Introdução
A faixa etária entre a segunda e quarta décadas de vida é a mais acometida pelo traumatismo.
A avaliação inicial sistematizada de vítimas de traumas trouxe importantes avanços na condução destes doentes. Diante de um paciente politraumatizado, separar as medidas diagnósticas das terapêuticas com frequência é impraticável. A restrição do tempo, imposta pela gravidade das lesões, impede a utilização dos recursos propedêuticos sofisticados. Muitas vezes, as indicações e os procedimentos terapêuticos são baseadas no exame clínico inicial.
Apesar da complexidade do quadro, o politraumatizado deve ser encarado como portador de uma entidade patológica única. Deve ser atentido, examinado e tratado de forma global.
A complexidade e a multiplicidade das lesões, somadas à necessidade de iniciar rapidamente o atendimento do politraumatizado, predispõem a um atendimento caótico. É importante que se estabeleçam prioridades de avaliação e tratamento no atendimento inicial desses pacientes, baseadas nas lesões que impedem as funções vitais.
Por razões didáticas, dividiremos o atendimento inicial nas seguintes fases:
• avaliação inicial
• ressuscitação
• avaliação secundária
• tratamento definitivo
• Aérea
• Boca- boca
• Circulação
• Défict neurológico
• Exposição do paciente
• Ressuscitação
• Simultânea à avaliação inicial
• Avaliação secundária
• Tratamento definitivo
Avaliação inicial
Durante a avaliação inicial são identificadas e tratadas as condições que oferecem risco de vida ao paciente, obedecendo às seguintes prioridades:
·aérea - obstrução das vias aéreas e controle da coluna cervical
·boca-boca - respiração
·circulatório - alteração da circulação e controle da hemorragia
·déficit neurológico
·exposição completa do paciente
Obstrução das vias aéreas
O politraumatizado pode ter suas vias aéreas obstruídas devido a queda da língua quando inconsciente, presença de corpos estranhos, restos alimentares, sangue ou hematomas e edema da laringe por traumatismo direto. Deve-se suspeitar de obstrução das vias aéreas principalmente naqueles pacientes com TCE, trauma bucomaxilofacial e na região cervical.
O diagnóstico de obstrução das vias aéreas deve ser realizado de forma imediata. O primeiro contato deve ser através de uma pergunta ao paciente. A ausência de resposta implica à alteração do nível de consciência e uma resposta verbal apropriada indica que as vias aéreas estão permeáveis, a ventilação intacta e a perfusão cerebral adequada.
Observar se o paciente está agitado ou sonolento auxilia o diagnóstico. Agitação sugere hipóxia e sonolência sugere hipercapnia. Respiração ruidosa ou com estridor e disfonia deve ser investigada. A respiração ruidosa pode ser sinal de obstrução da faringe e a presença de disfonia e estridor implica obstrução de laringe.
Os objetivos das condutas na obstrução das vias aéreas são sua permeabilização, obtenção e manutenção. As manobras a serem realizadas dependem da causa da obstrução, quando é consequente de queda da língua a conduta mais adequada é tracioná-la através da elevação da mandíbula, seguida da colocação de uma cânula de Guedel. Sangue e secreções podem ser removidos com aspiração.
Nas situações de ventilação inadequada faz-se necessária a obtenção de uma via aérea . As alternativas disponíveis são:
• ventilação com Ambu e máscara
• intubação orotraqueal
• intubação nasotraqueal
• cricotireoidotomia por punção
• cricotireoidotomia cirúrgica
Uma vez decidida pela necessidade da obtenção da via aérea, todos os pacientes devem ser ventilados com Ambu e máscara até que se tenha todo o material testado à disposição.
Há circunstâncias como o edema de glote, fratura de laringe ou intensos sangramentos orofaríngeos que não permitem a intubação da traquéia via oral ou nasal, passando a necessitar de uma cricotireoidotomia. A cricotireoidotomia por punção é uma alternativa temporária e aceitável. Permite ventilação adequada por 30 a 45 minutos. A cricotireoidotomia cirúrgica é facilmente realizada atrvés de uma incisão sobre a membrana cricotireoideana e colocação de uma cânula de traqueostomia de 5-7mm. Nos pacientes que necessitam de intubação por longo tempo, a cricotireoidotomia deve ser substituída por uma traqueostomia clássica.
Nesta etapa inicial do atendimento primário deve-se considerar que todo paciente politraumatizado, principalmente aquele com lesões acima da clavícula, é portador de uma fratura de coluna cervical até prova em contrário. Todas as manobras devem ser realizadas com a mínima movimentação possível, evitando-se a hiperextensão e hiperflexão da cabeça.
O exame neurológico não descarta a possibilidade de lesão na coluna cervical. A integridade da coluna pode ser avaliada adequadamente realizando uma radiografia da coluna cervical, em posição lateral, e com todos os sete corpos vertebrais visíveis.
Respiração
A permeabilidade da via aérea não assegura uma respiração adequada. As condições traumáticas que mais frequentemente comprometem a respiração são:
• Pneumotórax hipertensivo
• Pneumotórax aberto
• Hemotórax
• Afundamento torácico com contusão pulmonar
• Hérnia diafragmática traumática
O diagnóstico pode ser realizado através da inspeção da caixa torácica. Observar a expansão adequada, a simetria e a presença de movimento paradoxal. Na palpação, pesquisar crepitações de arcos costais e presença de enfisema de subcutâneo. Auscutar o MV em ambos os hemitórax. Observar presença de cianose e a frequência respiratória.
No politraumatizado com problemas respiratórios a ventilação inicial deve ser realizada com ar enriquecido com oxigênio. As condutas iniciais para solucionar as dificuldades ventilatórias resumem-se em assistência ventilatória e drenagem da cavidade pleural.
Circulação
Avalia-se o estado de perfusão tecidual através do pulso, da coloração da pele e do enchimento capilar. Geralmente, quando o pulso radial é palpável, a pressão sistólica está acima de 80 mmHg. A pressão arterial, a palidez cutânea e a sudorese são parâmetros que ajudam no diagnóstico.
Quando o volume de sangue circulante se reduz pela metade ou mais, a perfusão cerebral torna-se comprometida, levando o paciente à perda da consciência. Ao contrário, se o paciente encontra-se orientado e consciente, podemos presumir que a volemia é suficiente para manter a perfusão cerebral.
A causa principal de instabilidade hemodinâmica no politraumatizado é a perda sanguínea. O tamponamento e a compressão das lesões controlam adequadamente os sangramentos externos. As hemorragias externas não controladas com o tamponamento da lesão são melhor tratadas levando o paciente para a sala de cirurgia e realizando a exploração cirúrgica do ferimento, sob anestesia geral. Além disso, deve-se assegurar acesso venoso através da punção de no mínimo 2 veias periféricas com catéter calibroso, tipo “Jelco”. Antes de iniciar a infusão de líquido, deve-se colher amostras de sangue para tipagem sanguínea, provas cruzadas e exames hematológicos e bioquímicos necessários. Quando há necessidade de acesso venoso para reposição volêmica e monitorização da PVC, a melhor opção é através da dissecção da veia basílica ou da veia safena interna.
A obtenção de vias de acesso venoso profundo por punção está contra-indicado.
Déficit Neurológico
O estado neurológico é rapidamente avaliado verificando o nível de consciência e o estado das pupilas. A avaliação do nível de consciência é realizada pelo tipo de resposta ao estímulo verbal e ao doloroso. Deve-se observar se as pupilas estão isocóricas e fotorreagentes.
Um exame neurológico mais apurado deve ser realizado à nível de atendimento secundário, através da Escala de Coma de Glasgow. A deterioração do estado neurológico pode indicar a presença de lesão intracraniana ou a diminuição da oxigenação do SNC.
Exposição
Deve-se retirar todas as vestimentas do paciente, o que permitirá e facilitará a avaliaçao global do mesmo.
Ressuscitação
As fases de ressuscitação e avaliação inicial são realizadas simultâneamente.
O objetivo desta etapa tem a finalidade de assegurar o metabolismo aeróbio das células , através da manutenção de uma perfusão adequada. A oxigenação e a reposição volêmica são os meios utilizados para atingir estas metas. Durante a ressuscitação, realizam-se reavaliações repetidas dos parâmetros vitais para averiguar a eficácia das medidas adotadas.
Avaliação secundária
A avaliação secundária não deve ser iniciada até que a avaliação primária tenha sido completada e a fase de ressuscitação tenha sido iniciada.
Nesta etapa do atendimento, realiza-se o exame minucioso de todos os segmentos do corpo. Deve-se recorrer às técnicas de propedêutica convencional, como medida da PA, Fc, Fr e PVC. À inspeção, palpação, percussão e ausculta são realizadas cuidadosamente, incluindo cabeça, face, pescoço, tórax, abdome e membros.
Cabeça-Couro cabeludo, ferimentos e deformidades.
Olhos-Diâmetro das pupilas, reflexo fotomotor, hemorragias conjuntivais, ferimentos ou corpos estranhos e acuidade visual.
Orelha-Presença de sangue ou líquor.
Exame neurológico-Escala de Coma de Glasgow para detectar alterações de consciência e acompanhar sua evolução.
Exame dos ossos da face e cavidade oral
Região cervical-Face anterior e posterior, cartilagem tireóide, traquéia, apófises espinhosas da coluna cervical.
Tórax- Região anterior e posterior, ferimentos , deformidades, respiração paradoxal, clavículas, arcos costais, enfisema subcutâneo. Auscutar as bulhas cardíacas e o MV.
Abdome- Escoriações, hematomas , equimoses (lesão intra-abdominal) , dor à palpação e RHA.
MMSS, MMII e ossos da bacia- Fraturas e lesão neuro-vascular.
Na avaliação secundária devem ser realizados os exames ginecológico e o toque retal, à procura de sangramento, espículas ósseas, flutuação da próstata e ferimentos da vagina ou reto. Utilizam-se as sondas nasogástrica e vesical quando não contra-indicadas.
A indicação de exames subsidiários, procedimentos diagnósticos e a necessidade da participação de especialistas são avaliadas nesta etapa.
Escala de Coma de Glasgow
a. Abertura ocular espontânea = 4
• ordem verbal = 3
• dor = 2
• nenhuma =1
b. Melhor resposta verbal orientado = 5
• confuso = 4
• palavras = 3
• sons = 2
• nenhuma = 1
c. Melhor resposta motora obedece a comando = 6
• localiza dor = 5
• flexão normal = 4
• flexão anormal = 3
• extensão à dor = 2
• nenhuma = 1
Tratamento definitivo
Nesta fase as lesões recebem o tratamento específico. Portanto, o hospital deve ser adequado para o tratamento das lesões que põem em risco a vida do paciente.
Bibliografia
In: Cirurgia de Emergência-Dario Birolini, Edivaldo Utyiama, Eliana Steinman
Referências Bibliográficas
1.In: Cirurgia de Emergência-Dario Birolini, Edivaldo Utyiama, Eliana Steinman
fonte: http://estudmed.com.sapo.pt/traumatologi/atendimento_inicial_politraumatizado_2.htm