Profilaxia Antibiótica no Parto Cesariana
Dr. Paulo Roberto Marinho
Prof. Laudelino Marques Lopes
Introdução |
A operação cesariana é um procedimento já relatado pelo menos desde 715-673 a.C. (de Numa Pompílio "Lex Regis de Inferendo Mortis"). As técnicas cirúrgicas evoluíram com o passar dos séculos, mas a mortalidade e a morbidade, principalmente por infecção e hemorragia, sempre foram elevadíssimas. No século XX, com o aprimoramento clínico e cirúrgico associado ao avanço dos anestésicos e antibióticos, tornou-se uma cirurgia mais segura e comum. Hoje a cesariana é uma intervenção realizada em todo mundo, salvando milhares de vidas por ano, mas apresenta suas complicações como qualquer ato operatório.
Segundo o Ministério da Saúde as taxas de cesarianas do SUS declinaram de 32% em 1997, para 28% em 1998, 25% em 1999 e 24% em 2000. Estes números, mesmo assim, ainda estão acima do recomendado pela OMS que estabelece o nível máximo em 15%. Nas clínicas privadas estes números são absurdamente maiores chegando a cifras de 80-90%. A OMS considera os índices brasileiros, americanos, canadenses como epidêmicos.
Neste artigo fazemos uma análise de duas revisões feitas pela Cochrane Database sobre assuntos relacionados ao parto cesariana e infecção:
Cesariana: uso profilático de antibióticos – está indicado e é efetivo na diminuição da infecção puerperal? |
e
Se profilaxia indicada: qual ou quais os antibióticos de escolha? Qual o tempo de uso ? Qual a dose e via de administração? |
Objetivo |
Avaliar os efeitos do uso profilático de antibióticos e as repercussões nas complicações infecciosas em mulheres submetidas à operação cesariana.
Considerações |
Comparou-se o uso de antibiótico profilático com o não uso (placebo ou não tratamento) em mulheres submetidas à operação cesariana eletiva ou não eletiva. Foram utilizados variados tipos de antibióticos, via de administração e tempo de uso.
As comparações feitas ficaram limitadas a quatro grupos de pacientes que usaram:
- Qualquer antibiótico X placebo / sem tratamento (cesarianas programadas)
- Qualquer antibiótico X placebo / sem tratamento (cesarianas não programadas)
- Qualquer antibiótico X placebo / sem tratamento (combinando cesarianas programadas / não programadas / parto cesariana não especificado)
- Qualquer antibiótico X placebo / sem tratamento (todos as cesarianas)
Como critérios para caracterização de infecção foram utilizados basicamente parâmetros clínicos: |
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Fatores que associados ao parto cesariano aumentam o risco de infecção: | ||
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Na vigência de quadro infeccioso a maioria era polimicrobiana. A maior fonte de infecção no parto cesariana vem do trato genital em especial quando havia membranas rotas. Nos casos de infecção com as membranas integras foi comum à presença de bactérias na cavidade uterina, em especial no parto prematuro.
Microrganismos isolados | ||
E.coli | Aeróbios Gram negativo | Estreptococos Grupo B e outros |
Enterococcus faecalis | Staphylococcus aureos | Estafilococos coagulase neg. |
Anaeróbios | Gardnerella vaginalis | Micoplasmas genitais |
Ureaplasma urealyticum |
Resultados |
Foram incluídos 66 ensaios clínicos, sendo a maioria de paises desenvolvidos (53/66). O uso de antibióticos profilático em mulheres submetidas à cesariana reduziu substancialmente a incidência de infecção. Utilizando a endometrite como parâmetro, houve redução do risco de forma similar nos diferentes grupos de pacientes estudados (tabela abaixo):
Grupo | Risco Relativo (RR) | Intervalo de Confiança (IC) |
Cesarianas Programadas | 0,24 | 95% 0,11-0,48 |
Cesarianas não Programadas | 0,30 | 95% 0,25-0,35 |
Cesarianas não Definidas | 0,29 | 95% 0,26-0,33 |
Todas as Cesarianas | 0,29 | 95% 0,26-0,33 |
Apesar de terem sido analisados 66 ensaios clínicos, com uma diversidade de regimes antibióticos grande, não se observou uma heterogeneidade significante que pudesse interferir nos resultados.
Conclusão |
A grande maioria dos trabalhos analisados (59/66) foi evidente em demonstrar que houve redução significativa de infecção quando o uso de antibióticos foi aplicado de forma profilática, mostrando assim que esta prática beneficia sobremaneira as pacientes e deve ser adotada como rotina. Há também uma recomendação que mais estudos são desnecessários e que devemos canalizar nossas ações em disseminar estas práticas, que reduz em até 2/3 as complicações infecciosas.
Se o uso profilático gera tantos benefícios, que tipo de drogas tem melhores resultados, suas doses, via e tempo de administração? |
Considerações |
Esta revisão avaliou que regime de antibiótico é mais efetivo para reduzir a morbidade infecciosa em mulheres submetidas à operação cesariana independente se programada ou não.
Nesta meta-análise foram incluídos 52 trabalhos onde se comparou a eficácia dos antibióticos, confrontando pelo menos dois tipos de antibióticos. A endometrite foi um achado unânime utilizado para avaliação de infecção em todos os trabalhos. Outros parâmetros dependendo da disponibilidade dos dados foram avaliados. Foi informado de forma detalhada os tipos de antibióticos (tabela abaixo), dose, freqüência e momento da administração. A maioria administrou a droga após o clampeamento do cordão.
Para escolha do antibiótico "ideal" tentou-se adotar critérios para eleição.
- Efetividade demonstrada em ensaios clínicos criteriosos
- Ativa contra a maioria dos patógenos envolvidos
- Níveis séricos e teciduais efetivos
- Não desenvolvam resistência
- Preço acessível
- Tolerância da paciente ao medicamento
Tipos de antibióticos utilizados:
Penicilina (B/L) | Ampicilina (B/L) | Ticarcilina/Carbenicilina (B/L) |
Mezlocilina (B/L) | Piperacilina (B/L) | Imipenem (B/desconhecido) |
Cefazolina (B/L) | Cefalotina (B/L) | Cefapirina |
Cefotetan (B/L) | Cefamandol | Cefuroxima |
Cefmetazol | Cefoxitina (B/desconhecido) | Cefotaxima 3a G/EV |
Ceftazidima | Ceftriaxona 3a G/IM/EV | Meziocilina (B/desconhecido) |
Moxalactam | Cefonicida | Ceftizoxima |
Gentamicina (D/desconhecido) | Clindamicina (B/L) | Ceforanida (B/desconhecido) |
Metronidazol (B/nL) |
Em alguns antibióticos temos entre parênteses primeiro a categoria da droga segundo a classificação do FDA (Food and Drug Administration) e depois se está liberado para lactação, onde "L" significa liberado para lactação e "nL" não utilizar na lactação.
FDA – Categoria de Medicamentos
Categoria | Observação |
A | Estudos controlados em humanos demonstraram nenhum risco fetal. Nesta categoria existe uma quantidade reduzida de medicamentos. Ex: multivitamínicos. |
B | Estudos em animais não demonstraram risco fetal, mas não há estudos em humanos, ou efeitos adversos têm sido encontrados em animais, mas não é bem estudo em humanos. A maiorias das drogas usadas em gestantes estão nesta categoria (ex: penicilina). |
C | Não há estudos conclusivos nem em animais ou em humanos, ou efeitos adversos em animais são conhecidos, mas não se tem dados em humanos.Varias drogas dadas a grávidas estão nesta categoria. |
D | Existem evidências de risco fetal, mas devem-se pesar os riscos e benefícios do seu uso (cabamazepina/fenitoinas). |
X | Risco fetal maior que os benefícios do uso (isotretinoina – lesões SNC/ACV/facial). |
Resultados |
Esta meta-análise indicou que tanto a ampicilina quanto as cefalosporinas de primeira geração são igualmente eficazes para reduzir a morbidade infecciosa materna quando comparado as cefalosporinas de 2a e 3a geração. Não se mostraram mais eficientes esquemas associados ou uso de drogas de maior espectro. Não se mostrou evidente que doses múltiplas melhorem os resultados. A via de administração se mostrou com resultados semelhantes tanto na via parenteral quanto intramuscular. São insuficientes as evidencias para se ter alguma recomendação sobre o momento da aplicação do antibiótico.
Período de 1979-1994
Grupo | Razão de Momios(RM) | Intervalo de Confiança (IC) 95% |
Eficácia AMPICILINA e CEFALOSPORINA | 1,27 | 0,84-1,93 |
Ampicilina X Cefalosporina 2ª ou 3ª Geração | 0,83 | 0,54-1,26 |
Cefalosporina 1ª X Cefalosporina 2ª ou 3ª Geração | 1,21 | 0,97-1,51 |
Dose única X Doses múltiplas | 0,92 | 0,70-1,23 |
Uso sistêmico X Uso local | 1,19 | 0,81-1,73 |
Referência Bibliográfica
- Smaill F, Hofmeyr GJ. Profilaxis antibiótica para la operación cesárea. In: The Cochrane Library, Issue 2, 2002. Oxford.
- HopKins L, Smaill F Regímenes Y medicamentos para la profilaxis antibiótica em la cesárea. In: The Cochrane Library, Issue 4, 2000. Oxford: Update Software.