1. Introdução
Durante a produção, processamento, empacotamento, transporte, preparação, armazenamento ou distribuição, na indústria, no comércio de alimentos ou mesmo em casa, o alimento pode ser exposto à contaminação com substâncias venenosas ou microorganismos infecciosos ou toxigênicos. Falhas na cadeia de produção ou o abuso de exposição a tempo e temperatura inadequados podem permitir a sobrevivência de microorganismos ou toxinas e a proliferação de bactérias patogênicas e fungos. Tal alimento, se ingerido com quantidades suficientes de substâncias venenosas ou microorganismos patogênicos, pode causar o que se denomina de doença transmitida por alimentos. Além disso, algumas plantas são intrinsecamente tóxicas; por sua vez, animais podem adquirir toxinas ou microrganismos a partir de seus alimentos ou de sua metabolização e se tornarem contaminados. Da mesma forma, falhas no sistema de abastecimento de água, no processo de captação e tratamento ou na rede de distribuição podem permitir a contaminação com bactérias, vírus, parasitas ou toxinas e causar doenças. A ocorrência de um surto de doenças transmitidas por alimentos e água caracteriza uma falha no controle da cadeia de produção do alimento ou da água. Os perigos de contaminação podem ser de natureza química, física ou biológica. As doenças transmitidas por água e alimentos compreendem várias síndromes que resultam da ingestão de água/alimentos. Elas são classificadas como a) intoxicações causadas por ingestão do produto contendo venenos químicos ou toxinas produzidas por microorganismos; b) infecções mediadas por toxinas causadas por bactérias que produzem enterotoxinas (toxinas que afetam a água, glicose e transferência de eletrólitos) durante sua colonização e crescimento no trato intestinal; e c) infecções causadas quando microorganismos invadem e multiplicam na mucosa intestinal ou outros tecidos. Manifestações variam desde um desconforto leve até reações severas que podem terminar em morte. Além disso, é amplo o leque de patógenos que podem ser transmitidos por água/alimentos, cerca de 250 agentes etiológicos, causando além das síndromes diarréicas, incluindo-se as diarréias sanguinolentas, quadros mais complexos representados pelas síndromes neurológicas, ictéricas, renais, alérgicas, respiratórias e septicêmicas. É expectativa da população que sua saúde esteja garantida e por isso confia na ação de regulação sanitária dos alimentos produzidos nas esferas industrial ou comercial visando proteção contra as doenças. Essa proteção depende de um lado, de produtores de alimento que cumpram as boas práticas de produção e os requisitos para se garantir um produto saudável e livre de contaminantes, de outro lado, de uma rápida detecção e controle de surtos, do conhecimento de seus agentes e fatores responsáveis pela doença. É importante ressaltar que o alimento hoje em dia é considerado uma fonte importante de veiculação de doenças, devido a alguns fatores: a) o desenvolvimento econômico e a globalização do mercado mundial favorecem a disseminação dos micróbios; b) as modificações no estilo de vida com a crescente utilização de alimentos industrializados e pela mudança de hábitos consumindose refeições fora de casa; c) os próprios processos tecnológicos de produção que podem propiciar condições para o surgimento de novos patógenos como o uso indiscriminado de antimicrobianos na criação de animais, o uso de rações industrializadas, ou processos industriais de preparação do alimento; d) o aumento do consumo de alimentos "frescos" ou "in natura" ou crus, favorecendo uma maior exposição a patógenos; f) intensa mobilização mundial das populações, através das viagens internacionais, entre outros.
Alimentos processados na indústria ou comércio, com seus sistemas de distribuição, podem circular rapidamente por vários municípios, estados, país ou mesmo para outros países. Se contaminados podem causar surtos de grandes proporções ou o surgimento de casos aparentemente esporádicos em diferentes cidades, regiões ou países. Os sistemas de vigilância frequentemente mostram elevações do número de casos de certas doenças não se sabendo o que motivou essa elevação. Muitos indivíduos são acometidos e nem sempre há uma causa comum evidente. Dessa forma, a equipe de vigilância necessita investigar, em bases científicas, para identificar a causa e tomar medidas de controle do surto e prevenção de novos casos. Investigações feitas sem base científica não permitem a identificação da fonte de transmissão e por isso, não levam ao controle e prevenção de novos casos. Uma investigação de surto deve ser criteriosa, pois envolve a implicação responsável do alimento causador e deve fornecer as razões para uma tomada de medidas responsável e eficaz, sem o que, promove-se o descrédito nas ações de vigilância e saúde pública. A epidemiologia fornece base científica e abordagem sistemática as quais permitem identificar as medidas adequadas de controle e prevenção.
2. Vigilância epidemiológica das doenças transmitidas por água e alimentos
A vigilância das doenças transmitidas por água e alimentos requer algumas condições: 1) notificação imediata por parte de serviços médicos, laboratórios e cidadãos, das doenças entéricas
e de outras síndromes que tem como fonte de veiculação a água ou alimentos; 2) investigação epidemiológica de surtos ou casos, no âmbito das equipes locais ou regional ou central, para identificação do agente e de suas; 3) investigação sanitária para determinação dos erros e falhas
corridos e intervenções; 4) avaliação permanente dos dados obtidos em vigilância epidemiológica e para o desenvolvimento de uma abordagem racional para a prevenção e controle dessas doenças;
5) disseminação dos dados e conhecimentos obtidos em investigação e na prática de vigilância.
investigação de surto ou de casos, e e) promover avaliação periódica da efetividade do programa.
A vigilância das doenças transmitidas por água e alimentos no Estado de São Paulo
compreende quatro subsistemas que se complementam: 1) Vigilância Sindrômica da Diarréia
Aguda feita por meio da Monitorização das Doenças Diarréicas Agudas (MDDA), que consiste do
registro de casos da doença diarréica aguda em unidades sentinela, em todos os municípios, e da
investigação em tempo real ou quase-real das mudanças de comportamento da doença para
identificação de possíveis surtos ou epidemias; 2) Vigilância de Surtos de Doenças Transmitidas
por Água e Alimentos desenvolvida com base na notificação de surtos; 3) Vigilância das Doenças
de Notificação Compulsória que compreende a notificação obrigatória de doenças como Botulismo,
Cólera, Difilobotríase, Doença de Creutzfeldt-Jakob e outras doenças priônicas, Febre Tifóide,
Hepatites A e E, Poliomielite/Paralisia Flácida Aguda, Síndrome Hemolítico-Urêmica e de agravos
inusitados de importância em Saúde Pública relacionados à veiculação hídrica e alimentar, e 4)
Vigilância Ativa, feita com base no rastreamento e notificação de diagnóstico laboratorial de
enteropatógenos. O sistema demanda integração dos laboratórios públicos e particulares ao
sistema de vigilância epidemiológica, utilizando biologia molecular na identificação de patógenos e
seus perfis genéticos para comparação entre cepas oriundas de pacientes e de alimentos
implicados nos surtos, e de rede informatizada para divulgação dos dados e alertas.
Cabe destacar ainda a existência de bases de dados disponíveis nacionais no país tais
como a de morbidade por internação, geradas em função de pagamentos pelas autorizações de
internação hospitalar - AIH/DATASUS, a de mortalidade - Sistema de Informação de Mortalidade –
SIM/DATASUS, que analisadas de forma sistemática devem contribuir para um maior
conhecimento do problema.
2.1. Objetivos gerais
São objetivos da vigilância: 1) recomendar com bases objetivas e científicas, as medidas
ou ações para a redução da morbi-mortalidade por doenças transmitidas por água e alimentos; 2)
reduzir o impacto sócio-econômico provocado por essas doenças; 3) fornecer subsídios para
regulamentos e controle sanitário da água e alimentos para garantia de sua qualidade e
segurança; 4) fornecer subsídios para programas educativos melhorando as boas práticas de
fabricação/preparação de alimentos para produtores/manipuladores e população em geral.
Na vigência de uma suspeita de surto três componentes podem estar presentes: o
hospedeiro, o agente e os fatores do meio ambiente. Assim, a investigação epidemiológica tem a
função de descobrir onde e quando ocorreu essa convergência de fatores e quem são os afetados.
Para que esses fatores possam ser identificados, são necessários: 1) um sistema de
registro de informações que permita o conhecimento do problema e sua magnitude, como subsídio ao desencadeamento de medidas ágeis de prevenção e controle das doenças; 2) uma base de
dados para o monitoramento dos programas de controle das doenças; 3) notificação e investigação
de surtos; 4) análise e interpretação dos dados para determinar o número, distribuição e gravidade
dos casos; 5) conhecer os alimentos/água envolvidos na transmissão dos agentes etiológicos; 6)
determinar os grupos populacionais de risco; 7) identificar os fatores que contribuem para a
transmissão das doenças; 8) Recomendar medidas de prevenção e controle; 9) Divulgar a
informação obtida; 10) avaliar as intervenções realizadas; 11) investigar novos problemas ou
prever mudanças de tendências na ocorrência dessas doenças; 12) conhecer a incidência e quem
são as doenças; 13) conhecer os fatores responsáveis pelas doenças (alimentos/água, vias e
mecanismos de transmissão, etc.); 14) estabelecer as medidas de prevenção e cura das doenças;
trazer subsídios para a melhoria da qualidade e inocuidade dos alimentos.
Além disso, é fundamental: 1) promover a atuação integrada das diferentes áreas no
controle da doença; 2) reduzir a incidência dessas doenças; 3) identificar tecnologias ou práticas
de produção de alimentos e prestação de serviços e locais de maior risco para as doenças; 4)
identificar locais, alimentos e agentes etiológicos mais envolvidos em surtos; 5) desenvolver
atividades de educação para profissionais de saúde, produtores e prestadores de serviços de
alimentação e consumidores; 6) detectar mudanças de comportamento dessas doenças na
população.
2.2. Atribuições e responsabilidades nos três níveis de vigilância
• Nível Federal: Secretaria Nacional de Vigilância à Saúde – SVS/MS: tem como
atribuição a coordenação nacional do Sistema de Vigilância das Doenças Transmitidas
por Água e Alimentos, assessorando tecnicamente, supervisionando e avaliando a
execução das ações de vigilância epidemiológica, integrando e consolidando os dados
produzidos em todo o território nacional.
• Nível Estadual: Centro de Vigilância Epidemiológica – CVE, da Secretaria de
Estado da Saúde: tem por meio da Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e
Alimentar a atribuição de coordenar o Sistema Estadual de Vigilância das Doenças
Transmitidas por Água e Alimentos, assessorando tecnicamente, supervisionando,
promovendo treinamentos, avaliando a execução das ações de vigilância
epidemiológica, integrando e consolidando os dados produzidos em todo o estado.
• Nível Municipal: Secretarias Municipais de Saúde: tem como atribuição executar
por meio do seu Núcleo ou Departamento de Vigilância Epidemiológica ou à Saúde, as
ações no âmbito municipal, recebendo notificações, realizando as investigações e
desencadeando as medidas de controle e prevenção dos surtos/casos de Doenças
Transmitidas por Água e Alimentos. Deve gerir, monitorar e avaliar o programa, consolidando os dados e enviando-os ao nível estadual para alimentação do sistema
de informação. O nível municipal é a base fundamental de atuação da vigilância e onde
as ações demonstrarão sua efetividade ou não.
A vigilância de doenças transmitidas por alimentos requer a integração de órgãos de
governo em diversas esferas e âmbitos de atuação, isto é, da vigilância epidemiológica, da
sanitária e agricultura, do saneamento e meio ambiente, e as ações de laboratório.
Três são os eixos básicos para essa atuação:
1) a Doença - requer a ação de uma equipe que compreenda as características clínicas da
doença, seus mecanismos de transmissão, tempo de incubação, fatores de risco, terapêuticas e
medidas de saúde, prevenção e controle, isto é, uma equipe preparada para levantar dados dos
pacientes e sobre alimentos, que deve conhecer essencialmente a metodologia de investigação e
estudos epidemiológicos para compreender e traduzir o evento. Neste eixo destaca-se aqui o papel
das vigilâncias epidemiológicas.
2) o Alimento, Água e Ambiente – requer a ação de uma equipe que conheça as condições
de produção do alimento e da água, e de outros fatores relacionados ao ambiente, que possa
identificar os procedimentos que podem ter propiciado uma contaminação, seus pontos críticos,
conhecer a microbiologia do alimento e da água, as boas práticas de fabricação, qualidade e
segurança. Metodologias de rastreamento do alimento são essenciais para detecção dos
problemas que causam a contaminação, e para as medidas corretas a tomar. Neste eixo destacase
a ação rotineira da vigilância sanitária e das equipes da agricultura, uma no campo das
Secretarias de Saúde, outra no âmbito do Ministério da Agricultura, ou Secretarias de Agricultura,
seja para exercer a prevenção na rotina da produção dos alimentos, seja nas intervenções frente a
surtos ou casos das doenças.
3) o Agente Etiológico – requer a equipe de laboratório para a elucidação do agente
etiológico. Amostras clínicas de pacientes ou amostras de sobras de alimentos ou de água devem
ser coletadas adequadamente, em tempo oportuno, pois aliadas aos estudos e inquéritos
epidemiológicos, permitem uma ação mais adequada de controle e prevenção.
2.3. Treinamento das equipes
Pessoas que irão fazer a investigação necessitam conhecer as técnicas de epidemiologia e
a base dos sistemas de vigilância da doença. A coleta de dados exige passos sistematizados e
análises adequadas para as conclusões.
O nível central tem nesse aspecto a função de oferecer treinamentos para as equipes
regionais com formação e atualização de multiplicadores, os quais irão promover treinamentos para suas equipes locais, repassando esses conhecimentos. Treinamentos e atualizações
freqüentes são necessários para se garantir a qualidade das investigações e a eficiência das ações
de vigilância.
2.4. Operacionalização do sistema
A ocorrência de surto de DTA é de notificação compulsória para todo o território nacional
estabelecida inicialmente pela Portaria GM/MS Nº. 1943, de 18 de outubro de 2001 e atualizada
por meio da Portaria SVS/MS Nº. 5, de 24 de fevereiro de 2006. O Código Sanitário do Estado de
São Paulo promulgado pela Lei Nº. 10.083, de 23 de setembro de 1998, define o dever de todo o
cidadão comunicar à autoridade sanitária a ocorrência de surtos de quaisquer doenças e agravos à
saúde. A notificação é obrigatória para médicos e profissionais de saúde, no exercício da profissão,
bem como, para os responsáveis por hospitais, laboratórios, consultórios e demais serviços de
saúde públicos e privados.
De acordo com o artigo 64 do Código Sanitário do Estado (Lei Nº. 10.083), constituem
unidades ou cidadãos notificantes para o Sistema de Vigilância Epidemiológica os seguintes: a)
médicos que forem chamados para prestar cuidados ao doente, mesmo que não assumam a
direção do tratamento; b) responsáveis por estabelecimento de assistência à saúde e outras
instituições médico-sociais de qualquer natureza; c) responsáveis por laboratórios que executem
exames microbiológicos, sorológicos, anatomopatológicos ou radiológicos; d) farmacêuticos,
bioquímicos, veterinários, dentistas, enfermeiros, parteiras e outros que exerçam profissões afins;
e) responsáveis por estabelecimento prisionais, de ensino, creches, locais de trabalho, ou
habitações coletivas em que se encontre o doente; f) responsáveis pelos serviços de verificação de
óbito e institutos médico-legais; e g) responsáveis por automóvel, caminhão, ônibus, trem, avião,
embarcação ou qualquer outro meio de transporte em que se encontre o doente.
Dessa perspectiva, segundo a legislação vigente e considerando o contexto epidemiológico
das doenças transmitidas por água e alimentos, entende-se que todo cidadão deve comunicar à
vigilância epidemiológica municipal, regional ou central a existência de uma doença de notificação
compulsória ou de agravos inusitados à saúde e surtos, incluindo-se os diagnósticos laboratoriais
de patógenos emergentes e reemergentes.
No estado de São Paulo, o CVE dispõe de uma Central de Vigilância Epidemiológica,
operando 24 horas, inclusive, em fins de semana e feriados, que recebe as notificações de
instituições médicas, dos cidadãos e da população em geral e que orienta sobre os procedimentos
clínicos, laboratoriais e epidemiológico-sanitários em relação às várias doenças. Esta central tem
como objetivo facilitar o recebimento das notificações e desencadear, em um fluxo integrado e
hierarquizado, a investigação rápida das doenças de notificação compulsória (telefone - 08000 - 55 54 66).
b. Armazenamento de documentos do sistema
- Guardar os documentos sobre os fluxos, atividades e impressos – documentação do
sistema, entrada dos dados nos bancos utilizados, comandos de busca dos dados e
procedimentos de acesso ao SINAN NET, entre outros.
- Guardar as Fichas Epidemiológicas, Formulário 05 e demais formulários de cada surto,
por ordem numérica de entrada nos bancos de dados e fichas de digitação completa do surto
encerrado e dos casos notificados no SINAN em pasta/arquivo de surtos de Doenças Transmitidas
por Água e Alimentos, com identificação pelo ano de ocorrência.
- Armazenar os relatórios de dados e análises por semana, mês e ano em pasta própria,
além dos armazenamentos em computador/CDs/Disquetes ou outras formas.
3. Passos de uma investigação de surtos
A investigação de surtos de doenças infecciosas agudas representa um importante
componente de epidemiologia e saúde pública, para identificar fonte de surtos em curso e para
prevenir novos casos. Em investigação de surtos duas diretrizes se fazem necessárias: uma, a
velocidade na investigação, e a outra, encontrar a resposta certa. Para satisfazer ambas as
requisições é necessário uma abordagem sistemática que compreende passos e técnicas
apropriadas.
Sabe-se que mesmo quando um surto termina, pois uma grande parte deles é repentina e
fugaz, uma investigação epidemiológica e ambiental pode trazer novos conhecimentos sobre uma
determinada doença e prevenir futuros surtos. Sua importância repousa também em permitir
treinamentos e aprendizado de equipes de vigilância, comunidade médica e população.
3.1. O que é um Surto?
Considera-se surto ou epidemia quando há mais casos de uma determinada doença que
o esperado em uma determinada área ou entre um grupo específico de pessoas, em um
determinado período de tempo. Um número de casos de uma doença, em uma determinada área e
período, independentemente de o número ser maior que o esperado, é denominado de “cluster”
ou de “agregado de casos”. Em um surto ou epidemia presume-se sempre que haja uma causa
comum.
O termo epidemia é utilizado usualmente em situações em que a doença envolve grande
número de pessoas e atinge uma larga área geográfica. Em geral, define-se surto como um
incidente no qual duas ou mais pessoas apresentam uma determinada doença causada por uma fonte comum. Porém, em situações e áreas onde não havia nenhum registro de caso de uma
determinada doença, ou em agravos considerado emergência em saúde pública, utiliza-se também
a denominação de surto para o aparecimento de um único caso.
3.2. Como os surtos podem reconhecidos
Surtos podem ser identificados de várias maneiras. Em geral, uma investigação de surto
depende da notificação da doença por parte de médicos, laboratórios ou dos próprios envolvidos.
Também, sistemas de monitoramento da doença diarréica, ou de vigilância ativa, podem detectar
surtos, através de casos aparentemente isolados ou da análise de gráficos que mostram aumento
de casos ou mudança do comportamento da doença diarréica, mas que se analisados pela equipe
de vigilância podem ter sua relação estabelecida, requerendo uma investigação mais ampla. Em
algumas ocasiões, a imprensa tem papel importante na identificação e notificação de surtos ou
epidemias. Freqüentemente quem detecta o problema é o próprio paciente ou um seu parente,
trazendo dados sobre uma refeição suspeita compartilhada.
A investigação de um surto envolve o conhecimento de casos que informam, de antemão,
uma fonte suspeita comum, desencadeando-se a necessidade de se entrevistar os que ficaram
doentes e também aqueles que estão em risco, mas permanecem sem a doença, e assim, partindo
de estudos sistematizados, estabelecer associações e hipóteses epidemiológicas.
Com base nessas hipóteses desencadeiam-se outras investigações que permitirão
confirmar ou refutar essas hipóteses. Essas investigações incluem coleta de amostras de
espécimes de pacientes e alimentos suspeitos, visitas aos pacientes e àqueles não doentes que
partilharam das refeições suspeitas, visitas aos locais de preparação dos alimentos ou outras
fontes suspeitas, para se determinar o modo de contaminação e o agente etiológico.
3.3. Por que investigar surtos?
A importância se deve à necessidade de se interromper a fonte de transmissão e eliminar o
risco da doença se disseminar para outras pessoas, reduzir a gravidade do problema, estabelecer
medidas de controle e prevenção de futuros surtos. Além disso, o episódio constitui-se em
oportunidade para conhecimento de novos patógenos ou de novos comportamentos de velhos
patógenos, para realizar treinamentos, fazer reavaliações das ações de controle sanitário,
reformular regulamentos sanitários, programas e políticas de saúde, bem como desenvolver ações
de educação em saúde. Medidas de controle adequadas dependem de informações corretas.
Uma investigação do surto exigirá três tipos de atividades: 1) a investigação
epidemiológica; 2) a investigação sanitária e/ou ambiental e, 3) a interação com o público, imprensa e com o sistema legal - atividades que ocorrem simultaneamente e ao longo da
investigação, mas que serão tratadas aqui conceitualmente em separado por questões didáticas.
3.4. Quais os passos de uma investigação de surtos?
A investigação de surtos de doenças transmitidas por água e alimentos, ainda que possa
ser semelhante às investigações epidemiológicas de outras doenças transmissíveis, revelam
maiores dificuldades e complexidades, devido principalmente ao fato de serem múltiplas as
possibilidades de fontes de transmissão:
1) quando o surto encontra-se em curso, há urgência em se detectar a fonte e prevenir
novos surtos; 2) surtos costumam ganhar publicidade, havendo pressões para que se chegue a
uma conclusão rápida, e principalmente se ele está em curso; 3) em muitos surtos, o número de
casos pode ser insuficiente limitando a investigação; 4) opiniões da imprensa ou noções populares
podem influenciar a resposta das pessoas e interferir na investigação; 5) na área de alimentos,
incluída a água, pode haver fortes interesses comerciais envolvidos podendo precipitar conclusões
que não correspondam a verdade sobre a fonte do surto; 6) um grande número de patógenos e
um grande número de fontes e distintos mecanismos de transmissão concorrem para os surtos
dessas doenças, envolvendo o conhecimento de processos de produção dos alimentos e
microbiologia, que exigem investigação detalhada; 7) a necessidade da urgência da notificação e
descoberta rápida do surto, pois, pois o atraso pode impedir a obtenção de amostras clínicas e
ambientais no prazo em que se possa detectar o agente etiológico.
Dessa forma, em uma investigação de surto por água ou alimentos, primeiramente a
rapidez para se identificar a causa é essencial, pois alimentos e água são consumidos em larga
escala. Para uma investigação adequada, em geral, são utilizados 10 passos, os quais estão aqui
apresentados na ordem abaixo, por questão didática, podendo na prática, serem desenvolvidos ao
mesmo tempo ou em diferentes ordens:
1. Planejamento do trabalho em campo
2. Confirmação da existência de surto
3. Confirmação do diagnóstico
4. Definição e identificação de casos
5. Descrição dos dados surto em tempo, lugar e pessoa
6. Geração de hipóteses
7. Avaliação das hipóteses
8. Refinamento das hipóteses e estudos complementares
9. Medidas de controle e prevenção
10. Relatório e comunicação dos resultados
3.4.1. Passo 1: Planejamento do trabalho em campo
Antes de iniciar a investigação de campo, é necessário possuir conhecimento sobre a
doença. Preparar o material e equipamentos necessários à investigação, organizar a infraestrutura,
definir a equipe de investigação, o coordenador e todas as responsabilidades, além de
contatar pacientes, médicos e outros envolvidos no episódio são tarefas importantes antes de ir ao
campo. Entre as equipes de vigilância, a Vigilância Epidemiológica deve coordenar a investigação,
pois, é a aplicação do método epidemiológico que permitirá, em bases científicas, a identificação
das causas do surto e das medidas mais adequadas para seu controle.
3.4.2. Passo 2: Confirmação da existência de surto
Uma das primeiras tarefas do investigador é verificar qual a situação epidemiológica da
doença, se há uma elevação do número casos na área e se os casos são realmente de uma
mesma doença. Para se determinar o que seria esperado, os casos da doença podem ser
comparados com os registrados nas semanas ou meses anteriores ou em alguns anos anteriores.
As fontes de dados são: registros da vigilância epidemiológica; registros de internação hospitalar
e/ou de atendimento ambulatorial; registros de diagnóstico laboratorial e de mortalidade, além de
estudos anteriores sobre a doença, se existirem.
Se o local não dispõe de dados sistemáticos o investigador pode também levantar dados
junto aos hospitais, unidades de saúde, laboratórios e médicos para verificar os registros da
doença nas semanas e meses anteriores. Esse levantamento pode ser rápido, muitas vezes por
telefone, contatando os médicos dos serviços de saúde. Em algumas ocasiões, o excesso de
casos pode não representar um surto, mas uma mudança no sistema de notificação, ou na
definição de caso, ou mesmo, uma melhoria dos procedimentos de diagnóstico.
3.4.3. Passo 3: Confirmação do diagnóstico
Para confirmar a existência de um surto é necessário confirmar a doença, verificar se o
diagnóstico está correto. Verifique prontuários ou fichas de atendimentos, avalie dados clínicos,
laboratoriais, entre outros. Ofereça exames complementares que podem ser realizados pelo
laboratório de saúde pública para confirmar o diagnóstico ou determinar espécies ou perfis
genéticos do agente etiológico. Conversar com doentes é fundamental para levantar as causas que
podem ter motivado a doença, isto é, as hipóteses de quais teriam sido as causas responsáveis
pelo surto.
Nos surtos de diarréia a coleta de amostras de fezes em tempo oportuno e do maior
número de doentes possível é fundamental para a identificação do agente etiológico e para a confirmação de que o surto foi realmente causado por aquele agente. Por exemplo, uma amostra
positiva de determinado patógeno obtida de um único doente, em surto com vários doentes não
confirma que o surto foi causado por tal agente etiológico. O ideal seria conseguir coletar amostra
de todos os doentes; contudo, pelas dificuldades de ordem laboratorial, recomenda-se a coleta de,
no mínimo, 10 amostras de doentes por surto. Quando o número de casos for menor que 10,
recomenda-se a coleta de todos os casos envolvidos.
3.4.4. Passo 4: Definição e identificação de casos
Essa é uma importante tarefa: estabelecer uma definição de caso, ou seja, definir um
conjunto de critérios científicos que permitam incluir quais pessoas tem ou tiveram a doença ou
agravo que será estudado, bem como excluir aquelas que não estariam relacionadas ao surto.
Uma definição de caso inclui geralmente quatro componentes: 1) informação clínica da doença; 2)
características das pessoas afetadas; 3) informação sobre o local ou região de ocorrência, e 4)
determinação do período em que ocorreu o surto.
Uma definição de caso pode incluir critérios clínicos amplos ou específicos ou então
acrescentar ou restringir-se a resultados de exames (nível elevado de anticorpos, identificação de
agente etiológico, exame de imagem, etc.). Quanto às características de pessoas, a definição pode
restringir-se àquelas que participaram de determinado evento (festa de casamento, determinado
restaurante, ou nadaram em determinado lago). Em tempo, define-se o período em que se
observou o aumento de caso, e em lugar, define a área de ocorrência, uma residência, ou um
bairro, ou todo o município, o local de trabalho, um estabelecimento comercial, etc..
Uma forma de reconhecer casos é estabelecer as seguintes classificações de casos:
"confirmado", "provável", ou "possível".
Caso confirmado – em geral, considera-se como aquele confirmado por diagnóstico
laboratorial.
Caso confirmado por critério clínico-epidemiológico – em surtos, podemos confirmar
caso por critério clínico-epidemiológico, o qual deve apresentar clínica compatível com a doença e
ter sido causado pela mesma fonte que o caso confirmado por critério laboratorial.
Caso provável – aquele com características clínicas típicas, sem diagnóstico laboratorial.
Caso possível – aquele com algumas características clínicas.
Para algumas doenças com transmissão pessoa-a-pessoa, pode ser necessário trabalhar
com as seguintes definições:
Caso primário: aquele que aparece sem que exista um contato direto conhecido com
outro paciente;
Caso coprimário: aquele que surge nas primeiras 24 horas seguintes ao aparecimento de
um caso dentro de um grupo de contatos diretos;
Caso secundário: aquele que surge dentre os contatos de um caso primário, após 24
horas desde o aparecimento do caso primário.
Em um surto de febre tifóide, o investigador captou casos utilizando as seguintes
definições:
Caso confirmado – clínica compatível com febre tifóide e exame laboratorial (hemocultura
ou coprocultura) positivas para Salmonella Typhi.
Caso provável – febre, transtornos intestinais e roséolas tíficas, sem realização de exame
laboratorial.
Caso possível – febre e transtornos intestinais.
Para realizar o estudo analítico (de caso-controle) para identificação da fonte de
transmissão incluiu somente os doentes confirmados laboratorialmente.
No início de uma investigação, utilizar essas definições (caso confirmado, provável e
possível) possibilita levantar o maior número de casos. No início, os primeiros casos podem
representar uma pequena proporção. Durante a investigação podem ser identificados mais casos,
o que permite dimensionar o tamanho do surto/epidemia e da área geográfica atingida. Porém, ao
testar as possíveis hipóteses de causa do surto, pode ser necessário tornar a definição mais
precisa e confiável, mais específica, descartando-se os “casos possíveis”, e de preferência,
incluindo-se apenas os “confirmados” laboratorialmente.
Em todas as investigações deve-se aplicar um questionário padronizado para se
determinar a real ocorrência dos sintomas clínicos, bem como coletar amostras de espécimes
clínicos para conhecer o agente etiológico. Os questionários devem incluir várias informações
sobre cada pessoa afetada:
- Informação de identificação das pessoas: nome, endereço, telefone, etc.. Permitam o
contato com pacientes para questões complementares e para envio de resultados laboratoriais
assim como para a comunicação dos resultados da investigação. Os endereços também são
importantes para mapear os casos e determinar a extensão geográfica do surto.
- Informações demográficas: idade, sexo, ocupação, etc.. Fornecem detalhes para
caracterizar a população em risco.
- Informações clínicas: dados clínicos, laboratoriais, doenças anteriores, etc.. Permitem
verificar se o caso se inclui na definição de caso estabelecida. Dados sobre o início de sintomas
permitirão construir um gráfico da ocorrência do surto, isto é, a curva epidêmica. Informações clínicas complementares sobre tipo de tratamento, internação hospitalar, óbito, possibilitam
compreender a gravidade da doença e seu comportamento no episódio em questão.
- Informações sobre fatores de risco/fontes de transmissão: o levantamento de fatores
de risco, fontes de transmissão são fundamentais para a investigação da doença em questão. Por
exemplo: em uma investigação de surto por hepatite A, perguntamos sobre exposições a alimentos ou a água contaminada ou contato anterior com outro caso. As informações podem ser coletadas em formulário que permita visualizar em cada linha os dados dos pacientes, o que permite ao investigador buscar facilmente essas informações. Novos casos vão sendo acrescentados à medida que são identificados. No mundo inteiro, mesmo na era dos computadores, os epidemiologistas ainda utilizam esse “manuscrito” ou “planilha” para coletar e avaliar os dados. Tais dados aí coletados, inseridos no computador, permitem fazer vários cruzamentos e compreender melhor o surto.
fonte: ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/hidrica/doc/VEDTA08_manual.pdf
Durante a produção, processamento, empacotamento, transporte, preparação, armazenamento ou distribuição, na indústria, no comércio de alimentos ou mesmo em casa, o alimento pode ser exposto à contaminação com substâncias venenosas ou microorganismos infecciosos ou toxigênicos. Falhas na cadeia de produção ou o abuso de exposição a tempo e temperatura inadequados podem permitir a sobrevivência de microorganismos ou toxinas e a proliferação de bactérias patogênicas e fungos. Tal alimento, se ingerido com quantidades suficientes de substâncias venenosas ou microorganismos patogênicos, pode causar o que se denomina de doença transmitida por alimentos. Além disso, algumas plantas são intrinsecamente tóxicas; por sua vez, animais podem adquirir toxinas ou microrganismos a partir de seus alimentos ou de sua metabolização e se tornarem contaminados. Da mesma forma, falhas no sistema de abastecimento de água, no processo de captação e tratamento ou na rede de distribuição podem permitir a contaminação com bactérias, vírus, parasitas ou toxinas e causar doenças. A ocorrência de um surto de doenças transmitidas por alimentos e água caracteriza uma falha no controle da cadeia de produção do alimento ou da água. Os perigos de contaminação podem ser de natureza química, física ou biológica. As doenças transmitidas por água e alimentos compreendem várias síndromes que resultam da ingestão de água/alimentos. Elas são classificadas como a) intoxicações causadas por ingestão do produto contendo venenos químicos ou toxinas produzidas por microorganismos; b) infecções mediadas por toxinas causadas por bactérias que produzem enterotoxinas (toxinas que afetam a água, glicose e transferência de eletrólitos) durante sua colonização e crescimento no trato intestinal; e c) infecções causadas quando microorganismos invadem e multiplicam na mucosa intestinal ou outros tecidos. Manifestações variam desde um desconforto leve até reações severas que podem terminar em morte. Além disso, é amplo o leque de patógenos que podem ser transmitidos por água/alimentos, cerca de 250 agentes etiológicos, causando além das síndromes diarréicas, incluindo-se as diarréias sanguinolentas, quadros mais complexos representados pelas síndromes neurológicas, ictéricas, renais, alérgicas, respiratórias e septicêmicas. É expectativa da população que sua saúde esteja garantida e por isso confia na ação de regulação sanitária dos alimentos produzidos nas esferas industrial ou comercial visando proteção contra as doenças. Essa proteção depende de um lado, de produtores de alimento que cumpram as boas práticas de produção e os requisitos para se garantir um produto saudável e livre de contaminantes, de outro lado, de uma rápida detecção e controle de surtos, do conhecimento de seus agentes e fatores responsáveis pela doença. É importante ressaltar que o alimento hoje em dia é considerado uma fonte importante de veiculação de doenças, devido a alguns fatores: a) o desenvolvimento econômico e a globalização do mercado mundial favorecem a disseminação dos micróbios; b) as modificações no estilo de vida com a crescente utilização de alimentos industrializados e pela mudança de hábitos consumindose refeições fora de casa; c) os próprios processos tecnológicos de produção que podem propiciar condições para o surgimento de novos patógenos como o uso indiscriminado de antimicrobianos na criação de animais, o uso de rações industrializadas, ou processos industriais de preparação do alimento; d) o aumento do consumo de alimentos "frescos" ou "in natura" ou crus, favorecendo uma maior exposição a patógenos; f) intensa mobilização mundial das populações, através das viagens internacionais, entre outros.
Alimentos processados na indústria ou comércio, com seus sistemas de distribuição, podem circular rapidamente por vários municípios, estados, país ou mesmo para outros países. Se contaminados podem causar surtos de grandes proporções ou o surgimento de casos aparentemente esporádicos em diferentes cidades, regiões ou países. Os sistemas de vigilância frequentemente mostram elevações do número de casos de certas doenças não se sabendo o que motivou essa elevação. Muitos indivíduos são acometidos e nem sempre há uma causa comum evidente. Dessa forma, a equipe de vigilância necessita investigar, em bases científicas, para identificar a causa e tomar medidas de controle do surto e prevenção de novos casos. Investigações feitas sem base científica não permitem a identificação da fonte de transmissão e por isso, não levam ao controle e prevenção de novos casos. Uma investigação de surto deve ser criteriosa, pois envolve a implicação responsável do alimento causador e deve fornecer as razões para uma tomada de medidas responsável e eficaz, sem o que, promove-se o descrédito nas ações de vigilância e saúde pública. A epidemiologia fornece base científica e abordagem sistemática as quais permitem identificar as medidas adequadas de controle e prevenção.
2. Vigilância epidemiológica das doenças transmitidas por água e alimentos
A vigilância das doenças transmitidas por água e alimentos requer algumas condições: 1) notificação imediata por parte de serviços médicos, laboratórios e cidadãos, das doenças entéricas
e de outras síndromes que tem como fonte de veiculação a água ou alimentos; 2) investigação epidemiológica de surtos ou casos, no âmbito das equipes locais ou regional ou central, para identificação do agente e de suas; 3) investigação sanitária para determinação dos erros e falhas
corridos e intervenções; 4) avaliação permanente dos dados obtidos em vigilância epidemiológica e para o desenvolvimento de uma abordagem racional para a prevenção e controle dessas doenças;
5) disseminação dos dados e conhecimentos obtidos em investigação e na prática de vigilância.
Assim, um programa de vigilância das doenças transmitidas por água e alimentos deve incorporar as seguintes ações: a) desenvolver um sistema com procedimentos operacionais de
rotina apropriados; b) estabelecer responsabilidades em todos os níveis; c) promover treinamento contínuo dos membros do programa; d) construir material que será requerido durante umainvestigação de surto ou de casos, e e) promover avaliação periódica da efetividade do programa.
A vigilância das doenças transmitidas por água e alimentos no Estado de São Paulo
compreende quatro subsistemas que se complementam: 1) Vigilância Sindrômica da Diarréia
Aguda feita por meio da Monitorização das Doenças Diarréicas Agudas (MDDA), que consiste do
registro de casos da doença diarréica aguda em unidades sentinela, em todos os municípios, e da
investigação em tempo real ou quase-real das mudanças de comportamento da doença para
identificação de possíveis surtos ou epidemias; 2) Vigilância de Surtos de Doenças Transmitidas
por Água e Alimentos desenvolvida com base na notificação de surtos; 3) Vigilância das Doenças
de Notificação Compulsória que compreende a notificação obrigatória de doenças como Botulismo,
Cólera, Difilobotríase, Doença de Creutzfeldt-Jakob e outras doenças priônicas, Febre Tifóide,
Hepatites A e E, Poliomielite/Paralisia Flácida Aguda, Síndrome Hemolítico-Urêmica e de agravos
inusitados de importância em Saúde Pública relacionados à veiculação hídrica e alimentar, e 4)
Vigilância Ativa, feita com base no rastreamento e notificação de diagnóstico laboratorial de
enteropatógenos. O sistema demanda integração dos laboratórios públicos e particulares ao
sistema de vigilância epidemiológica, utilizando biologia molecular na identificação de patógenos e
seus perfis genéticos para comparação entre cepas oriundas de pacientes e de alimentos
implicados nos surtos, e de rede informatizada para divulgação dos dados e alertas.
Cabe destacar ainda a existência de bases de dados disponíveis nacionais no país tais
como a de morbidade por internação, geradas em função de pagamentos pelas autorizações de
internação hospitalar - AIH/DATASUS, a de mortalidade - Sistema de Informação de Mortalidade –
SIM/DATASUS, que analisadas de forma sistemática devem contribuir para um maior
conhecimento do problema.
2.1. Objetivos gerais
São objetivos da vigilância: 1) recomendar com bases objetivas e científicas, as medidas
ou ações para a redução da morbi-mortalidade por doenças transmitidas por água e alimentos; 2)
reduzir o impacto sócio-econômico provocado por essas doenças; 3) fornecer subsídios para
regulamentos e controle sanitário da água e alimentos para garantia de sua qualidade e
segurança; 4) fornecer subsídios para programas educativos melhorando as boas práticas de
fabricação/preparação de alimentos para produtores/manipuladores e população em geral.
Na vigência de uma suspeita de surto três componentes podem estar presentes: o
hospedeiro, o agente e os fatores do meio ambiente. Assim, a investigação epidemiológica tem a
função de descobrir onde e quando ocorreu essa convergência de fatores e quem são os afetados.
Para que esses fatores possam ser identificados, são necessários: 1) um sistema de
registro de informações que permita o conhecimento do problema e sua magnitude, como subsídio ao desencadeamento de medidas ágeis de prevenção e controle das doenças; 2) uma base de
dados para o monitoramento dos programas de controle das doenças; 3) notificação e investigação
de surtos; 4) análise e interpretação dos dados para determinar o número, distribuição e gravidade
dos casos; 5) conhecer os alimentos/água envolvidos na transmissão dos agentes etiológicos; 6)
determinar os grupos populacionais de risco; 7) identificar os fatores que contribuem para a
transmissão das doenças; 8) Recomendar medidas de prevenção e controle; 9) Divulgar a
informação obtida; 10) avaliar as intervenções realizadas; 11) investigar novos problemas ou
prever mudanças de tendências na ocorrência dessas doenças; 12) conhecer a incidência e quem
são as doenças; 13) conhecer os fatores responsáveis pelas doenças (alimentos/água, vias e
mecanismos de transmissão, etc.); 14) estabelecer as medidas de prevenção e cura das doenças;
trazer subsídios para a melhoria da qualidade e inocuidade dos alimentos.
Além disso, é fundamental: 1) promover a atuação integrada das diferentes áreas no
controle da doença; 2) reduzir a incidência dessas doenças; 3) identificar tecnologias ou práticas
de produção de alimentos e prestação de serviços e locais de maior risco para as doenças; 4)
identificar locais, alimentos e agentes etiológicos mais envolvidos em surtos; 5) desenvolver
atividades de educação para profissionais de saúde, produtores e prestadores de serviços de
alimentação e consumidores; 6) detectar mudanças de comportamento dessas doenças na
população.
2.2. Atribuições e responsabilidades nos três níveis de vigilância
• Nível Federal: Secretaria Nacional de Vigilância à Saúde – SVS/MS: tem como
atribuição a coordenação nacional do Sistema de Vigilância das Doenças Transmitidas
por Água e Alimentos, assessorando tecnicamente, supervisionando e avaliando a
execução das ações de vigilância epidemiológica, integrando e consolidando os dados
produzidos em todo o território nacional.
• Nível Estadual: Centro de Vigilância Epidemiológica – CVE, da Secretaria de
Estado da Saúde: tem por meio da Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e
Alimentar a atribuição de coordenar o Sistema Estadual de Vigilância das Doenças
Transmitidas por Água e Alimentos, assessorando tecnicamente, supervisionando,
promovendo treinamentos, avaliando a execução das ações de vigilância
epidemiológica, integrando e consolidando os dados produzidos em todo o estado.
• Nível Municipal: Secretarias Municipais de Saúde: tem como atribuição executar
por meio do seu Núcleo ou Departamento de Vigilância Epidemiológica ou à Saúde, as
ações no âmbito municipal, recebendo notificações, realizando as investigações e
desencadeando as medidas de controle e prevenção dos surtos/casos de Doenças
Transmitidas por Água e Alimentos. Deve gerir, monitorar e avaliar o programa, consolidando os dados e enviando-os ao nível estadual para alimentação do sistema
de informação. O nível municipal é a base fundamental de atuação da vigilância e onde
as ações demonstrarão sua efetividade ou não.
A vigilância de doenças transmitidas por alimentos requer a integração de órgãos de
governo em diversas esferas e âmbitos de atuação, isto é, da vigilância epidemiológica, da
sanitária e agricultura, do saneamento e meio ambiente, e as ações de laboratório.
Três são os eixos básicos para essa atuação:
1) a Doença - requer a ação de uma equipe que compreenda as características clínicas da
doença, seus mecanismos de transmissão, tempo de incubação, fatores de risco, terapêuticas e
medidas de saúde, prevenção e controle, isto é, uma equipe preparada para levantar dados dos
pacientes e sobre alimentos, que deve conhecer essencialmente a metodologia de investigação e
estudos epidemiológicos para compreender e traduzir o evento. Neste eixo destaca-se aqui o papel
das vigilâncias epidemiológicas.
2) o Alimento, Água e Ambiente – requer a ação de uma equipe que conheça as condições
de produção do alimento e da água, e de outros fatores relacionados ao ambiente, que possa
identificar os procedimentos que podem ter propiciado uma contaminação, seus pontos críticos,
conhecer a microbiologia do alimento e da água, as boas práticas de fabricação, qualidade e
segurança. Metodologias de rastreamento do alimento são essenciais para detecção dos
problemas que causam a contaminação, e para as medidas corretas a tomar. Neste eixo destacase
a ação rotineira da vigilância sanitária e das equipes da agricultura, uma no campo das
Secretarias de Saúde, outra no âmbito do Ministério da Agricultura, ou Secretarias de Agricultura,
seja para exercer a prevenção na rotina da produção dos alimentos, seja nas intervenções frente a
surtos ou casos das doenças.
3) o Agente Etiológico – requer a equipe de laboratório para a elucidação do agente
etiológico. Amostras clínicas de pacientes ou amostras de sobras de alimentos ou de água devem
ser coletadas adequadamente, em tempo oportuno, pois aliadas aos estudos e inquéritos
epidemiológicos, permitem uma ação mais adequada de controle e prevenção.
2.3. Treinamento das equipes
Pessoas que irão fazer a investigação necessitam conhecer as técnicas de epidemiologia e
a base dos sistemas de vigilância da doença. A coleta de dados exige passos sistematizados e
análises adequadas para as conclusões.
O nível central tem nesse aspecto a função de oferecer treinamentos para as equipes
regionais com formação e atualização de multiplicadores, os quais irão promover treinamentos para suas equipes locais, repassando esses conhecimentos. Treinamentos e atualizações
freqüentes são necessários para se garantir a qualidade das investigações e a eficiência das ações
de vigilância.
2.4. Operacionalização do sistema
A ocorrência de surto de DTA é de notificação compulsória para todo o território nacional
estabelecida inicialmente pela Portaria GM/MS Nº. 1943, de 18 de outubro de 2001 e atualizada
por meio da Portaria SVS/MS Nº. 5, de 24 de fevereiro de 2006. O Código Sanitário do Estado de
São Paulo promulgado pela Lei Nº. 10.083, de 23 de setembro de 1998, define o dever de todo o
cidadão comunicar à autoridade sanitária a ocorrência de surtos de quaisquer doenças e agravos à
saúde. A notificação é obrigatória para médicos e profissionais de saúde, no exercício da profissão,
bem como, para os responsáveis por hospitais, laboratórios, consultórios e demais serviços de
saúde públicos e privados.
De acordo com o artigo 64 do Código Sanitário do Estado (Lei Nº. 10.083), constituem
unidades ou cidadãos notificantes para o Sistema de Vigilância Epidemiológica os seguintes: a)
médicos que forem chamados para prestar cuidados ao doente, mesmo que não assumam a
direção do tratamento; b) responsáveis por estabelecimento de assistência à saúde e outras
instituições médico-sociais de qualquer natureza; c) responsáveis por laboratórios que executem
exames microbiológicos, sorológicos, anatomopatológicos ou radiológicos; d) farmacêuticos,
bioquímicos, veterinários, dentistas, enfermeiros, parteiras e outros que exerçam profissões afins;
e) responsáveis por estabelecimento prisionais, de ensino, creches, locais de trabalho, ou
habitações coletivas em que se encontre o doente; f) responsáveis pelos serviços de verificação de
óbito e institutos médico-legais; e g) responsáveis por automóvel, caminhão, ônibus, trem, avião,
embarcação ou qualquer outro meio de transporte em que se encontre o doente.
Dessa perspectiva, segundo a legislação vigente e considerando o contexto epidemiológico
das doenças transmitidas por água e alimentos, entende-se que todo cidadão deve comunicar à
vigilância epidemiológica municipal, regional ou central a existência de uma doença de notificação
compulsória ou de agravos inusitados à saúde e surtos, incluindo-se os diagnósticos laboratoriais
de patógenos emergentes e reemergentes.
No estado de São Paulo, o CVE dispõe de uma Central de Vigilância Epidemiológica,
operando 24 horas, inclusive, em fins de semana e feriados, que recebe as notificações de
instituições médicas, dos cidadãos e da população em geral e que orienta sobre os procedimentos
clínicos, laboratoriais e epidemiológico-sanitários em relação às várias doenças. Esta central tem
como objetivo facilitar o recebimento das notificações e desencadear, em um fluxo integrado e
hierarquizado, a investigação rápida das doenças de notificação compulsória (telefone - 08000 - 55 54 66).
b. Armazenamento de documentos do sistema
- Guardar os documentos sobre os fluxos, atividades e impressos – documentação do
sistema, entrada dos dados nos bancos utilizados, comandos de busca dos dados e
procedimentos de acesso ao SINAN NET, entre outros.
- Guardar as Fichas Epidemiológicas, Formulário 05 e demais formulários de cada surto,
por ordem numérica de entrada nos bancos de dados e fichas de digitação completa do surto
encerrado e dos casos notificados no SINAN em pasta/arquivo de surtos de Doenças Transmitidas
por Água e Alimentos, com identificação pelo ano de ocorrência.
- Armazenar os relatórios de dados e análises por semana, mês e ano em pasta própria,
além dos armazenamentos em computador/CDs/Disquetes ou outras formas.
3. Passos de uma investigação de surtos
A investigação de surtos de doenças infecciosas agudas representa um importante
componente de epidemiologia e saúde pública, para identificar fonte de surtos em curso e para
prevenir novos casos. Em investigação de surtos duas diretrizes se fazem necessárias: uma, a
velocidade na investigação, e a outra, encontrar a resposta certa. Para satisfazer ambas as
requisições é necessário uma abordagem sistemática que compreende passos e técnicas
apropriadas.
Sabe-se que mesmo quando um surto termina, pois uma grande parte deles é repentina e
fugaz, uma investigação epidemiológica e ambiental pode trazer novos conhecimentos sobre uma
determinada doença e prevenir futuros surtos. Sua importância repousa também em permitir
treinamentos e aprendizado de equipes de vigilância, comunidade médica e população.
3.1. O que é um Surto?
Considera-se surto ou epidemia quando há mais casos de uma determinada doença que
o esperado em uma determinada área ou entre um grupo específico de pessoas, em um
determinado período de tempo. Um número de casos de uma doença, em uma determinada área e
período, independentemente de o número ser maior que o esperado, é denominado de “cluster”
ou de “agregado de casos”. Em um surto ou epidemia presume-se sempre que haja uma causa
comum.
O termo epidemia é utilizado usualmente em situações em que a doença envolve grande
número de pessoas e atinge uma larga área geográfica. Em geral, define-se surto como um
incidente no qual duas ou mais pessoas apresentam uma determinada doença causada por uma fonte comum. Porém, em situações e áreas onde não havia nenhum registro de caso de uma
determinada doença, ou em agravos considerado emergência em saúde pública, utiliza-se também
a denominação de surto para o aparecimento de um único caso.
3.2. Como os surtos podem reconhecidos
Surtos podem ser identificados de várias maneiras. Em geral, uma investigação de surto
depende da notificação da doença por parte de médicos, laboratórios ou dos próprios envolvidos.
Também, sistemas de monitoramento da doença diarréica, ou de vigilância ativa, podem detectar
surtos, através de casos aparentemente isolados ou da análise de gráficos que mostram aumento
de casos ou mudança do comportamento da doença diarréica, mas que se analisados pela equipe
de vigilância podem ter sua relação estabelecida, requerendo uma investigação mais ampla. Em
algumas ocasiões, a imprensa tem papel importante na identificação e notificação de surtos ou
epidemias. Freqüentemente quem detecta o problema é o próprio paciente ou um seu parente,
trazendo dados sobre uma refeição suspeita compartilhada.
A investigação de um surto envolve o conhecimento de casos que informam, de antemão,
uma fonte suspeita comum, desencadeando-se a necessidade de se entrevistar os que ficaram
doentes e também aqueles que estão em risco, mas permanecem sem a doença, e assim, partindo
de estudos sistematizados, estabelecer associações e hipóteses epidemiológicas.
Com base nessas hipóteses desencadeiam-se outras investigações que permitirão
confirmar ou refutar essas hipóteses. Essas investigações incluem coleta de amostras de
espécimes de pacientes e alimentos suspeitos, visitas aos pacientes e àqueles não doentes que
partilharam das refeições suspeitas, visitas aos locais de preparação dos alimentos ou outras
fontes suspeitas, para se determinar o modo de contaminação e o agente etiológico.
3.3. Por que investigar surtos?
A importância se deve à necessidade de se interromper a fonte de transmissão e eliminar o
risco da doença se disseminar para outras pessoas, reduzir a gravidade do problema, estabelecer
medidas de controle e prevenção de futuros surtos. Além disso, o episódio constitui-se em
oportunidade para conhecimento de novos patógenos ou de novos comportamentos de velhos
patógenos, para realizar treinamentos, fazer reavaliações das ações de controle sanitário,
reformular regulamentos sanitários, programas e políticas de saúde, bem como desenvolver ações
de educação em saúde. Medidas de controle adequadas dependem de informações corretas.
Uma investigação do surto exigirá três tipos de atividades: 1) a investigação
epidemiológica; 2) a investigação sanitária e/ou ambiental e, 3) a interação com o público, imprensa e com o sistema legal - atividades que ocorrem simultaneamente e ao longo da
investigação, mas que serão tratadas aqui conceitualmente em separado por questões didáticas.
3.4. Quais os passos de uma investigação de surtos?
A investigação de surtos de doenças transmitidas por água e alimentos, ainda que possa
ser semelhante às investigações epidemiológicas de outras doenças transmissíveis, revelam
maiores dificuldades e complexidades, devido principalmente ao fato de serem múltiplas as
possibilidades de fontes de transmissão:
1) quando o surto encontra-se em curso, há urgência em se detectar a fonte e prevenir
novos surtos; 2) surtos costumam ganhar publicidade, havendo pressões para que se chegue a
uma conclusão rápida, e principalmente se ele está em curso; 3) em muitos surtos, o número de
casos pode ser insuficiente limitando a investigação; 4) opiniões da imprensa ou noções populares
podem influenciar a resposta das pessoas e interferir na investigação; 5) na área de alimentos,
incluída a água, pode haver fortes interesses comerciais envolvidos podendo precipitar conclusões
que não correspondam a verdade sobre a fonte do surto; 6) um grande número de patógenos e
um grande número de fontes e distintos mecanismos de transmissão concorrem para os surtos
dessas doenças, envolvendo o conhecimento de processos de produção dos alimentos e
microbiologia, que exigem investigação detalhada; 7) a necessidade da urgência da notificação e
descoberta rápida do surto, pois, pois o atraso pode impedir a obtenção de amostras clínicas e
ambientais no prazo em que se possa detectar o agente etiológico.
Dessa forma, em uma investigação de surto por água ou alimentos, primeiramente a
rapidez para se identificar a causa é essencial, pois alimentos e água são consumidos em larga
escala. Para uma investigação adequada, em geral, são utilizados 10 passos, os quais estão aqui
apresentados na ordem abaixo, por questão didática, podendo na prática, serem desenvolvidos ao
mesmo tempo ou em diferentes ordens:
1. Planejamento do trabalho em campo
2. Confirmação da existência de surto
3. Confirmação do diagnóstico
4. Definição e identificação de casos
5. Descrição dos dados surto em tempo, lugar e pessoa
6. Geração de hipóteses
7. Avaliação das hipóteses
8. Refinamento das hipóteses e estudos complementares
9. Medidas de controle e prevenção
10. Relatório e comunicação dos resultados
3.4.1. Passo 1: Planejamento do trabalho em campo
Antes de iniciar a investigação de campo, é necessário possuir conhecimento sobre a
doença. Preparar o material e equipamentos necessários à investigação, organizar a infraestrutura,
definir a equipe de investigação, o coordenador e todas as responsabilidades, além de
contatar pacientes, médicos e outros envolvidos no episódio são tarefas importantes antes de ir ao
campo. Entre as equipes de vigilância, a Vigilância Epidemiológica deve coordenar a investigação,
pois, é a aplicação do método epidemiológico que permitirá, em bases científicas, a identificação
das causas do surto e das medidas mais adequadas para seu controle.
3.4.2. Passo 2: Confirmação da existência de surto
Uma das primeiras tarefas do investigador é verificar qual a situação epidemiológica da
doença, se há uma elevação do número casos na área e se os casos são realmente de uma
mesma doença. Para se determinar o que seria esperado, os casos da doença podem ser
comparados com os registrados nas semanas ou meses anteriores ou em alguns anos anteriores.
As fontes de dados são: registros da vigilância epidemiológica; registros de internação hospitalar
e/ou de atendimento ambulatorial; registros de diagnóstico laboratorial e de mortalidade, além de
estudos anteriores sobre a doença, se existirem.
Se o local não dispõe de dados sistemáticos o investigador pode também levantar dados
junto aos hospitais, unidades de saúde, laboratórios e médicos para verificar os registros da
doença nas semanas e meses anteriores. Esse levantamento pode ser rápido, muitas vezes por
telefone, contatando os médicos dos serviços de saúde. Em algumas ocasiões, o excesso de
casos pode não representar um surto, mas uma mudança no sistema de notificação, ou na
definição de caso, ou mesmo, uma melhoria dos procedimentos de diagnóstico.
3.4.3. Passo 3: Confirmação do diagnóstico
Para confirmar a existência de um surto é necessário confirmar a doença, verificar se o
diagnóstico está correto. Verifique prontuários ou fichas de atendimentos, avalie dados clínicos,
laboratoriais, entre outros. Ofereça exames complementares que podem ser realizados pelo
laboratório de saúde pública para confirmar o diagnóstico ou determinar espécies ou perfis
genéticos do agente etiológico. Conversar com doentes é fundamental para levantar as causas que
podem ter motivado a doença, isto é, as hipóteses de quais teriam sido as causas responsáveis
pelo surto.
Nos surtos de diarréia a coleta de amostras de fezes em tempo oportuno e do maior
número de doentes possível é fundamental para a identificação do agente etiológico e para a confirmação de que o surto foi realmente causado por aquele agente. Por exemplo, uma amostra
positiva de determinado patógeno obtida de um único doente, em surto com vários doentes não
confirma que o surto foi causado por tal agente etiológico. O ideal seria conseguir coletar amostra
de todos os doentes; contudo, pelas dificuldades de ordem laboratorial, recomenda-se a coleta de,
no mínimo, 10 amostras de doentes por surto. Quando o número de casos for menor que 10,
recomenda-se a coleta de todos os casos envolvidos.
3.4.4. Passo 4: Definição e identificação de casos
Essa é uma importante tarefa: estabelecer uma definição de caso, ou seja, definir um
conjunto de critérios científicos que permitam incluir quais pessoas tem ou tiveram a doença ou
agravo que será estudado, bem como excluir aquelas que não estariam relacionadas ao surto.
Uma definição de caso inclui geralmente quatro componentes: 1) informação clínica da doença; 2)
características das pessoas afetadas; 3) informação sobre o local ou região de ocorrência, e 4)
determinação do período em que ocorreu o surto.
Uma definição de caso pode incluir critérios clínicos amplos ou específicos ou então
acrescentar ou restringir-se a resultados de exames (nível elevado de anticorpos, identificação de
agente etiológico, exame de imagem, etc.). Quanto às características de pessoas, a definição pode
restringir-se àquelas que participaram de determinado evento (festa de casamento, determinado
restaurante, ou nadaram em determinado lago). Em tempo, define-se o período em que se
observou o aumento de caso, e em lugar, define a área de ocorrência, uma residência, ou um
bairro, ou todo o município, o local de trabalho, um estabelecimento comercial, etc..
Uma forma de reconhecer casos é estabelecer as seguintes classificações de casos:
"confirmado", "provável", ou "possível".
Caso confirmado – em geral, considera-se como aquele confirmado por diagnóstico
laboratorial.
Caso confirmado por critério clínico-epidemiológico – em surtos, podemos confirmar
caso por critério clínico-epidemiológico, o qual deve apresentar clínica compatível com a doença e
ter sido causado pela mesma fonte que o caso confirmado por critério laboratorial.
Caso provável – aquele com características clínicas típicas, sem diagnóstico laboratorial.
Caso possível – aquele com algumas características clínicas.
Para algumas doenças com transmissão pessoa-a-pessoa, pode ser necessário trabalhar
com as seguintes definições:
Caso primário: aquele que aparece sem que exista um contato direto conhecido com
outro paciente;
Caso coprimário: aquele que surge nas primeiras 24 horas seguintes ao aparecimento de
um caso dentro de um grupo de contatos diretos;
Caso secundário: aquele que surge dentre os contatos de um caso primário, após 24
horas desde o aparecimento do caso primário.
Em um surto de febre tifóide, o investigador captou casos utilizando as seguintes
definições:
Caso confirmado – clínica compatível com febre tifóide e exame laboratorial (hemocultura
ou coprocultura) positivas para Salmonella Typhi.
Caso provável – febre, transtornos intestinais e roséolas tíficas, sem realização de exame
laboratorial.
Caso possível – febre e transtornos intestinais.
Para realizar o estudo analítico (de caso-controle) para identificação da fonte de
transmissão incluiu somente os doentes confirmados laboratorialmente.
No início de uma investigação, utilizar essas definições (caso confirmado, provável e
possível) possibilita levantar o maior número de casos. No início, os primeiros casos podem
representar uma pequena proporção. Durante a investigação podem ser identificados mais casos,
o que permite dimensionar o tamanho do surto/epidemia e da área geográfica atingida. Porém, ao
testar as possíveis hipóteses de causa do surto, pode ser necessário tornar a definição mais
precisa e confiável, mais específica, descartando-se os “casos possíveis”, e de preferência,
incluindo-se apenas os “confirmados” laboratorialmente.
Em todas as investigações deve-se aplicar um questionário padronizado para se
determinar a real ocorrência dos sintomas clínicos, bem como coletar amostras de espécimes
clínicos para conhecer o agente etiológico. Os questionários devem incluir várias informações
sobre cada pessoa afetada:
- Informação de identificação das pessoas: nome, endereço, telefone, etc.. Permitam o
contato com pacientes para questões complementares e para envio de resultados laboratoriais
assim como para a comunicação dos resultados da investigação. Os endereços também são
importantes para mapear os casos e determinar a extensão geográfica do surto.
- Informações demográficas: idade, sexo, ocupação, etc.. Fornecem detalhes para
caracterizar a população em risco.
- Informações clínicas: dados clínicos, laboratoriais, doenças anteriores, etc.. Permitem
verificar se o caso se inclui na definição de caso estabelecida. Dados sobre o início de sintomas
permitirão construir um gráfico da ocorrência do surto, isto é, a curva epidêmica. Informações clínicas complementares sobre tipo de tratamento, internação hospitalar, óbito, possibilitam
compreender a gravidade da doença e seu comportamento no episódio em questão.
- Informações sobre fatores de risco/fontes de transmissão: o levantamento de fatores
de risco, fontes de transmissão são fundamentais para a investigação da doença em questão. Por
exemplo: em uma investigação de surto por hepatite A, perguntamos sobre exposições a alimentos ou a água contaminada ou contato anterior com outro caso. As informações podem ser coletadas em formulário que permita visualizar em cada linha os dados dos pacientes, o que permite ao investigador buscar facilmente essas informações. Novos casos vão sendo acrescentados à medida que são identificados. No mundo inteiro, mesmo na era dos computadores, os epidemiologistas ainda utilizam esse “manuscrito” ou “planilha” para coletar e avaliar os dados. Tais dados aí coletados, inseridos no computador, permitem fazer vários cruzamentos e compreender melhor o surto.
fonte: ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/hidrica/doc/VEDTA08_manual.pdf