EMBRIOLOGIA & ANATOMIA
Os rins e ureteres são formados em um processo embrionário composto de três etapas, cuja diferenciação organogênica promove a formação do sistema vesico-uretral e subseqüentemente do vestíbulo e vagina distal. Assim, os tratos genital e urinário desenvolvem-se em uma associação muito próxima, como conseqüências, anormalidades em um sistema geralmente ocasionam anomalias no outro. Os ureteres possuem cerca de 6 a 10mm de diâmetro e 30 a 34cm de comprimento, divididos em porção abdominal e pélvico, desembocando na base da bexiga, que corresponde a um órgão distensível variando seu tamanho de acordo com a quantidade de urina armazenada. No segmento superior da bexiga, encontra-se o músculo detrusor, responsivo a estímulos parassimpáticos que, além de provocar contração no músculo detrusor, contrai a musculatura longitudinal da uretra, encurtando-a e resultando em diminuição da resistência ao fluxo urinário. A uretra, que na mulher corresponde a aproximadamente 4cm de comprimento, possui também uma musculatura lisa circular com receptores adrenérgicos envolvida na manutenção do tônus basal, em contraste com o correspondente masculino, possui uma continência menos profunda. A anatomia funcional do andar pélvico corresponde à pelve óssea, formada pelo sacro posteriormente e pelo íleo lateralmente unidos pela cartilagem da sínfise púbica. A lordose espinhal e a curva sacrolombar deslocam a força vetor do conteúdo abdominal, diminuindo a tendência de prolapso dos órgãos pélvicos. A musculatura pélvica compreende os diafragmas urogenital e pélvico. O diafragma urogenital é responsável pela estabilização do corpo perineal, dando suporte ao esfíncter anal e vagina inferior. O diafragma pélvico composto pelo elevador do ânus, obturador e músculos coccígeos é responsável pelo tônus basal e controle voluntário miccional. Durante a micção há relaxamento principalmente dos músculos elevadores do anus, permitindo esvaziamento vesical. A fáscia endopélvica divide-se em nível 1, que vai da porção proximal da vagina aos ligamentos cardinais e uterossacros; nível 2 compreende a porção média da vagina sob a bexiga e nível 3 promove o suporte da porção distal da vagina e uretra. A fáscia endopélvica permite um suporte vesical e uretral adequado, prevenindo mobilidade excessiva quando há aumento da pressão abdominal. As principais malformações no trato urinário são: Agenesia renal unilateral incidência 1:1000. Duplicação uretral associado a refluxo e infecções. Orifício uretral ectópico associado a sintomas de vaginite.
Uretrocele infecções provocadas por obstrução.
CLASSIFICAÇÃO
Existem vários tipos de classificação relacionando a causa a fatores anatômicos, sintomáticos, reversíveis ou não. Abordaremos a classificação baseada em uma disfunção diagnosticada.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA TRANSITÓRIA
É a incontinência relacionada à reversibilidade do quadro e não ao tempo de instalação ou manifestação. Associada a condições médicas e fatores funcionais, tais como: delirium, infecção, vaginite atrófica, endócrina, constipação, restrição de movimentos, psicológica, farmacológica.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA ESTABELECIDA
É a perda urinaria involuntária, associada a aumento da pressão intraabdominal em ausência da contração do músculo detrusor. Etiologia Instabilidade do detrusor. Retenção urinária por sobrefluxo. Anormalidades congênitas. Incontinência psicogênica (funcional).
Classificação
Grau I - perda urinária aos grandes esforços.
Grau II - perda urinária aos médios esforços atividade física leve.
Grau III - perda urinária contínua ou aos mínimos esforços.
Urge-Incontinênci: caracterizado por desejo miccional abruto com moderada perda urinária. Está relacionado a contrações não inibidas associado a superatividade do detrusor gerando instabilidade vesical. Suas causas são: Alterações relacionadas à idade Interrupção de vias inibitórias do SNC. Irritação vesical por infecção, cálculo,inflamação,neoplasias. Idiopática Obs1: A cistite intersticial está caracterizada por dor e disúria sem evidencia de infecção do trato urinário. Obs2: Em idosos ocorre com maior freqüência hiperatividade do detrusor com incompleta DHIC caracterizada por urgência e volume residual sem obstrução. Incontinência de Esforço perda urinária que ocorre quando há aumento da pressão intra-abdominal levando a abertura do esfíncter sem contração vesical. É mais comum em jovens e a segunda causa mais comum em mulheres idosas. Sua etiologia consiste: Suporte uretral deficiente por falha dos músculos e da fáscia de sustentação. Falha do fechamento uretral por trauma do esfíncter, deficiência intrínseca, atrofia pós-menopausa, entre outras. Instabilidade uretral relaxamento súbito e paradoxal do esfíncter sem contração aparente do detrusor.
Incontinência por Sobrefluxo ocorre por fraqueza do músculo detrusor e/ou obstrução à saída vesical, provocando um volume residual elevado com perdas urinárias em pequeno volume, gotejamento, polaciúria e noctúria, principalmente.
DIAGNÓSTICO: História, Início Freqüência, volume, sintomas associados Fatores precipitantes Função sexual e intestinal Status clínico e condições médicas (paridade, função neurológica) Impacto social
Questionário Urinário
Permite uma auto-avaliação da paciente antes ou durante a consulta médica, esclarecendo as queixas principais e permitindo um direcionamento diagnóstico entre Incontinência Urinária de Esforço, Instabilidade do Detrusor ou Incontinência Mista e o grau em que ocorrem.
PERGUNTA DO GRUPO A
Tem sensação de peso na zona genital? Ao subir ou descer escadas, perde urina? Perde urina ao rir? E ao espirrar? E ao tossir?
PERGUNTA DO GRUPO B
Se tiver desejo em urinar e o banheiro está ocupado, perde urina? Ao chegar em casa, alguma vez teve que correr ao banheiro porque se não, perde urina? Se tiver desejo em urinar, sente que é urgente e tem que ir correndo? Já precisou sair com pressa de algum lugar por estar perdendo urina?
Quatro afirmativas ou mais no Grupo A, orientam-nos ao diagnóstico de incontinência urinaria de esforço. Três afirmativas no Grupo B definem, provavelmente, Incontinência de Urgência (Urge-Incontinência). Respostas afirmativas em ambos grupos sugerem Incontinência Urinária Mista. Diário Miccional Consiste em um diário onde são anotados e mensurados todos os episódios, continentes e incontinentes, por pelo menos 48 horas, para que se possa traçar o grau de severidade e o tratamento ideal. Exame Físico Deve ser o mais completo possível, dando ênfase aos aspectos a seguir: Estado geral e neurológico Limitações motoras Avaliação cardiovascular Massas abdominais e distensão vesical Avaliação retal massas e impactação fecal Teste de esforço Urina residual.
Exame Genital
Atrofia de mucosa vaginal;
Estreitamento do intróito por sinéquia e estenoses;
Quadros inflamatórios e infecciosos;
Massas pélvicas;
Suporte pélvico (cistocele e retocele).
Teste do Cotonete (Q-Tip Test)
Permite avaliação da integridade do suporte pélvico e determina a presença de hipermotilidade. É realizado através da inserção de um cotonete lubrificado no meato uretral. Em repouso, em posição de litotomia o ângulo formado entre o cotonete e um plano horizontal deve ser 0o. Realizado manobra de Valsalva este ângulo pouco se altera nas pacientes com bom suporte ligamentar, contudo freqüentemente ultrapassa 30o e aproxima-se de 90o Nas incontinentes. Indicação de Urodinâmica Pacientes com mais de 65 anos Cirurgia prévia (Incontinência ou Prolapso) Prolapso genital severo Pós-radioterapia pélvica Sintomas mistos (irritativos e de incontinência genuína) Incontinência contínua Divertículo uretral Teste do cotonete normal Volume residual maior que 100ml Incontinência imediata após diurese normal História de incontinência sem evidencia de perdas
Exames Laboratoriais
1. Função renal, glicemia, calcemia e hipovitaminoses.
2. Sumário de urina. Urinocultura se suspeição de infecção.
3. Cistoscopia se hematúria ou dor pélvica.
4. Urodinâmica padrão ouro para diagnóstico, contudo só se faz necessário quando o plano terapêutico é cirúrgico para descartar DHIC e hiperrreatividade do detrusor.
5. Cistometria útil para excluir instabilidade do detrusor.
6. Avaliação radiológica útil para investigar trato urinário superior e fístulas.
7.Avaliação ultrassonográfica melhor para retenção urinária, avaliação dinâmica do hiato genital durante esforço.
TRATAMENTO CONSERVADOR
70% melhoram das queixas Exercícios da Musculatura Pélvica Kegel/Eletroestimulação contrações voluntárias ou estimuladas dos músculos do assoalho perineal repetidos diariamente numa freqüência mínima de 60 por dia, por no mínimo 3 meses. Terapia Inferencial associada a Miofeedback reaprendendo a continência. Cones vaginais usados para fortalecer musculatura perineal. Terapia comportamental diminuir ingesta hídrica, tratar obesidade e constipação intestinal.
Obs: Existem evidencias de que os exercícios da musculatura do assoalho pélvico são mais efetivos que a eletroestimulação e o uso de cones vaginais.
FARMACOLÓGICO: Tratamento preferencial para urge-incontinencia por instabilidade do detrusor (DHIC).Pode-se optar por teste terapêutico em incontinência mista por 30 dias. Índice de cura varia de 40-80%. - Adrenérgicos Mais comuns em associações antigripais, podendo ser manipulados. Fenilpropanolamina 25 a100mg 2xdia Pseudoefedrina 15 a 30mg 3xdia Anticolinérgicos - Melhores resultados no tratamento medicamentoso. Primeira escolha oxibutinina/tolterodina. Segunda escolha: imipramina/ -adrenérgicos Antidepressivo tricíclico - Imipramina (Tofranil® e Depramina®) - 50mg vo à noite. Útil principalmente em incontinência mista pela sua ação adrenérgica. Oxibutinina (Incontinol® e Retemic®) 5 a 15mg vo (1,2 ou 3xdia) efeito antiespasmódico relaxando o músculo detrusor. Tolterodine 1 a 2mg 12/12h mais seletivo aos receptores anticolinérgicos da
bexiga, menores efeitos colaterais. Dixtropan XL oxibutinina de ação prolongada com melhores efeitos que a Tolterodine. Terapia hormonal tópico ou oral, em menopausadas, reduz mais os sintomas do que os eventos de incontinência.
CIRÚRGICO
Plicadura de Kelly 50% de sucesso em 5 anos. Suspensão por agulha endoscópica técnica de Pereyra, Staney, Muznai e Gittes. Minimamente invasiva. Menos de 50% sucesso em longo prazo.
Procedimentos retropúbicos
Marshall-Marchetti-Krantz (MMK) suspensão do colo vesical por elevação da vagina ao redor e fixação da parede vaginal ao osso púbico. Apresenta 80-90% de cura em 5 anos. Pode levar a retenção urinária, osteomielite púbica e não corrige cistocele. Colposuspensão de Burch fixação da parede vaginal ao ligamento ileopectíneo (Cooper). Procedimento antiincontinência, padrão ouro para IUE por hipermobilidade, e corrige cistocele até grau II. Apresenta 85-95% sucesso em 5 anos.
Sling pubovaginal: procedimento preferível para tratamento de incontinência urinária com incompetência do fechamento uretral e deficiência esfincteriana intrínseca, assim como IUE grau III, associado ou não a obesidade severa, bexiga neurogênica, ou em falha cirúrgica prévia (Burch ou MMK). Pode ser utilizado material autólogo (aponeurose do reto abdominal, fáscia lata) ou materiais sintéticos (silastic, Marlex, Prolene).
TVT tension free vaginal tape: faixa de material sintético colocado na uretra média, utilizando o princípio do sling, sem fixação, pois a faixa é de material rugoso e permite ajuste peroperatório com o paciente fazendo esforço abdominal. O alto custo do material é a principal desvantagem. Cura entre 80 a 90%.
Mini-sling cirurgia vaginal: com elevação da uretra por fixação com material autólogo na face anterior da sínfise púbica. A técnica modificada com fio absorvível substituindo parafuso de titânio permite resultados semelhantes com diminuição de custos.
Injeção Periuretral: aumenta a resistência uretral com a presença de colágeno ou gordura autóloga. Cerca de 48% de cura em longo prazo e 57% melhora. Esfíncter artificial indicado em pacientes com falha terapêutica, lesão uretral grave, insucesso com sling e bexiga neurogênica. Exige precisão técnica e é de alto custo.
Falha Terapêutica: pode ser orientado o uso de fraldas geriátricas e calças enxutas. O uso de Tampões pode ser de escolha em pacientes com incontinência somente quando em exercícios. Estes podem ser intrauretrais, intravaginais e externos.
FONTE: Manual de Ginecologia da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand