domingo, 17 de janeiro de 2010

Fundamentos do Equilíbrio Ácido-Base


Fundamentos do Equilíbrio Ácido-Base
PARTE 1
INTRODUÇÃO AO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

OBJETIVOS: Descrever a importância da concentração do íon hidrogênio nos líquidos do organismo. Analisar os principais mecanismos de regulação da concentração do íon hidrogênio para a preservação das funções celulares.

CONCEITOS GERAIS

A regulação dos líquidos do organismo compreende a manutenção de concentrações adequadas de água e eletrólitos e a preservação da concentração de íons hidrogênio dentro de uma faixa estreita, adequada ao melhor funcionamento celular. A manutenção da quantidade ideal de íons hidrogênio nos líquidos intracelular e extracelular depende de um delicado equilíbrio químico entre os ácidos e as bases existentes no organismo, denominado equilíbrio ácido-base. Quando a concentração dos íons hidrogênio se eleva ou se reduz, alteram-se a permeabilidade das membranas e as funções enzimáticas celulares; em consequência, deterioram-se as funções de diversos órgãos e sistemas. Os pacientes com disfunção de órgãos frequentemente apresentam alterações no equilíbrio ácido-base. Nos pacientes graves, especialmente os que necessitam de terapia intensiva, aquelas alterações são mais manifestas e, não raro, assumem a primazia do quadro clínico. O diagnóstico e o tratamento dos desvios do equilíbrio ácido-base, geralmente, resultam em reversão do quadro geral do paciente e garantem a sua sobrevida. A frequente determinação dos parâmetros que avaliam o equilíbrio ácido-base do organismo é parte importante da monitorização do paciente grave, em qualquer protocolo de terapia intensiva. Um grande número de doenças ou condições podem ser melhoradas ou curadas, se o paciente puder ser mantido vivo por um tempo mais prolongado. Determinados procedimentos terapêuticos ou de suporte vital, como a ventilação mecânica e o uso intensivo de diuréticos, podem produzir alterações do equilíbrio ácido-base, o que reforça a necessidade da sua monitorização criteriosa e da detecção precoce das suas alterações.

METABOLISMO

A função normal das células do organismo depende de uma série de processos bioquímicos e enzimáticos do metabolismo celular. Diversos fatores devem ser mantidos dentro de estreitos limites, para preservar a função celular, como a osmolaridade, os eletrólitos, os nutrientes, a temperatura, o oxigênio, o dióxido de carbono e o íon hidrogênio. Um dos fatores mais importantes para o metabolismo celular é a quantidade de hidrogênio livre existente dentro e fora das células. As variações da concentração do hidrogênio podem produzir grandes alterações na velocidade das reações químicas celulares. O metabolismo é o conjunto das transformações de matéria e energia que ocorrem nos sistemas biológicos. Como resultado do metabolismo, as células preservam a capacidade de reproduzir, crescer, contrair, secretar e absorver. As transformações da matéria são produto das reações químicas que ocorrem no organismo e se acompanham da produção ou consumo de energia. Existem quatro grandes formas de energia nos organismos vivos: as energias química, mecânica, elétrica e térmica. A energia química pode ser transformada em energia mecânica, elétrica e térmica; entretanto, essas transformações são irreversíveis. Isto significa que as energias mecânica, elétrica ou térmica não podem ser transformadas em energia química. Portanto, a energia química resultante do metabolismo é a única fonte da energia utilizada pelo organismo, para a manutenção da vida e para as suas diversas atividades.

EFEITOS DO ÍON HIDROGÊNIO NO ORGANISMO

A unidade de medida da concentração dos íons hidrogênio nos líquidos do organismo é denominada pH. A redução do pH é denominada acidose, enquanto o seu aumento é chamado de alcalose. Ambos, acidose e alcalose, são consequências de alterações da concentração do íon hidrogênio no organismo. A ocorrência de acidose ou de alcalose reduz a eficiência de uma série de reações químicas celulares, das quais depende a função dos órgãos e sistemas. O metabolismo intracelular exige uma faixa estreita da concentração de íon hidrogênio (pH), para que os processos enzimáticos e bioquímicos possam ocorrer eficiente e apropriadamente. Os ácidos e as bases afetam o comportamento químico da água; alterações na concentração de ácidos ou bases, em consequência, interferem nas reações químicas que ocorrem nas soluções do organismo, nas quais a água é o solvente universal. Os íons hidrogênio são partículas extremamente móveis; as alterações da sua concentração afetam a distribuição celular de outros íons, como sódio, potássio e cloretos e modificam a atividade das proteinas, em especial das enzimas. Diversas atividades fisiológicas são afetadas pela concentração dos íons hidrogênio. Variações do pH podem produzir alterações significativas no funcionamento do organismo, tais como:

Desvios importantes do pH, especialmente se ocorrem em curtos intervalos, são mal tolerados e podem ameaçar a vida. Os pacientes que permanecem em acidose severa e prolongada, geralmente morrem em estado de coma; os pacientes que permanecem em alcalose severa e prolongada, geralmente morrem por convulsões ou lesões neurológicas irreversíveis. A concentração do hidrogênio livre no organismo depende da ação de substâncias que disputam o hidrogênio entre sí. Essas substâncias são as que cedem hidrogênio e as que captam o hidrogênio. As substâncias que podem ceder hidrogênio em uma solução, são chamadas de ácidos, enquanto as substâncias que podem captar o hidrogênio nas soluções, são as bases. A concentração final do hidrogênio livre nos líquidos orgânicos, resulta do equilíbrio entre aqueles dois grupos de substâncias, ácidos e bases. Na presença de oxigênio (metabolismo aeróbico), o principal produto final do metabolismo celular é o ácido carbônico, prontamente eliminado nos pulmões, durante os processos de ventilação pulmonar. Na ausência ou na insuficiência de oxigênio (metabolismo anaeróbico) os principais produtos finais do metabolismo são ácidos não voláteis, principalmente o ácido lático, cuja eliminação é mais lenta e requer metabolização adicional no fígado para excreção pelos rins.

ÁCIDOS DO ORGANISMO

O metabolismo celular produz ácidos, que são liberados continuamente na corrente sanguínea e que precisam ser neutralizados, para impedir as variações do pH. O principal ácido do organismo é o ácido carbônico, um ácido instável, que tem a propriedade de se transformar facilmente em dióxido de carbono e água. O dióxido de carbono é transportado pelo sangue e eliminado pelos pulmões, enquanto o excesso da água é eliminada pela urina. Os demais ácidos do organismo são fixos, ou seja, permanecem em estado líquido e são, principalmente, os ácidos alimentares, o ácido lático e os ceto-ácidos; o metabolismo das proteinas também produz alguns ácidos inorgânicos. O ácido lático, em condições normais, é produzido, em pequena quantidade pelas hemácias, pelo cérebro e pela contração dos músculos estriados. Quando a oxigenação dos tecidos é inadequada (hipóxia), o metabolismo passa a produzir energia utilizando vias químicas que não dependem do oxigênio e, ao invés de produzir o ácido carbônico, os tecidos passam a produzir ácido lático, como produto metabólico final. O lactato em excesso, dentro de certos limites, é metabolizado no fígado. Quando a ingestão de alimentos é insuficiente para a oferta de glicose, o organismo lança mão de outras vias de metabolização, as chamadas vias alternativas, nas quais o produto final são ceto-ácidos. Se a glicose não pode ser utilizada devido à falta de insulina, como acontece com os diabéticos, o mesmo fenômeno ocorre; a ceto-acidose resultante é chamada de ceto-acidose diabética.

BASES DO ORGANISMO

A principal base do organismo é o bicarbonato, produzido à partir do metabolismo celular pela combinação do dióxido de carbono com a água. As demais bases são os fosfatos, numerosas proteinas e a hemoglobina. As bases do organismo não atuam livremente mas em associação com ácidos da mesma natureza química, com os quais formam "pares" ou "duplas" de substâncias denominadas "tampão", cuja finalidade é impedir variações bruscas do pH.

REGULAÇÃO DOS ÁCIDOS E BASES DO ORGANISMO

A manutenção do pH dos líquidos orgânicos dos tecidos, dentro da faixa compatível com o funcionamento celular ótimo, exige a regulação da quantidade de ácidos e das bases livres nos compartimentos intra e extracelular. Essa regulação depende da participação de um conjunto de pares de substâncias chamadas sistemas tampão, que existem nos líquidos intracelular e extracelular, principalmente no sangue. Depende também dos pulmões, que eliminam o ácido carbônico produzido pelo metabolismo celular e dos rins que promovem a eliminação de íons hidrogênio e bicarbonato.

Figura 1. Representa esquematicamente a atuação dos principais mecanismos reguladores do equilíbrio ácido-base, na defesa do organismo contra as variações do pH.
O sangue, por intermédio dos sistema tampão, promove a regulação rápida da concentração de íons hidrogênio dos tecidos.
O esquema ilustra ainda a interação com os pulmões e os rins, para a eliminação ou a retenção de substâncias reguladoras da concentração do íon hidrogênio. A frequência respiratória é regulada pelo centro respiratório, em resposta ao estímulo da concentração dos íons hidrogênio no sangue.

O mecanismo de neutralização química no líquido extracelular é imediato; a neutralização através da eliminação respiratória é rápida, sendo eficaz em 1 a 15 minutos, enquanto o mecanismo de regulação renal, apesar de bastante eficiente, é mais lento, tardando horas ou dias, para ser completamente eficaz. A disfunção de qualquer desses sistemas de regulação, pode produzir ou agravar as alterações do equilíbrio ácido-base do organismo. O mecanismo respiratório funciona com a intermediação do centro respiratório do cérebro. Quando a concentração dos íons hidrogênio no sangue se eleva, o centro respiratório é estimulado e emite impulsos que aumentam a frequência e a profundidade das respirações (hiperpnéia), para aumentar a eliminação do CO2 pelos pulmões e, em consequência, diminuir a quantidade de ácido carbônico no sangue. Quando a concentração do CO2 está baixa, o centro respiratório reduz a frequência respiratória, para favorecer a normalização do CO2. O mecanismo renal consiste, principalmente, em eliminar íons hidrogênio em troca por outros cátions, para manter estável o número de bases do organismo ou, quando necessário, eliminar os íons bicarbonato, que tornam a urina alcalina, retendo os cloretos e outros radicais alcalinos.

RESUMO DA PARTE 1

A regulação dos líquidos do organismo inclui a regulação da concentração do íon hidrogênio, para assegurar o ambiente ótimo para as funções celulares. A energia para todos os processos celulares e orgânicos, provém da energia química produzida pelo metabolismo celular. A concentração dos íons hidrogênio nos líquidos do organismo é medida pela unidade denominada pH. A redução do pH é denominada acidose e o seu aumento constitui a alcalose. Ambos, acidose e alcalose, podem diminuir acentuadamente a eficiência das reações químicas celulares; o metabolismo celular exige um estreito limite para a concentração do íon hidrogênio. O metabolismo celular produz ácidos que devem ser neutralizados, a fim de preservar o pH ou, em outras palavras, manter estável a concentração do íon hidrogênio. A principal base do organismo é o íon bicarbonato, produzido à partir da combinação do dióxido de carbono com a água. O bicarbonato e as demais bases do organismo atuam em associação com ácidos da mesma natureza química, formando pares de substâncias chamadas sistema tampão. A regulação do equilíbrio entre os ácidos e as bases do organismo depende de um mecanismo imediato, representado pelos sistema tampão e de um mecanismo respiratório rápido, que elimina ou retém o dióxido de carbono e, portanto, reduz ou aumenta o ácido carbônico. Depende também do mecanismo renal, mais lento, que elimina íon hidrogênio e retém ou elimina o íon bicarbonato, moderando a quantidade de bases disponíveis no organismo.