quarta-feira, 5 de junho de 2013

Doenças Prevalentes em Creches



As creches surgiram como instituições cuidadoras de crianças carentes, e a primeira instituição dessa natureza, historicamente reconhecida, foi criada na França, em 1770, com a intenção de abrigar crianças durante o período de trabalho das mães. No Brasil, surgem as primeiras instituições com o objetivo de esconder e cuidar de crianças cujas mães solteiras abandonavam nas portas das santas casas de misericórdia em um local chamado “roda dos enjeitados”. As creches com caráter filantrópico apareceram por volta de 1920 e, somente em 1966, depois de muitos movimentos sociais, foi criada a Secretaria do Bem-Estar Social (SEBES), onde as creches e outros serviços sociais receberam supervisão municipal. Em 1988, a Constituição Brasileira define a creche como um direito da criança. Desde então, creches, jardins de infância e pré-escolas tornaram-se opções socioeducativas, de modo a oferecer um local para a educação, assistência e promoção à saúde para
crianças de zero a três anos ou de zero a seis anos (quando englobam a pré-escola). O pediatra que acompanha o dia-a-dia de seus pacientes tem na creche uma realidade com a qual se deve identificar.

Quando a criança freqüenta, ou irá freqüentar uma creche, o papel do pediatra vai além da orientação individual, ele deve participar junto à família esclarecendo os benefícios e riscos que podem ocorrer, principalmente no que diz respeito a questões como ensino, segurança, higiene antiinfecciosa, espaço físico, organização local e assistência prestada. As principais informações que o pediatra deve conhecer a respeito da creche referem-se a:
•condições de ventilação, insolação, umidade e limpeza local;
• alimentação recebida, por semana e segundo a faixa etária;
• situação vacinal dos funcionários da creche;
• número de crianças por sala;
• materiais didáticos utilizados mais frequentemente;
• treinamento/educação continuada dos funcionários da creche, referente à área de saúde. Nas creches, há um maior contato entre as crianças e, portanto, a disseminação das moléstias infecciosas ocorre mais frequentemente. É importante que medidas bloqueadoras sejam orientadas, de forma clara, de tal forma que possam ser realizadas e seguidas por todos que cuidam das crianças. As razões devem ser esclarecidas às crianças, aos pais e aos funcionários, de tal modo que assumam e participem das medidas a serem tomadas
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Principais Vias de Transmissão de Moléstias Infecciosas nas Creches
A identificação das formas de transmissão das doenças infecciosas é um importante passo para a orientação dos procedimentos mais adequados para o controle e conduta.  De modo geral, as vias de contaminação são possíveis de ser identificadas e controladas pelos responsáveis das creches e pelos pais.
Infecções Respiratórias Agudas
As infecções respiratórias agudas são as principais causas de morbidade em crianças de zero a cinco anos de idade que freqüentam coletividades infantis, como é o caso das creches. Constituem-se em causa importante de afastamento da criança nesta faixa etária, para tratamento domiciliar, e também de internações hospitalares. Embora os resfriados e gripes tenham caráter benigno e autolimitado, diminuem a resistência do hospedeiro e consequentemente aumentam o risco da instalação de infecções bacterianas secundárias como é o caso da otite média aguda, sinusopatia aguda e pneumopatia aguda
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Na elaboração das medidas preventivas e curativas das infecções respiratórias agudas, o pediatra deve ter as seguintes preocupações:
1. O tratamento sintomático é elemento importante da prescrição pediátrica, com o objetivo de melhorar o estado geral, a aceitação alimentar, a atividade física e o sono da criança. Entretanto, em geral, não é possível controlar totalmente os sintomas apresentados.
2. A escolha dos medicamentos sintomáticos deve considerar a relação risco/benefício, pois as infecções respiratórias agudas constituem-se no principal grupo de doenças em que há abuso de medicamentos que, além de não trazer benefício adicional para a criança, ainda expõem-na desnecessariamente a efeitos colaterais indesejáveis ou mesmo às intoxicações agudas, eventos plenamente evitáveis pela adequada prescrição do pediatra.
3. Avaliar sempre as condições ambientais do domicílio e da creche, buscando, se possível, diminuir o impacto de fatores de risco comuns para as infecções respiratórias agudas, tais como a presença de umidade no ambiente, a baixa insolação, a ventilação inadequada (verificar a presença de janelas), a presença de fumantes, a baixa temperatura ambiental, o acúmulo de pó (verificar se a rua é asfaltada, presença de cortinas, tapetes e carpetes), proximidade a ruas de tráfego intenso ou fábricas, o piso frio (cimento, cerâmica ou terra batida), relação pessoa-cômodo maior do que três.
4. Crianças que frequentam creches desenvolvem maior número de episódios infecciosos por ano do que as crianças que não frequentam creches, como a rinofaringite aguda, a faringoamidalite aguda e a otite média aguda. O número de episódios infecciosos é ainda maior no caso de creches com maior número de crianças.
RINOFARINGITE AGUDA
Diagnóstico
A rinofaringite aguda, ou resfriado comum, é causada principalmente por vírus do grupo rhinovírus10. A criança comprometida apresenta como sintomas principais obstrução nasal e coriza inicialmente hialina. A maioria dos lactentes menores de seis meses só possui respiração nasal, podendo por isto aparecer respiração ruidosa e a mãe relatar chiado no peito, mesmo na ausência de secreção brônquica. Particularmente nos primeiros três dias de doença, pode haver febre, tosse, diminuição da aceitação alimentar ou da atividade física e alteração do ciclo sono-vigília. A coriza e a obstrução nasal podem durar até sete dias.
Tratamento Sintomático
O controle da febre pode ser feito com acetaminofeno, utilizando-se 10mg/kg/dose, até de seis em seis horas, ou com dipirona (25mg/kg/dose, até de seis em seis horas). Em quadros respiratórios agudos, eminentemente virais, é contra-indicado o uso de ácido acetilsalicílico, pela possibilidade de contribuir para o desenvolvimento da síndrome de Reye. A desobstrução constante das fossas nasais, que contribui para melhora da dinâmica respiratória, deve ser feita com solução fisiológica ou com água fervida, pois a criança engole o produto utilizado juntamente com a secreção nasal. A ingestão abundante de líquidos é uma medida fundamental para que a secreção respiratória produzida na vigência da rinofaringite tenha maior teor de água, o que facilita a sua eliminação, uma vez que a secreção excessiva continua a ser produzida até que haja a cicatrização da membrana mucosa agredida pela invasão viral. Medicamentos não indicados: a) descongestionantes sistêmicos; b) antiinflamatórios; c) antitussígenos. Os descongestionantes sistêmicos, embora possam trazer alívio sintomático, podem levar à intoxicação aguda e, se usados repetidamente, à rinite medicamentosa. Os antiinflamatórios,
mesmo os não hormonais, são formalmente contra-indicados em infecções respiratórias agudas. Estes medicamentos estão associados a uma incidência elevada de efeitos colaterais como hemorragia digestiva e erupção cutânea medicamentosa. Os antitussígenos são também contra-indicados, pois deve-se combater a causa da tosse e não a tosse, que permite que secreções acumuladas sejam removidas. Os derivados da codeína expõem a criança a risco de intoxicação aguda.


Conduta para Contactantes e Prevenção
A criança portadora de rinofaringite aguda não deve ser afastada da creche. Para diminuir a possibilidade de contágio por via respiratória, devem ser mantidas adequadas condições de ventilação no domicílio e na creche. Quanto ao contágio interpessoal, procurar reforçar junto à direção da creche a necessidade de lavagem das mãos pelos funcionários, quando houver o manuseio de cada criança, o que diminui o número de episódios anuais de rinofaringite aguda em cada instituição.


FARINGOAMIDALITE AGUDA- Faringoamidalite viral Diagnóstico
A faixa etária em que a faringoamidalite viral é mais prevalente corresponde aos primeiros quatro anos de vida, estando implicados o vírus da influenza, o adenovírus, o vírus sincicial respiratório, Coxsackie vírus A e B e Echovírus.
A criança acometida apresenta-se com febre, dor de garganta, odinofagia, anorexia, astenia, tosse e coriza. Ao exame físico, encontram- se hiperemia leve a moderada de pilares faríngeos, úvula e amígdalas e adenomegalia cervical. Na febre faringoadenoconjuntival, causada pelo adenovírus, o quadro clínico também é caracterizado por hiperemia conjuntival e lacrimejamento. Nas infecções causadas pelos enterovírus Coxsackie A, B ou Echovírus, pode ocorrer dor abdominal, vômitos e diarréia. Além disto, pode-se desenvolver a herpangina, caracterizada em média
por quatro a oito vesículas pequenas (menores do que 0,5cm de diâmetro) de conteúdo claro e halo eritematoso localizadas nos pilares faríngeos, úvula, amígdalas e parede posterior da faringe, e erupção cutânea maculopapular eritematosa morbiliforme. Tratamento
SINTOMÁTICO
O alívio da dor de garganta, assim como o controle da febre, pode ser obtido com o uso de acetaminofeno ou dipirona, conforme preconizado para a rinofaringite aguda. Conduta para Contactantes e Prevenção A criança com faringoamidalite aguda viral não precisa ser afastada da creche. Cuidados já descritos para a rinofaringite aguda devem ser adotados para diminuir a possibilidade de contágio.
Faringoamidalite bacteriana Diagnóstico:
O agente etiológico é o Streptococcus β-hemolítico do grupo A (EBHGA), observando-se o pico de prevalência da faringoamidalite estreptocócica entre os cinco e nove anos de idade. Assim como nos quadros virais, a criança atingida pela doença apresenta-se com febre, dor de garganta, odinofagia, anorexia, astenia21. Entretanto, não há tosse, coriza ou conjuntivite. Ao exame físico, quatro elementos devem ser considerados, em ordem decrescente de especificidade: a) placas de pus nas amígdalas ou parede posterior da faringe; b) petéquias no palato; c) adenomegalia submandibular; d) hiperemia de orofaringe. A presença de pelo menos três destes quatro elementos pressupõe a presença de doença estreptocócica.
Tratamento
A antibioticoterapia diminui a chance de complicações imediatas (abscesso periamidaliano) e tardias (febre reumática). O antibiótico de escolha é a penicilina benzatina, aplicada por via intramuscular, na dose única de 50.000UI/kg. Outras alternativas terapêuticas incluem a ampicilina, cuja dosagem diária preconizada é de 50 a 100mg/kg, dividida em quatro doses, por 10 dias, e a amoxicilina, na dosagem de 30 a 50mg/kg/dia, dividida em três doses, por 10 dias. O uso da associação sulfametoxazol-trimetoprima é contra-indicado, pois não erradica o EBHGA da orofaringe. No caso dos pacientes alérgicos à penicilina, o antibiótico de escolha é a eritromicina, 30 a 40mg/kg/dia, dividida em quatro doses, com intervalos de seis horas, por 10 dias. Também é aceitável o uso de claritromicina, por 10 dias, ou azitromicina, por 5 dias Cerca de 80% das culturas de orofaringe são negativas para o EBHGA 24 horas depois do começo da antibioticoterapia. Assim, recomenda-se que a criança com faringoamidalite estreptocócica seja afastada pelo menos por um período de 24 horas a partir do início da antibioticoterapia específica, pois neste período ainda há a possibilidade de transmissão do agente etiológico26. Estima-se que cerca de 5% a 10% dos adultos e 15% a 20% das crianças sejam portadores do EBHGA, o que isoladamente não acarreta risco de seqüelas de doenças causadas pelo EBHGA, como é o caso da febre reumática. Portanto, não se justificaria o tratamento dos portadores assintomáticos do EBHGA. Entretanto, crianças que freqüentam coletividades fechadas como é o caso das creches encontram- se em maior risco de doença estreptocócica, caso tenham tido contato freqüente com uma criança que desenvolveu esta doença24. Nesta situação, para evitar o aparecimento de novos casos, as crianças contactantes que freqüentem a mesma sala devem receber penicilina benzatina, amoxicilina ou eritromicina, nas mesmas doses e períodos preconizados para o tratamento dos indivíduos doentes.