas da enxaqueca, mas é muito mais caro. A ergotamina e o sumatriptano afetam a circulação sangüínea cerebral, podem ser perigosos e não devem ser utilizados mais freqüentemente do que o prescrito. Alguns medicamentos utilizados diariamente podem prevenir a recorrência das crises de enxaqueca.

O beta-bloqueador propranolol proporciona alívio a longo prazo em cerca de 50% dos indivíduos que apresentam crises de enxaqueca freqüentes. O verapamil, um bloqueador dos canais de cálcio, é eficaz para alguns indivíduos. Recentemente, foi demonstrado que divalproex, um medicamento anticonvulsivante, reduz a freqüência das enxaquecas quando tomado diariamente. A metilsergida é um dos medicamentos preventivos mais eficazes, mas deve ser utilizada de forma intermitente, pois pode causar, do modo imprevisível, uma complicação grave denominada fibrose retroperitoneal – a formação de tecido cicatricial profundamente na cavidade abdominal, a qual pode obstruir a circulação sangüínea a órgãos vitais. Portanto, o uso desse medicamento deve ser cuidadosamente supervisionado por um médico.

Cefaléia em Salvas

As cefaléias em salvas constituem um tipo extremamente doloroso, mas incomum, de enxaqueca. As cefaléias em salvas afetam sobretudo os homens com mais de 30 anos de idade. O álcool pode desencadear uma crise, assim como a oxigenação insuficiente (por exemplo, em altitudes elevadas). A crise quase sempre se inicia de modo abrupto e termina em uma hora. Ela freqüentemente começa com prurido ou coriza em uma narina, precedendo a dor intensa daquele lado da cabeça e estendendo-se em torno do olho. Após a crise, o indivíduo pode apresentar ptose palpebral (queda da pálpebra) e a pupila freqüentemente contrai. As crises ocorrem em série, variando de duas por semana a várias por dia. Quase todos os episódios de cefaléias em salvas duram de seis a oito semanas e, ocasionalmente, são mais prolongados, sendo seguidos por intervalos sem cefaléia de vários meses antes da recorrência de novos episódios.

Prevenção e Tratamento

A ergotamina, os corticosteróides ou a metilsergida podem evitar as crises. As injeções de sumatriptano provêem um alívio imediato, mas não evitam os episódios futuros. Durante uma crise, a inalação de oxigênio algumas vezes alivia a dor.