sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

SISTEMA ESQUELÉTICO



Delirium
(Capítulo do Livro: Demência e Transtorno Cognitivo em Idosos Organizadores: Cássio M. C. Botttino, Jerson Laks, Sérgio L. Blay Editora Guanabara Koogan - 2006
1. Introdução
Delirium ou estado confusional agudo, é uma condição comum a idosos, afetando de 30 a 60% dos pacientes com idade superior a 65 anos, portadores de doenças agudas, como infecções e distúrbios metabólicos, ou doenças crônicas descompensadas agudamente, associados a uma fragilidade decorrente do comprometimento do estado geral. Também podem desenvolver delirium os pacientes vítimas de abstinência ou intoxicações medicamentosas, assim como pacientes em qualquer tipo de pós-operatório. Estudos mostram que pacientes que desenvolveram delirium tem elevada taxa de mortalidade, de institucionalização pós-alta e complicações, além de um período maior de hospitalização. O delirium frequentemente não é bem reconhecido pelos clínicos, e consequentemente, muitas vezes não é adequadamente tratado. Seu início é agudo, pode evoluir em horas ou dias, e sua duração vai depender do quão precoce é seu diagnóstico e do quão rápido é instituído um tratamento adequado, além das doenças de base, da qual o paciente é portador. Em dois estudos realizados na enfermaria de Geriatria do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Moratto de Oliveira" - São Paulo (S.P.), foram avaliadas dentre outros parâmetros, a percepção dos médicos geriatras em relação a presença de delirium em pacientes internados. No primeiro trabalho não houve um enfoque específico para delirium, como no segundo. No estudo inicial o objetivo foi avaliar os pacientes internados quanto ao sexo, idade, procedência, permanência hospitalar, comorbidades (quais eram os diagnósticos e o número de diagnósticos/paciente), destino dos casos (para onde foram encaminhados no momento da alta). Foram avaliados 470 pacientes (64,9% mulheres), idade média de 82,4 anos, tempo de internação 13,84 dias. O número médio de diagnósticos foi de 4,64 por pacientes. É importante observar que o levantamento dos diagnósticos foi realizado de maneira espontânea pelos médicos do serviço, e não houve qualquer direcionamento para o diagnóstico de delirium. Nossa taxa de
mortalidade foi de 20%, receberam alta, 71,3%, os demais foram transferidos para outras clínicas do hospital ou para casa de repouso. A idade não interferiu na mortalidade e no tempo de internação hospitalar. Pacientes com mais comorbidades tiveram maior mortalidade e tempo de internação hospitalar. Nenhum diagnóstico em especial, foi associado, à mortalidade e ao tempo de internação. Esse fato surpreendeu, pois esperava-se alguma associação com delirium. Em vista disso, repetimos o estudo, em modelo semelhante, mas agora enfatizado especificamente a presença de delirium. Também associamos sua presença com demência, as co-morbidades e a idade, sua influência no tempo de internação e na mortalidade de nossos pacientes. Nesse estudo foram avaliados 396 pacientes. A média de idade foi de 81,4 anos. A idade não foi estatisticamente diferente entre os grupos que desenvolveram, ou não, o delirium. Ele ocorreu em 178 pacientes (44,9%). Essa taxa de prevalência foi maior que a observada na literatura em geral (10% com Delirium à admissão, e 10 a 15% que o desenvolvem durante a internação). Dos pacientes que apresentaram delirium, 156 (39,3%) eram portadores de demência; característica
que foi significativa para esse grupo. Quanto à permanência hospitalar, ela foi maior nos portadores de delirium (16,48 dias), em relação aos que não apresentaram (13,27 dias). A mortalidade também foi maior entre aqueles que desenvolveram delirium, 72 óbitos, comparados com aqueles que não desenvolveram, 44. Por fim, com relação às co-morbidades, elas foram mais frequentes naqueles que tiveram delirium (4,8 dignósticos/paciente), comparados com aqueles que não tiveram (4,3). Concluímos que a prevalência de delirium em nossa enfermaria foi maior que aquela encontrada na literatura. Isso provavelmente devido à maior gravidade de nossos pacientes, visto que observamos uma grande frequência de internação de portadores de demência e com grande número de doenças associadas. Como era de se esperar, a presença de delirium aumentou o tempo de internação e a mortalidade. Dentre os fatores de risco avaliados, não houve associação com a idade, mas com o maior número de co-morbidades e com o diagnóstico prévio de demência. Assim, concluímos que, mesmo entre os geriatras não há uma adequada valorização desse quadro, que significativamente aumentou o tempo de permanência e a mortalidade de nossos pacientes, pois muitas vezes o aceitamos como fazendo parte do processo de envelhecimento normal, ou considerando como parte de um quadro demencial em evolução.

2. Definição

2.1. Código Internacional de Doenças – 10ª Edição. “Síndrome cerebral orgânica sem etiologia específica caracterizada pela presença simultânea de perturbações da consciência, da atenção, da percepção, do pensamento, da memória, do comportamento psicomotor, das emoções e do rítmo vigília-sono. A duração é variável e a gravidade vai de formas leves a muito graves”. Quanto a esses critérios diagnósticos, devemos ressaltar a importância da presença do déficit de atenção, da alteração do ciclo sono-vigília e do nível de consciência. Aqui não se valoriza a etiologia do delirium, principalmente se tratando de uma descompensação aguda de doença pré-existente, de infecção, de intolerância medicamentosa ou de sua suspensão abrupta, assim como não se valoriza como critério o início agudo e a flutuação ao longo do dia.

2.2. Diretrizes da Sociedade Britânica de Geriatria.
Delirium é caracterizado por um distúrbio da consciência e uma alteração na cognição que se desenvolve em um curto período de tempo. Essa desordem tem uma tendência a flutuar ao longo do dia, e há necessidade da evidência, a partir da história, exames físico e/ou laboratoriais de que é uma consequência direta de uma condição clínica, abstenção de drogas ou intoxicação. Observamos que esses critérios diagnósticos já levam em consideração aqueles aspectos enfatizados anteriormente: início agudo dos sintomas e seu curso flutuante, clinicamente valoriza-se a alteração do nível de consciência, o déficit de atenção e a alteração do ciclo sonovigília, além da etiologia principal, as agudizações de problemas clínicos prévios ou quadro associado ao uso ou abstenção de drogas.

2.3. O Diagnostic Statistical Mental Disease - IV Edition (DSM IV).
Caracteriza o delirium como uma alteração da consciência (diminuição da percepção do ambiente), por um déficit de atenção (incapacidade para mantê-la, focá-la ou alterá-la), alteração na percepção de estímulos fornecidos pelo meio; pela presença de alterações cognitivas:
esquecimentos, desorientação temporo-espacial, distúrbio da linguagem, que não pode ser
atribuída a demência em fase inicial ou em curso. Normalmente há alterações no sensório: por
exemplo ilusões e/ou alucinações visuais. Comumente seu início é agudo. Seu curso é flutuante,
variando muito ao longo do dia. Por fim, há necessidade da presença de uma evidência de causa
física. O DSM IV coloca como fator de risco para o delirium a presença da síndrome demencial,
a idade avançada e as co-morbidades: imobilidade, desidratação, prejuízo sensorial e deprivação
do sono.
Quanto a esses critérios do DSM IV, mantém a valorização do início agudo dos sintomas,
de sua flutuação, não enfatiza seus sintomas principais como alteração da atenção, do ciclo sonovigília,
conquanto valorizou a etiologia decorrente de problemas físicos que subitamente afetam
nossos pacientes. É importante ressaltar que os sintomas apresentados pelos pacientes em
delirium não podem ser justificados por uma demência em curso.
3. Fisiopatologia e Fatores Predisponentes.
3.1. Fisiopatologia
No envelhecimento normal, o cérebro sofre alterações morfológicas, hormonais e
neuroquímicas. A diminuição do volume cerebral e de seu peso, a redução do número e do
volume de neurônios, a perda de dendritos e sinapses são compensados por mecanismos como o
aumento de seu metabolismo e o aumento na produção de neurotransmissores (embora sua
liberação esteja reduzida), além do aumento no tamanho dos terminais nervosos, assumindo
assim, a função da perda dos terminais vizinhos. Além desses mecanismos, também o aumento
na sensibilidade dos receptores ajudam a manter as respostas cerebrais adequadas até que ocorra
grande redução de neurônios e exaustão dos mecanismos compensatórios, surgindo assim, os
sintomas de insuficiência como o delirium e a disfunção cognitiva. A despeito de todas essas
informações, ainda a fisiopatologia do delirium não está bem definida e as hipóteses propostas
são baseadas em pesquisa animal.
A hipótese que estabelece as alterações nos sistemas de neurotransmissores como
mecanismo fisiopatológico, relacionam as funções específicas dos neurotransmissores e os vários
sintomas e apresentações clínicas do delirium, e acredita-se que mais de um mecanismo possa
estar envolvido.
O sistema colinérgico está relacionado a funções conhecidas como a atenção, processo de
memória, despertar e o sono REM. Portanto, alterações nesse sistema acarretam o
comprometimento dessas funções, que estão presentes e alteradas no delirium. O grupo acetil da
acetil-colina e de sua precursora, a acetil-coenzima A, são derivados da oxidação da glicose e
piruvato, através do catabolismo dos carboidratos. Assim, ocorre síntese reduzida de acetilcolina
devido a hipóxia e hipoglicemia. Também há diminuição de sua síntese na deficiência de colina e
niacina.
A deficiência da tiamina afeta negativamente o turnover da acetilcolina e interfere com o
metabolismo oxidativo cerebral, ocasionando a morte celular em animais.
É também conhecido que drogas anti-colinérgicas que atravessam a barreira hematoencefálica
são capazes de induzir o delirium, inclusive com alterações típicas no
eletroencefalograma (lentificação difusa). Por todos esses achados, a atividade colinérgica
reduzida tem sido sugerida como a via final comum do delirium, pelo fato do sistema colinérgico
ser particularmente vulnerável às alterações metabólicas como a falta de glicose e oxigênio, além
de ser afetado pelo bloqueio da liberação de acetilcolina por efeito de drogas.
Outra evidência que associa a deficiência colinérgica com delirium tem sido relatado
após estudo realizado por Tune e Coyle, onde se propõe um teste para medir a atividade
anticolinérgica no soro - “serum anticholinergic activity ( SACA)” - onde se avaliaria a
habilidade do soro do paciente em bloquear os receptores centrais muscarínicos, usando uma
preparação de cérebro de rato. Elevados níveis de SACA tem sido positivamente relacionada
com delirium de pacientes cirúrgicos e em pacientes após eletroconvulsoterapia. Uma
associação entre elevada atividade anticolinérgica no soro e delirium foi demonstrada em dois
estudos com idosos clinicamente doentes. A origem da atividade anticolinérgica no soro precisa
ser elucidada, o SACA tem sido relacionado com medicação ou seus metabólitos. Se verdadeiro,
retirando toda medicação potencialmente anticolinérgica poderia resultar na ausência de
atividade anticolinérgica e, portanto, numa melhora do delirium. Algumas drogas não
tipicamente classificadas como anticolinérgicas como furosemida, cimetidine, e digoxina, podem
ligar-se ao receptor muscarínico in vitro, e também poderiam ser consideradas para serem
retiradas ou diminuídas para melhor manejo do delirium. Algumas drogas beta-adrenérgicas e
dopaminérgicas agonistas, opióides e barbitúricos também podem interferir com
neurotransmissores através da inibição da liberação pré-sináptica da acetilcolina. A teoria que
medicações ou seus metabólitos seriam a base para a pesquisa do SACA tem levantado
propostas na direção farmacológica do delirium buscando seu monitoramento.
Algumas evidências sugerem que substâncias anticolinérgicas endógenas podem existir e
ser de importância clínica. Um estudo que incluiu seis idosos hospitalizados com delirium
mostrou um declínio no SACA com resolução do delirium, e foi aparentemente não relacionada
com mudanças na medicação.
Flacker e Wei, num estudo com 612 pacientes idosos internados, excluíram todos aqueles
com história de uso prévio ou durante internação de qualquer medicação com efeito
anticolinérgico. Apenas 24 pacientes foram considerados aptos para entrar no estudo. Com a
recusa de 9, e a perda de 5 outros, apenas 10 pacientes puderam ser avaliados. Desses, 8
pacientes tiveram SACA detectável no soro, sugerindo assim a presença de uma substância
anticolinérgica endógena. Esse estudo embora limitado pelo número reduzido de pacientes, e
por não se ter ainda um teste laboratorial padrão para que SACA seja medido, é interessante e
abre perspectivas para pequisas futuras a respeito da fisiopatologia do delirium.
Também a dopamina, a norepinefrina e a serotonina (relacionada ao humor, alerta e
cognição) estão implicados no delirium, pelo fato desses neurotransmissores serem relacionados
com o ciclo sono vigília e com o despertar, alterações estas também presentes nesse estado. Os
mecanismos colinérgicos - atenção, inibição seletiva automática e respostas a estímulos são
mediados pelo sistema monoaminérgico. Os neurônios serotoninérgicos são projetados do núcleo
da rafe, para o córtex cerebral e envolvidos nas funções de agressividade, impulsividade,
atividade motora, humor, bem como psicose (agonistas da dopamina e da serotonina podem
induzir psicose). Elevada atividade serotoninérgica devido ao uso de inibidor de recaptação de
serotonina ou triptofano, bem como, inibidores da MAO, podem produzir delirium. A ativação
excessiva do sistema serotoninérgico, produz a “síndrome serotoninérgica”, caracterizada por
confusão, agitação, tremor e sudorese.
Já os neurônios noradrenérgicos projetados do locus ceruleus para o córtex cerebral,
tálamo e hipotálamo, estão implicados na modulação da atenção, ansiedade e humor. Tanto a
síntese como a degradação das monoaminas requerem oxigênio, mas a hipóxia “per si” não altera
fortemente a liberação de noradrenalina e serotonina, mas aumenta a dopamina extra-celular. O
excesso de dopamina extra-celular pode levar a morte celular e causar os sintomas psicóticos do
delirium. Os mais prevalentes neurotransmissores cerebrais são o ácido gama-amino butírico
(GABA), o maior neurotransmissor inibitório, e seu aminoácido precursor, o glutamato, o maior
neurotransmissor excitatório. Como apenas uma pouca proporção de neurônios cerebrais são
colinérgicos e monoaminérgicos, tanto glutamato quanto o GABA, atuam em quase todos os
neurônios cerebrais e dependem de energia produzida através do catabolismo dos carboidratos,
via ácido cítrico, e são portanto muito vulneráveis aos distúrbios metabólicos. O glutamato tem
sido associado a fenômenos psicóticos. Na sua presença, os canais de cálcio abrem, permitindo
sua entrada na célula. Nesse momento, o neurônio está preparado para a neurotransmissão. O
aumento de glutamato induz a um aumento de fluxo de cálcio intra-celular, que ativa enzimas
produtoras de radicais livres que destroem componentes químicos e celulares levando a
mecanismos de neurodegeneração.
Além da hipótese dos neurotransmissores, a hipótese inflamatória tem bastante força na
etiologia do delirium, uma vez que ele surge em situações de infecção, inflamação, cirurgia e em
outras situações de estresse. Aquí as citoquinas teriam uma maior participação na patogênese do
delirium. Elas são polipeptídeos secretadas por macrófagos e transportadas para o sistema
nervoso central (SNC), ativadas pelas células da glia para produzir outras citoquinas, e que são
liberadas sob circunstâncias de grande estresse. As citoquinas, são as interleucinas (IL), dentre as
quais, a IL-1, a IL-2, a IL-6, o interferon-alfa, e o fator de necrose tumoral têm uma importante
ação na ativação imunológica. Em situações normais, o nível extra-celular de citoquinas é baixo.
As citoquinas podem interferir direta ou indiretamente na regulação hormonal através do eixo
hipotálamo-hipofisário, e nos neurotransmissores cerebrais, influenciando a atividade das
catecolaminas, serotonina, GABA, acetilcolina, podendo causar aumento na liberação de
dopamina e norepinefrina e reduzir a liberação de acetilcolina. A resposta inflamatória perante ao
dano tissular ocasiona a liberação de citoquinas, modifica a barreira hemato-encefálica e
interfere na síntese dos neurotransmissores e na neurotransmissão. A IL-1, está envolvida na
termogênese, na indução do sono de ondas lentas, e na liberação de hormônios como os
corticosteróides. Outra razão para se supor a atuação das citoquinas como fator importante na
fisiopatologia do delirium, é o fato de ocorrer distúbios de comportamento, e desorientação
(dose-dependente) em pacientes em uso de Interferon alfa e IL-2.
Fica claro que não existe uma via comum para o mecanismo fisiopatológico do delirium,
mas essa síndrome pode ser a via final comum de uma variedade de anormalidades de
neurotransmissores em situações específicas.
3.2. Fatores Predisponentes.
O delirium é mais comum em pacientes portadores de qualquer síndrome orgânica
cerebral, ou demência, e pode co-existir naqueles com diagnóstico de depressão. Segundo a
literatura, são fatores predisponentes: idade, doenças graves, demência. Entretanto, em nossos
estudos, a presença de demência e a prevalência maior de co-morbidades foram as variáveis mais
associadas, e não a idade. Também podem ser considerados: fragilidade física, presença de
infecção e/ou desidratação, déficits visuais, polifarmácia e abuso de alcool. Além deles: déficits
auditivos, privação do sono, imobilidade (restrição física), pós-operatórios. Em relação aos pósoperatórios,
apenas dois tipos de cirurgia são as mais estudadas quanto ao desencadeamento do
delirium: o de correção de fratura de femur, e a revascularização do miocárdio, embora não seja
incomum surgir em outros tipos de cirurgias. Está claro que sendo cirurgias absolutamente
distintas, envolvem anestesias diferenciadas, técnicas e procedimentos diferentes. Entretanto, na
procura de mecanismo fisiopatológico comum, tem-se sugerido que o controle da dor com
opióides, além de não estar associado a uma prevalência maior de delirium, pode diminuir sua
incidência. O papel da anestesia geral é questionado e estima-se que o delirium possa aparecer
em 10 a 15% dos pacientes. Nesses casos parece que os fatores de risco sejam a idade avançada,
tempo de anestesia e a presença prévia de doença cerebro-vascular.
A importância de se determinar fatores predisponentes advém da suposição que uma
abordagem preventiva do delirium possa alterar sua morbi-mortalidade. Entretanto, tres revisões
sistemáticas de literatura abordando a questão da prevenção do delirium não mostraram
benefícios evidentes. Cole et al em 1996 analisaram a primeira revisão fazendo um levantamento
de estudos que abordaram preventivamente o delirium, tendo como pacientes idosos em pósoperatório
de cirurgia ortopédica, adultos jovens no pós-operatório de cirurgia cardíaca e idosos
com descompensações clínicas. O objetivo era avaliar a incidência. As intervenções consistiram
de entrevista psiquiátrica, treinamento do pessoal de enfermagem, orientação e educação dos
cuidadores dos pacientes, abordagem psicoterápica no pós-operatório, avaliação de enfermagem
e clínica no pré e pós-operatório. A conclusão dos autores foi a de que as intervenções realizadas
tiveram uma efetividade muito discreta na prevenção do delirium nesses pacientes. A crítica a
essa revisão, é que o único estudo que mostrou um benefício discreto dessas intervenções não era
randomizado e duplo cego. Dos estudos randomizados, um não era duplo cego e o outro não
mostrou benefício das intervenções. Portanto, houve sérios problemas metodológicos dos ensaios
analisados que comprometeram o resultado da revisão. Cole et al, em 1998, analizaram uma
segunda revisão. Da mesma maneira que na primeira, seu objetivo era estudar a incidência de
delirium em pacientes no pós-operatório e descompensados clinicamente. Também nessa, as
intervenções consistiram de avaliação psiquiátrica, educação e orientação da equipe de
enfermagem e dos cuidadores dos pacientes. Além disso, o paciente foi orientado a respeito do
problema. Também foram realizados cuidados específicos no âmbito clínico, cirúrgico e de
enfermagem, além de analgesia adequada. Essas intervenções foram aplicadas por médicos e/ou
enfermeiros. Nos pacientes cirúrgicos, elas foram realizadas no pré e/ou pós-operatórios. A
conclusão dos autores foi a de que é muito difícil chegar a um consenso, pois, a população e as
intervenções eram muito heterogêneas e muitos estudos apresentavam sérios problemas
metodológicos. Foi concluído que as intervenções para prevenção do delirium pareciam pouco
mais efetivas em pacientes cirúrgicos, em relação aos pacientes clínicos; a detecção sistemática e
os programas de tratamento poderiam ser mais benéficos para os pacientes cirúrgicos e menos
para os clínicos; a intervenção farmacológica trazia benefício para ambos grupos de pacientes; e
por fim, que o delirium em idosos tinham um prognóstico pior, mas que bons níveis de função
pré-morbida determinariam uma evolução melhor. Entretanto, vale salientar que as conclusões a
que chegaram o autores foram baseadas em dados obtidos por estudos com problemas
metodológicos, e que portanto carecem de uma base estatística que permita sua recomendação
baseada em evidência. Por fim, Cole em 1999, analisou uma terceira revisão sistemátia sobre a
ótica da prevenção do delirium. Da mesma maneira, as intervenções consistiram de avaliação
psiquiátrica: suporte, orientação e entrevista; orientação e educação do paciente e de seus
familiares, cuidados específicos de enfermagem, analgesia adequada, controles clínico e
operatório específicos. A população alvo, idêntica às anteriores: pós-operatórios de cirurgia
ortopédica e cardíaca, além de doentes portadores de descompensação clínica. A conclusão dos
autores remete às anteriores: um grande espectro de intervenções sistemáticas parecem ser um
pouco mais efetivas em pacientes cirúrgicos, e sem efeito nos clínicos; a detecção sistemática e
programas de tratamento parecem trazer mais benefícios para os pacientes cirúrgicos; e quanto
mais preciso o programa de detecção e tratamento, melhor o benefício. A crítica a essa revisão,
foi que novamente foram analisados estudos com problemas metodológicos, e com uma
população muito heterogênea. Portanto, a conclusão tem um alcance muito limitado e não pode
ser recomendado como baseada em evidência.
4. Etiologia
As causas mais comuns são:
4.1. Infecção
Essa é uma das principais causas de delirium, e sempre deve ser intensa e extensamente
procurada. As mais frequentes são a infecção pulmonar, principalmente a pneumonia e a
infecção do trato urinário. No caso de qualquer sítio de infecção não ter sido encontrado, apesar
do quadro clínico ser sugestivo de sua presença, a realização de punção liquórica faz-se
necessário, por se tratar de procedimento relativamente pouco invasivo e de baixo risco quando
realizado por pessoas experientes, e se torna fundamental para diagnosticar meningite.
4.2. Neurológica (acidente vascular cerebral, hematoma subdural, epilepsia)
Habitualmente, encontramos nas alterações neurológicas associadas ao delirium,
distúrbios generalizados sem alterações focais aparentes. Lesões focais eventualmente podem
induzir ao delirium: tumores, acidentes vasculares cerebrais, hematomas sub-durais e crises
epilépticas. Nessas situações, a tomografia computadorizada de crânio torna-se um instrumento
importante para o diagnóstico, particularmente quando localizadas no lobo parietal direito e lobo
occiptal na sua superfície ínfero-medial.
4.3. Cardiológica (infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca).
Em pacientes idosos, são causas frequentes. Portanto, nessa faixa etária, pacientes
confusos agudamente, sem causa infecciosa aparente, devem realizar um eletrocardiograma,
raio-X de tórax e curva enzimática para descartar doenças cardíacas que podem induzir ao
delirium, talvez por um baixo fluxo cerebral.
4.4. Respiratória.
A descompensação da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, os fenômenos tromboembólicos
levando à hipoxemia, ou hipotensão, são causa do estado confusional agudo.
4.5. Renal-Metabólico
A uremia é causa importante de delirium. Ela pode ser originada por desidratação
(levando a uma insuficiência renal aguda pré-renal ou agudização de uma insuficiência renal
crônica, pelo uso inadequado de anti-inflamatórios não hormonais (que particularmente em
idosos podem ser bastante nefrotóxicos) ou de antibióticos que sem a devida correção para a
função renal, própria da idade, podem levar à uremia. O uso cuidadoso dessas drogas em idosos
é imperioso: os anti-inflamatórios não hormonais devem ser prescritos somente quando há um
processo inflamatório evidente e por um período de tempo pré-determinado; ao iniciarmos
qualquer esquema anti-microbiano devemos sempre calcular a depuração de creatinina estimada
para a idade e o peso do paciente, e verificar se a dose das drogas escolhidas não devem ser
ajustadas para o seu nível de função renal.
4.6. Endócrino.
O diabetes mellitus, muito comum nessa faixa etária, quando descompensado, pode
elevar a osmolaridade plasmática desencadeando o coma hiperosmolar, assim como a
desidratação e suas consequências. Menos comum, mas não podemos esquecer da cetoacidose
diabética. Ela é típica nos casos de descompensação em pacientes mais jovens. Pelas próprias
características do diabetes no idoso, é mais comum encontrarmos o coma hiperosmolar.
Além disso, os distúrbios da tireóide, como a crise tireotóxica e o coma no
hipotireoidismo devem ser lembrados, embora raros.
4.7. Gastro-intestinal
A obstipação acarretando uma impactação importante das fezes ao nível do cólon
(fecaloma), pode desencadear o delirium, e uma simples lavagem intestinal pode afastar o
problema. Essa possibilidade deve ser sempre lembrada em pacientes demenciados, acamados,
que não conseguem manifestar uma dor ou mal estar decorrente desse quadro.
Também as alterações neurológicas desencadeadas por uma insuficiência hepática: as
encefalopatias, que em alguns casos podem ser sua primeira manifestação.
4.8. Drogas
As drogas podem estar associadas ao Delirium, tanto por ação de um efeito colateral,
como pela intoxicação (doses que levariam a um nível acima daquele considerado terapêutico),
ou por sua abstinência (quando de sua suspensão abrupta). Drogas de uso corriqueiro entre os
clínicos podem ter uma ação anticolinérgica e desencadear o delirium. Essa ação anticolinérgica
é uma característica importante pois como vimos no capítulo da fisiopatologia, uma das
hipóteses para explicá-lo envolve um déficit de acetilcolina. Pode-se associar essa ação com um
anti-depressivo tricíclico, mas passa desapercebido que uma droga como a clindamicina também
tenha um potencial anticolinérgico e que potencialmente também possa desencadear um estado
confusional agudo.
Essa questão das drogas torna-se muito importante na medida que observamos que o
idoso, por ser um portador de múltiplas doenças, também é um grande consumidor de
medicamentos. Estima-se nos Estados Unidos que aos 85 anos, uma pessoa consuma em média
de 8 a 10 remédios prescritos por médicos, não se computando aqueles que ele os faz por conta
própria por sugestão de um vizinho ou parente próximo. Imaginemos que o nosso paciente faça
consumo de 2 ou 3 drogas que tenham algum grau de ação anticolinérgica, fatalmente o efeito de
uma será sinérgico a outra e nosso paciente começará a ter episódios de confusão mental e
déficits cognitivos que fatalmente serão atribuídos a uma demência. Em um estudo onde Tune e
Egeli avaliaram 91 pacientes demenciados e agitados, 47 foram classificados como sendo
portadores de delirium, enquanto que os demais 44 foram classificados como sendo demenciados
e agitados, simplesmente. Quando foi comparado as medicações que ambos os grupos faziam
uso, foi observado que os pacientes portadores de delirium utilizavam mais drogas com ação
anticolinérgica. Em outro estudo, 34 pacientes residentes de casa de repouso foram avaliados por
meio de testes cognitivos. Todos eles recebiam pelo menos uma droga de ação anticolinérgica.
Eles foram divididos em dois grupos, dos quais um foi submetido a uma intervenção que
consistiu da redução na quantidade ou na dose dessas drogas em 25%, para posterior reavaliação
pelos mesmos testes. Houve uma melhora significativa no desempenho daquele grupo que
submeteu-se à intervenção. A tabela seguinte mostra drogas comumente utilizadas que tem ação
anticolinérgica:
Antihistamínicos Difenidramina, hidroxizine
Cardiovascular Captopril, clortalidona, digoxina, diltiazen, dipiridamol,
furosemida, hidroclorotiazida, hidralazina, mononitrato de
isossorbida, metildopa, nifedipina, triantereno, warfarin
Sistema Nervoso Central Alprazolam, amitriptilina, clordiazepóxido, codeína,
desipramina, diazepam, doxepina, flurazepam, oxazepam,
oxicodona, fenelzine, fenobarbiltal
Corticosteróides Corticosterona, dexametasona, hidrocortisona, pednisona
Grastrointestinal Atropina, cimetidina, ranitidina
Imunossupressores Azatioprina, ciclosporina
Antibióticos Ampicilina, cefalotina, cefamandole, cefoxitina,
clindamicina, cicloserina, gentamicina, piperacilina,
tobramicina, vancomicina
Relaxante Muscular Pancurônio
Sistema Respiratório Teofilina
Mais famosas por sua ação anticolinérgica, podendo desencadear o delirium são: antidepressivos
tricíclicos (imipramina, amitriptilina, clomipramina), neurolépticos (haloperidol,
levomepromazina, periciazina, clorpromazina, mas parece que principalmente a tioridazina),
inclusive os neurolépticos atípicos. O antiparkinsoniano levodopa também pode desencadeá-lo.
Quanto aos neurolépticos atípicos, é importante mencionar que existe uma diferença significativa
entre eles quanto à potência anticolinérgica: clozapina é mais potente que a olanzapina, que por
sua vez tem uma potência maior que quetiapina, que é superior à risperidona. Portanto, o
neuroléptico atípico que deve ser escolhido para o tratamento das alterações de comportamentos
observadas no delirium, deveria ser esse último, por ter uma ação anticolinérgica menos intensa.
Intoxicação levando ao Delirium são observadas com o uso excessivo de álcool, opióides,
anfetaminas, sedativos, hipnóticos, ansiolíticos e alucinógenos.
Abstinência de drogas e delirium estão associados ao uso de álcool, anfetaminas e
relacionados, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos.
Existem também as toxinas que podem desencadear o Delirium: anticolilesterase, dióxido
de carbono, organofosforados, substâncias voláteis, monóxido de carbono, combustíveis ou
tintas.
4.8. Múltiplas Causas.
Por fim, não podemos nos esquecer que o delirium em idosos, na maioria das vezes, deve
ter um componente multifatorial, em que fatores comuns a essa faixa etária estão presentes
contribuindo para o estado confucional agudo: infecção, desidratação, insuficiência renal aguda,
efeito colateral de medicamentos ou sua abstinência, déficits cognitivos prévios, etc...
5. Diagnóstico
5.1 Com a intenção de auxiliar e padronizar o diagnóstico de delirium, foram elaborados
os critérios diagnósticos relatados anteriormente. Cada um deles aborda o quadro de uma
maneira diferenciada, e conforme já comentado, valoriza determinados sintomas mais do que
outros. Portanto, observamos que esses critérios não são perfeitos e podem levar a erros de
interpretação. De qualquer maneira, eles são úteis no sentido de criarmos uma forma de
raciocínio, ou um roteiro para abordagem de um paciente em estado confusional agudo.
Relataremos a seguir aqueles sintomas, que no nosso entender, são os principais, aqueles que
melhor caracterizam o estado confusional agudo.
De forma a estabelecer um diagnóstico de Delirium, o paciente deve apresentar cada uma
das seguintes características listadas abaixo:
5.1.1. Início dos sintomas.
O delirium costuma se desenvolver agudamente, geralmente em horas ou poucos dias,
tendendo a flutuar de intensidade ao longo do período.
5.1.2. Nível de Consciência
Há alteração do nível de consciência (ou seja, redução na percepção dos estímulos
recebidos pelo meio), além de redução da habilidade em focar, sustentar ou mudar sua atenção.
A alteração da consciência no Delirium se manifesta por uma significativa redução da clareza da
consciência em relação ao ambiente. Está seriamente prejudicada a capacidade para focalizar,
manter ou deslocar a atenção. Durante o exame clínico do paciente com Delirium, tendo em vista
a atenção do paciente estar totalmente dispersa, há necessidade das perguntas serem repetidas
várias vezes em alto e bom tom. Pode ser muito difícil envolver o paciente numa conversação
normal. Objetivamente, podemos avaliar a atenção do paciente, solicitando a ele que faça uma
contagem regressiva a partir de 20, ou que subtráia 7, a partir de 100, por 5 vezes, ou que soletre
a palavra MUNDO de tráz para frente.
5.1.3. Cognição
Há alteração na cognição (por exemplo, déficit de memória, desorientação e distúrbio na
linguagem) ou o desenvolvimento de alterações na percepção que não se justificam por uma
demência pré-existente (alucinações e ilusões): se a atenção e consciência estão alteradas, há
também uma alteração concomitante na cognição, a qual pode incluir o comprometimento da
memória, desorientação ou perturbação da linguagem, assim como pode desenvolver-se uma
perturbação da percepção (são comuns as alucinações e ilusões visuais e auditas, mais raras são
as olfativas e gustativas). Essas alterações da sensopercepção podem fazer com que qualquer
som possa ser interpretado como um tiro, as dobras nas roupas podem parecer-lhe objetos
animados, o paciente pode ainda ver um grupo de pessoas pairando sobre a cama. O
comprometimento da memória é evidente no Delirium, acometendo com maior freqüência a
memória recente. Neste caso a semiologia consta em pedir que o paciente memorize o nome de
vários objetos, sem relação entre si, ou uma frase curta e os repita após alguns minutos de
distração. A desorientação habitualmente se manifesta por desorientação temporal, quando então
o paciente confunde a manhã, a tarde e a noite, ou espacial, com dificuldades dele saber se esta
em casa, no hospital, etc. No Delirium leve, a desorientação temporal pode ser o primeiro
sintoma a aparecer. A perturbação na linguagem pode se evidenciar com disnomia, isto é, um
prejuízo na capacidade de nomear objetos, ou disgrafia, o prejuízo na capacidade de escrever.
Em alguns casos, o discurso é dispersivo e irrelevante, outras vezes é compulsivo e incoerente,
com mudanças imprevisíveis de assunto. A flutuação do quadro, relatado acima, faz com que o
paciente se mostre coerente durante o dia mas, à noite, insiste em voltar à casa dos pais já
falecidos.
5.1.4. Ciclo Sono-Vigília
O delirium freqüentemente está associado a uma perturbação do sono, a qual pode incluir
sonolência diurna ou agitação noturna, caracterizando assim uma inversão do ciclo de sonovigília.
5.1.5. Alteraçõs Emocionais
O Delirium também é freqüentemente acompanhado por alteração psicomotora, com
inquietação, hiperatividade. Esse aumento da atividade psicomotora pode incluir o ato de tatear
ou manusear as roupas de cama e tentar sair dela quando isto é inseguro, retirada do equipo de
soro, etc. Há ainda a possibilidade do paciente apresentar redução da atividade psicomotora, com
lentidão e letargia. Assim sendo, a atividade psicomotora poderá oscilar de um extremo a outro
no decorrer do dia mas, a maioria dos casos costumam ser do tipo misto (46%), enquanto apenas
24% são Hipoativos e 30% Hiperativos. Diversos estudos que avaliaram a morbidade e a
mortalidade sugerem que essa diferenciação pode mostrar um prognóstico diferenciado, com
uma morbi/mortalidade menor naqueles hiperativos.
Na esfera emocional o paciente pode apresentar excesso de ansiedade, medo, depressão,
irritabilidade, raiva, euforia e apatia. Podem ocorrer rápidas e imprevisíveis mudanças de um
estado emocional para outro. O medo freqüentemente acompanha as alucinações ameaçadoras ou
os delírios. Pode haver ferimentos por quedas do leito ou por tentativas de escapar das falsas
ameaças. O estado emocional perturbado também pode se manifestar por comportamentos
esdrúxulos: gritos, palavrões, gemidos, resmungos ou outros sons, principalmente à noite e sob
condições nas quais a estimulação e os indicadores ambientais estão mais ausentes. Estudos
sugerem que pacientes com Delirium tem perfis clínicos muito diferentes. Esse fato pode
significar que diferentes mecanismos etiológicos e fisiopatológicos estão envolvidos em sua
gênese. Portanto, conforme as características clínicas de cada paciente, o quadro deve ser
abordado diferentemente.
5.1.6. Alteração Clínico-Etiológica do Delirium.
Deve haver evidência a partir da história, exame físico ou achados de exames
laboratoriais e/ou radiológicos, que o Delirium esteja sendo causado como consequência direta
de condições clínicas agudas, intoxicações medicamentosas ou abstenção de drogas (as doenças
clínicas desencadeadores do Delirium, já foram citadas anteriomente).
O Delirium pode ter mais de um fator causal (múltiplas etiologias). O diagnóstico pode
ser feito mesmo na falta de evidência que dê suporte ao último critério acima, desde que a
apresentação clínica seja consistente com o diagnóstico, e que seu quadro não seja atribuído à
qualquer outra doença, como a demência.
Além dos dados clínicos apontados acima, outros devem ser obtidos, obrigatoriamente,
para o correto diagnóstico do Delirium:
5.2. História
Atentar para a presença dos seguintes dados: antecedente medicamentoso completo,
inclusive daquelas drogas não prescritas por médicos, alcoolismo, prejuízo intelectual prévio
(habilidade no planejamento doméstico, para o pagamento de contas, ou para frequentar eventos
sociais), estado funcional (atividades da vida diária e atividades instrumentais da vida diária),
início e curso da doença, episódios prévios de confusão aguda ou crônicas, sintomas sugestivos
da causa básica (infecção), déficits sensoriais (principalmente o visual), uso de órteses (aparelhos
de audição, óculos, etc...), circunstâncias sociais no momento da admissão (proveniente de casa
de repouso, mora com cuidador ou familiar), co-morbidades.
Na maior parte das vezes, pacientes admitidos com Delirium, não tem condição de
fornecer dados precisos de história. Sempre que possível e necessário, esses dados devem ser
fornecidos por um familiar ou cuidador.
5.3 Exame Físico
É fundamental para o diagnóstico correto da causa do Delirium. Ele deve ser completo,
além de incluir o exame clínico habitual, especial atenção deve ser dada aos seguintes ítens:
exame neurológico e psiquiátrico, nível de consciência, estado nutricional, evidência de febre, de
abuso de alcool ou da síndrome de abstinência, avaliação cognitiva objetiva, por meio de
qualquer teste validado para essa função, nível de atenção,
5.4 Exames Laboratoriais
Os seguintes exames deverão necessariamente ser solicitados para investigação da
etiologia do Delirium: hemograma completo, calcio plasmático, uréia e eletrólitos, testes de
função hepática, glicemia, testes de função tireoidiana, raio-X de tórax, eletrocardiograma,
culturas (sangue e urina), urina I.
Outros exames podem ser indicados, conforme o quadro clínico, dados de história e
exame físico se apresentem. O eletroencefalograma, durante o episódio de delirium, mostra uma
lentificação difusa. As vantagens de seu uso rotineiro não estão bem determinadas. Ele pode ser
útil nas seguintes situações: para diferenciar o delirium de demência, de um estado epilético não
convulsivo e da epilepsia do lobo temporal, identificando aqueles pacientes onde o delirium
deve-se a uma lesão focal, e não a uma anormalidade global.
Não se mostrou evidência de que a tomografia computadorizada de crânio, realizada
rotineiramente pudesse auxiliar no diagnóstico do quadro clínico ou de sua etiologia. Portanto,
ela somente deve ser realizada naqueles casos em que se supeita de uma lesão cerebral aguda:
presença de sinais neurológicos focais, confusão mental após trauma craniano, confusão mental
após uma queda, evidência de aumento da pressão intra-craniana.
Excepcionalmente, algumas lesões focais no lobo parietal direito e a superfície ínferomedial
do lobo occiptal também podem provocar delirium. Fica evidente que na suspeita dessas
lesões, a tomografia deva ser realizada.
Dosagem de ácido fólico e vitamina B12: esses déficits vitamínicos estão mais associados
às síndromes demenciais, e seriam interessantes em casos da necessidade de um diagnóstico
diferencial.
A gasometria arterial sempre deve ser solicitada quando o paciente apresenta-se
dispnêico, pensando na possibilidade de hipoxemia ou distúrbio metabólico.
Embora muitas anormalidades tenham sido observadas no líquor de pacientes com
delirium, sua realização rotineira não tem sido benéfica quanto à elucidação diagnóstica.
Portanto, esse procedimento está reservado para aqueles casos onde se suspeita de meningite, ou
seja, para pacientes portadores de meningismo, cefaléia e/ou febre.
5.5. Instrumentos de Avaliação Cognitiva.
Para auxílio no diagnóstico do Delirium, é importante a realização de testes cognitivos de
rotina. Eles podem melhorar o reconhecimento de sua presença à admissão do paciente; e a
aplicação de testes seriados podem permitir o seguimento de sua melhora, ou eventualmente,
piora. Entretanto, é importante colocar que por si mesmos, esses testes não fazem diagnóstico.
Eles somente permitem o seguimento e a evolução do quadro. Devem ser utilizados testes
simples para avaliação rápida e objetiva da cognição, como o Teste Mental Abreviado ou o Mini-
Exame do Estado Mental. Dados de história obtidos de um parente ou cuidador, podem permitir
a diferenciação entre um quadro de delirium de uma demência. Além desses testes, existe um
instrumento de avaliação específico de delirium, Confusion Assessment Method (CAM), que
comentaremos a seguir.
5.5.1. Teste Mental Abreviado.
Abaixo, mostramos o Teste Mental Abreviado, cuja pontuação inferior a 8 mostra um
desempenho cognitivo diminuído.
Idade
Hora (a mais próxima possível)
Endereço (para ser relembrado ao final do teste)
Ano
Nome do local onde se encontra
Reconhecimento de duas pessoas próximas.
Data de Nascimento
Ano da Primeira Guerra Mundial.
Nome do Presidente da República.
Contagem regressiva a partir de 20 até 1.
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Total de Acertos: _____
Esse teste é bastante simples. Avalia orientação temporal e espacial, memória secundária
(a memória de aprendizado), terciária (a memória dos fatos firmemente aprendidos) e a atenção.
De uma forma sumária e objetiva, ele faz uma avaliação cognitiva rápida que ajuda na
observação do paciente. Apesar de ser um teste resumido, ele aborda ítens importantes para o
diagnóstico de delirium no Pronto-Socorro ou numa Unidade de Terapia Intensiva.
5.5.2. Mini-Exame do Estado Mental
Abaixo, um teste um pouco mais complexo, mas também resumido e simples. Demanda
um pouco mais de tempo de aplicação e necessita de condições mais favoráveis, pois para
executar todas as tarefas o paciente deve pelo menos, sentar para poder desenhar e escrever, e
quando necessário, usar óculos para também poder ler e executar as ordens.
Em que ano estamos?
Em que estação do anos estamos?
Qual a data de hoje?
Em que dia da semana estamos?
Em que mês estamos?
Vou lhe dizer 3 palavras, e gostaria que o sr(a). as repetisse:
Laranja
Mesa
Centavo
(considerar a primeira tentativa - deixar o paciente repetí-las até decorá-las - avisá-lo
que mais tarde será solicitado a repetí-las, sem o auxílio do examinador)
Em que país estamos?
Em que estado?
Em que cidade?
Em que andar do prédio estamos nesse momento?
Qual o endereço desse local?
Quanto é: 100 - 7?
E 93 - 7?
E 86 - 7?
E 79 - 7?
E 65 - 7?
(alternativamente, pode-se solicitar ao paciente que soletre a palavra MUNDO de tráz
para frente).
Escreva uma frase qualquer nessa folha.
(a frase deve conter sujeito e verbo e ter algum significado)
Copie esse desenho
(considere correto se a intersecção de dois pentagramas formar um quadrilátero)
Quais eram as três palavras que o sr(a). decorou há alguns minutos?
Laranja
Mesa
Centavo
O que é isso? (caneta)
O que é isso? (relógio)
Leia e obedeça ao que está escrito. (FECHE OS OLHOS)
Repita: “nem aqui, nem lá, nem acolá”.
Pegue essa folha de papel com sua mão direita.
Dobre-a ao meio.
Coloque-a no chão.
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Certo Errado
Total de Acertos:____
O Mini-Exame do Estado Mental é um pouco mais complexo que o anterior, avaliando
outras funções cognitivas, como aspectos de linguagem. Para cada comando correto que o
paciente obedecer, somará um ponto. O máximo de pontos é 30. Para uma nota de corte entre um
desempenho normal e alterado, devemos levar em consideração a escolaridade do paciente,
embora outros fatores como idade e nível sócio-econômico também tem influência no
desempenho. Para pacientes analfabetos, uma pontuação acima 13 deve ser considerada normal,
para níveis de escolaridade baixa (1 a 4 anos incompletos) e média (4 a 8 anos incompletos), a
pontuação acima de 18 é considerada boa; para pacientes com alta escolaridade (acima de 8
anos), a pontuação superior a 26 é normal. Essas notas de corte devem ser consideradas
rigorosamente para fins didáticos. É muito comum, pacientes com níveis de escolaridade baixo,
sem alterações clínicas graves, obterem uma pontuação diminuída, e pacientes com alto nível de
escolaridade, e bastante comprometidos clinicamente, manterem uma pontuação elevada devido
à simplicidade da avaliação. Entretanto, também deve ser utilizado, na medida do possível, para
avaliação objetiva do paciente, pois sua aplicação consecutiva permite um seguimento e uma
avaliação da evolução do quadro clínico do mesmo.
5.5.3. Confusional Assessment Method (CAM).
Esse instrumento de avaliação já validado em sua versão em português, é específido para
pacientes com delirium. Consiste de 9 ítens, e a presença das características 1 e 2, associada à
presença das características 3 ou 4, faz o diagnóstico.
1. Início Agudo (Há evidência de mudança aguda no estado mental de base do paciente?)
2. Distúrbio de Atenção
2A. O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-se facilmente ou
teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?
- Não presente (ausente) em todo momento da entrevista
- Presente em todo momento da entrevista, porém de forma leve
- Presente em todo momento da entrevista, de forma marcante
- Incerto
2B. Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é, tendeu a surgir
e desaparecer ou aumentar e diminuir a gravidade?
- sim
- não
- incerto
- não aplicável
2C. Se presente ou anormal, descreva esse comportamento:
3. Pensamento Desorganizado
O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversação dispersiva ou
irrelevante, fluxo de idéias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto?
4. Alteração do Nível de Consciência
Em geral, como voce classificaria o nível de consciência do paciente?
- Alerta (normal)
- Vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assustando-se facilmente)
- Letárgico (sonolento, facilmente acordável)
- Estupor (dificuldade para despertar)
- Coma
- Incerto
5. Desorientação
O paciente ficou desorientado durante a entrevista, por exemplo, pensando que estava em outro
lugar que não o hospital, que estava no leito errado ou tendo noção errada da hora do dia?
6. Distúrbio (Prejuízo) da Memória
O paciente apresentou problemas de memória durante a entrevista, tais como incapacidade de se
lembrar de eventos do hospital ou dificuldade para se lembrar das instruções?
7. Distúrbio da Percepção
O paciente apresentou sinais de distúrbios da percepção como, por exemplo, alucinações, ilusões
ou interpretações errôneas (pensando que algum objeto físico se movimentava?
8. Agitação Psicomotora
Parte 1: durante a entrevista, o paciente apresentou aumento anormal da atividade motora, tal como
agitação, beliscar de cobertas, tamborilar com os dedos ou mudança súbita e frequente de posição?
Retardo Psicomotor
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
S N
Parte 2: Durante a entrevista o paciente apresentou diminuição anormal da ativdade motora como letargia,
olhar fixo no vazio, pemanência na mesma posição por longo tempo ou lentidão exagerada de movimentos
9. Alteração do Ciclo Sono-Vigília
O paciente apresentou sinais de alteração do ciclo-sono-vigília, como sonolência diurna excessiva
e insônia noturna?
S N
S N
O início agudo e curso flutuante dos sintomas deve ser considerado presente, quando eles
se iniciaram em um período inferior a 4 semanas.
Para avaliar o distúrbio de atenção, solicita-se ao paciente que fique atendo à entrevista,
faz-se perguntas de ordem pessoal e familiar (nome, escolaridade, estado civil, filhos, atividades
diárias) e solicita-se a realização de tarefas simples (levantar o braço e apertar a mão). São
portadores de distúrbio de atenção aqueles pacientes que não conseguem acompanhar o fluxo da
conversação, que distraem-se facilmente e para os quais é necessário fazer diversas vezes a
mesma pergunta até que ela seja respondida.
O pensamento desorganizado é avaliado ao se questionar o paciente do porque que ele
veio ao hospital, se é portador e está tratando de qualquer doença, e o que ele estava aguardando
naquele momento. Considera-se o pensamento desorganizado quando o paciente apresenta um
discurso incoerente, com conversação dispersiva ou irrelevante, com fluxo de idéias pouco claro
ou ilógico e com mudanças imprevisíveis no assunto.
Quanto ao nível de consciência, observa-se se o paciente está alerta, sonolento ou
hiperalerta.
Na avaliação da orientação, o paciente é questionado a respeito do local onde ele se
encontra (cidade, hospital, enfermaria) e qual período do dia (manhã, tarde, noite).
A memória é avaliada pela capacidade de memorizar tres palavras que lhe são ditas, e que
serão repetidas após alguns momentos. Questiona-se a respeito do que foi feito no hospital e a
respeito da rotina: coleta de exames, realização de radiografia, se o paciente almoçou ou jantou.
Distúrbios da percepção: os pacientes são questionados quanto a ouvirem vozes ou se
estavam vendo coisas.
Agitação ou retardo psicomotor é definido pela observação direta de quem esta
examinando o paciente.
Alteração no ciclo sono-vigília também é considerado presente pela observação direta do
examinador, corroborado pelo relato dos cuidadores (familiares ou equipe de enfermagem)
6. Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido entre: demência, histeria, depressão,
mania, esquizofrenia. Como já dito, os testes de avaliação mental não permitem o diagnóstico
diferencial. Dados de história, obtidos junto a um cuidador ou parente, podem fornecer
informações importantes que possibilitem essa diferenciação.
Quanto à relação entre a síndrome demencial e o delirium, existe uma relação de
reciprocidade muito importante entre eles: os pacientes demenciados são particularmente
susceptíveis a desenvolverem delirium, e este, por sua vez, pode ser considerado um marcador
para o desenvolvimento de demência. Dentre as doenças que compõem a síndrome demencial,
devemos lembrar que na doença de Alzheimer, seu início é lento e sua piora progressiva. Com
dados bem precisos obtidos por meio de uma entrevista com um cuidador, não é difícil
determinar se o paciente tem previamente uma demência ou não. Por outro lado, existem
determinados tipos de demência que tem um início agudo, como as de origem vascular, o que
pode dificultar um pouco o diagnóstico diferencial. E não podemos nos esquecer da demência
pelos corpúsculos de Lewy, cujo quadro clínico inicial lembra em muito o delirium.
Pacientes com delirium hipoativo podem, quando não bem avaliados, parecerem
portadores de depressão. Entretanto, não devemos esquecer que a depressão tem uma história
clínica mais arrastada e incidiosa, com pouca flutuação e na maioria das vezes, tem déficits
cognitivos pouco importantes.
De maneira idêntica, pacientes portadores de esquizofrenia, histeria e mania, possuem
características clínicas diferenciadas, e os dados obtidos por uma história cuidadosa devem
resolver um eventual dilema diagnóstico.
7. Tratamento
A abordagem mais importante é a identificação e o tratamento da causa básica do
delirium
Qualquer droga utilizada no tratamento do idoso, que possa estar relacionada ao delirium,
deve ser suspensa e substituída. Provavelmente, o mais adequado seria evitar o uso dessas
drogas, até como medida preventiva em pacientes com risco elevado de desenvolver o quadro.
A desidratação e os distúrbios hidroeletrolíticos devem ser corrigidos prontamente, como
também rapidamente deve ser tentado a identificação do sítio de infecção, e o início de
antibioticoterapia empírica adequada para o quadro em questão, enquanto aguarda-se os
resultados das culturas previamente solicitadas.
Os distúrbios metabólicos e a descompensação aguda de doenças clínicas pré-existentes,
como a insuficiência cardíaca ou a doença pulmonar obstrutiva crônica que levam a hipoxemia, e
podem desencadear o delirium, também devem ser corrigidas de imediato.
Além do tratamento da causa básica do delirium, há necessidade do tratamento
sintomatológico da confusão e agitação. O delirium hipoativo não necessitará de sedação.
É discutível o benefício da abordagem não farmacológica no tratamento de pacientes com
delirium: deixá-los em um ambiente tranquilo, com baixa luminosidade e com pouco nível de
ruído. Apesar de se acreditar que em ambientes agitados, como Pronto Socorros e Unidades de
Terapia Intensiva, possam por si só desencadear quadros confusionais em pacientes predispostos.
Também parece ser importante o fornecimento de informações para a adequada orientação do
paciente (calendários, relógios, pertences próprios) e da presença de familiar ou cuidador. Além
disso, a visita de parentes e amigos dever ser encorajada uma vez que podem acalmar um
paciente agitado. Não há dados suficientes na literatura que permitam concluir que essas
manobras, ou que a intervenção de uma equipe multiprofissional possa beneficiar o paciente em
delirium. Pode ser significativo a autorização, por aqueles que necessitam, do uso de próteses
auditivas ou óculos, já que sabemos que a deprivação sensorial pode ser um fator de risco para o
desencadeamento do delirium.
Britton e Russel fizeram uma revisão sistemática de literatura a respeito da abordagem de
equipe multiprofissional em pacientes com delirium. Realizaram um levantamento de ensaios
clínicos randomizados onde avaliaram pacientes portadores de déficits cognitivos crônicos que
desenvolveram delirium, e foram aleatoriamente tratados com a abordagem multiprofissional e
com o tratamento tradicional. Foram selecionados 9 estudos, nenhum deles preencheu os
critérios de inclusão. Nenhum dos estudos abordou a presença de delirium em pacientes com
déficits cognitivos crônicos. A conclusão que os autores chegaram, foi que o tratamento do
delirium necessita de uma abordagem mais sistematizada, antes de serem realizadas
recomendações baseadas em evidências. No momento, os dados são insuficientes para chegar a
qualquer conclusão. Há uma grande necessidade de pesquisa em todas as áreas relativas à
fisiopatologia, epidemiologia, prevenção e tratamento. Embora muitas pesquisas recentes tenham
abordado a questão do delirium, não existe evidência que permita sua utilização em programas
de tratamento. Elas necessitam de um enfoque em grupos específicos de pacientes que
sabidamente são de alto risco para o desenvolvimento do delirium: por exemplo, pós-operatórios
de cirurgia de femur ou de revascularização do miocárdio; idosos fisicamente frágeis ou
portadores de déficits cognitivos prévios. Até o momento, o delirium é tratado empiricamente e
não há evidência na literatura que suporte ou que contra-indique a maneira como é tratado
atualmente.
A despeito de não haver evidência que corrobore essa afirmação, a transferência de
enfermaria ou de quarto deve ser evitada. Além disso, a internação do paciente em um quarto
sozinho, pode melhorar o quadro confusional por evitar o contacto com outros pacientes
confusos, e evitam que a agitação desses pacientes incomodem os demais doentes, além do que
se há um paciente agitado em um enfermaria, não é incomum desencadear um estado confusional
no paciente do mesmo quarto. Da mesma maneira, os profissionais que cuidam do paciente, não
devem ser trocados, na medida do possível.
A despeito da restrição física ser um método de controle comportamental amplamente
utilizado em nosso meio, não há qualquer evidência de que seu uso rotineiro seja benéfico. Pelo
contrário, as evidências maiores são de que há mais prejuízo que benefícios com sua utilização.
A manutenção, ou a restauração do padrão normal de sono, tende a ser benéfico aos
pacientes portadores de delirium.
Estar atento às eliminações de urina e fezes.
Pacientes que deambulam requerem uma observação rigorosa em um ambiente seguro,
relativamente fechado. E sempre preferível distrair o paciente a realizar sua restrição física ou
sedação. Parentes e cuidadores devem ser sempre estimulados a participarem desse tipo de
tratamento.
Deve haver uma atenção redobrada quanto as possíveis causas de agitação: dor, sede,
fome, necessidade de eliminações fisiológicas. Devemos sempre considerar que o paciente
confuso está incapacitado de manifestar suas necessidade de uma maneira clara.
Também não há evidência para essa afirmação, entretanto, pacientes portadores de delirium, com
frequência apresentam um discurso confuso e geralmente, é preferível fornecer dados de
realidade, e tomar as seguintes atitudes, conforme a situação: taticamente, discorde,
principalmente se a queixa não esta associada a aspectos da sensibilidade do paciente; mude o
assunto da conversa; concorde com os sentimentos expressos, mas não com seu conteúdo.
7.2.2. Sedação
Qualquer sedativo pode piorar o delirium, especialmente aqueles que tem uma ação
anticolinérgica (lembrar dos neurolépticos). Portanto, a dose dessas drogas deve ser iniciada na
menor possível e seu aumento deve ser lento e paulatino, conforme o quadro de agitação e a
resposta obtida. O reconhecimento precoce do delirium, e o tratamento imediato de sua causa,
podem diminuir sua gravidade, tempo de duração e sua mortalidade.
O uso de sedativos pode ser necessário nas seguintes circunstâncias: para a realização de
procedimentos essenciais para o diagnóstico e o tratamento; para evitar que os pacientes se
machuquem ou agridam os seus cuidadores, para diminuir o estresse e/ou ansiedade em um
paciente muito agitado, havendo, ou não, alucinações. É preferível que se utilize uma única
droga, iniciando seu uso na dose mais baixa possível e aumentando-se paulatinamente até atingir
o efeito desejável, a intervalos de pelo menos 30 minutos.
A droga de preferência é o haloperidol: 0,5 a 1mg VO ou via parenteral, à cada 30', até se
atingir o efeito desejado. Naqueles casos de agitação incontrolável, pode-se utilizar o haloperidol
por via endovenosa, 5mg à cada 30', até o paciente acalmar; eventualmente pode ser benéfico a
associação de haloperidol (4mg) e diazepan (1mg) também por via endovenosa, administrado em
doses progressivamente maiores à cada 30', até atingir-se o efeito desejado, e que parece ter
menos efeitos de liberação extra-piramidal em relação ao haloperidol utilizado isoladamente.
Para pacientes portadores de miocardiopatia dilatada, deve-se ter muito cuidado com o uso do
haloperidol EV, sob o risco do desenvolvimento de arritmias graves. Até aqui não estamos nos
referindo ao delirium desencadeado por abstinência de álcool ou drogas. Nessas situações a
droga de escolha é o lorazepan, que devido à sua meia vida mais curta, e por sua metabolização
não sofrer alterações significativas durante o envelhecimento, é a droga de escolha para ser
utilizada em idosos nessas condições.
No caso da necessidade do uso de sedativos, sua prescrição deve ser revista regularmente
e suspensa asssim que possível. Não esquecer que mesmo o haloperidol tem ação anticolinérgica,
e sua prescrição excessiva pode piorar o delirium.
8. Prevenindo as Complicações
As principais complicações do delirium são: quedas, úlceras de pressão, infecções
hospitalares, prejuízo funcional, incontinência urinária e fecal e sedação excessiva.
8.1. Quedas
A restrição física de qualquer tipo não mostrou benefício na prevenção de quedas em
pacientes confusos. Pelo contrário, piorou o quadro clínico, além de aumentar o risco de lesões.
É preferível vigiar o paciente de uma maneira mais próxima, acomodando-o em uma cama mais
baixa, ou em camas tipo berço.
8.2. Úlceras de Pressão
Todos os pacientes devem ser avaliados quanto ao risco de desenvolverem úlceras de
pressão, e devem receber os cuidados preventivos cabíveis a cada quadro: colchão caixa de ovos,
almofadas d'água, mobilização o mais precoce possível.
8.3. Prejuízo Funcional
A avaliação rotineira realizada por um fisioterapêuta e um terapêuta ocupacional com o
objetivo de manter e melhorar as habilidades funcionais dos pacientes em delirium pode ser
benéfica.
8.4. Incontinência Urinária e Fecal
A higienização regular e frequente dos pacientes, evitando o uso de sondas e cateteres
(pelo risco do trauma e infecções, além do que sua presença piora o quadro clínico), podem
colaborar para que não se instale uma incontinência urinária e fecal.
9. Bibliografia
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Fourth Edition. 1994
Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma
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Britton A, Russell R. Multidisciplinary Team Interventions for Delirium in Patients with Chronic
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Update Software.
Código Internacional de Doenças – 10ª Edição. Organização Mundial de Saúde
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10. Autores
Dr. Mauricio de Miranda Ventura
Médico-Preceptor do Serviço de Geriatria do
Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Moratto de Oliveira”
Mestre em Clínica Médica pelo
Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual
Dra. Fátima Capella Giannattasio
Mestre em Efetividade em Medicina Baseada em Evidências pela
Universidade Federal de São Paulo
Doutoranda pela Disciplina de Emergência da
Universidade Federal de São Paulo
Cochrane Foundation's Membership
Médica-Preceptora e Encarregada de Enfermaria Licenciada do
Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Moratto de Oliveira”