terça-feira, 22 de outubro de 2013

HUMANIZAÇÃO E ACOLHIMENTO À MULHER NA ATENÇÃO BÁSICA

Humanização na saúde significa a valorização da qualidade técnica e ética do cuidado, aliada ao reconhecimento dos direitos do/a usuário/a, de sua subjetividade e referências culturais, garantindo o respeito às questões de gênero, etnia, raça, situação econômica, orientação sexual e a grupos populacionais como indígenas, trabalhadores, quilombolas, ribeirinhos e assentados. A Política Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde – HumanizaSUS, instituída pelo Ministério da Saúde em 2003, é fruto de um debate no campo da saúde pública interessada em fazer avançar os princípios do SUS de acesso universal, integralidade da atenção e eqüidade na gestão, distribuição e uso dos recursos segundo as necessidades de saúde da população brasileira. Coloca-se como protagonista nesse debate fazendo propostas voltadas para a mudança dos modelos de gestão e de atenção que, no cotidiano dos serviços, são operadas pelos/as gestores/as, trabalhadores/as e usuários/as. Altera o modo tradicional com que habitualmente se constroem as relações entre as instâncias efetuadoras do SUS, como também nos serviços, já que ela se faz transversalmente, num trabalho conjunto com outras áreas, programas, setores e outras políticas. A concretude dessa política se dá por meio de seus dispositivos - tecnologias, ferramentas e modos de operar. Dentre esses se destaca o “acolhimento”, que se caracteriza como um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a dar atenção a todos/as que procuram os serviços de saúde, ouvindo suas necessidades – escuta qualificada – e assumindo no serviço, uma postura capaz de
acolher, escutar e pactuar respostas mais adequadas com os/as usuário/as. O acolhimento não é um espaço ou um local, mas uma postura ética, não pressupõe hora ou um profissional específico para fazêlo, implica compartilhamento de saberes, necessidades, possibilidades, angústias e invenções. É importante considerar as especificidades na população feminina - negras, indígenas, trabalhadoras da cidade e do campo, as que estão em situação de prisão, as lésbicas e aquelas que se encontram na adolescência, no climatério e na terceira idade - e relacioná-las à situação ginecológica, em especial ao câncer do colo do útero e as DST. Em relação às mulheres negras, os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde – PNDS (1986) mostram um menor acesso em relação às mulheres brancas à atenção ginecológica. Isso resulta que as mulheres negras têm maiores risco de contrair e morrer de determinadas doenças do que as mulheres brancas, como é o caso do câncer de colo do útero, que é duas vezes mais frequente em mulheres negras. É fundamental inserir o contexto cultural das sociedades indígenas na construção de políticas de saúde voltadas para mulheres. A atenção à saúde dessas mulheres é precária, não garantindo ações de
prevenção de câncer do colo do útero, de mama ou de DST, entre outras, além dos dados epidemiológicos serem insuficientes para avaliação das ações que são desenvolvidas. A organização da rede de saúde deve estar preparada para lidar com a especificidade dos agravos decorrentes do trabalho no campo. A dificuldade das mulheres rurais no acesso às informações e ações de saúde estão relacionadas, dentre outros fatores, as desigualdades das relações de gênero e de trabalho, às grandes distâncias entre a residência ou o trabalho e os serviços de saúde, à maior precariedade dos serviços locais e sua pouca sensibilização. Dentre os fatores de deterioração da saúde das trabalhadoras rurais, a exposição aos agrotóxicos, seja ambiental ou ocupacional, aguda ou crônica, constitui-se em
uma das especificidades relacionadas aos agravos de saúde, podendo causar danos a saúde dessas mulheres. Entre os mais comuns estão a hipertrofia celular, que pode levar ao desenvolvimento do câncer. Em relação às mulheres que fazem sexo com mulheres, a agenda de necessidades de saúde diz respeito, dentre outros, ao atendimento na área da ginecologia, onde os/as profissionais partem do pressuposto de que a vida sexual ativa das mulheres é sempre de caráter heterossexual. É preciso que os profissionais de saúde saibam atender as mulheres lésbicas e bissexuais dentro de suas especificidades, e respeitando seus direitos de cidadania. Constata-se que muitas delas ainda consideram que o câncer do colo do útero só afeta mulheres heterossexuais. Portanto, não se sentem mobilizadas para realização de exames preventivos do câncer do colo do útero e de detecção precoce do câncer de mama. Outro problema se refere às mulheres lésbicas profissionais do sexo e sua vulnerabilidade pela exposição às DST e aids. Grande parte da população presidiária esta exposta a diversos fatores de risco à saúde, ocorrendo um número significativo de casos de DST – aids, câncer e outras doenças prevalentes na população adulta brasileira. Nesse contexto, identifica-se a necessidade de acesso dessa população às ações de atenção à saúde, tanto com a implantação de ações na atenção básica dentro dos presídios, como pelas referências para média e alta complexidade, com garantia do atendimento das demandas específicas das mulheres em situação de prisão. As mulheres e os familiares que encaram um diagnóstico de câncer experimentam uma variedade de
emoções, estresses e aborrecimentos. O medo da morte, a interrupção dos planos de vida, perda da autoestima e mudanças da imagem corporal, além de mudanças no estilo social e financeiro, são questões fortes o bastante para justificarem desânimo e tristeza. Experiência marcada por sentimentos ambivalentes de sofrimento e luta pela sobrevivência, devido às respostas do seu corpo ao tratamento. Quando as mulheres ficam sabendo que estão com câncer é comum tornarem-se, durante um curto espaço de tempo, descrentes, desesperadas ou negarem a doença. Essa é uma resposta comum no espectro de emoções dessa fase, muitas vezes denominada como “a perda do controle da vida”, o que não significa que sejam emoções insuperáveis. Atualmente, a Medicina dispõe de procedimentos que têm se mostrado eficazes para o diagnóstico da neoplasia, em estádios precoces, e de medidas terapêuticas capazes de curar ou melhorar a sobrevida das pacientes. Cuidados adequados para reduzir o sofrimento e ações que possibilitem uma melhor qualidade de vida devem ser disponibilizados à população. O projeto terapêutico, plano de ação que considera todos os fatores envolvidos no processo de adoecimento, deve necessariamente incluir ações que visem ao aumento da autonomia do/a usuário/a e da família, estabelecendo relações simétricas entre o profissional e a pessoa a ser cuidada, dividindo a responsabilidade pela decisão e suas consequências. A equipe de saúde deve valorizar as queixas da mulher, estar disposta a ouví-la, não desvalorizar ou minimizar seus problemas e reconhecer seus direitos a esclarecimentos e informações. As decisões devem ser compartilhadas e caso a mulher deseje procurar alívio para seus sintomas em outras abordagens terapêuticas, a equipe deve respeitar sua opção. É importante lembrar que a equipe da atenção básica não deve se eximir da responsabilidade do acompanhamento da mulher ao longo do tempo, independente do tipo de tratamento e do nível de complexidade do sistema no qual ela esteja sendo atendida.
Há algumas situações que exigem dos/as profissionais de saúde uma atitude diferente da conduta rotineira, para que a relação de confiança seja fortalecida. Por exemplo, quando surgem suspeitas diagnósticas de doenças graves, é importante compartilhar com a mulher até onde o/a profissional poderá acompanhá-la. Às vezes, é necessário adiar ou fornecer gradativamente as informações, até que ela se sinta mais segura. Nesses casos convém saber o que dizer e quando. Pode-se, ainda na fase de investigação diagnóstica, indagar quanto a pessoa deseja saber, de uma forma sutil: “Eu prometo lhe dizer o que sei a respeito do que você tem, se você me perguntar”. É necessário habilidade e tato para sentir o quanto a paciente deseja saber. E às vezes uma pergunta como “Será que eu tenho câncer?” pode esconder outras que não serão formuladas, como: “Quando e como vou morrer?” “Vou sentir muita dor?”
É importante, também, caso se constate que a mulher não tem condições de conviver com o conhecimento de sua doença, compartilhar ao menos com uma pessoa da família, ou de confiança da mulher o que será feito e as razões. Um relacionamento baseado na confiança transmite tranqüilidade e oferece segurança, que são suportes terapêuticos fundamentais. Especificidade do atendimento à adolescente É necessária uma atenção especial em relação à ocorrência do câncer do colo do útero cada vez mais precocemente, pois com a progressiva antecipação do início da puberdade e conseqüente decréscimo na idade da menarca, a capacidade reprodutiva se instala mais cedo, assim como o início precoce da atividade sexual e com ela a ocorrência de DST, entre elas o HPV e aids. A garantia de estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças, principalmente voltadas à educação sexual e reprodutiva, assim como o acolhimento e a realização do exame preventivo do câncer do colo do útero em adolescentes que têm atividade sexual e procurarem os serviços de saúde, devem integrar as ações da atenção integral à saúde da mulher. O Ministério da Saúde considera a adolescência como a segunda década da vida – de 10 a 19 anos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A existência de diversas limitações etárias, para os adolescentes exercerem seus direitos, causa perplexidade e dificuldades para os profissionais de saúde no atendimento da população adolescente, criando receios do ponto de vista ético e legal. Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069, de 13/7/1990. Dessa forma, qualquer exigência, como a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde, que possa afastar ou impedir o exercício pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade, constitui lesão ao direito maior de uma vida saudável.  alguma intervenção em razão de sua complexidade, deve, primeiramente, realizar as intervenções
urgentes que se façam necessárias, e, em seguida, abordar o adolescente de forma clara sobre a necessidade de que um responsável o assista e o auxilie no acompanhamento. A resistência do adolescente em informar determinadas circunstâncias de sua vida à família por si só demonstra uma desarmonia que pode e deve ser enfrentada pela equipe de saúde, preservando sempre o direito do adolescente em exercer seu direito à saúde. Dessa forma, recomenda-se que, havendo resistência fundada e receio que a comunicação ao responsável legal, implique em afastamento do usuário ou dano à sua saúde, se aceite pessoa maior capaz indicada pelo adolescente para acompanhá-lo e auxiliar a equipe de saúde na condução do caso, aplicando-se analogicamente o princípio do art. 142 do Estatudo da Criança e do Adolescente. Art. 142 Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual. Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses desses colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069, de 13/7/1990. Diante das implicações legais que possam surgir nos casos de maior complexidade, recomenda-se que o serviço de saúde busque uma articulação e integração com o Conselho Tutelar da região e com a Promotoria da Infância e Juventude de forma que possibilite a colaboração de seus integrantes na condução das questões excepcionais, e de maneira harmônica com os princípios éticos que regem esse atendimento.