AUTOR
Vivianne Lira da Câmara
Especialista em Dermatologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
INTRODUÇÃO
A pele é um órgão complexo composto por diversos tecidos, tipos celulares e estruturas especializadas. Constitui a interface do corpo humano com o meio externo, exercendo funções cruciais para a vida, como termorregulação, vigilância imunológica, sensibilidade e proteção do indivíduo contra agressões exógenas, de natureza química, física ou biológica, e contra a perda de água e de proteínas para o exterior. É o maior órgão do corpo humano e representa 15% do peso corpóreo, com variações estruturais ao longo de sua extensão. É composta por três camadas interdependentes: a epiderme, mais externa; a derme, intermediária; e a hipoderme ou panículo adiposo, sobre a qual repousam as camadas já citadas, permitindo que a pele se movimente livremente sobre as estruturas mais profundas do corpo.
EPIDERME
A epiderme consiste em um epitélio pavimentoso estratificado e queratinizado, de origem ectodérmica. Sua espessura varia aproximadamente de
As camadas da epiderme estão dispostas de modo que sua superfície é relativamente plana, com exceção das áreas das pregas cutâneas, submetidas a extensões e contrações. A base da epiderme é sinuosa, formada por cones epidérmicos que se projetam na derme e encontram-se intercalados com projeções digitiformes da derme denominadas papilas. Essa disposição confere grande adesão da epiderme com a derme e maior superfície de contato entre elas, permitindo uma área eficaz de troca entre esses dois componentes, já que a epiderme é avascular e sua nutrição deriva dos capilares dérmicos.
Intercalados entre os queratinócitos, há outros tipos celulares, como os melanócitos, as células de Langerhans e as células de Merkel.
População Queratocítica
Camada Basal
É a camada mais profunda da epiderme, delimitando-se com a derme. É constituída habitualmente por única camada de queratinócitos que possuem citoplasma basófilo e núcleos grandes, alongados, ovais e hipercromáticos, em contínua divisão mitótica.
Camada Espinhosa ou Malpighiana
Situa-se logo acima da camada basal e é formada por
As células espinhosas estão unidas mecanicamente entre si e às células basais subjacentes por meio de pontes intercelulares denominadas desmossomos, estruturas complexas que conferem à pele resistência a traumas mecânicos. Na camada basal, há apenas uma placa de aderência ligando a membrana plasmática das células basais à membrana basal; essas estruturas de adesão são chamadas hemidesmossomos. Anormalidades dos desmossomos causam separação das células (acantólise), com formação de bolhas ou vesículas na epiderme. É o que ocorre em doenças autoimunes como pênfigo foliáceo e pênfigo vulgar, onde há produção de anticorpos contra as desmogleínas 1 e 3 (constituintes dos desmossomos), respectivamente.
Camada Granulosa
É composta por 1 a 3 camadas achatadas de queratinócitos com formato losangulare citoplasma repleto de grânulos de querato-hialina, que dá origem à filagrina, importante componente do envelope das células corneificadas. Nesta camada, já se observam, além da filagrina, os outros componentes necessários para a morte programada das células e a formação da barreira superficial impermeável à água, como involucrina, queratolinina, pancornulinas e loricrina.
Na pele da região palmoplantar, há uma camada adicional entre as camadas granulosa e córnea denominada estrato lúcido. Suas células são anucleadas e formam uma faixa clara e homogênea, fortemente coradas pela eosina à microscopia óptica.
Camada Córnea
É a camada mais superficial da pele. Sua espessura é variável de acordo com a topografia anatômica, sendo maior nas palmas e plantas. O processo de maturação dos queratinócitos está completo no estrato córneo, apresentando células anucleadas com um sistema de filamentos de queratina imerso em uma matriz contínua circundada por membrana celular espessada.
População Não-queratocítica
Melanócitos
São células dendríticas de origem ectodérmica que sintetizam pigmento melânico. Localizam-se na camada basal e seus dendritos estendem-se por longas distâncias na epiderme, estando em contato com muitos queratinócitos para os quais transfere melanina. O melanócito e os queratinócitos com os quais se relaciona constituem as unidades epidermomelânicas da pele, numa proporção de 1 para 36, respectivamente.
Células de Langerhans
São células dendríticas originadas na medula óssea que constituem
Células de Merkel
São células de origem controversa encontradas nas extremidades distais dos dedos, lábios, gengivas e bainha externa dos folículos pilosos. Alguns acreditam que sejam de origem neuroendócrina, pois apresentam grânulos intracitoplasmáticos com substâncias neurotransmissoras e estão em contato íntimo com fibras nervosas da derme, constituindo os discos de Merkel, que provavelmente são mecanorreceptores.
Junção Dermoepidérmica
As células da camada basal da epiderme repousam sobre uma estrutura chamada membrana basal. À microscopia óptica, essa zona limítrofe corada pelo ácido periódico de Schiff (PAS) revela uma delgada zona uniforme de reação intensa. Os estudos de microscopia eletrônica esclareceram a complexidade dessa região, o que vem facilitando a compreensão de várias doenças cutâneas. A zona da membrana basal é constituída por 4 áreas distintas: a membrana celular da célula basal; a lâmina lúcida, sob a membrana plasmática dos queratinócitos basais, com seus hemidesmossomos; a lâmina densa, formada por colágeno tipo IV; e a lâmina fibrorreticular, que se continua com a derme subjacente.
A função da zona da membrana basal é fornecer a ancoragem e a adesão da epiderme com a derme, mantendo a permeabilidade nas trocas entre estes dois componentes e atuando como filtro para a transferência de materiais e células inflamatórias ou neoplásicas.
Várias doenças mecanobolhosas hereditárias e auto-imunes envolvem a separação e a formação de bolhas em vários níveis da junção dermoepidérmica, como epidermólise bolhosa, penfigoide bolhoso, penfigoide gestacional e lúpus eritematoso bolhoso.
DERME
A derme é a camada situada logo abaixo da epiderme, formada por denso estroma fibroelástico de tecido conectivo em meio a uma substância fundamental, que serve de suporte para extensas redes vasculares e nervosas, e anexos cutâneos que derivam da epiderme.
Os principais componentes da derme incluem o colágeno (70 a 80%) para resistência, a elastina (1 a 3%) para elasticidade e os proteoglicanos, que constituem a substância amorfa em torno das fibras colágenas e elásticas.
A derme divide-se em papilar (mais externa), reticular (mais interna) e derme perianexial. A derme papilar é mais delgada, altamente vascularizada e preenche as concavidades entre as cristas epidérmicas, dando origem às papilas ou cristas dérmicas. É formada por feixes delicados de fibras colágenas (principalmente do tipo III) e elásticas, dispostas em uma rede frouxa, circundada por abundante gel de mucopolissacarídeos. A derme reticular compõe a maior parte da espessura da derme, está abaixo do nível das cristas epidérmicas e é constituída de fibras colágenas (principalmente do tipo I) entrelaçadas, além de fibras elásticas que estão dispostas paralelamente à superfície da pele. A derme perianexial tem a mesma estrutura da derme papilar, mas localiza-se em torno dos anexos cutâneos.
O sistema elástico, que permeia as fibras colágenas das dermes papilar e reticular, é responsável pela elasticidade cutânea, ou seja, capacidade da pele de retornar à posição original quando submetida ao estiramento.
A derme contém população mista de células, incluindo fibroblastos, fibrócitos, macrófagos teciduais, melanófagos, mastócitos e leucócitos sanguíneos (como neutrófilos, eosinófilos, linfócitos, monócitos e plasmócitos).
Vascularização
O suprimento vascular da pele é limitado à derme e constitui-se de um plexo profundo em conexão com um plexo superficial. Estes plexos correm paralelos à superfície cutânea e estão ligados por vasos comunicantes dispostos perpendicularmente.
O plexo superficial situa-se na porção superficial da derme reticular, com arteríolas pequenas das quais partem alças capilares que ascendem até o topo de cada papila dérmica e retornam como capilares venosos.
O plexo profundo situa-se na base da derme reticular e é composto por arteríolas e vênulas de paredes mais espessas. Há ligação íntima entre os plexos por meio dos vasos comunicantes, e o controle do fluxo sanguíneo dérmico por esses vasos contribui para o controle da temperatura corpórea.
HIPODERME
A hipoderme ou panículo adiposo é a camada mais profunda da pele e está organizada em lóbulos de gordura divididos por septos fibrosos compostos de colágeno, por onde correm vasos sanguíneos, linfáticos e nervos. Une a derme à fáscia profunda subjacente, absorve choques e funciona como isolante térmico.
Inervação
A inervação da pele é abundante e constituída por nervos motores autonômicos e por nervos sensoriais somáticos.
O sistema autonômico é composto por fibras simpáticas e é responsável pela piloereção, constrição da vasculatura cutânea e secreção do suor. As fibras que inervam as glândulas écrinas são simpáticas, mas têm como neurotransmissor a acetilcolina.
O sistema somático é responsável pelas sensações de dor, prurido, tato suave, tato discriminativo, pressão, vibração, propriocepção e térmica. Os nervos sensitivos têm receptores especializados divididos funcionalmente em mecanorreceptores, termorreceptores e nociceptores. Morfologicamente, estes receptores podem constituir estruturas especializadas, como:
· corpúsculos de Vater-Pacini, nas regiões palmoplantares, específicos para pressão e vibração;
· corpúsculos de Meissner, nas polpas dos dedos, específicos para o tato;
· corpúsculos de Krause, nas áreas de transição entre pele e mucosas, sensíveis ao frio;
· corpúsculos de Ruffini, sensíveis ao calor.
Podem também ser desprovidos de características estruturais específicas, que são as terminações nervosas livres responsáveis pela sensibilidade da dor, prurido e parte da térmica.
ANEXOS CUTÂNEOS
Unidade Pilossebácea
As unidades pilossebáceas são encontradas sobre toda a superfície da pele, exceto nas regiões palmoplantares, nos lábios e na glande. Compõem-se de uma haste pilosa circundada por bainha epitelial contínua com a epiderme, uma glândula sebácea, musculatura lisa piloeretora e, em certas regiões corpóreas, ducto excretor de uma glândula apócrina que desemboca acima da glândula sebácea.
A haste pilosa é a parte do pelo que se projeta para fora da pele, e sua raiz é a região que fica dentro da pele. A haste é composta por cutícula externa, córtex intermediário e medula. A bainha epitelial da raiz divide-se em bainhas radiculares externa e interna. A externa dá continuidade às células da camada espinhosa da epiderme superficial, e a interna é formada por três camadas celulares distintas: camada de Henle, camada de Huxley e cutícula, formada por escamas que se entrelaçam com as escamas da cutícula do pelo.
Na porção mais inferior do folículo piloso, há uma expansão chamada de bulbo piloso, que contém a matriz do pelo. Nela ocorre a atividade mitótica do pelo e encontram-se os melanócitos, sendo, portanto, responsável pelo crescimento e pigmentação do pelo.
Há dois tipos de pelo: o lanugo ou pelo fetal, que são curtos, delicados e claros, idênticos aos pelos velus do adulto; e o terminal, mais grosso, escuro e grande, encontrado nas axilas, cabelos, barba e região púbica.
Os pelos não crescem continuamente, e sim de maneira cíclica, podendo-se identificar 3 fases distintas:
· anágena: fase de crescimento ativo, com duração de 2 a 3 anos; corresponde a 85% dos cabelos;
· catágena: fase de involução, com duração de 3 semanas; corresponde a 1% dos cabelos;
· telógena: fase de queda, com duração de 3 a 4 meses; corresponde a 14% dos cabelos.
As glândulas sebáceas são glândulas holócrinas cuja função é produzir o sebo, que é uma combinação de ésteres de cera, esqualeno, ésteres de colesterol e triglicérides. É secretado através do ducto sebáceo na luz do folículo piloso e recobre a superfície cutânea, atuando como lubrificante natural do pelo, além de evitar a perda de água pela camada córnea, proteger contra excesso de água na superfície e ter ação bactericida e antifúngica. Ocorrem por toda a pele, exceto na região palmoplantar, e seu controle é hormonal, especialmente andrógeno.
Glândulas Sudoríparas Écrinas
As glândulas sudoríparas écrinas derivam da epiderme e não pertencem à unidade pilossebácea. Cada glândula é um túbulo simples com um segmento secretor enovelado situado na derme e um ducto reto que se estende até a superfície da pele. São inervadas por fibras simpáticas, mas têm a acetilcolina como mediador.
Estão localizadas em toda a superfície cutânea, exceto nas áreas de pele modificada, como os lábios, os leitos ungueais e a glande. Participam da termorregulação, produzindo suor hipotônico que evapora durante o calor ou estresse emocional.
Glândulas Sudoríparas Apócrinas
As glândulas sudoríparas apócrinas derivam da epiderme e fazem parte da unidade pilossebácea, desembocando, em geral, nos folículos pilosos. Localizam-se nas axilas, escroto, prepúcio, pequenos lábios, mamilos e região perineal, além de, modificadamente, nas pálpebras (glândulas de Moll), mamas (glândulas mamárias) e conduto auditivo externo (glândulas ceruminosas). Produzem secreção viscosa e leitosa constituída de proteínas, açúcares, amônio e ácidos graxos; é inodora quando atinge a superfície, mas as bactérias a decompõem, causando odor desagradável. São inervadas por fibras nervosas simpáticas e estão sob controle dos hormônios sexuais. Sua função provavelmente representa vestígios de espécies inferiores, cuja comunicação sexual se dá por meio de substâncias químicas.
Unhas
São placas córneas localizadas no dorso das falanges distais dos quirodáctilos e pododáctilos. São compostas por 4 partes: a raiz, parte proximal recoberta por uma prega de pele chamada de prega ungueal proximal; a lâmina, que está aderida sobre o leito ungueal; as dobras laterais, que cobrem as bordas laterais da lâmina ungueal; e a borda livre.
No leito ungueal, a epiderme apresenta somente a camada basal, que se torna opaca na sua parte proximal, formando a lúnula. Aí encontra-se a matriz, que tem intensa atividade proliferativa e é responsável pelo crescimento da unha.
FISIOLOGIA DA PELE
As várias estruturas da pele exercem funções primordiais para a sobrevivência do organismo. São elas:
· O estrato córneo atua como barreira para a perda de água das camadas epidérmicas internas e para lesão proveniente do ambiente externo, como a entrada de agentes tóxicos e micro-organismos.
· Os melanócitos exercem proteção contra os efeitos indesejáveis da radiação solar ultravioleta por meio da melanina, que a absorve amplamente.
· Os nervos dérmicos têm a importante função de percepção do meio.
· As fibras colágenas e elásticas da derme e sua substância fundamental conferem à pele propriedades viscoelásticas e de resistência que a protegem contra as forças de cisalhamento.
· A termorregulação se dá pela extensa rede vascular cutânea, através do controle do fluxo sanguíneo, e pelas glândulas sudoríparas écrinas, cuja secreção proporciona o resfriamento por evaporação a partir da superfície da pele.
· O papel da pele na proteção imunológica do organismo se deve principalmente à célula de Langerhans, que participa de várias reações imunológicas, inclusive na interação macrófago-célula T e nas interações entre linfócitos T e B.
· A pele desempenha uma função endócrina, pois a ação da radiação ultravioleta sobre o 7-deidrocolesterol nos ceratinócitos forma a vitamina D3, que estimula a absorção de cálcio e fosfato no intestino.
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