segunda-feira, 6 de maio de 2013

ÚLCERAS DE PRESSÃO



As úlceras por pressão são definidas como lesões de pele ou parte moles originadas basicamente de isquemia tecidual prolongada. Qualquer posição mantida por um paciente durante um longo período de tempo pode provocar lesão tecidual, principalmente em tecidos que sobrepõe uma proeminência óssea, devido a presença de pouco tecido subcutâneo nessas regiões. A compressão dessas áreas diminui o fluxo sanguíneo local facilitando o surgimento de lesão por isquemia tecidual e necrose. A importância dada ao tema úlcera por pressão revela-se como marco a partir de 1987, quando o governo norte-americano criou um órgão para avaliação e credenciamento dos serviços de saúde – The Joint Commission for the Acreditation of Health Care Organization (JCAHO) – o qual estabeleceu que a úlcera por pressão passaria a constituir um indicador de qualidade do cuidado, tornando-se, assim, um parâmetro para avaliação dos serviços de saúde. As úlceras por pressão por muito tempo foram descritas como sendo um problema estritamente de enfermagem, decorrente de cuidados inadequados por parte desses profissionais. Várias evidências científicas têm mostrado que a úlcera por pressão é decorrente de fatores múltiplos, não sendo, portanto, de responsabilidade exclusiva da equipe de enfermagem. Habitualmente uma úlcera resulta de cuidados domiciliares inadequados ou desenvolvem-se no próprio hospital, em pacientes acamados, causando grande problema na rotina das instituições e dos familiares, pois são lesões de difícil cicatrização, alto custo e dor A prevenção da úlcera por pressão é mais importante que as propostas de tratamento, visto que o custo é menor e o risco para o paciente é praticamente inexistente. Porém, este processo deve envolver uma equipe multidisciplinar integrada para a obtenção dos melhores resultados. O conhecimento e entendimento da definição, causas e fatores de risco por parte dos profissionais da saúde se faz necessário, a fim de se implantar medidas de prevenção e tratamento mais eficazes. 


 No Brasil, são poucos os estudos sobre a incidência das úlceras por pressão, porém sabe-se que a prevalência no ambiente hospitalar é muito alta. Pacientes tetraplégicos (60%) e idosos com fraturas de colo de fêmur (66%) atingem as mais altas taxas de complicações, seguido por pacientes criticamente doentes (33%). De uma forma geral, aproximadamente 40% dos pacientes com lesões medulares que completam o seu tratamento desenvolveram uma úlcera por pressão. O presente trabalho busca reunir informações sobre o desenvolvimento e prevenção das úlceras por pressão, oferecendo subsídios para uma melhor assistência aos pacientes e servindo também como fonte de informações para futuras pesquisas.
EPIDEMIOLOGIA DAS ÚLCERAS POR PRESSÃO
As úlceras por pressão têm prevalência e incidência elevadas nos tratamentos agudo e de longo prazo de clientes hospitalizados e/ou acamados, podem se desenvolver em 24 horas ou espaçar 5 dias para sua manifestação. Em 2001, nos Estados Unidos, estimava-se que 1,5 a 3 milhões de pessoas desenvolveriam úlcera por pressão no ano. Dados da população norte-americana mostram que a incidência de úlcera por pressão varia entre a população e os locais de atendimento. Nos locais de tratamento agudo, por exemplo, podem variar de 3% a 14%, em um grupo geriátrico a incidência aumenta para 24% e em pacientes com lesão medular pode chegar até 59% o total de pessoas acamadas que desenvolvem uma ou mais feridas. Mesmo sendo elevado o número de pessoas que desenvolvem úlceras por pressão, o Brasil não tem dados científicos e pesquisas nacionais que comprovem essa incidência e prevalência, o que apresenta são estudos e teses específicas de unidades de saúde as quais comprovam parcialmente a afirmação.
 

ÁREAS SUSCETÍVEIS E FATORES PREDISPONENTES AO DESENVOLVIMENTO DA ÚLCERA POR PRESSÃO
A úlcera por pressão pode originar-se em todas as posições que sejam mantidas prolongadamente um paciente. Essas áreas incluem as regiões sacrais, coccígenas, tuberosidades isquiáticas, trocânter maior, calcâneo, maléolos, côndilo medial da tíbia, cabeça da fíbula, escápula, cotovelo, processos acromiais e cristas ilíacas. Estudos apontam que 95% das úlceras por pressão se desenvolvem sobre proeminências ósseas na metade inferior do corpo, em regiões sacrais, tuberosidades isquiáticas, calcâneo e trocânter maior do fêmur, pois nessas áreas concentram o maior peso corporal, consequentemente há um aumento da pressão em relação à superfície. Um estudo realizado por no Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que em 45 pacientes com 77 úlceras por pressão, 32,42% eram úlceras na região sacral, 32,47% na região trocantérica (trocânter) e
15,58% das úlceras eram nas regiões isquiáticas (ísquio). Os pacientes confinados no leito por um período longo e com dificuldades sensoriais ou motoras, cognitivas prejudicadas, imobilidade, os que apresentam atrofia muscular e redução do acolchoamento entre a pele sobreposta e o osso subjacente, estão em risco para desenvolverem úlcera por pressão. Mesmo sendo a pressão exercida no tecido, o fator mais importante para o seu desenvolvimento, outros fatores contribuem para ocorrência de úlcera por pressão, os fatores que auxiliam no desenvolvimento das úlceras por pressão podem ser considerados primários e secundários. A pressão, o atrito por cisalhamento e fricção são os três fatores primários. Em 1989, a conferência para desenvolvimento de consenso do Conselho Nacional Consultivo Sobre Úlcera por Pressão propôs fatores de risco secundários no desenvolvimento das úlceras por pressão. Estes são definidos como características intrínsecas e extrínsecas identificáveis, que aumentam a suscetibilidade de uma pessoa às forças que induzem as feridas. Os fatores intrínsecos são aqueles inerentes ao indivíduo que predispõe os pacientes acamados às úlceras por pressão e estão relacionados às variáveis do estado físico do paciente. E os fatores extrínsecos são aqueles independentes do indivíduo e estão relacionados ao mecanismo da lesão. Nos fatores intrínsecos e extrínsecos estão incluídos mobilidade, nutrição, idade, umidade/incontinência, fumo, temperatura elevada, educação, psicossociais, estado cognitivo, lesão medular.
A - Pressão
A pressão capilar normal é de 32 mmHg, assim quando há uma pressão sobre as proeminências ósseas em indivíduos acamados e/ou sentados, que excede esse limite, o paciente desenvolve uma isquemia no local, sendo que o primeiro sinal é o eritema devido à hiperemia reativa, pois aparece um rubor vermelho vivo à medida que o corpo tenta suprir o
tecido carente de oxigênio, “os tecidos podem tolerar pressões cíclicas muito mais altas que pressões constantes. Se a pressão for aliviada intermitentemente a cada 3 a 5 minutos, pressões mais altas podem ser toleradas”. Fica evidente que uma das metas mais importante que deve ser alcançada para que se obtenha uma boa recuperação do paciente é aliviar a pressão através de mudanças de decúbito freqüentes.
B - Cisalhamento
Outro fator de risco é o cisalhamento que é uma pressão exercida quando o paciente é movido ou reposicionado na cama e/ou cadeira. Esses pacientes são recolocados na posição inicial repetidas vezes e nesse movimento a pele permanece aderida ao lençol enquanto que o restante do corpo é empurrado para cima. Devido a essa tração há a torção dos vasos sanguíneos e a interrupção da micro-circulação da pele do tecido subcutâneo. A força de cisalhamento é criada pela interação entre as forças gravitacionais e de atrito, que é a resistência que existe ao movimento entre duas superfícies.
C - Fricção
A fricção acontece quando a pele se move contra uma superfície de apoio, ou seja, é a força de duas superfícies movendo-se uma sobre a outra. A fricção pode causar danos ao tecido quando o paciente é arrastado na cama, em vez de ser levantado. Isso faz com que a camada superficial de células epiteliais seja retirada. A fricção está sempre presente quando o cisalhamento acontece.
D - Mobilidade
A mobilidade tem capacidade de mudar e controlar a posição do corpo. Está relacionado ao nível de consciência e competência neurológica. É a capacidade do paciente de aliviar a pressão através do movimento e contribuir para seu bem estar físico e psíquico. As principais condições que contribuem para a imobilidade são: o acidente vascular cerebral, artrite, esclerose múltipla, lesão medular, traumatismo craniano, sedação excessiva, depressão, fraqueza e confusão.
E - Nutrição
Dois estudos prospectivos mostraram evidências de uma má dieta como fator causador na formação de úlceras por pressão. Alguns pacientes já entram no hospital desnutridos, enquanto outros, mesmo internados em bom estado nutricional para procedimentos eletivos, podem ter seu estado nutricional comprometido durante a sua hospitalização. A má nutrição é considerada um dos fatores secundários relatados para o desenvolvimento da úlcera por pressão, porque contribui para diminuir a tolerância do tecido á pressão. São recomendadas dietas calóricas, ricas em proteínas e carboidratos, para promover um balanço positivo de nitrogênio e suprir as necessidades metabólicas e nutricionais cruciais para a prevenção das lesões.
F - Idade

 
O envelhecimento ocasiona alterações que comprometem a habilidade da pele para distribuir efetivamente a pressão como, mudanças na síntese de colágeno que resultam em tecidos com diminuição na força mecânica e aumento na rigidez. Essas mudanças acarretam ainda a redução da capacidade do tecido de distribuir a pressão mantida sobre ele, levando a um comprometimento do fluxo sangüíneo e consequentemente ao aumento do risco para as úlceras por pressão . A idade avançada também é causadora de aumento de internações hospitalares, de acamações e de condições crônicas de saúde que logo aumenta o risco de pressão, fricção, cisalhamento e diminuição da circulação sangüínea na pele.
G - Umidade/Incontinência
A umidade é um fator contribuinte importante no desenvolvimento de lesões cutâneas, pois quando não é controlada causa maceração (amolecimento) da pele. Com a maceração do tecido da epiderme, há uma redução na força tensiva, tornando-se fácil a compressão, a fricção e o cisalhamento, posteriormente formam-se erosões deixando um ambiente propício para crescimento de microorganismo .
A incontinência é o previsor de formação de úlceras por pressão, onde a incontinência fecal pode ser um fator de risco mais importante que a incontinência urinária para a formação da lesão, pois a pele está mais exposta a bactérias e toxinas presentes nas fezes.
H - Fumo
O tabagismo é outro fator que expõe o paciente ao risco já que, a nicotina reduz a hemoglobina funcional e causa disfunção pulmonar, privando os tecidos de oxigenação, ou
seja, produz efeitos no organismo que interferem no fluxo sanguíneo provocando vasoconstrição, favorecendo a diminuição do aporte de oxigênio e nutrientes para as células e o aumento da adesão de plaquetas.
I - Temperatura Elevada
A temperatura corporal é um fator etiológico, que representa um risco maior de necrose nas úlceras por pressão. Na elevação da temperatura (hipertermia), a cada 1ºC , temos um auumento de 10% no metabolismo tecidual e na demanda de oxigênio, ocorrendo desvitalização do tecido e provocando sudorese que leva a maceração da pele. Deve ser ressaltada a atenção dos profissionais quanto ao uso, nos pacientes, de roupas inadequadas, hiperemias, atritos em superfície de suporte, como colchões com capa que provoquem aquecimento, isolem e/ou conduzam calor para pele dos pacientes.
J - Estado Cognitivo
A alteração no nível de consciência acarreta na perda da habilidade do paciente para detectar sensações que indiquem uma necessidade de mudança na posição através do movimento, com o objetivo de aliviar a pressão em regiões dotadas de proeminências ósseas. Isso aumenta a propensão de isquemia na pele que está em contato com uma superfície.
L - Lesão Medular
Pacientes com lesão medular apresentam certo grau de alteração na sensibilidade térmica e tátil, o que leva à predisposição para o desenvolvimento das feridas. Geralmente, esse tipo de paciente permanece por longos períodos em uma mesma posição, exercendo compressão contínua em diferentes áreas do corpo. Além dos pacientes portadores de lesão medular, outros indivíduos acometidos por traumatismos graves podem desenvolver úlceras de pressão, também em decorrência do posicionamento As úlceras por pressão são as únicas feridas que são estagiadas. O estagiamento é realizado quando se examinam e registram as condições da ferida e são classificadas segundo critérios estabelecidos pela National Pressure Ulcer Advisory Panel em 1989, entidade norte americana, que discrimina quatro estágios observados visualmente na evolução de uma úlcera por pressão. Os estágios são divididos em I, II, III, IV, que serão descritos a seguir:
a) ESTÁGIO I: a lesão envolve somente as camadas superficiais da pele, como a epiderme e a derme. Este estágio se caracteriza por temperatura cutânea elevada devido à vasodilatação aumentada, eritema que permanece por 15 minutos ou mais após o alívio da pressão no local, dor e discreto edema, posteriormente evolui para o aspecto mosqueado, cianótico, azul-acinzentado que é o resultado da oclusão dos capilares cutâneos e o enfraquecimento subcutâneo. Em geral, esses sinais de inflamação podem ser revertidos com a remoção da pressão no local.
b) ESTÁGIO II: : envolve o tecido subcutâneo exibindo uma ruptura na pele através da epiderme e derme. Caracteriza-se por abrasão, bolha ou cratera superficial, necrose juntamente com o represamento venoso e trombose, edema visível, dor, extravasamento de pouco exsudato e pele adjacente vermelha ou escurecida.
c) ESTÁGIO III: derme e epiderme estão destruídas e a hipoderme é atingida, este estágio caracteriza-se por presença de drenagem de exsudato amarelado ou esverdeado com odor fétido, vesícula ou cratera não muito profunda, pontos de tecidos desvitalizados, ficando o paciente susceptível as infecções.


d) ESTÁGIO IV: representa destruição profunda dos tecidos, podendo atingir fáscia, envolver músculos, tendões e possivelmente osso e articulação. Caracteriza-se por tecido necrótico ou esfacelos, tunelização na ferida e drenagem de secreção com odor fétido. O risco de complicação nos portadores de úlcera por pressão como osteomielite, piartrose (formação de secreção purulenta dentro da cavidade articular) e sepsemia, é muito alto nesse estágio.



 PREVENÇÃO DAS ÚLCERAS POR PRESSÃO
Pessoas que não conseguem se movimentar e ficam acamadas ou sentadas por muito tempo na mesma posição podem apresentar feridas conhecidas por escaras ou úlcera de pressão. Estas feridas podem ocorrer em qualquer parte do corpo onde tenha saliência óssea mas são mais comuns nas nádegas, calcanhares e nas regiões laterais da coxa. Se a pessoa não tem controle da urina e fezes e tem dificuldades para ter uma boa alimentação o problema pode se agravar no entanto certas medidas podem ser usadas para diminuir o problema:

  1. A pele deverá ser limpa no momento que se sujar. Evite água quente e use um sabão suave para não causar irritação ou ressecamento da pele. A pele seca deve ser tratada com cremes hidratantes de uso comum.
  2. Evite massagens nas regiões de proeminências ósseas se observar avermelhamento, manchas roxas ou bolhas pois isto indica o início da escara e a massagem vai causar mais danos.
  3. Se a pessoa não tem controle da urina use fraldas descartáveis ou absorventes e troque a roupa assim que possível. O uso de pomadas como hipoglós também ajuda a formar uma barreira contra a umidade.
  4. O uso de um posicionamento adequado e uso de técnicas corretas para transferência da cama para cadeira e mudança de decúbito podem diminuir as feridas causadas por fricção. A pessoa precisa ser erguida ao ser movimentada e nunca arrastada contra o colchão.
  5. As pessoas que não estão se alimentando bem precisam receber uma complementação alimentar para que não fique com deficiências que podem levar a pele a ficar mais frágil. Consulte um profissional sobre o uso de suplementos como sustacal, sustagem etc.
  6. A mudança de posição ou decúbito deve ser feita pelo menos a cada duas horas se não houver contra-indicações relacionadas às condições gerais do paciente. Um horário por escrito deve ser feito para evitar esquecimentos.
  7. Travesseiros ou almofadas de espuma devem ser usadas para manter as proeminências ósseas (como os joelhos) longe de contato direto um com o outro. Os calcanhares devem ser mantidos levantados da cama usando um travesseiro debaixo da panturrilha ou barriga da perna.
  8. Quando a pessoa ficar na posição lateral deve-se evitar a posição diretamente sobre o trocanter do fêmur.
  9. A cabeceira da cama não deve ficar muito tempo na posição elevada para não aumentar a pressão nas nádegas, o que leva ao desenvolvimento da úlcera de pressão.
  10. Se a pessoa ficar sentada em cadeira de rodas ou poltrona use uma almofada de ar, água ou gel mas nunca use aquelas almofadas que tem um orifício no meio ( roda d´água) pois elas favorecem o aumento da pressão e a presença da ferida.
  11. Use aparelhos como o trapézio, ou o forro da cama para movimentar (ao invés de puxar ou arrastar) a pessoa que não consegue ajudar durante a transferência ou nas mudanças de posição.
  12. Use um colchão especial que reduz a pressão como colchão de ar ou colchão d’água. O colchão caixa de ovo aumenta o conforto mas não reduz a pressão. Para a pessoa que já tem a úlcera o adequado é o colchão de Ar ou água.
  13. Evite que a pessoa fique sentada ininterruptamente em qualquer cadeira ou cadeira de rodas. Os indivíduos que são capazes, devem ser ensinados a levantar o seu peso a cada quinze minutos, aqueles que não conseguem devem ser levantados por outra pessoa ou levados de volta para a cama.
  14. Diariamente deve-se examinar a pele da pessoa que pode ter escaras para observar. Se apresentar início de problema não deixar a pessoa sentar ou deitar encima da região afetada e procurar descobrir a causa do problema para que não agrave.
  15. Para tratamento da úlcera é preciso uma avaliação do profissional do estágio da ferida porém em todos os casos lave somente com soro fisiológico ou água, não use sabão, sabonete, álcool, mertiolate, mercúrio cromo , iodo (povidine). Não deixe a pessoa deitada ou sentada encima da ferida, veja se as medidas de prevenção citadas acima estão sendo colocadas em prática.


    FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de Condutas para Úlcera Neurotróficas e Traumáticas. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.