A história das doenças é tão antiga quanto a história da humanidade. Consideramos que a cirurgia e as doenças têm idades semelhantes. As formas tradicionais de patologias – traumatismos, tumores, infecções e doenças congênitas – praticamente se iniciaram nos primórdios da espécie humana. Dessa forma, os cirurgiões, nos dias atuais, tratam doenças análogas às que eram atendidas pelos cirurgiões de tempos antigos. Da mesma maneira que hoje, os cirurgiões da antiguidade atendiam pacientes feridos, tentavam estancar sangramentos e retirar tumorações. Nas antiguidades romana e grega, os cirurgiões eram considerados especialistas, na medida em que os médicos tradicionais recorriam a dietas e drogas. Nos traumas, sempre se recorria aos cirurgiões. Nos estudos atribuídos a Hipócrates, figuram textos sobre fraturas, luxações e outras patologias de terapêutica cirúrgica. Um dos mais importantes desses estudos foi o livro intitulado Sobre a cirurgia (400 a.C.), no qual o autor descrevia as qualificações que um cirurgião deveria ter e quais eram suas
atribuições. Além de Hipócrates, autor de aproximadamente
70 obras, uma das maiores autoridades em medicina grega foi o enciclopedista romano do início do primeiro século d.C., Auto Cornélio Celso, autor da definição clássica da inflamação (“as características da inflamação são: tumor, rubor, calor e dor”). Contudo, mais interessantes ainda foram os conceitos de Celso a respeito da cirurgia. No final da idade média, quando a medicina parecia estagnada, a cirurgia desenvolveu- se mais do que outras áreas da medicina. No Renascentismo, os cirurgiões e os médicos não-cirurgiões vislumbraram que a sua união permitiria um maior desenvolvimento no combate às doenças, uma vez que durante 1.500 anos houve uma nítida separação entre o que hoje poderíamos definir como clínicos e cirurgiões.
atribuições. Além de Hipócrates, autor de aproximadamente
70 obras, uma das maiores autoridades em medicina grega foi o enciclopedista romano do início do primeiro século d.C., Auto Cornélio Celso, autor da definição clássica da inflamação (“as características da inflamação são: tumor, rubor, calor e dor”). Contudo, mais interessantes ainda foram os conceitos de Celso a respeito da cirurgia. No final da idade média, quando a medicina parecia estagnada, a cirurgia desenvolveu- se mais do que outras áreas da medicina. No Renascentismo, os cirurgiões e os médicos não-cirurgiões vislumbraram que a sua união permitiria um maior desenvolvimento no combate às doenças, uma vez que durante 1.500 anos houve uma nítida separação entre o que hoje poderíamos definir como clínicos e cirurgiões.
É impossível escrever sobre a história da cirurgia sem citar Pare, Vesálio, Hunter, Lister, Halsted e outros que serão citados posteriormente. Poucos foram tão populares na história da medicina moderna quanto Ambroise Pare (1510-1590). Destaca-se seu espetacular trabalho no estudo da anatomia humana relacionada à cirurgia. As origens do estudo da anatomia são obscuras, contudo, os primeiros cirurgiões que tratavam pacientes feridos tinham algum conhecimento a respeito. A dissecção anatômica começou a ser efetuada no final do século XIII, entretanto, os primeiros trabalhos ilustrados sobre anatomia humana devem- se ao estudo magnífico de André Vesálio. A importância de Vesálio está ligada ao fato de ele ter iniciado um programa de estudo de anatomia. São de Vesálio as impressionantes obras De humani corporis fabrica e Epítome, sendo esta última tida como um dos primeiros guias estudantis para o estudo da anatomia humana. refere ao estudo da anatomia é o de Henry Gray, que, em 1859, apresentou a primeira edição de sua obra Anatomia descritiva e cirúrgica. Um dos grandes momentos da medicina do século XVIII foi a publicação de Localização e causas da doença investigadas pela anatomia, em 1761, de Giovann Morgagni. Anatomista igualmente magnífico, John Hunter (1728-1793) é considerado o precursor da cirurgia experimental. Além do desenvolvimento dessa arte, cabe a Hunter o Tratado sobre o sangue, a inflamação e feridas por projéteis de armas de fogo, publicado um ano após a sua morte. Sendo assim, Hunter mereceu o pitáfio proposto pelo médico historiador Fielding Garrison: “Com o advento de John Hunter, a cirurgia deixou de ser considerada apenas uma forma técnica de tratamento e começou a se impor como um ramo da medicina científica, firmemente embasado na fisiologia e na patologia”.
Os cirurgiões do século XVIII tiveram importância na reforma sanitária ocorrida nesse período. Edmund Park e John Simon, na Inglaterra, e Stephen Smith e Willard Parker, nos Estados Unidos, simbolizam esse momento. No início do século XIX, os procedimentos cirúrgicos ainda não eram freqüentes. Na Inglaterra e na América, alguns dias da semana eram dedicados a operações cirúrgicas. Contudo, a dor, a infecção, a hemorragia e o choque eram as quatro maiores dificuldades para o desenvolvimento da cirurgia. Uma vez que o objetivo da ciência médica é aliviar a dor e o sofrimento, o desenvolvimento da anestesia para uso durante as cirurgias figura como uma das maiores descobertas da ciência. O uso de álcool, raiz de mandrágora e ópio era, de algum modo, já conhecido. Contudo, o uso realmente efetivo da anestesia geral pode ser datado da década de 1840. Wiliam T.G. Morton (1819-1868), um cientista de Boston, demonstrou o bem-sucedido uso da anestesia com éter em 16 de Outubro de 1846, no Massachusetts General Hospital. No entanto, mesmo com esmerada técnica cirúrgica, os operadores hábeis constatavam com freqüência que seu trabalho tornava-se inútil diante dos processos infecciosos pós-operatórios. Joseph Lister (1827-1912) não se conformava com esse fato e, por isso, tratou de convencer o mundo de que a infecção era prejudicial e poderia ser prevenida e tratada. Dessa forma, podemos intitular Lister como o criador da cirurgia anti-séptica. Na Escócia, Lister investigou problemas relacionados à cirurgia, como a inflamação, a cicatrização das feridas e o papel da coagulação. A despeito de Lister realizar as primitivas esterilizações em suas enfermarias e de realizar as cirurgias da forma mais higiênica possível, a taxa de gangrenas, piemias e infecções gerais entre seus pacientes era muito alta. Por volta de 1865, o cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) desenvolveu a teoria da produção da doença infecciosa por germes, e coube a Lister a plena compreensão do significado e da importância do trabalho de Pasteur. Portanto, talvez seja digno definir que a anti-sepsia e o controle inicial da infecção têm nesses dois nomes a referência histórica que fez mudar os horizontes da cirurgia, fazendo dessa arte uma ciência mais segura no combate às enfermidades. No que se refere à definição do papel do sangue e dos líquidos corporais, somente em 1850 Claude Bernard, com a publicação de Líquidos no organismo, deu início a esse entendimento. As necessidades nutricionais dos pacientes cirúrgicos foram objetivos da atenção de Jonathan Rhoads, professor da Universidade da Pensilvânia, cabendo a ele e a seu colega Stanley Dudrick os primeiros estudos relacionados à hiperalimentação parenteral total, na metade do século XX. Já o treinamento e a qualificação do cirurgião tiveram origem no nome de William S. Halsted (1852-1922), brilhante cirurgião americano que introduziu o sistema de treinamento em residência nos Estados Unidos, além de contribuir decisivamente para o estudo das cirurgias de tireóide, mama e hérnia.
Deve-se a Halsted a preleção O treinamento do cirurgião, Yale, 1904, que define as atribuições do cirurgião, bem como os métodos de treinamento para ser alcançada a prática cirúrgica. Quinze anos antes, 1989, quando da inauguração do John Hopkins Hospital, Halsted foi nomeado
cirurgião titular, tornando-se Professor de Cirurgia da primeira turma médica três anos depois. É importante lembrar que Halsted igualmente estudou cirurgia, histologia
e patologia em vários centros alemães, observando os trabalhos de Bergmann, Volkmann, Billroth, Esmarch e Mikulicz em suas clínicas. Dessa forma, tornou- se partidário do uso da anti-sepsia e dos métodos de treinamento obstinados dos alemães na América. Halsted era um professor rigoroso e considerava Theodor Kocher (1841-1917), de Berna, Suíça, o maior cirurgião de sua época. Kocher ficou conhecido graças aos seus trabalhos sobre o cérebro e a medula. Pioneiro no estudo da cirurgia da tireóide, Kocher recebeu o Prêmio Nobel, em 1909, pelo trabalho sobre tratamento cirúrgico do bócio tireóideo, primeira vez que este prêmio foi concedido a um cirurgião. Em seu trabalho, Kocher desenvolveu a técnica cirúrgica da tireóide e contribuiu para a compreensão do papel da tireóide no metabolismo corporal.
cirurgião titular, tornando-se Professor de Cirurgia da primeira turma médica três anos depois. É importante lembrar que Halsted igualmente estudou cirurgia, histologia
e patologia em vários centros alemães, observando os trabalhos de Bergmann, Volkmann, Billroth, Esmarch e Mikulicz em suas clínicas. Dessa forma, tornou- se partidário do uso da anti-sepsia e dos métodos de treinamento obstinados dos alemães na América. Halsted era um professor rigoroso e considerava Theodor Kocher (1841-1917), de Berna, Suíça, o maior cirurgião de sua época. Kocher ficou conhecido graças aos seus trabalhos sobre o cérebro e a medula. Pioneiro no estudo da cirurgia da tireóide, Kocher recebeu o Prêmio Nobel, em 1909, pelo trabalho sobre tratamento cirúrgico do bócio tireóideo, primeira vez que este prêmio foi concedido a um cirurgião. Em seu trabalho, Kocher desenvolveu a técnica cirúrgica da tireóide e contribuiu para a compreensão do papel da tireóide no metabolismo corporal.
Ainda no que se refere ao treinamento em cirurgia, é fundamental citar Bernhardt von Langenbeck (1810-1887), mestre cirurgião alemão conhecido como o pai do sistema de residência moderna em cirurgia. Entre seus alunos, incluem-se o próprio Theodor Kocher e outro Theodor, cujo inesquecível sobrenome é Billroth (1829-1894), professor de Cirurgia da Universidade de Viena e pioneiro da cirurgia abdominal. Outro momento significativo a ser referido neste momento é a descoberta dos raios X, em 1895, por Wilhelm K. Rontgen (1845-1923), que consistiu em uma grande contribuição para a propedêutica cirúrgica.
Outro nome importante a ser lembrado em relação ao início do século XX é o de Sir Alexander Fleming, que descreveu e isolou um agente inibitório que chamou de lisozima e, anos após, estudando evolutivamente seu achado, acabou por originar uma importante substância antibacteriana, denominada, então, penicilina. É provável que, mais recentemente, em cirurgia, nenhum assunto tenha se popularizado tanto quanto os transplantes de órgãos, a tal ponto que, em 1990, Joseph E. Murray recebeu um Prêmio Nobel por seus trabalhos sobre transplante renal. No que se refere à história e à evolução da cirurgia laparoscópica, é importante lembrar que, em 1983, Mouret, na França, e Semm, na Alemanha, publicaram suas experiências com a apendicectomia laparoscópica. Em 1987, Philippe Mouret, de Lyon, realizou a primeira colecistectomia laparoscópica da história da medicina. Já a partir do ano seguinte, iniciaramse na videocolecistectomia vários cirurgiões renomados, tais como François Dubois, da França, Saye e Mickernan, dos Estados Unidos. Perissat, eminente cirurgião francês, publicou a primeira grande série de colecistectomias laparoscópicas, com 42 casos, no período de novembro de 1988 a junho de 1989. Em 1990, durante o Segundo Congresso Mundial de Cirurgia Endoscópica, em Atlanta (EUA), foram apresentadas as primeiras grandes séries de videocolecistectomias, por François Dubois, com 350 casos, e Reddick, de Nashville, com 200 casos. No Brasil, a introdução da colecistectomia videolaparoscópica se deve a Thomas Szego no ano de 1990.8 Ainda neste ano, a mesma cirurgia foi realizada por Áureo Ludovico de Paula, em Goiás, e por Célio D. Nogueira, em Minas Gerais. Logo após, no ano seguinte, a técnica avançou com Osmar Creuz, no Rio de Janeiro, e Pablo Roberto Miguel, no Rio Grande do Sul.
Na última década do século XX, a colecistectomia laparoscópica passou a constituir-se no método de preferência para o tratamento das colecistopatias. Em decorrência da freqüência com que é realizada essa operação, os cirurgiões viram-se obrigados a incorporar a videolaparoscopia em suas condutas clínico-cirúrgicas,9 o que também tornou necessário o desenvolvimento de cursos de treinamentos didáticos de pós-graduação e em laboratório. Em relação à cirurgia bariátrica, com o crescimento da patologia obesidade na América, é válido lembrar que, nas décadas de 1960 e 1970, os cirurgiões que realizavam cirurgia para reduzir a obesidade utilizavam mais os procedimentos que diminuíam a absorção intestinal. Edward Mason, na Universidade de Iowa, começou a utilizar uma técnica que reduzia acentuadamente o tamanho do reservatório gástrico, com base na observação de que as gastrectomias parciais que deixavam um coto gástrico pequeno remanescente resultavam em emagrecimento significativo. Também nessas décadas, Nicola Scopinaro, cirurgião italiano, desenvolveu a derivação bileopancreática, técnica cirúrgica que busca a perda de peso do paciente por meio da disabsorção alimentar. Contudo, o chamado “padrão-ouro” em cirurgia bariátrica se relaciona às técnicas mais realizadas atualmente, os quais foram propostas por Mathias Fobi e Rafael Capella (com anel de contensão) e por Wittgrove e Clark (sem anel de contensão). A restrição se fundamenta na feitura de um pequeno estômago com anastomose gastrojejunal estenosada (Wittgrove e Clark) ou com uma cinta restritiva feita por um tubo de silicone (Fobi), ou, ainda, com uma fita de polipropileno (Capella) que engloba a circunferência do neoestômago. Em relação ao atendimento do paciente politraumatizado, a cirurgia geral na área de atuação de cirurgia do trauma tem se preocupado em evoluir na sistematização do atendimento, especialmente com a utilização do hoje mundialmente conhecido ATLS (Advanced Trauma Life Suport).
Fonte: Silva, RS. Histórico e Evolução da cirurgia. in: Cavazolla LT, Silva RS, Bregeiron R. et al. Condutas em Cirurgia geral. Ed. ARTMED. 2008.