segunda-feira, 30 de julho de 2012

          Desde cerca de 40 anos atrás, a sociedade brasileira vem experimentando queda acelerada na fecundidade e na mortalidade, adiamento na idade ao casar e aumento no número de separações, de recasamentos e de pessoas que nunca se casam. Ao mesmo tempo, cresce de forma generalizada a escolaridade feminina, com inserção maciça das mulheres no mercado de trabalho e se modificam os laços entre gerações e o sistema de valores familiares.           
          A resultante é uma sociedade diferente, com novos problemas. Um deles é a elevação da idade da população e o aparecimento de um grande contingente “muito idoso”, e o futuro promete aumento de idosos demandando cuidados e diminuição de descendentes para cuidá-los. “Isso levanta a questão de quem oferecerá cuidados para esses idosos: família ou instituições?”, indaga a pesquisadora Ana Amélia Camarano,do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desde o ano passado, ela comanda uma equipe que realiza a primeira pesquisa no país sobre instituições de longa permanência para idosos.“O valor brasileiro é de que a família tem que cuidar.Assim está na Constituição de 1988, na política nacional do idoso, de 1994, e no Estatuto do Idoso, de 2003.
           Então, o preconceito já existe e a política reforça o preconceito. As famílias que colocam os idosos em instituições são vistas como abandonando o idoso, e o idoso se sente rejeitado pela família.Assim, se está ignorando as grandes mudanças na família”, diz ela. A pesquisa é uma parceria do Ipea com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI). Espera-se apurar cerca de 6 mil instituições com 100 mil idosos. “Não se sabe no Brasil quantas instituições existem, que tipos de serviço elas oferecem, quantos idosos estão nelas, quem vai para essas instituições, não se sabe absolutamente nada e se tem um preconceito muito grande.Mas é uma alternativa de cuidado com os
idosos que tende a crescer muito”, diz Ana Amélia. Já está publicada a parte relativa à região Norte e pronta a do Centro-Oeste. A pesquisa da região Sul está em fase final, a do Nordeste, na metade do trabalho, e, na região Sudeste, com dois terços das instituições do país, a pesquisa está apenas começando. Os resultados parciais já permitiram identificar uma importante diferença regional: tanto no restante do Brasil como em outros países, há mais mulheres que homens residindo nesse tipo de instituição, mas, em quase todos os estados do Norte e do Centro-Oeste, os homens são maioria.
          Segundo a assistente social Tomiko Born, que tem três décadas de experiência em instituições para idosos,“muitos homens
migraram para trabalhar, no começo provavelmente na extração de borracha nos seringais, depois na construção de estradas e à procura de pedras e metais preciosos, e não constituíram família. O resultado nessas regiões é uma população bastante diferente. Pelo menos no Sudeste, a população nas instituições é majoritariamente
feminina. O homem, se fica viúvo, facilmente constitui nova família, enquanto a mulher viúva tem muito mais dificuldade de fazer um novo casamento.Um dos principais motivos da internação no Sudeste é a viuvez no caso da mulher”.
          psicóloga Eloísa Adler Scharfstein, cuja tese de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi sobre instituições de longa permanência para idosos, relembra que o único estudo sobre o tema no país que ela pôde dispor era somente sobre o Rio de Janeiro, feito em 1999.Mais recentemente, por iniciativa da Fundação Perseu Abramo e do Serviço Social do Comércio (Sesc), em 2006, o levantamento “Idosos Brasileiros” captou como as instituições de longa permanência são percebidas entre as alternativas de cuidado para os idosos dependentes. Ana Amélia estima que no país haja 2,2 milhões de idosos que têm “dificuldades graves” para as atividades diárias.“Quer dizer, tirando os que estão em instituições de longa permanência, as famílias cuidam – ou descuidam – de 2,1 milhões”, diz. VISÃO NEGATIVA Segundo Ana Amélia,“os idosos de hoje nasceram em uma época em que o papel da família (em especial,da mulher) como a cuidadora dos membros
dependentes era claramente estabelecido” e há “uma expectativa elevada, por parte dos idosos, de receberem o cuidado familiar”. Isto explica por que, “em geral, as famílias que decidem pela institucionalização de seus idosos são vistas como praticando o abandono e tendem a experimentar forte sentimento de culpa”. Tomiko Born diz que para combater essa rejeição “temos que melhorar muito a qualidade das nossas instituições de longa permanência. Na situação atual, muitas estão em estado lamentável”. Eloísa Adler acrescenta que “não é à toa que as instituições de longa permanência sejam muito malvistas, porque originalmente eram chamadas de asilos e estavam vinculadas à pobreza, abandono e desamparo”.
          Segundo Ana Amélia, há dessas instituições “desde o século XVI na Europa, e no Brasil desde o século XIX,mas eram asilos que misturavam loucos, mendigos, vagabundos e idosos.Era para tirá-los da sociedade. Parte do preconceito vem daí”. Eloísa conta que “há uma instituição no Rio de Janeiro que na entrada tem uma placa, colocada por D.Pedro II, que diz ‘Asilo das Mendicidades’. Carregamos essa herança de pensar nas instituições de longa permanência como um depósito de velhos”. Entretanto, Eloísa revela o outro lado dessa moeda. Ela pesquisou em uma instituição
vinculada a uma ordem religiosa que nos anos 1980 conseguiu um prédio residencial muito aconchegante para ser a moradia coletiva de idosos que se chamavam de irmãos remidos, mas, como outras instituições filantrópicas, foi empobrecendo e acabou sem recursos para manter essa casa.“Os idosos foram morar no hospital da instituição mantenedora.
          Quando entrei lá,me lembrei de quando a velhice era vista como doença, quando se dizia que o lugar de velho é o hospital. No entanto, ao falar com eles, notei, para minha surpresa,que esses velhos estavam em uma situação de amparo. Uma idosa disse ‘eu tenho família’. Eu precisei de um tempo para me reformular.” Outra vertente é dos idosos que escolhem morar em uma instituição. Segundo Eloísa,“pertencer a uma entidade religiosa, como a categoria de irmão remido, é o resgate de uma identidade em uma fase da vida com tantas perdas. Há ainda o exemplo da identidade profissional, como é o Retiro dos Artistas, que é um condomínio, um espaço de moradia para os artistas. Outro viés é o étnico, como comunidades de imigrantes – a dos espanhóis, por exemplo – que criam seu ninho. Ter um espaço de moradia para idosos é um dos compromissos dessas comunidades”.

    Fonte: http://desafios2.ipea.gov.br/sites/000/17/edicoes/41/pdfs/rd41not05.pdf