segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Infecções por Bactérias Anaeróbias


As bactérias anaeróbias diferem de outras bactérias de várias maneiras. Elas desenvolvem-se adequadamente em áreas do organismo com concentrações baixas de oxigênio (p.ex., intestino) e nos tecidos que sofrem um processo de degeneração, particularmente as feridas profundas e contaminadas, onde outras bactérias não conseguem sobreviver e onde as defesas do organismo não chegam facilmente.

As bactérias anaeróbias não necessitam de oxigênio, na realidade, algumas não sobrevivem em sua presença. Elas tendem a causar infecções que formam coleções purulentas (abcessos). Centenas de espécies de bactérias anaeróbias vivem normalmente e sem causar danos na pele e nas membranas mucosas (p.ex., revestimento da boca, do intestino e da vagina). Em um centímetro cúbico de fezes, podem existir várias centenas de bilhões de bactérias. Quando o ambiente normal de determinadas espécies de bactérias anaeróbias é desequilibrado por uma cirurgia, por um suprimento sangüíneo inadequado ou por uma lesão tecidual, elas podem invadir os tecidos do hospedeiro, causando infecções graves ou mesmo letais.

As bactérias anaeróbias que causam doenças incluem os clostrídios, os quais vivem na poeira, no solo, na vegetação e no trato intestinal de seres humanos e animais, os peptococos e os peptostreptococos, os quais fazem parte da flora bacteriana normal da boca, do trato respiratório superior e do intestino grosso. Outras bactérias anaeróbias incluem o Bacteroides fragilis, o qual faz parte da flora normal do intestino grosso, a Prevotella melaninogenica e o Fusobacterium spp., os quais fazem parte da flora normal da boca.

Sintomas e Diagnóstico

Os sintomas das infecções anaeróbias dependem da localização da infecção. As infecções incluem os abcessos dentais, as infecções mandibulares, a doença periodontal, a sinusite crônica e a infecção do ouvido médio, os abcessos do cérebro, da medula espinhal, dos pulmões, da cavidade abdominal, do fígado, do útero, dos órgãos genitais, da pele e dos vasos sangüíneos. Para estabelecer o diagnóstico de uma infecção anaeróbia, o médico geralmente coleta uma amostra de pus ou de um líquido corpóreo e a envia ao laboratório para cultura. A amostra deve ser manipulada cuidadosamente, pois a exposição ao ar pode matar as bactérias anaeróbias, tornando conseqüentemente inútil a cultura do material.

Prevenção e Tratamento

Uma infecção bacteriana anaeróbia grave normalmente pode ser evitada através do tratamento de uma infecção limitada a uma área específica antes que ela se dissemine. A limpeza cuidadosa e completa de feridas, a remoção de corpos estranhos e o início precoce da antibioticoterapia são medidas preventivas úteis. Antes, durante e após uma cirurgia abdominal, são administrados antibióticos intravenosos para evitar a ocorrência de infecções.

As infecções de feridas profundas tendem a ser causadas por bactérias anaeróbias. Tais infecções são tratadas principalmente através da drenagem do abcesso e da remoção cirúrgica (debridamento) do tecido morto. Como o crescimento de bactérias anaeróbias em laboratório é difícil, o médico comumente inicia a antibioticoterapia antes que os resultados da cultura estejam disponíveis.

Freqüentemente, as infecções de feridas profundas contêm mais de um tipo de bactéria e, por essa razão, pode ser realizada a administração concomitante de vários antibióticos intravenosos. A penicilina é utilizada para tratar as infecções causadas por uma mistura de bactérias da boca ou da garganta. Como as infecções originárias do intestino geralmente incluem o Bacteroides fragilis, o qual é resistente à penicilina, outros antibióticos são utilizados.

Doenças Causadas por Clostrídios


Doença
Bactéria
Tétano
Clostridium tetani
Botulismo e botulismo
infantil
Clostridium botulinum,
clostridium baratii
Intoxicação alimentar
Clostridium perfringens
Colite associada a
antibiótico
Clostridium difficile
Enterite necrosante
Clostridium perfringens
Infecções uterinas e
infecções de feridas
Clostridium perfringens
e outros

Infecções Causadas por Clostrídios

Muitas infecções anaeróbias são causadas por clostrídios, os quais produzem várias toxinas que lesam tecidos ou o sistema nervoso. As infecções causadas por clostrídios mais comuns são intoxicações alimentares relativamente leves e de curta duração. Além disso, os clostrídios podem causar inflamação que, algumas vezes, destrói as paredes do intestino grosso e do intestino delgado, uma condição denominada enterite necrosante.

Embora esta infecção possa ocorrer como um caso isolado, ela também pode ocorrer em epidemias causadas pelo consumo de carne contaminada. Os clostrídios também infectam feridas. As infecções letais causadas por clostrídios, incluindo a gangrena da pele e o tétano, são relativamente raras, mas podem ocorrer quando um indivíduo sofre uma lesão ou é usuário de droga injetável. O botulismo ocorre devido ao consumo de alimentos contaminados pela toxina produzida por alguns clostrídios.

Freqüentemente, a doença grave é decorrente de infecções causadas por clostrídios, as quais podem ser complicadas pela destruição de tecidos profundos. O risco de morte é alto, especialmente em indivíduos com câncer e idosos.

Tétano

O tétano (trismo) é uma doença causada por uma toxina produzida pela bactéria Clostridium tetani. O espasmo dos músculos mandibulares é responsável pelo bloqueio mandibular. Embora esteja tornando-se raro nos Estados Unidos, o tétano ocorre em muitas partes do mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Os esporos do Clostridium tetani podem viver durante anos no solo e nas fezes de animais.

Uma vez que as bactérias do tétano penetram no organismo de um indivíduo, pode ocorrer uma infecção em feridas contaminadas, sejam elas superficiais ou profundas. Nos Estados Unidos, os indivíduos com queimaduras ou feridas cirúrgicas e usuários de drogas injetáveis apresentam um risco especial de apresentar tétano. Após o parto, pode ocorrer uma infecção no útero da mãe e no coto umbilical do recém-nascido (tétano neonatal). As bactérias do tétano produzem uma toxina à medida que crescem. É a toxina, não as bactérias em si, que causa os sintomas da infecção.

Sintomas

Normalmente, os sintomas manifestam-se de 5 a 10 dias após a infecção pela bactéria, mas eles podem ocorrer até 2 dias após, assim como até 50 dias após. O sintoma mais comum é a rigidez mandibular. Outros sintomas incluem a agitação, a dificuldade de deglutição, a irritabilidade, a cefaléia, a febre, a dor de garganta, calafrios, espasmos musculares e rigidez do pescoço, dos membros superiores e inferiores. À medida que a doença evolui, o indivíduo pode apresentar dificuldade para abrir a mandíbula (trismo). O espasmo dos músculos faciais produz uma expressão facial de um sorriso fixo e sobrancelhas elevadas.

A rigidez ou o espasmo dos músculos abdominais, do pescoço e das costas pode causar uma postura característica, com a cabeça e os calcanhares deslocados para trás e o corpo arqueado para a frente. Os espasmos dos esfíncteres musculares da região abdominal inferior podem acarretar a constipação e a retenção urinária. Pequenas perturbações (p.ex., um ruído, uma corrente de ar ou uma sacudida da cama) podem desencadear espasmos musculares dolorosos e sudorese abundante.

Durante os espasmos generalizados, o indivíduo não consegue gritar ou falar devido à rigidez da musculatura torácica ou do espasmo da garganta. Esse distúrbio também impede a respiração normal, acarretando privação de oxigênio ou asfixia fatal. Comumente, o indivíduo não apresenta febre. Geralmente, a freqüência cardíaca e a respiratória aumentam e os reflexos podem tornar-se exagerados. O tétano também pode ser limitado a um grupo de músculos localizados próximos à ferida. Os espasmos próximos à ferida podem persistir por semanas.

Diagnóstico e Prognóstico

O médico suspeita de tétano quando um indivíduo apresenta rigidez ou espasmo muscular após sofrer um ferimento. Embora o Clostridium tetani possa algumas vezes ser cultivado a partir de um swab da ferida, os resultados negativos não excluem o diagnóstico de tétano. A taxa de mortalidade global do tétano é de 50%. É mais provável a morte de indivíduos muito jovens, muito idososo ou usuários de drogas injetáveis. O prognóstico é grave quando os sintomas pioram rapidamente ou quando o tratamento é retardado.

Prevenção e Tratamento

A prevenção do tétano através da vacinação é muito melhor que o tratamento da infecção já estabelecida. Nas crianças jovens, a vavina antitetânica é administrada como parte de uma série que inclui as vacinas contra a difteria e a coqueluche. Os adultos devem receber reforços contra o tétano a cada 5 a 10 anos. Um indivíduo que sofre um ferimento e recebeu um reforço contra o tétano nos últimos 5 anos não necessita de vacinação adicional.

No entanto, um indivíduo que não recebeu reforço nos últimos 5 anos deve recebê-lo o mais breve possível após uma lesão. Para um indivíduo que nunca foi vacinado ou que não recebeu a série completa de vacinações, deve ser administrada uma injeção de imunoglobulina antitetânica e a primeira das três vacinas mensais. O cuidado da ferida inclui a limpeza imediata e meticulosa, especialmente quando se tratar de ferimentos puntiformes profundos, pois a sujeira e o tecido morto facilita o crescimento do Clostridium tetani. Antibióticos (p.ex., penicilina ou tetraciclinas) também podem ser administrados, mas não são substituem a remoção cirúrgica do tecido lesado.

A imunoglobulina antitetânica é administrada para neutralizar a toxina. Os antibióticos (p.ex., penicilina e tetraciclinas) são administrados para impedir a produção de maiores quantidades da toxina. Outros medicamentos são prescritos para sedar, controlar as convulsões e relaxar os músculos. Geralmente, o paciente é hospitalizado e mantido em um quarto silencioso. Para os indivíduos com infecções moderadas ou graves, pode ser necessária a instalação de um ventilador mecânico para auxiliar a respiração.

A nutrição é realizada através da via intravenosa ou de uma sonda nasogástrica. Freqüentemente, é necessária a passagem de uma sonda vesical e de uma sonda retal para remover os dejetos do organismo. O paciente é freqüentemente mudado de posição e forçado a tossir para evitar a pneumonia. A codeína é administrada para reduzir a dor. Outras drogas podem ser prescritas para controlar a pressão arterial e a freqüência cardíaca. Como o tétano não torna o organismo imune a infecções subseqüentes, deve ser realizada uma série completa de vacinações após a recuperação.

Actinomicose

A actinomicose é uma infecção crônica causada principalmente pelo Actinomyces israelii, uma bactéria que pode estar presente nas gengivas, nos dentes e nas amígdalas. Esta infecção causa a formação de abcessos em vários locais. Ela ocorre em quatro formas e afeta mais freqüentemente os homens adultos. Ocasionalmente, a actinomicose ocorre em mulheres que utilizam um dispositivo intra-uterino (DIU) como método de contracepção. A forma abdominal é causada pela deglutição de secreções bucais contaminadas pela bactéria.

A infecção afeta os intestinos e o peritôneo (revestimento da cavidade abdominal). Os sintomas comuns são a dor, a febre, o vômito, a diarréia ou a constipação e uma perda de peso acentuada. Ocorre a formação de uma massa abdominal e pode ocorrer drenagem cutânea de pus através de canais que conectam a massa à parede abdominal. A forma cervicofacial (denominada “mandíbula em grumos”) geralmente começa com um pequeno inchaço, chato e duro na boca, sobre a pele do pescoço ou abaixo da mandíbula. Algumas vezes, o inchaço pode causar dor.

A seguir, ocorre a formação de áreas moles que drenam um líquido que contém pequenos grânulos amarelos e arredondados semelhantes ao enxôfre. A infecção pode estender-se para a bochecha, a língua, a garganta, as glândulas salivares, os ossos do crânio ou para o cérebro e as meninges . A forma torácica causa dor torácica, febre e tosse produtora de escarro. Contudo, esses sintomas podem surgir apenas quando os pulmões já se encontram gravemente infectados.

Trajetos fistulosos são formados e podem chegar a perfurar a parede torácica, o que permite a drenagem de pus através da pele. Na forma generalizada, a infecção transportada pelo sangue atinge a pele, as vértebras, o cérebro, o fígado, os rins, os ureteres e, nas mulheres, o útero e os ovários.

Diagnóstico

Os sintomas, os achados radiográficos e o isolamento da bactéria Actinomyces irsraelii ajudam o médico a estabelecer o diagnóstico. Em algumas infecções intestinais, a amostra não pode ser obtida e a cirurgia é necessária para o estabelecimento do diagnóstico.

Prognóstico e Tratamento

A mandíbula em grumos é a forma de actinomicose mais fácil de ser tratada. O prognóstico é pior para as formas torácica, abdominal e generalizada. O pior prognóstico é para os casos em que ocorre comprometimento cerebral e da medula espinhal. Mais de 50% dos indivíduos com essas infecções apresentam lesão neurológica e mais de 25% deles morrem.

A maioria dos indivíduos melhoram lentamente com o tratamento, mas, freqüentemente, são necessários meses de antibioticoterapia e repetidos procedimentos cirúrgicos. A drenagem cirúrgica de grandes abcessos e a antibioticoterapia com penicilina ou tetraciclina podem ser mantidas por várias semanas após o desaparecimento dos sintomas.

Infecções por Espiroquetas


As espiroquetas são bactérias em forma de saca-rolhas que tendem a se mover com um movimento ondulante semelhante ao de uma hélice. As principais cepas (espécies) das espiroquetas incluem oTreponema, a Borrelia, a Leptospira e o Spirillum.

Treponematoses

As treponematoses são infecções não venéreas causadas por uma espiroqueta que é indistinguível do Treponema pallidum, a qual é a bactéria que causa a sífilis. As treponematoses incluem infecções persistentes que são observadas em determinadas áreas geográfias como, por exemplo, a sífilis endêmica, a framboesia e a pinta. A sífilis endêmica ocorre principalmente nos países áridos da região oriental do Mediterrâneo e na África Ocidental. A framboesia ocorre nos países equatoriais úmidos. A pinta é comum entre os índios do México, da América Central e da América do Sul.

Sintomas

A sífilis endêmica (bejel) começa na infância com uma placa mucosa na face interna da bochecha, seguida por bolhas no tronco, nos membros superiores e inferiores. Comumente, Os ossos dos membros inferiores são envolvidos. Nos estágios mais avançados da doença, proeminências gomosas e moles surgem no nariz e na boca (palato mole). A framboesia (bouba) começa várias semanas depois da exposição a bactérias Treponema como uma lesão discretamente elevada no local da infecção, geralmente em uma perna.

A lesão cicatriza, mas, a seguir, ocorre a erupção de nódulos compostos por tecidos moles semelhantes a tumores (granulomas) na face, nos membros superiores e inferiores e nas nádegas. Esses granulomas cicatrizam lentamente e podem recorrer. Na planta dos pés, podem surgir lesões abertas e dolorosas. Posteriormente, pode ocorrer destruição de determinadas áreas das tíbias e podem surgir outras formações desfigurantes, sobretudo em torno do nariz (gangosa). A pinta começa com áreas planas e avermelhadas nas mãos, nos pés, nas pernas, nos braços, na face e no pescoço. Após alguns meses, aparecem áreas azul-cinzentas nas mesmas áreas, em ambos os lados do corpo e sobre proeminências ósseas (p.ex., cotovelo). Posteriormente, as manchas perdem sua pigmentação. A pele da palma das mãos e da planta dos pés pode espessar.

Diagnóstico e Tratamento

O médico estabelece o diagnóstico baseandose nos sintomas típicos apresentados por um indivíduo que habita uma região onde tais doenças são comuns. Os indivíduos com treponematose apresentam exames positivos para doença venérea. Contudo, os exames não conseguem diferenciar infecções não venéreas da sífilis. As lesões são destrutivas e deixam cicatrizes. No entanto, uma única injeção de penicilina mata as bactérias e, dessa maneira, a pele consegue cicatrizar. Foram instituídas medidas de saúde pública para localizar e tratar indivíduos infectados e aqueles com os quais eles tiveram contato.

Febre recorrente

A febre recorrente (febre do carrapato, febre recorrente ou febre da fome) é uma doença causada por várias cepas da bactéria Borrelia. Dependendo da região geográfica, a febre recorrente é transmitida por piolhos do corpo ou por carrapatos. A febre recorrente transmitida por piolhos ocorre apenas em determinadas áreas da África e da América do Sul, enquanto a febre recorrente transmitida por carrapatos ocorre nas Américas do Norte e do Sul, na África, na Ásia e na Europa.

Nos Estados Unidos, a doença geralmente está limitada aos estados do oeste, ocorrendo mais comumente entre os meses de maio e setembro. Os piolhos do corpo são infectados por essas bactérias espiroquetas quando se alimentam de um indivíduo infectado: a infecção pode ser transmitida para outro indivíduo quando os pilhos mudam de hospedeiro. Quando o piolho é esmagado, as bactérias são liberadas e penetram na pele que foi arranhada ou picada. Os carrapatos são infectados ao alimentarem-se em roedores, os quais abrigam as bactérias de forma natural. A infecção é transmitida aos seres humanos através da picada de um carrapato.

Sintomas e Diagnóstico

Os indivíduos expostos às bactéria podem permanecer assintomáticos durante 3 a 11 dias (geralmente 6 dias). Os sintomas iniciais incluem calafrios súbitos seguidos por uma febre elevada, aumento da freqüência cardíaca, cefaléia intensa, vômito, dores musculares e articulares e, freqüentemente, delírio. Nos estágios iniciais, uma erupção avermelhada pode surgir sobre o tronco, os membros superiores e inferiores. Pode ser observada a ruptura de vasos sangüíneos na membrana que recobre o globo ocular, na pele e nas membranas mucosas. À medida que a doença evolui, o indivíduo pode apresentar febre, icterícia, aumento do fígado e do baço, inflamação do coração e insuficiência cardíaca, especialmente na infecção transmitida por piolhos.

A febre permanece alta por 3 a 5 dias e, em seguida, ela e outros sintomas desaparecem abruptamente. Após 7 a 10 dias, a febre e os sintomas reaparecem de modo súbito, sendo freqüentemente acompanhados por dores articulares. A icterícia é mais comum durante uma recidiva. Geralmente, a febre recorrente transmitida por piolhos está associada a uma única recidiva, enquanto que, na transmitida por carrapatos, são comuns várias recidivas (de 2 a 10, em intervalos de 1 a 2 semanas).

Os episódios tornam-se gradualmente menos graves e, finalmente, o indivíduo recupera-se à medida que ele desenvolve uma imunidade. A febre recorrente pode ser confundida com muitas doenças, inclusive com a malária e a doença de Lyme. O padrão da febre recorrente é a chave para se diagnosticar a doença. O diagnóstico é confirmado quando são observadas espiroquetas em uma amostra de sangue coletada durante um episódio de febre. Como os ácaros alimentam-se rapidamente e não causam dor durante a noite, o indivíduo pode não se lembrar de haver sido picado.

Prognóstico, Prevenção e Tratamento

Menos de 5% dos indivíduos com febre recorrente morrem. Contudo, os indivíduos muito jovens, muito idosos, desnutridos ou debilitados apresentam um risco maior. As complicações da doença incluem a inflamação dos olhos, a exacerbação da asma e a erupção cutânea generalizada e avermelhada (eritema multiforme). O cérebro, a medula espinhal e a íris do olho também podem inflamar.

As mulheres grávidas podem abortar. A pulverização das roupas de baixo e da parte interna das roupas, em geral com malation ou lindane em pó, quando disponíveis, protege contra a febre recorrente causada por piolhos do corpo. É mais difícil prevenir as picadas de carrapatos, pois a maioria dos inseticidas e repelentes são ineficazes contra os mesmos. No entanto, os produtos que contêm dietiltoluamida (para a pele) e permetrim (para as roupas) podem ajudar a proteger contra picadas de carrapatos. A antibioticoterapia com tetraciclina, eritromicina ou doxiciclina cura a infecção.

Embora normalmente seja administrada pela via oral, a droga pode ser administrada pela via intravenosa quando o vômito intenso tornar impraticável a sua ingestão. O ideal é iniciar o tratamento precocemente, no estágio febril ou durante um período assintomático. O início do tratamento próximo do final de um episódio febril pode induzir a reação de Jarisch- Herxheimer, a qual produz febre alta e um aumento da pressão arterial seguido pela queda da mesma (algumas vezes a níveis perigosamente baixos). Esta reação é típica nos indivíduos cuja doença foi causada por piolhos e, algumas vezes, é fatal. A desidratação é tratada com a reposição líquida intravenosa. A cefaléia intensa é tratada com analgésicos (p.ex., codeína). Contra a náusea, pode ser administrado o dimenidrinato ou a proclorperazina.

Doença de Lyme

A doença de Lyme é causada pelo espiroqueta Borrelia burgdorferi, que é ususalmente transmitida por minúsculos carrapatos do cervo. A doença foi identificada e nomeada em 1975 quando um determinado número de casos foi registrado na pequena comunidade de Lyme, Connecticut (EUA). Desde então, a doença de Lyme ocorreu em 47 estados norte-americanos, inclusive naqueles localizados ao longo da costa nordeste, de Massachusetts até Maryland, e também Wisconsin, Minnesota, Califórnia e Oregon.

A doença é bem conhecida na Europa e sua ocorrência já foi relatada na antiga União Soviética, na China, no Japão e na Austrália. Geralmente, a doença de Lyme ocorre no verão e no início do outono, afetando mais freqüentemente as crianças e os adultos jovens que habitam áreas florestais. A bactéria Borrelia burgdorferi penetra na pele no local da picada do carrapato. Após um período de 3 a 32 dias, as bactérias migram para fora da pele e disseminam-se na linfa ou através do sangue para outros órgãos ou zonas da pele.

Sintomas

A doença geralmente começa na pele como uma grande mancha vermelha, geralmente na coxa, na nádega, no tronco ou na axila. A mancha expande-se até atingir um diâmetro de 15 centímetros, freqüentemente com uma parte central mais clara. Pelo menos 75% dos indivíduos infectados apresentam este sinal precoce. Aproximadamente 50% dos indivíduos infectados apresentam mais áreas avermelhadas (normalmente menores) logo após o surgimento da grande mancha vermelha. Muitos indivíduos com doença de Lyme sentem- se doentes e apresentam sintomas como a fadiga, calafrios, febre, cefaléia, rigidez do pescoço e dores musculares e articulares.

Os sintomas menos comuns incluem a lombalgia, náusea e vômito, dor de garganta, aumento de linfonodos e do baço. Embora a maioria dos sintomas surjam e desapareçam, a sensação de malestar e a fadiga podem persistir por semanas. Várias semanas ou meses após o surgimento dos primeiros sintomas, 15% dos indivíduos afetados apresentam alterações da função nervosa. Essas alterações persistem por vários meses e, geralmente, desaparecem totalmente. O problema mais comum é a infecção do revestimento do cérebro (meningite), a qual provoca rigidez do pescoço, cefaléia, inflamação dos nervos faciais e fraqueza em um dos lados da face (paralisia).

Outras áreas também podem apresentar fraqueza. Em 8% dos indivíduos, ocorrem distúrbios cardíacos, inclusive arritmias (batimentos cardíacos irregulares) e pericardite (inflamação do saco que envolve o coração). A pericardite pode causar dor no peito. Além disso, semanas ou meses após o início dos sintomas, aproximadamente 50% dos indivíduos apresentam artrite. Em alguns casos, a artrite surge até 2 anos após os primeiros sintomas. Normalmente, há a recorrência de episódios de edema e dor em algumas articulações importantes, especialmente a do joelho.

Os joelhos afetados geralmente tornam-se mais edemaciados que dolorosos, freqüentemente a temperatura da região aumenta (o que pode ser percebido pela palpação) e, raramente, tornamse hiperemiados (avermelhados). Pode ocorrer a formação de cistos na face posterior do joelho. Quando esses cistos rompem, a dor piora abruptamente. Aproximadamente 10% dos indivíduos com artrite de Lyme desenvolvem problemas permanentes nos joelhos.

Diagnóstico

A cultura de Borrelia burgdorferi é de difícil realização e não existe um exame específico que diagnostique de modo confiável a doença de Lyme. Por essa razão, o diagnóstico é normalmente baseado nos sintomas característicos da doença de Lyme apresentados por um indivíduo que foi exposto a condições onde a infestação por piolhos é provável, concomitantemente com os resultados de vários exames. O exame mais comumente utilizado é a dosagem da concentraçao sérica de anticorpos contra a bactéria.

Tratamento

Apesar de todos os estágios da doença de Lyme responderem aos antibióticos, o tratamento precoce previne mais adequadamente as complicações. Nos estágios iniciais, um antibiótico (p.ex., doxiciclina, amoxicilina, penicilina ou eritromicina) pode ser administrado pela via oral. Na doença avançada, grave ou persistente, são administrados antibióticos pela via intravenosa. Os antibióticos também ajudam a aliviar a artrite, embora possa ser necessário prolongar o tratamento por até 3 semanas. A aspirina ou outros antiinflamatórios não esteróides aliviam a dor das articulações inflamadas. O líquido acumulado nas articulações afetadas pode ser drenado e o uso de muletas pode ser benéfico.

Leptospirose

A leptospirose é um grupo de infecções, incluindo a síndrome de Weil, a icterícia infecciosa causada por espiroquetas e a febre canícola, causadas por bactérias Leptospira. A leptospirose ocorre em muitos animais selvagens e domésticos. Alguns animais atuam como portadores e eliminam a bactéria na urina. Outros adoecem e morrem.

O ser humano adquire essas infecções através do contato com o animal ou com a sua urina. Embora a leptospirose seja uma doença ocupacional de fazendeiro e de trabalhadores de matadouros e de esgotos, a maioria dos indivíduos infecta-se durante atividades como, por exemplo, nadar em água contaminada. Os 40 a 100 casos notificados anualmente nos Estados Unidos ocorrem sobretudo no final do verão ou no início do outono. Como a leptospirose comumente causa sintomas semelhantes aos da gripe, é provável que muitos casos não sejam notificados.

Sintomas e Diagnóstico

Geralmente, os sintomas manifestam-se 2 a 20 dias após a infecção pela bactéria Leptospira. Comumente, a doença inicia de modo abrupto com febre, cefaléia, dores musculares intensas e calafrios. Sintomas pulmonares (incluindo a expectoração sanguinolenta) ocorrem em 10 a 15% dos indivíduos infectados. Os episódios de calafrios e febre, a qual freqüentemente atinge 39 °C, continuam por 4 a 9 dias.

A conjuntivite ocorre no terceiro ou quarto dia. A febre desaparece por alguns dias, mas reaparece concomitantemente com outros sintomas entre o sexto e décimo-segundo dia. Nesse período, o indivíduo normalmente apresenta meningite (inflamação do revestimento do cérebro), a qual acarreta rigidez do pescoço, cefaléia e, algumas vezes, estupor e coma. Entretanto, esses sintomas não são decorrentes da meningite, mas da inflamação causada pelos efeitos tóxicos decorrentes das tentativas do organismo para destruir as bactérias. Uma mulher grávida com leptospirose pode abortar.

A síndrome de Weil é uma forma grave de leptospirose que causa febre contínua, estupor e uma menor capacidade de coagulação do sangue, a qual acarreta hemorragias no interior dos tecidos. Esta síndrome começa da mesma maneira que as formas menos graves da leptospirose. Os exames de sangue revelam anemia e, em torno do terceiro ao sexto dia, surgem sinais de comprometimento renal e hepático. As alterações renais podem causar dor à micção ou a presença de sangue na urina. A lesão hepática tende a ser discreta e, geralmente, ela cura completamente. O médico pode confirmar o diagnóstico de leptospirose através da identificação da bactéria em culturas de amostras de sangue, de urina ou de líquido cefalorraquidiano, ou, mais comumente, através da detecção de anticorpos contra a bactéria no sangue.

Prognóstico e Tratamento

Os indivíduos infectados que não apresentam icterícia normalmente recuperam-se. A icterícia indica a existência de lesão hepática e aumenta a taxa de mortalidade para 10% ou mais para os indivíduos com mais de 60 anos de idade. O antibiótico doxiciclina pode evitar a doença durante uma epidemia. A penicilina, a ampicilina ou antibióticos similares são administrados para tratar a doença. Nos casos graves, os antibióticos podem ser administrados pela via intravenosa. Não é necessário isolar os indivíduos com a doença, mas devem ser tomadas precauções durante a manipulação e a eliminação de sua urina.

Febre de Mordida de Rato

A febre de mordida de rato é uma infecção causada por uma de duas bactérias diferentes transmitidas através de uma mordida de um roedor. Até 10% das mordidas de rato ocasionam esta doença. Trata-se de uma doença própria de moradores de guetos, de sem tetos e de trabalhadores de laboratórios biomédicos. O Streptobacillus moniliformis, uma bactéria que vive na boca e na garganta de ratos sadios, é a causa mais comum da febre de mordida de rato nos Estados Unidos.

Esta bactéria não é um espiroqueta. Epidemias da infecção foram relacionadas a indivíduos que consumiram leite contaminado não pasteurizado. Quando a bactéria é transmitida desta forma, a doença é denominada febre de Haverhill. Contudo, a infecção normalmente ocorre após uma mordida de um rato ou de um camundongo silvestre infectado. Algumas vezes, a infecção é transmitida por doninhas e outros roedores. Em geral, a lesão inicial cicatriza imediatamente.

Contudo, 1 a 22 dias após a mordida (geralmente menos de 10 dias), o indivíduo apresenta abruptamente calafrios, febre, vômito, cefaléia, lombalgia e dores articulares. Após 3 dias, surge uma erupção cutânea caracterizada por pequenas manchas vermelhas nas mãos e nos pés. Em uma semana, muitos indivíduos apresentam edema e dor articular que podem persistir por vários dias ou meses caso o tratamento não seja instituído. As complicações raras e graves incluem a infecção de válvulas cardíacas e os abcessos cerebrais e de outros tecidos.

O médico estabelece o diagnóstico através da identificação da bactéria em culturas de uma amostra de sangue ou de líquido sinovial (do interior de uma articulação). O tratamento consiste na administração de penicilina pela via oral ou intravenosa. Para os alérgicos à penicilina, a eritromicina pode ser administrada . Um outro tipo de febre de mordida de rato (denominada sodoku) é causada pela espiroqueta Spirillum minus. Esta infecção é comum na Ásia, mas é rara nos Estados Unidos. Ela também é ocasionada pela mordida de um rato ou, ocasionalmente, de um camundongo.

Em geral, a ferida cicatriza imediatamente, mas a inflamação reaparece no local 4 a 28 dias após a mordida (normalmente, mais de 10 dias). A inflamação é acompanhada por uma febre intermitente e aumento dos linfonodos da área afetada. Às vezes, pode ocorrer uma erupção avermelhada. Outros sintomas incluem uma sensação de mal-estar generalizado, cefaléia e fadiga durante os episódios de febre. Quando o tratamento não é administrado, a febre comumente reaparece a cada 2 a 4 dias durante até 8 semanas e, algumas vezes, durante até um ano.

O médico estabelece o diagnóstico através da identificação da bactéria em uma amostra de sangue. Como alternativa, pode ser realizada a coleta de uma amostra de tecido do local da erupção cutânea ou de um linfonodo. O indivíduo com este tipo de febre de mordida de rato geralmente é tratado com penicilina (oral ou intravenosa). Para os alérgicos à penicilina, a tetraciclina é administrada.

fonte: MANUAL MERCK