segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Lesões na cabeça


Os ossos do crânio, espessos e duros, protegem o cérebro. Apesar de possuir este “capacete” natural, o cérebro está sujeito a muitos tipos de lesões. Em comparação com qualquer outro tipo de lesão neurológica, os traumatismos crânio- encefálicos causam mais mortes e invalidez entre os indivíduos com menos de 50 anos. Depois dos ferimentos por projétil de arma de fogo, eles são a segunda causa de morte entre os homens com menos de 35 anos. Cerca da metade de todos os indivíduos que sofrem um traumatismo crânio-encefálico grave morre. Mesmo se a ferida não penetrar o crânio, o cérebro pode ser lesado. Muitas lesões são causadas por um impacto precedido por uma aceleração súbita (p.ex. um golpe forte na cabeça) ou por uma súbita desaceleração (p.ex., quando uma cabeça em movimento colide contra um objeto imóvel). O cérebro pode ser lesado tanto no ponto de impacto quanto no lado oposto. As lesões causadas por aceleração-desaceleração são algumas vezes denominadas coup contrecoup (o equivalente francês para golpe-contragolpe). Um traumatismo crânio-encefálico grave pode provocar laceração, cisalhamento ou ruptura de nervos, de vasos sangüíneos e dos tecidos localizados no cérebro ou ao seu redor. As vias nervosas podem sofrer rupturas e pode ocorrer sangramento ou edema graves. O sangramento, o inchaço e o acúmulo de líquido (edema) têm efeito semelhante ao causado por um tumor expansivo intra-craniano.

Como o crânio não pode se expandir, o aumento da pressão pode lesar ou destruir o tecido cerebral. Devido à posição do cérebro no crânio, a pressão tende a empurrar o órgão para baixo. A parte superior do cérebro pode ser forçada através da abertura que o conecta à parte inferior (tronco encefálico), condição denominada herniação. Um tipo semelhante de herniação pode comprimir o cerebelo e o tronco encefálico através da abertura existente na base do crânio (forame magno) até a medula espinhal. As herniações são potencialmente letais, pois o tronco encefálico controla funções vitais como, por exemplo, a freqüências cardíaca e respiratória. Algumas vezes, pode ocorrer uma lesão cerebral grave conseqüente a um traumatismo craniano leve. Os indivíduos idosos são particularmente propensos a apresentar sangramentos em torno do cérebro (hematoma subdural) devido a um traumatismo craniano. Os indivíduos que utilizam medicamentos que previnem a formação de coágulos (anticoagulantes) também apresentam um grande risco de sangramento em torno do cérebro em conseqüência de um traumatismo craniano. Uma lesão cerebral freqüentemente produz algum grau de difunção permanente, o qual varia de acordo com a lesão ser limitada a uma área específica (localizada) ou ser mais disseminada (difusa). As funções comprometidas dependerão da área cerebral lesada. Sintomas específicos e localizados podem auxiliar na determinação da área lesada. Podem ocorrer alterações do movimento, da sensibilidade, da fala, da visão e da audição. O comprometimento difuso da função cerebral pode afetar a memória e o sono e pode acarretar a confusão mental e o coma.

Prognóstico

As conseqüências finais de um traumatismo crânio-encefálico variam desde uma recuperação completa até a morte. O tipo e a gravidade dos déficits dependem da localização e da gravidade da lesão cerebral. Muitas funções cerebrais são desempenhadas por mais de uma área e, em alguns casos, áreas não lesadas do cérebro assumem as funções perdidas em decorrência da lesão de uma determinada área, permitindo uma recuperação parcial. No entanto, à medida que o ser humano envelhece, o cérebro torna-se menos capaz de desviar as funções de uma área para outra. Nas crianças, por exemplo, as faculdades da linguagem são regidas por várias partes do cérebro, mas nos adultos elas estão concentradas apenas em um lado. Se as áreas da linguagem no hemisfério esquerdo forem gravemente lesadas antes dos 8 anos de idade, o hemisfério direito poderá assumir a função da linguagem praticamente normal. Por outro lado, uma lesão das áreas da linguagem durante a vida adulta poderá acarretar em um déficit permanente. Algumas funções, como a visão e os movimentos dos membros superiores e inferiores (controle motor), são controladas por regiões específicas de um lado do cérebro e, conseqüentemente, a lesão de qualquer uma dessas áreas pode causar um déficit permanente. Contudo, a reabilitação pode ajudar a minimizar o impacto desses déficits funcionais. Os indivíduos vítimas de um traumatismo crânio-encefálico grave algumas vezes apresentam amnésia e não conseguem se lembrar do que ocorreu imediatamente antes e após o episódio de perda de consciência. Aqueles que recuperam a consciência durante a primeira semana apresentam maior probabilidade de recuperar a memória. Alguns indivíduos com um traumatismo crânio- encefálico, mesmo quando menor, apresentam a síndrome pós-concussão, na qual eles continuam a apresentar cefaléias e problemas de memória durante um período de tempo considerável após o traumatismo. Um estado vegetativo persistente ou crônico – a conseqüência mais grave de um traumatismo crânio- encefálico não fatal – caracteriza-se por um estado prolongado de inconsciência total acompanhado por ciclos praticamente normais de vigília e sono. Esta condição é conseqüência da destruição das partes superiores do cérebro que controlam as funções mentais sofisticadas. No entanto o tálamo e o tronco encefálico, os quais controlam os ciclos do sono, a temperatura corporal, a respiração e a freqüência cardíaca, são poupados. Se o estado vegetativo persistir mais do que alguns meses, é improvável que o indivíduo recupere a consciência. Não obstante, um indivíduo que recebe assistência especializada poderá viver muitos anos nessa situação.

Diagnóstico e Tratamento

Quando um indivíduo com um traumatismo crânio-encefálico chega a um hospital, o médico e os enfermeiros verificam primeiramente os sinais vitais: freqüência cardíaca, pressão arterial e respiração. Se o indivíduo não estiver respirando adequadamente por si mesmo, pode ser necessária a utilização de um respirador mecânico. O médico realiza uma avaliação imediata do estado de consciência e memória do paciente. Ele também avalia as funções cerebrais básicas através da checagem do tamanho das pupilas e sua reação à luz; avalia a resposta ao calor ou à picadas (sensibilidade) e a capacidade de mover os membros superiores e inferiores. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são solicitadas para se avaliar possíveis lesões cerebrais. As radiografias padrões podem identificar fraturas cranianas, mas não revelam nada sobre uma provável lesão cerebral. O aumento da sonolência e da confusão mental, o coma profundo, o aumento da pressão arterial e o pulso lento após um traumatismo crânio- encefálico são sinais de edema cerebral. Como o cérebro pode ser lesado rapidamente pela pressão do excesso de líquido, são administradas drogas que visam aliviar o edema. Também pode ser implantado no crânio um pequeno dispositivo para controlar a pressão e determinar a eficácia do tratamento.

Traumatismos Crânio- Encefálicos Específicos

Os indivíduos podem sofrer muitos tipos de traumatismos crânio-encefálicos como, por exemplo, fraturas, concussões, contusões e lacerações cerebrais e hematomas intracranianos.

Fraturas Cranianas

Uma fratura craniana é uma ruptura de um osso do crânio. As fraturas cranianas podem lesar artérias e veias, provocando sangramento nos espaços em torno do tecido cerebral. As fraturas, especialmente as da base do crânio, podem romper as meninges – as camadas de tecido que revestem o cérebro. O líquido cefalorraquidiano, o qual circula entre o cérebro e as meninges, pode sair pelo nariz ou pelo ouvido. Ocasionalmente, através dessas fraturas, ocorre invasão de bactérias no crânio, causando infecção e lesão cerebral graves. A maioria das fraturas cranianas não exigem cirurgia, exceto quando fragmentos ósseos comprimem o cérebro ou os ossos do crânio encontramse mal alinhados em decorrência do impacto.

Concussão

A concussão é uma perda da consciência e, algumas vezes, da memória de curta duração que ocorre após uma lesão cerebral e que não caussa nenhuma lesão orgânica evidente. As concussões causam uma disfunção cerebral, mas não acarretam lesão estrutural visível. Elas podem ocorrer mesmo após um traumatismo crânio-encefálico menor, dependendo da intensidade com que o cérebro foi mobilizado no interior da caixa craniana. Uma concussão pode deixar o indivíduo um pouco confuso, com cefaléia e com uma sonolência anormal. A maioria dos indivíduos recupera-se completamente em algumas horas ou dias. Alguns indivíduos apresentam tontura, dificuldade de concentração, esquecimento, depressão, falta de sensibilidade ou de emoções e ansiedade. Esses sintomas podem persistir por alguns dias ou várias semanas, mas, raramente, prolongam-se por mais tempo. Enquanto isso, o indivíduo pode apresentar dificuldades no trabalho ou nos estudos ou para se relacionar com os outros. Esse distúrbio é denominado síndrome pós-concussão. A síndrome pós-concussão é uma situação enigmática, pois não se conhece a razão pela qual esses problemas ocorrem após um traumatismo crânio-encefálico leve. Os especialistas discordam sobre a causa desses sintomas: se eles se manifestam devido a lesões microscópicas ou a fatores psicológicos. A terapia medicamentosa e o tratamento psiquiátrico são eficazes para alguns pacientes, mas não para todos. Mais preocupante que a síndrome pós-concussão é o fato dos sintomas mais graves poderem se manifestar algumas horas ou mesmo dias após a lesão original. A piora das cefaléias e da confusão mental e o aumento da sonolência indicam a necessidade de uma atenção médica urgente. Geralmente, o tratamento não é necessário quando o médico determina a não existência de uma lesão mais grave. No entanto, todos os indivíduos vítimas de um traumatismo crânioencefálico são informados sobre os sinais de alerta da piora da função cerebral. Os pais de crianças pequenas são orientados como monitorizá-las no que diz respeito a essas alterações, durante as horas que sucedem o traumatismo. Desde que os sintomas não piorem, o acetaminofeno poderá ser administrado para aliviar a dor. Se a lesão não for grave, a aspirina poderá ser administrada após os primeiros 3 ou 4 dias.

Contusões e Lacerações Cerebrais

As contusões cerebrais são lesões traumáticas do cérebro, as quais geralmente são causadas por um impacto direto e violento na cabeça. As lacerações cerebrais são rupturas do tecido cerebral, freqüentemente acompanhadas de feridas visíveis da cabeça e fraturas do crânio. As contusões e as lacerações cerebrais são mais graves que as concussões. A ressonância magnética (RM) mostra a lesão estrutural do cérebro, a qual pode ser mínima ou pode causar fraqueza de um lado do corpo com concomitante confusão mental ou até mesmo o coma. Se o cérebro edemaciar, a lesão cerebral pode aumentar. O edema muito grave pode acarretar herniação do cérebro. Como este é freqüentemente o caso, o tratamento torna-se mais complexo quando uma lesão cerebral grave é acompanhada por outras lesões, especialmente lesões torácicas.

Hematomas Intracranianos

Os hematomas intracranianos são acúmulos de sangue no interior do cérebro ou entre o cérebro e o crânio. Os hematomas intracranianos podem ser decorrentes de uma lesão ou de um acidente vascular cerebral. Um hematoma intracraniano relacionado a uma lesão geralmente forma-se no revestimento externo do cérebro (hematoma subdural) ou entre essa membrana de revestimento e o crânio (hematoma epidural). Esses dois tipos de hematoma são facilmente visualizados na tomografia computadorizada (TC) ou na ressonância magnética (RM). A maioria dos hematomas apresenta um desenvolvimento rápido e produzem sintomas em minutos. Os hematomas crônicos, os quais são mais comuns em indivíduos idosos, são de progressão lenta e produzem sintomas somente após horas ou dias. Os hematomas grandes comprimem o cérebro, produzem edema e acabam destruindo o tecido cerebral. Eles também provocam herniação da parte superior do cérebro ou do tronco encefálico. Os hematomas intracranianos produzem perda da consciência, coma, paralisia em um ou em ambos os lados do corpo, dificuldade respiratória, problemas cardíacos ou mesmo a morte. Os hematomas também podem causar confusão mental e perda da memória, principalmente nos indivíduos idosos. Um hematoma epidural é conseqüência de um sangramento de uma artéria localizada entre as meninges (o tecido que reveste e protege o cérebro) e o crânio.

A maioria dos hematomas epidurais ocorrem quando uma fratura craniana suprajacente secciona a artéria. Como o sangue encontra-se sob uma maior pressão nas artérias que nas veias, ele sai com mais força e rapidez das artérias. Algumas vezes, os sintomas manifestam- se imediatamente, geralmente como uma cefaléia intensa, mas eles podem ser retardados por várias horas. Às vezes, a cefaléia desaparece, mas retorna após algumas horas e mais intensa. Em seguida, o indivíduo pode apresentar um aumento da confusão mental, sonolência, paralisia, colapso e coma profundo. O diagnóstico precoce é fundamental e geralmente depende de uma tomografia computadorizada (TC) de emergência. Os hematomas epidurais são tratados assim que são diagnosticados. É criado um orifício com o auxílio de uma furadeira para drenar o sangue acumulado e o cirurgião busca a fonte do sangramento e o interrompe. Os hematomas subdurais são conseqüência do sangramento de veias localizadas ao redor do cérebro. O sangramento pode iniciar subitamente após um traumatismo crânio-encefálico grave ou mais lentamente após um menos grave. Os hematomas subdurais de desenvolvimento lento são mais comuns nos indivíduos idosos, pois suas veias são frágeis, e nos alcoolistas, os quais podem ignorar traumatismos crânio-encefálicos leves a moderados. Em ambas as situações, a lesão inicial pode ser leve e os sintomas podem passar desapercebidos durante várias semanas. Contudo, a RM ou a TC podem revelar o acúmulo de sangue decorrente da lesão. Em um lactente, um hematoma subdural pode aumentar o tamanho da cabeça, pois o crânio é mole e maleável. No mínimo por razões estéticas, os médicos geralmente realizam a drenagem cirúrgica do hematoma. Nos adultos, os hematomas subdurais pequenos freqüentemente são absorvidos espontaneamente. Os hematomas subdurais grandes que causam sintomas neurológicos comumente são drenados cirurgicamente. As indicações de drenagem incluem a cefaléia persistente, sonolência intermitente, confusão mental, alterações da memória e paralisia leve no lado oposto do corpo.

Lesões em Áreas Específicas do Cérebro

A lesão da camada superior do cérebro (córtex cerebral) geralmente compromete a capacidade do indivíduo de pensar, de controlar as emoções e de comportar-se normalmente. Existem áreas específicas do córtex cerebral que são responsáveis por tipos específicos de comportamento, portanto, o local preciso e a extensão da lesão determinam o tipo de seqüela.

Lesão do Lobo Frontal

Os lobos frontais do córtex cerebral controlam principalmente as habilidades motoras aprendidas (por exemplo: escrever, tocar instrumentos musicais ou dar laços em cadarços de calçados). Eles também coordenam as expressões faciais e os gestos expressivos. Determinadas áreas dos lobos frontais são responsáveis por atividades motoras especializadas específicas do lado oposto do corpo. Os efeitos de uma lesão do lobo frontal sobre o comportamento variam de acordo com o tamanho e a localização do defeito físico. Geralmente, as lesões pequenas não causam alterações corportamentais perceptíveis quando elas afetam apenas um lado do cérebro, embora às vezes produzam convulsões. As lesões grandes da parte posterior dos lóbulos frontais podem causar apatia, falta de atenção, indiferença e, às vezes, incontinência. Se essas lesões forem localizadas mais próximas da parte anterior ou lateral dos lobos frontais, o indivíduo apresentará uma propensão a distrair-se facilmente, sente-se eufórico sem motivo aparente, argumenta excessivamente, torna-se vulgar e rude. Além disso, ele pode não ter consciência das conseqüências de seu comportamento.

Lesão do Lobo Parietal

Os lobos parietais do córtex cerebral são responsáveis pela combinação das impressões relacionadas à forma, à textura e ao peso e as transformam em percepções gerais. As habilidades matemáticas e da linguagem têm origem em alguma parte dessa área; mais especificamente das áreas adjacentes aos lobos temporais. Os lobos parietais também ajudam as pessoas a se orientar no espaço e a perceber a posição das partes do corpo. Um pequeno déficit na parte anterior dos lobos parietais produz dormência no lado oposto do corpo. Os indivíduos com lesões maiores podem perder a capacidade de realizar tarefas seqüenciais (um problema denominado apraxia) e a consciência do sentido direita-esquerda. Um déficit importante pode afetar a capacidade do indivíduo de reconhecer as partes do corpo ou o espaço que o circunda ou pode inclusive interferir na memória anteriormente bem conhecida, como relógios ou cubos. Por essa razão, uma lesão súbita de algumas partes do lobo parietal às vezes faz com que o indivíduo ignore a gravidade de seu problema e negligencie ou inclusive negue a existência da paralisia que afeta o lado do corpo oposto à lesão cerebral. Ele pode apresentar confusão mental ou delírios e pode tornar-se incapaz de se vestir sozinho ou de realizar tarefas comuns.

Lesão do Lobo Temporal

Os lobos temporais processam os eventos imediatos na memória recente e remota. Eles permitem que os sons e as imagens sejam interpretados, armazenam os eventos sob a forma de memória e evocam os já memorizados e geram as vias emocionais. Uma lesão do lobo temporal direito tende a afetar a memória dos sons e das formas. Uma lesão ao lobo temporal esquerdo interfere drasticamente na compreensão da linguagem oriunda de fontes externas ou internas e, tipicamente, impede que o indivíduo se expresse através da linguagem. Os indivíduos com uma lesão do lobo temporal direito não dominante podem apresentar alterações da personalidade como, por exemplo, a falta de humor, graus incomuns de religiosidade, obsessões e perda da libido.

Distúrbios Causados por Traumatismos Crânio-Encefálicos

Alguns dos distúrbios específicos causados por uma lesão craniana são a epilepsia pós-traumática, a afasia, a apraxia, a agnosia e a amnésia.

Epilepsia Pós-traumática

A epilepsia pós-traumática é um distúrbio caracterizado por convulsões que se manifestam algum tempo após o cérebro ter sido lesado por um impacto na cabeça. A convulsão é a resposta a descargas elétricas anormais no cérebro. As convulsões ocorrem em cerca de 10% dos indivíduos vítimas de um traumatismo crânio-encefálico grave sem feridas penetrantes no cérebro e em 40% dos indivíduos que apresentam uma ferida penetrante. As convulsões podem ocorrer somente vários anos após a lesão. Freqüentemente, os sintomas resultantes dependem do local de origem das convulsões. Os medicamentos anticonvulsivantes, como a fenitoína, a carbamazepina ou o valproato, são indicados para controlar a epilepsia pós-traumática. De fato, alguns médicos prescrevem esses medicamentos após um traumatismo crânio-encefálico grave visando prevenir as convulsões, apesar de muitos especialistas não recomendarem essa conduta. O tratamento geralmente é mantido durante vários anos ou por tempo indeterminado se o indivíduo apresentar convulsões.

Afasia

A afasia é a perda da capacidade para utilizar a linguagem devida a uma lesão na área do cérebro que a controla. A afasia acarreta uma incapacidade parcial ou total para comprender ou expressar palavras. Na maioria dos indivíduos, o lobo temporal esquerdo e a região vizinha do lobo frontal controlam a função da linguagem. Qualquer parte dessa pequena área que for lesada (por um acidente vascular cerebral, um tumor, um traumatismo crânio-encefálico ou uma infecção) produzirá uma interferência em pelo menos um aspecto da função da linguagem. Os problemas da linguagem podem assumir muitas formas. A variedade dos defeitos possíveis reflete a natureza complexa da função da linguagem. Um indivíduo pode perder apenas a capacidade de compreender as palavras escritas (alexia) ou somente a capacidade de recordar ou nomear objetos (anomia). Alguns indivíduos com anomia não conseguem em absoluto se lembrar da palavra correta, outros podem tê-la na ponta da língua, mas são incapazes de dizê-la. A disartria é a incapacidade de articular adequadamente as palavras. Apesar de parecer um problema de linguagem, a disartria é causada por uma lesão da parte do cérebro que controla os músculos utilizados na emissão de sons ou que coordenam os movimentos do aparelho vocal. Os indivíduos com afasia de Wernicke, um distúrbio que pode ocorrer após uma lesão do lobo temporal, parecem falar fluentemente, mas as sentenças enunciadas são uma série de palavras sem ordem e confusas (às vezes isso é chamado “salada de palavras”). Os indivíduos com afasia de Broca (afasia expressiva) conseguem compreender o que lhes é dito e sabem como responder, mas eles apresentam dificuldades para dizer as palavras. As suas palavras são articuladas lentamente e com grande esforço e, freqüentemente, são interrompidas por algumas sem sentido. A lesão que afeta simultaneamente os lobos temporal e frontal esquerdo pode produzir inicialmente um emudecimento quase completo. Durante a recuperação de uma afasia tão completa (global), o indivíduo apresenta dificuldades para falar (disfasia), escrever (agrafia ou disgrafia) e para compreender as palavras. Freqüentemente, os fonoaudiólogos podem auxiliar os indivíduos que apresentam afasia após um acidente vascular cerebral, um traumatismo crânio-encefálico ou alguma outra causa de comprometimento da linguagem. Em geral, o tratamento é iniciado assim que o estado de saúde do indivíduo permitir.

Teste em um Indivíduo com Afasia


Afasia de Broca – as respostas às questões são hesitantes, mas são sensatas. Pergunta: “O que esta fotografia mostra? (cão latindo) Resposta: “C-c-c-ão, n-não... d-d-dr-oga... c-c-ão, sim, s-sim, cão, cão, lat-lat-... fazendo barulho”. Afasia de Wernicke – as respostas às questões são fluentes, mas são sem sentido. Pergunta: “Como você está hoje?” Resposta: “Quando? É fácil para meu rio correr caixas negras wizzel abata H quando bolhas chegarem”.

Apraxia

A apraxia é a incapacidade de realizar tarefas que exigem padrões de lembrança ou seqüências de movimentos. A apraxia é uma incapacidade incomum que é geralmente causada por uma lesão do lobo parietal ou frontal. Na apraxia, a memória da seqüência de movimentos necessários para a realização completa de tarefas complexas ou especializadas parece ter sido apagada; os membros superiores ou inferiores não apresentam um defeito físico que justifique a incapacidade de realizar uma determinada atividade. Por exemplo, o ato de abotoar uma camisa consiste na realidade em uma série de seqüências. Os indivíduos com apraxia são incapazes de realizar essa seqüência de movimentos. Algumas formas de apraxia afetam apenas determinadas tarefas. Por exemplo, um indivíduo pode perder a habilidade de fazer um desenho, escrever um bilhete, abotoar um casaco, dar um laço em um cadarço de sapato, pegar um telefone ou tocar um instrumento musical. O tratamento enfoca o transtorno subjacente que causou a disfunção cerebral.

Agnosia

A agnosia é um distúrbio raro no qual o indivíduo pode ver e sentir os objetos, mas não consegue associá-los ao papel que eles geralmente desempenham nem à sua função. Os indivíduos que apresentam determinadas formas de agnosia não conseguem reconhecer rostos familiares ou objetos comuns (p.ex., uma colher ou um lápis), embora consigam vê-los e descrevê-los. A agnosia é causada por uma disfunção nos lobos parietais e temporais do cérebro, os quais armazenam a memória dos usos e a importância de objetos familiares e as impressões visuais. Freqüentemente, a agnosia surge subitamente, após um traumatismo crânioencefálcio ou um acidente vascular cerebral. Alguns indivíduos com agnosia melhoram ou recuperam- se espontaneamente; outras devem aprender a lidar com essa estranha incapacidade. Não existe um tratamento específico.

Amnésia

A amnésia é a incapacidade total ou parcial de recordar experiências recentes ou remotas. As causas da amnésia são apenas parcialmente compreendidas. Um traumatismo crânioencefálico pode causar perda da memória dos eventos ocorridos imediatamente antes (amnésia retrógrada) ou imediatamente após (amnésia pós-traumática). Dependendo da gravidade do traumatismo, a maioria das amnésias duram apenas alguns minutos ou horas e desaparecem sem tratamento. Entretanto, no caso de uma lesão cerebral grave, a amnésia pode ser permanente. O aprendizado exige memória. As memórias adquiridas durante a infância são preservadas mais intensamente que as adquiridas durante a vida adulta, talvez porque o cérebro jovem possua uma faculdade especial para o aprendizado. Os mecanismos cerebrais de recepção de informações e de sua evocação a partir da memória estão localizados principalmente nos lobos occipitais, parietais e temporais. As emoções que se originam a partir do sistema límbico do cérebro podem influenciar tanto o armazenamento quanto a recuperação da memória. O sistema límbico está intimamente conectado a áreas responsáveis pelo estado de vigília (alerta) e pela percepção. Como a memória envolve muitas funções cerebrais entrelaçadas, virtualmente qualquer tipo de lesão cerebral pode acarretar perda da memória. A amnésia global temporária consiste em um episódio súbito e grave de perda de memória grave com confusão de tempo, local e pessoas. Muitos indivíduos com amnésia global temporária apresentam apenas um episódio durante toda a vida. Outros podem apresentar episódios repetidos. Os episódios podem durar de 30 minutos até aproximadamente doze horas. É provável que pequenas artérias do cérebro apresentem obstruções intermitentes em conseqüência da aterosclerose. Nos indivíduos jovens, as cefaléias tipo enxaqueca, as quais reduzem temporariamente o fluxo sangüíneo cerebral, podem causar amnésia global temporária. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas ou o uso de quantidades excessivas de tranqüilizantes (p.ex., barbitúricos e benzodiazepínicos) também podem causar episódios breves. A amnésia pode desorientar totalmente o indivíduo e impedir a recordação de eventos que ocorreram alguns anos antes. Após um episódio, a confusão mental geralmente desaparece rapidamente e, via de regra, a recuperação é total. Os indivíduos alcoolistas e os desnutridos podem apresentar uma forma incomum de amnésia denominada síndrome de Wernicke-Korsakoff, a qual consiste em uma combinação de dois distúrbios: um estado de confusão mental aguda (um tipo de encefalopatia) e uma amnésia mais prolongada. Esses dois distúrbios são decorrentes de uma disfunção cerebral causada pela deficiência de tiamina (vitamina B1). O consumo excessivo de bebidas alcoólicas não acompanhado pelo consumo de alimentos contendo tiamina diminui a quantidade dessa vitamina no cérebro. Em um indivíduo previamente desnutrido, a ingestão de uma grande quantidade de outros líquidos ou a administração de grandes volumes de líquidos através da via intravenosa logo após uma cirurgia também pode causar a encefalopatia de Wernicke. Os indivíduos com encefalopatia de Wernicke tendem a apresentar uma marcha instável, problemas oculares (p.ex., paralisia dos movimentos oculares, visão dupla ou nistagmo), confusão mental e sonolência. A perda da memória é grave.


Tipos de Memória Afetados pela Amnésia


Memória imediata – lembrança de eventos que ocorreram nos segundos precedentes. Memória intermediária – lembrança de eventos que ocorreram alguns segundos a alguns dias antes. Memória remota ou antiga – lembrança de eventos ocorridos num passado mais distante.

A administração de tiamina pela via intravenosa normalmente corrige o problema. Não tratada, a encefalopatia de Wernicke pode ser fatal. Por essa razão, se um indivíduo alcoolista apresentar sintomas neurológicos incomuns ou confusão mental, o tratamento com tiamina deve ser instituído imediatamente. A amnésia de Korsakoff acompanha a encefalopatia de Wernicke aguda e pode ser permanente quando ela é conseqüência de episódios graves ou repetidos de encefalopatia ou de abstinência alcoólica. Freqüentemente, uma perda grave da memória é acompanhada pela agitação e delírios. Na amnésia de Korsakoff crônica, o indivíduo preserva a memória imediata, mas perde a memória para eventos recentes e relativamente mais remotos. Contudo, a memória remota é algumas vezes preservada. Os indivíduos com amnésia de Korsakoff crônica geralmente são capazes de interagir socialmente e manter uma conversação coerente mesmo sendo incapazes de lembrar-se de qualquer coisa que tenha acontecido nos últimos dias, meses, anos ou mesmo nos últimos minutos. Confundidos por essa falta de memória, eles tendem a inventar coisas ao invés de admitirem que não conseguem se lembrar. Embora a amnésia de Korsakoff ocorra mais comumente em casos de deficiência de tiamina, um padrão similar de amnésia também pode ocorrer após um traumatismo crânio-encefálico grave, uma parada cardíaca ou uma encefalite aguda. Nos alcoolistas, a reposição de tiamina corrige a encefalopatia de Wernicke, mas nem sempre corrige a amnésia de Korsakoff. Algu- mas vezes, se o álcool for evitado e outras doenças contribuintes forem tratadas, os distúrbios desaparecem gradualmente por si mesmos.

Fonte: Manual Merck