terça-feira, 10 de novembro de 2009

Estupor e Coma


Os níveis de atividade do cérebro normal variam constantemente e são muito diferentes no estado de vigília e durante o sono. A atividade cerebral enquanto o indivíduo está concentrado e raciocinando (p.ex., realização de uma prova difícil) difere sutilmente da atividade cerebral de um indivíduo que se encontra relaxado em uma praia. Esses níveis diferentes são estados normais e o cérebro pode passar rapidamente de um estado de alerta a outro. Durante os estados de alerta anormais (níveis alterados da consciência), o cérebro é incapaz de passar de um estado a outro e de funcionar adequadamente. Uma parte do cérebro situada profundamente no tronco encefálico controla os níveis de consciência e estimula ritmicamente o cérebro a manter um estado de vigília e de alerta. Durante o estado de consciência, habitualmente se recebe informações visuais dos olhos, sons dos ouvidos, sensações táteis da pele, assim como estímulos de qualquer órgão sensorial com o objetivo de ajustar o nível adequado de alerta.

Quando este sistema ou suas conexões com outras partes do cérebro não funcionam adequadamente, as sensações recebidas não conseguem mais influenciar os níveis do cérebro de vigília e de alerta de maneira correta. Quando isso ocorre, o nível de consciência diminui. Os períodos de comprometimento da consciência podem ser breves ou longos, podendo variar desde uma leve confusão mental até a não responsividade completa. Vários termos médicos são utilizados para descrever os níveis anormais de consciência. No delírio e nos estados confusionais, o indivíduo pode estar totalmente acordado, mas desorientado, isto é, o indivíduo pode confundir os acontecimentos passados com os presentes, e pode estar agitado e ser incapaz de interpretar e compreender as situações de uma maneira correta. O embotamento é a redução do nível de alerta. A hipersonia é o sono excessivamente prolongado ou profundo, do qual o indivíduo pode ser despertado através de uma estimulação enérgica. O estupor é uma falta profunda de resposta caracterizado pelo fato de se conseguir despertar o indivíduo somente por um curto período de tempo e somente com um estímulo repetido e enérgico (p.ex., sacudidas, gritos, beliscões, picadas ou estímulos similares). O coma é um estado similar à anestesia ou ao sono profundo, do qual o indivíduo não pode ser despertado. O indivíduo em coma profundo sequer apresenta os reflexos mais primitivos, como, por exemplo, de evitar a dor.

Causas

Muitas doenças, lesões ou anomalias graves podem afetar o cérebro e causar estupor ou coma. Um breve estado de inconsciência pode ser causado por um traumatismo crânioencefálico leve, por convulsões ou por uma diminuição do suprimento sangüíneo ao cérebro. Um estado prolongado de inconsciência pode ser causado por um traumatismo crânioencefálico mais grave, por uma encefalite, por uma reação tóxica a medicamentos ou por uma ingestão voluntária de sedativos ou outras substâncias. O metabolismo do organismo, o qual controla a concentração de sal, açúcar e outras substâncias químicas no sangue, também pode afetar a função cerebral.

Problemas Associados ao Comprometimento da Consciência

Problema
Conseqüências Possíveis

Acidente vascular cerebral Após um acidente vascular cerebral, o indivíduo pode entrar
em coma de forma súbita ou gradual, no decorrer de horas

Traumatismo crânio-encefálico (concussão,
cortes, contusões), hemorragia cerebral ou
em torno do cérebro
Após um traumatismo crânio-encefálico, o indivíduo pode entrar
em coma de maneira fulminante ou lentamente (ao longo de
algumas horas). A causa do coma pode ser a lesão direta do
cérebro ou uma hemorragia intracraniana (hematoma)

Infecção (meningite, encefalite, sépsis) As infecções do cérebro ou as infecções graves localizadas
fora do cérebro que produzem a febre alta, a presença de
substâncias tóxicas no sangue e a hipotensão arterial podem
alterar a função cerebral e levar ao coma

Falta de oxigênio Uma lesão cerebral torna-se irreversível após apenas alguns
minutos de privação completa de oxigênio. A falta de
oxigênio ocorre mais freqüentemente nos casos de parada
cardíaca e, menos freqüentemente, na doença pulmonar
grave

Inalação de grandes quantidades de
monóxido de carbono (p.ex., fumaça do
motor de um automóvel ou de um sistema
de aquecimento doméstico)
O monóxido de carbono liga-se à hemoglobina presente nos
eritrócitos (glóbulos vermelhos) do sangue, impedindo-os de
transportar oxigênio. Devido à privação de oxigênio, uma
intoxicação grave por monóxido de carbono pode acarretar
uma lesão cerebral irreversível ou pode levar ao coma

Crise epilética Raramente, o indivíduo entra em coma após uma crise
convulsiva. Nestes casos, o coma dura apenas alguns minutos

Efeitos tóxicos de medicamentos de receita
obrigatória, drogas ilícitas ou álcool
A intoxicação alcoólica pode levar ao estupor ou ao coma,
especialmente quando a concentração de álcool no sangue é
superior a 0,2%. Muitos medicamentos controlados e
também muitas drogas podem levar ao coma

Insuficiência hepática ou renal O coma é um sinal da insuficiência hepática que indica muita
gravidade, como ocorre na hepatite aguda.
A insuficiência renal raramente produz um coma, pois a
diálise consegue depurar (limpar) o sangue

Concentração elevada ou baixa de açúcar
no sangue
A hipoglicemia (concentração baixa de açúcar no sangue)
pode levar ao coma. O tratamento imediato com glicose
intravenosa evita a lesão cerebral permanente. A hiperglicemia
(concentração elevada de açúcar no sangue) também pode
levar ao coma, mas este é muito menos freqüente e é menos
grave que o coma produzido pela hipoglicemia

Temperatura corpórea alta ou baixa Febres muito altas (acima de 42,2°C) podem lesar o cérebro
e causar um coma. Uma temperatura corpórea inferior
31,1°C (hipotermia) reduz a atividade cerebral até chegar ao
estupor ou ao coma

Desmaio (síncope) O estado de coma causado por um desmaio dura apenas
alguns segundos, exceto quando o indivíduo sofre um
traumatismo crânio-encefálico durante a queda

Distúrbios psiquiátricos A simulação (o indivíduo finge estar doente ou lesado), a
histeria e a catatonia (um distúrbio esquizofrênico durante o
qual o indivíduo parece estar em estado de estupor) podem
parecer-se com a perda da consciência

Diagnóstico

A perda de consciência pode ser conseqüência de um problema de saúde pouco importante ou pode representar um sinal de uma doença grave. Por essa razão, ela sempre exige uma avaliação médica. A perda de consciência pode ser considerada uma emergência médica quando, por exemplo, o indivíduo perde a consciência devido a um engasgamento que causou obstrução das vias respiratórias ou porque uma dose elevada de insulina reduziu perigosamente a concentração de açúcar no sangue. Ao tratar de uma pessoa inconsciente, a equipe de emergência tenta primeiramente descartar a possibilidade de uma situação potencialmente letal. Um indivíduo inconsciente representa um desafio para os médicos e a equipe de emergência. Os indivíduos que apresentam uma doença que pode causar perda de consciência ajudarão no diagnóstico rápido se portarem consigo uma pulseira ou uma identificação contendo informações sobre a sua condição. Neste grupo, estão incluídos os diabéticos, os epilépticos, os portadores de arritmias cardíacas, os asmáticos e aqueles que apresentam uma doença hepática ou renal grave.

Como o indivíduo inconsciente é incapaz de se comunicar, a família e os amigos devem ser honestos com os médicos em relação ao consumo de drogas, álcool ou outras substâncias tóxicas por parte do paciente. Se ele ingeriu um medicamento ou uma substância venenosa, o médico desejará ver uma amostra da substância ou o seu frasco. Em primeiro lugar, a equipe médica de emergência ou um médico realiza um exame para assegurar que as vias aéreas estão permeáveis e que a respiração, a pressão arterial e o pulso estão normais. A seguir, a temperatura corpórea é verificada. Uma temperatura elevada pode ser sinal de infecção e uma temperatura anormalmente baixa pode significar que o indivíduo permaneceu exposto ao frio durante muito tempo. A pele é examinada em busca de sinais de lesão, injeção de drogas ou reações alérgicas e o couro cabeludo é examinado em busca de cortes e contusões. O médico também realiza um exame neurológico o mais minucioso possível sem a cooperação do indivíduo inconsciente. O médico examina o indivíduo em busca de sinais de lesão cerebral. Uma indicação de lesão cerebral é a respiração de Cheyne-Stokes, um padrão incomum no qual o indivíduo respira rapidamente e, em seguida, mais lentamente e então para de respirar durante vários segundos.

As posturas incomuns também são sinais de uma lesão cerebral importante, especialmente a rigidez da descerebração, caracterizada por contração da mandíbula e o pescoço, as costas, os membros superiores e inferiores permanecem imóveis e estendidos. Uma flacidez geral do corpo é ainda mais preocupante, pois ela indica uma perda total de atividade em certas áreas importantes do sistema nervoso central. Os olhos também fornecem informações importantes sobre o estado do indivíduo. O médico analisa a posição das pupilas, a sua capacidade de movimentação, o seu tamanho, a reação à luz intensa, a capacidade de acompanhar um objeto em movimento e o aspecto da retina. Pupilas com diâmetros diferentes podem ser um sinal de que algo está exercendo pressão em álguma área do cérebro. O médico precisa saber se o indivíduo apresentava geralmente pupilas com diâmetros diferentes ou se ele vinha utilizando medicações para o glaucoma, as quais podem afetar o diâmetro pupilar.

Os exames laboratoriais podem fornecer informações adicionais sobre a possível causa do estupor ou do coma. São solicitadas a dosagem de açúcar no sangue, a contagem de eritrócitos (para a anemia), a contagem de leucócitos (para a infecção), a dosagem de sal, de álcool (para a intoxicação) e as concentrações de oxigênio e de dióxido de carbono no sangue. É verificada a presença de açúcar e substâncias químicas tóxicas na urina. Outros exames podem ser solicitados como, por exemplo, a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM) do crânio para se descartar um traumatismo crânioencefálico ou uma hemorragia intracraniana. No caso de suspeita, mesmo que mínima, de uma infecção cerebral, deve ser realizada uma punção lombar para a coleta e exame de uma amostra de líquido cefalorraquidiano. Nos pacientes com suspeita do coma ser devido a um tumor ou a uma hemorragia cerebral, a TC ou a RM são realizadas em caráter de urgência antes da punção lombar, para assegurar-se que a pressão intracraniana não está elevada.

Tratamento

O desenvolvimento rápido de um estado alterado de consciência é uma emergência médica que exige atenção e tratamento imediato. O diagnóstico da anormalidade – um pré-requisito para um tratamento eficaz – nem sempre é realizado rapidamente. Até os resultados dos exames específicos tornarem-se disponíveis (o que pode levar horas ou dias), o indivíduo é internado em uma unidade de terapia intensiva, na qual os enfermeiros podem controlar a freqüência cardíaca, a pressão arterial, a temperatura e a concentração de oxigênio no sangue. O oxigênio é freqüentemente administrado imediatamente e um cateter intravenoso é instalado, para a aplicação rápida de medicamentos. A glicose, um açúcar simples, é normalmente administrado pela via intravenosa, mesmo antes do resultado da glicemia estar disponível. Se o médico suspeitar que a redução do nível de consciência foi causada por um narcótico, o naloxone (um antídoto) deve ser administrado enquanto se aguarda os resultados dos exames de sangue e urina. Se a suspeita for de uma ingestão de alguma substância tóxica, deve ser realizada a aspiração gástrica para identificar o conteúdo e evitar uma maior absorção da substância. Podem ser administrados sangue, líquidos e medicamentos para manter o ritmo cardíaco e a pressão arterial normais. Nos estágios mais profundos do coma, o cérebro pode estar tão lesado que ele não consegue mais realizar as funções básicas do organismo, como a respiração. Nessas circunstâncias, pode ser necessária a utilização de um respirador mecânico, um aparelho que ajuda a função pulmonar.

Prognóstico

A probabilidade de recuperação de um coma profundo que dura algumas horas demais é difícil de ser prevista. A recuperação é mais provável quando o coma é causado por determinadas causas do que por outras. Se o coma for conseqüência de um traumatismo crânio-encefálico, a recuperação poderá ser substancial, mesmo se o coma durar várias semanas (mas não mais que três meses). A recuperação completa após uma parada cardíaca ou uma privação de oxigênio raramente ocorre se o coma durar até um mês. Para aqueles que permanecem em coma profundo por mais de algumas semanas, os familiares devem decidir se eles desejam que os médicos continuem a utilizar o respirador, a administrar a alimentação enteral e as medicações. A família deve discutir esses tópicos com o médico e devem mostrar-lhe qualquer documento que contenha os desejos de atenção médica do indivíduo em coma no que diz respeito à sua última vontade, como um testamento em vida ou uma procuração referente aos cuidados médicos redigidos previamente.

Ocasionalmente, após uma lesão cerebral, a privação de oxigênio ou uma doença que produz lesão cerebral grave, o indivíduo com uma lesão cerebral grave pode entrar em um estado vegetativo. O indivíduo em estado vegetativo apresenta padrões normais de sono e de vigília, consegue respirar e deglutir espontaneamente e, inclusive, apresenta reações de sobressalto a ruídos muito altos, mas ele apresenta uma perda temporária ou permanente de toda a capacidade de pensamento e de comportamento consciente. A maioria dos indivíduos em estado vegetativo apresentam reflexos anormais acentuados, incluindo a rigidez e movimentos espasmódicos dos membros superiores e inferiores. O estado de aprisionamento é uma situação rara na qual o indivíduo está consciente e é capaz de pensar, mas ele apresenta uma paralisia tão grave que somente consegue comunicar-se através da abertura e fechamento dos olhos para responder a perguntas.

O estado de aprisionamento pode ocorrer nas paralisias graves de nervos periféricos ou em certos acidentes vasculares cerebrais agudos. A forma mais grave de perda de consciência é a morte cerebral. Nessa condição, o cérebro perdeu todas as funções vitais de modo permanente, inclusive a consciência e a capacidade de manter a respiração. Sem medicamentos e sem um respirador, a morte ocorre rapidamente. As definições legais mais aceitas consideram que um indivíduo está morto quando o cérebro cessou de funcionar, mesmo quando o coração continua a bater. De modo geral, o médico pode declarar a morte cerebral 12 horas após ele haver corrigido todos os problemas médicos tratáveis, mas sem que ocorra uma resposta por parte do cérebro (inclusive à dor provocada). Os olhos não reagem à luz e o indivíduo não respira sem o auxílio de um respirador. No caso de dúvida, um eletroencefalograma (registro da atividade elétrica do cérebro) irá demonstrar a ausência de função. O indivíduo com morte cerebral, que está respirando com o auxílio de um respirador, pode apresentar alguns reflexos se a medula espinhal ainda estiver funcionando.