sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

FAMÍLIA NOS DIVERSOS CONTEXTOS



Em todas as sociedades humanas, desde os primórdios da civilização, existe algum tipo de organização do convívio comum que forma uma unidade social na qual o ser humano se relaciona muito proximamente um com o outro, estabelecendo formas significativas de convivência. A família, como grupo social, tem se modificado ao longo da história da humanidade em decorrência de fatores políticos, sociais, culturais e econômicos, ocasionando mudanças no modo de vida das pessoas e da sociedade em geral.

Podemos também entender família, como uma unidade dinâmica construída por pessoas que se percebem como família, que convivem por um espaço de tempo, com uma estrutura e organização em transformação, estabelecendo objetivos comuns, construindo uma historia de vida. Os membros da família estão unidos por laços consangüíneos, de interesse ou afetividade. Tem identidade própria, possui, cria e transmite crenças, valores e conhecimentos comuns, influenciados por uma cultura e nível sócio-econômico. A família tem direitos e responsabilidades, vive num ambiente em interação com outras pessoas e famílias, escola, posto de saúde, e outras instituições em diversos níveis de aproximação. A família define objetivo e promove meios para o crescimento e desenvolvimento de seus membros e da própria comunidade10.
Embora cada família seja única em sua cultura, estrutura, organização e funcionamento, ela não está só. Ela faz parte de uma estrutura dinâmica e continua de interação com o meio que a cerca. Como um sistema social, ela apresenta limites que são permeáveis, permitindo que cada membro se relacione com o mundo exterior. Esse sistema social é também o espaço das relações entre os seus membros e entre os vizinhos, a comunidade e a sociedade.
A família cresce e se desenvolve através do processo de viver e está sujeita as mudanças nas relações internas e externas, que a atingem de modo diverso. A realidade externa da família abrange inúmeras variáveis que influenciam e transformam seu modo de viver. Os seres humanos mudam seu ambiente e são mudados por ele e essa mudança pode afetar positivamente ou negativamente o viver de cada um e de todos. Em uma família todos participam da vida de todos, formando um sistema no qual a mudança em um dos elementos leva à mudança da unidade. Assim como os indivíduos necessitam estar cientes sobre os efeitos do ambiente em sua saúde, a família necessita olhar atentamente para o seu espaço de vida e o conjunto das suas relações.
A Família e o Ciclo Vital
A família é um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros. Esse processo dual de continuidade e crescimento permite o desenvolvimento da família como unidade e, ao mesmo tempo, assegura a diferenciação de seus membros. A necessidade de diferenciação entendida como auto-expressão de cada indivíduo funde-se com a necessidade de coesão e manutenção da unidade no grupo com o passar do tempo. Teoricamente, o individuo é membro garantido em um grupo familiar que seja suficientemente coeso e do qual ele possa se diferenciar progressivamente e individualmente, tornando-se cada vez menos dependente em seu funcionamento do sistema familiar original, até poder separar-se e instituir, por si mesmo, com funções diferentes, um novo sistema.
A autonomia e a individualidade não podem ser reconhecidas separadas de um sistema plurigeracional onde o individuo é ao mesmo tempo uma parte e um todo de um sistema maior que por sua vez pertence a sistemas maiores, num processo contínuo de comunicação e integração. Entendendo-se que a família não é, pois, uma entidade estática e que está em constante processo de mudança, faz-se necessário compreender o individuo e a família simultaneamente.
As necessidades do indivíduo são um dos componentes importantes a ser considerado na formação do cidadão, pois, quando as necessidades básicas do individuo estão satisfeitas, surgem sentimentos de satisfação, felicidade, entusiasmo, fazendo com que o individuo tenha paz consigo mesmo. O contrário pode resultar em sentimento de frustração, levando o indivíduo a experimentar sentimentos desagradáveis, podendo se transformar em emoções negativas. Tais necessidades estão presentes independentes da cultura, da educação ou do meio ambiente.
As necessidades humanas básicas, referem-se à força motivadora que comanda as ações humanas, fundamentais ao ser humano e que precisam, portanto, ser satisfeitas. As Necessidades Humanas Básicas podem ser definidas como sendo estados de tensões conscientes ou inconscientes, resultantes de desequilíbrios dos fenômenos vitais que brotam sem planejamento prévio. São universais “por serem comuns a todos os seres humanos, mesmo variando de um individuo para outro, tanto na forma de se manifestarem, quanto na maneira de serem consideradas atendidas”, são vitais, “devido à sua importância para a conservação da vida”, são “latentes, porque só se manifesta com maior ou menor intensidade, a partir de um desequilíbrio instalado e não em estado de equilíbrio dinâmico”, e são infinitas e constantes, uma vez que podem se apresentar em uma diversidade de modalidades e por estarem sempre presentes no ser humano. Quando atendidas, desprendem energias, o que lhes dá uma conotação energética13.
Família, Sociedade e Cidadania,
O ser humano é essencialmente um ser ético, ou seja, capaz de agir corretamente, em função do bem comum. É necessário não somente viver, mas viver bem, em função de seu aperfeiçoamento moral, de acordo com a lei humana, e divina, em função da própria felicidade. Das leis surgem as instituições e delas, obrigações, além do culto ao sagrado e do encantamento pelo sobrenatural. O individuo é essencialmente um ser bio-psico-sócio-espiritual. Cujas partes devem se integrar de forma intima e harmoniosa, provocando uma fusão de pensamentos, sentimentos, impulsos e atos, abrangendo um todo significativo e organizado na pessoa14.
Compete à família assegurar a seus membros, bem-estar material, emocional e espiritual além de convivência em ambiente agradável, como forma de garantir, a cada um, conforme os ditames da lei e da moral, formação adequada para que possam transmitir aos descendentes uma vida perfeitamente saudável. Isso explica a capacidade de amar e sentir-se amado, útil e valorizado, nas diversas fases da vida. Esses valores morais, culturais, cívicos, materiais e outros, precisam ser transmitidos não só, através da instrução, mas, principalmente, através da educação. É no vivenciar cotidiano das experiências pessoa-a-pessoa-ambiente, experienciando um processo educativo, expressando comportamentos e características individuais, interpretando a própria história cultural, auto determinando-se, exercendo seus direitos e seus deveres, buscando a própria auto-realização, contribuindo com as questões de definição sócio-politica e cultural da comunidade, delineando a ética social vigente, que o individuo se coloca como cidadão.
O ano de 1994 foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Família. Constituiu-se também o marco/momento no qual elegeu-se a família como foco principal do cuidado profissional de saúde em atenção básica e a Estratégia Saúde da Família, como eixo estruturante da organização dos serviços no âmbito do sistema de saúde no Brasil. No PSF propõe-se superar a fragmentação dos cuidados à saúde decorrente da divisão social e da divisão técnica do trabalho em saúde; eleger a família e seu espaço social como núcleo básico central da abordagem no atendimento à saúde; humanizar as práticas de saúde e buscar a satisfação do usuário através do estreito relacionamento da equipe com a comunidade e do estimulo à organização comunitária para o exercício efetivo do controle social. Representando, assim, uma mudança substantiva no sentido da Vigilância da Saúde, onde se espera um olhar multiprofissional e uma pratica multisetorial.
Enquanto profissional, observamos que, trabalhar com famílias no campo da saúde é uma exigência cada vez maior para todos os profissionais de saúde e não apenas para aqueles que estão envolvidos com a Estratégia Saúde da Família. Para tal, os conceitos e ferramentas oriundos do campo sócio-antropológico constituem auxiliares valiosos, pois facilitam a compreensão de inúmeros processos mórbidos, bem como suas repercussões sobre os familiares de um usuário e permitem abandonar alguns preconceitos e desenvolver ações mais efetivas.
A visita domiciliar (VD), representa uma ferramenta de grande valor para os profissionais da saúde, pois através dela podemos avaliar as condições ambientais e físicas em que vivem o individuo e sua família. Permite ao profissional de saúde, estar mais próximo do cotidiano das famílias e conhecer, interpretar e vivenciar o meio onde elas vivem, identificando assim, os vários problemas que afetam sua realização.
Para proporcionar a assistência à saúde com qualidade, é necessário compreender a singularidade de cada família, pertencente a um contexto social e cultural específico que condicionam diferentes formas de viver e adoecer. Para entender as necessidades vividas pelas famílias, os profissionais de saúde utilizam-se da VD como instrumento de interação, resolutividade, procurando assistir / cuidar de forma adequada a proporcionar-lhes meios para terem uma vida mais saudável.
AS FAMÍLIAS, FRENTE À VULNERABILIDADE SOCIAL!
A gravidade do quadro de pobreza e miséria, no Brasil, constitui permanente preocupação e obriga a refletir sobre suas influências no social e, principalmente, na área de atuação junto da família, na qual as políticas públicas ainda se ressentem de uma ação mais expressiva. O Estado deve assegurar direitos e propiciar condições para a efetiva participação da família no desenvolvimento de seus filhos, porém os investimentos públicos brasileiros, na área social, estão cada vez mais vinculados ao desempenho da economia.
O Brasil nas últimas décadas vem impondo uma enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza que exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. Estudo em Economia mostrou que, de 1992 a 1999, os 25% mais pobres perderam 20% da renda e os 5% mais ricos perderam 10%. Estes dados levam a constatar que a defasagem salarial é maior para os pobres, o que amplia, ainda mais, a concentração de renda no Brasil. Pobreza não pode ser definida de forma única, mas ela se evidencia quando parte da população não é capaz de gerar renda suficiente para se ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantam uma qualidade de vida digna. Estes recursos são água, saúde, educação, alimentação, moradia, renda e cidadania.
O termo exclusão social tem sentido temporal e espacial: um grupo social está excluído segundo determinado espaço geográfico ou em relação à estrutura e conjuntura econômica e social do país a que pertence. No Brasil, esse termo está relacionado principalmente à situação de pobreza, uma vez que as pessoas nessa condição constituem grupos em exclusão social, porque se encontram em risco pessoal e social, ou seja, excluídas das políticas sociais básicas (trabalho, educação, saúde, habitação, alimentação).
Um país tem pobreza quando existe escassez de recursos ou quando, apesar de haver um volume aceitável de riquezas, estas estão mal distribuídas. O Brasil não é um país pobre, e sim um país desigual. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que analisa a pobreza, o Brasil ocupa o 9º lugar em renda per capita, dentre os países em desenvolvimento, mas cai para o 25º lugar quando se fala em proporção de pobres. Isto coloca o Brasil entre os países de alta renda e alta pobreza. Ao mesmo tempo em que está entre os 10% mais ricos, integra a metade mais pobre dos países em desenvolvimento, sendo um dos primeiros do mundo em desigualdade social. Aqui, 1% dos mais ricos se apropria do mesmo valor que os 50% mais pobres. Há no País 56,9 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza e destas, 24,7 milhões vivem em extrema pobreza.
As políticas sociais muito pouco têm contribuído para amenizar as condições de vulnerabilidade da família pobre, no entanto, há de se fazer referência ao Programa Saúde da Família – PSF, do Ministério da Saúde, como estratégia em termos de política pública que centrou seu foco na família. O PSF tem como unidade de atendimento a família em seu habitat e prevê ações que levem em conta a possibilidade de detectar no domicílio as necessidades de suporte e incrementar estratégias comunitárias, no sentido de ampliar redes de apoio social. Com atenção contínua e ativa, desenvolve ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família de forma integral e contínua, objetivando com isso melhorar a qualidade de vida dos indivíduos.
Enquanto profissional, verifica-se que o PSF implantado na região, do estudo em questão, tem apenas promovido ações básicas tais como: consultas médicas, medicamentos, palestras educativas, dentre outras. Nenhuma iniciativa tem sido realizada, no sentido de melhorar as condições de habitação, saneamento básico por exemplo. É necessário repensar as praticas em saúde, pois a realidade, em nada difere do atendimento individualista, voltado para cura da doença, e reabilitação do indivíduo.
Espera-se, portanto, que a família seja enfocada de forma concreta na agenda política dos governos para que ela possa prover sua autonomia e para que seus direitos sejam respeitados. É necessário que as políticas públicas venham em apoio à família pobre não apenas em relação à renda, mas também em relação ao acesso a bens e serviços sociais, e daí promover a qualidade de vida destas.


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