quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

IATROGENIA



importância do médico clínico geral - Iatrogenia

Guilherme Kropf
1) PROPOSTA
Nos últimos dez anos foram publicados no mundo 2004 artigos médicos versando sobre iatrogenia ( Fonte: MEDLINE ), o que significa, em média, 4 artigos novos por semana. Diversos autores e professores universitários já sugeriram que este tema fosse incluído como matéria curricular obrigatória nas Faculdades de Medicina.
A iatrogenia, que desde os primórdios da medicina sempre permeou os "atos médicos", frequentemente envolvida em disfarces que dificultam a percepção de sua indesejável presença, tem sido, nos últimos tempos, finalmente desmascarada e responsabilizada por uma boa parte do sofrimento de seres humanos que, por necessidade, se aproximam da área de atuação médica.
Nos últimos anos tenho sistematicamente observado situações iatrogênicas diversas e tentarei demonstrar porque o médico CLÍNICO GERAL, em função de sua visão abrangente, holística, de sua percepção sistêmica do paciente, do ato de adoecer, dos meios diagnósticos e terapêuticos, tem importância fundamental na detecção, prevenção e correção das inúmeras iatrogenias que ocorrem no contexto de trabalho das diversas equipes de saúde.
2) CONCEITO
O Dicionário nos diz que iatrogenia é qualquer alteração patológica provocada no paciente por um procedimento médico errôneo ou inadvertido, isto é, feito sem reflexão. Esta definição exclui efeitos maléficos resultantes de ações médicas consideradas corretas como por exemplo, administrar Dipirona a uma pessoa com febre ou dor - Teoricamente pode acontecer uma reação anafilática letal em função deste ato correto. Mas como caracterizar que determinada conduta é correta? Em 1949, o cirurgião português EGAS MONIZ foi agraciado com o Prêmio NOBEL de Medicina por ter desenvolvido a técnica da LOBOTOMIA FRONTAL, amplamente usada em todo o mundo, mormente nos EUA, antes de ser abandonada e considerada incorreta e lesiva para os doentes mentais a que se propunha tratar. Centenas, provavelmente milhares de pessoas que foram submetidas a este tratamento ‘PSICO-CIRÚRGICO' ficaram com sequelas irreparáveis. A História da Evolução da Medicina se fez e ainda se faz em cima de experimentos, erros e acertos, de forma que inúmeras condutas consideradas benéficas posteriormente se mostraram nocivas como por expemplo o uso de Talidomida em gestantes na década de 50.
Em função disso, faz-se necessária a ampliação do conceito de iatrogenia, levando-se em consideração não só os transtornos gerados a um indivíduo em função de um ato médico isolado, mas, principalmente, no aspecto iatrogênico coletivo; cujo potencial merece ser exaustivamente monitorizado a cada novo exame, remédio, conduta terapêutica ou seja, a cada novidade que a comunidade médica apresente. E o momento que vivemos é pleno de mudanças. A cada quatro anos sabemos que dobra o número de informaçõs médicas disponíveis, numa velocidade que dificulta o conhecimento e sedimentação da experiência pessoal em relação aos novos elementos que surgem na Medicina.
3) REFLEXÃO HISTÓRICA
No estudo das Antigas Civilizações, sempre se observa, concomitantemente ao cuidado com as doenças, a existência de atos iatrogênicos. Os Incas usavam a Trepanação para afastar as doenças mentais. No Impérios Assírio- Babilônico a Medicina impregnada de Magia, tinha sua terapêutica vinculada à concepção religiosa da doença vivida como pecado, preponderando como métodos de cura o exorcismo, os sacrifícios e as oferendas aos deuses. O famoso Código de Hamurabi, em seu artigo 218, impõe pesado imposto ao médico pelo dano causado a alguém: "caso o médico tenha tratado o ferimento grave de um homem livre com um instrumento de Bronze e esse venha a falecer, ou se tiver aberto a mancha no olho de alguém com o instrumento de Bronze, provocando-lhe a inutilização da vista, ser-lhe-ão cortadas ambas as mãos."
A própria Mitologia Grega revela uma preocupação com a iatrogenia, no nascimento da Medicina, quando Apolo ordenou ao Centauro Quiron que ensinasse a Asclépios, filho de Zeus, a curar as doenças dos homens, utilizando "fármacos suaves" ou "incisões adequadas". PHARMAKON tem, na Grécia Antiga, duplo sentido: medicamento e veneno, assim como para nós tem, hoje em dia, o termo "droga".
Samuel Hahnemann há 200 anos, inconformado com os malefícios dos métodos terapêuticos contemporâneos - sanguessugas, sangrias, catárticos, laxativos, etc ... descobre e desenvolve a Homeopatia, usando o princípio das doses mínimas para, entre outros ideais, fugir dos efeitos iatrogênicos da medicina da época.
A história da transfusão sanguínea carrega consigo até hoje uma enorme bagagem iatrogênica. Começa em 1490, quando com intuito de prolongar a vida do Papa Inocêncio VII, que se encontrava muito idoso e fraco, retiram sangue de três crianças dando para o Papa ingerir por via oral. O paciente não melhorou; as crianças morreram; e o médico "inventor" do método teve que fugir da cidade.
Diversas tentativas foram feitas com transfusão de sangue de carneiro levando sistematicamente ao óbito os psicopatas que tinham esta indicação de "tratamento de escolha" até que em 1667 houve uma proibição na Europa ( Parlamento Francês) e na Igreja Católica tendo sido a transfusão abandonada por 150 anos. Em 1824, Blundell, um parteiro com visão clínica ampla, estudioso de Fisiologia, desenvolve experimentos mostrando que a morte por hemorragia em um animal só pode ser evitada por transfusão de sangue de outro animal da mesma espécie e a partir de então, em 1825 tem-se o relato da primeira transfusão humana com sucesso. Porém os grupos A, B, O, AB só foram identificados em 1910, após inúmeras mortes por Hemólise.
A cirurgia, a anestesia, a assepsia, todas as histórias são plenas de situações iatrogênicas na base de seu desenvolvimento, principalmente por falta de uma visão abrangente, histórica, reflexiva, ou seja, por falta de uma visão clínica crítica.
Mas estamos próximos ao esperado ano 2000 "do futuro". Os médicos do século passado, em suas casacas escuras e perucas, eram observadores solitários que trabalhavam nos consultórios e casas dos pacientes, pois os hospitais se prestavam somente para doentes mentais, indigentes, leprosos e terminais. Não existiam os atuais especialistas e sim alguns detentores de segredos curativos, frequentemente como vantagens financeiras em função disso. No século que atualmente se finda surgiram os jalecos brancos, até então usados somente por cientistas e pesquisadores, anunciando o casamento entre as ciências emergentes ( química, física, biologia) e a medicina. Desta união surgem as especialidades médicas com seus aparelhos cada vez sofisticados, métodos diagnósticos invasivos, medicamentos ultra específicos, sondas, próteses, tubos, respiradores, marca passos, transplantes, etc, etc... O homem vem sendo estudado e tratado cada vez mais detalhadamente, com "especialistas" em todos os aparelhos e sistemas do organismo humano. A Medicina agora tem mais PODER e sabemos que quanto maior é o poder nas profissões, maior é o risco implícito - um ascensorista quando erra causa danos infinitamente menores do que causaria um piloto de jato. Uma série de pequenos erros, recentemente, levou todos os componentes jovens de um conjunto musical à morte ao se chocar brutalmente a uma montanha em São Paulo. Assim também acontece na prática médica. Os grandes erros são mais fáceis de serem detectados do que os pequenos, em série, que passam despercebidos mas nem por isso são menos letais. O Clínico Geral tem, entre outras atribuições, a "de dar um passo atrás" e enxergar todo o processo vingente em um determinado caso,onde o caminho de cura pode estar sendo desviado por iatrogenias não visíveis aos olhos dos mais especializados. Tem o dever de resgatar a visão global dos profissionais da saúde, percebendo o maior número de fatores e detalhes que importam em cada paciente, em cada exame, em cada remédio, enfermaria ou hospital.
4) ASPECTOS PRÁTICOS
Em Medicina, o imprevisível sempre está presente. Os seres humanos são todos diferentes física, emocional, socialmente. Não era de se esperar que as doenças, como muitos médicos gostariam, se apresentassem da mesma maneira em cada evento. Mas existem regras e sinais básicos que se valorizados, nos ajudam a causar menos danos ao paciente com nossos procedimentos.
A. A primeira e mais importante regra, que deveria constar da rotina de qualquer médico, vem sido tragicamente desrespeitada por alguns especialistas e clínicos com formação médica insuficiente: a tradicional sequência - escutar a história; montar a anamnese; realizar um exame físico cuidadoso, o mais completo possível; usar o potencial do raciocínio para construir as hipóteses diagnósticas e só então decidir a conduta, não deve ser nunca esquecida. A facilidade dos múltiplos exames complementares e dos medicamentos de amplo espectro unidos à perigosa e inoportuna necessidade de se atender rapidamente, tem feito com que esta etapa fundamental seja substituída por exames e remédios de questionável indicação que dão com frequência o passo inicial para uma trajetória mais onerosa e com potencial iatrogênico imprevisível.
Um grande número de diagnósticos podem ser desvendados com uma anamnese bem feita. Deve ser rotina perguntar que medicação fez ou está fazendo uso para checar se dentre os sintomas, já não existem alguns atribuíveis a efeitos colaterais. Importante arguir sobre alergias ou reações adversas para não repeti-las. Enfim, neste primeiro contato reside a base do raciocínio clínico e começa a se estabeler a relação médico-paciente que, como sabemos, quando batizada de confiança mútua tem potencial curativo.
B. Todo diagnóstico que implique em tratamento invasivo deve ser exaustivamente revisado e questionado para se evitar desagradáveis situações iatrogênicas. Por exemplo, sabemos que o quadro clínico e mesmo a antomopatologia de um gânglio de Hodgkin pode ser muito semelhante ao da taxoplasmose crônica enquanto as condutas terapêuticas divergem frontalmente de uma agressiva quimioterapia com eventual iaparotomia e esplenectomia para estadiamento, a um simples curso limitado de medicação oral no segundo caso. Não se deve confiar em apenas um dado, mesmo histopatológico, caso o mosaico de sinais e sinto mas não sejam concordantes com a patologia. Já tive oportunidades de rever um diagnóstico equivocado de mieloma múltiplo num paciente de 60 anos, que fez nove meses de quimioterapia, e desenvolveu insuficência renal erroneamente atribuída à doença de base. Dois fatos me chamaram a atenção: a sistemática piora da função renal após cada aplicação e quando o paciente contou-me que seu sintoma principal havia sido uma dor na perna que lhe acompanhava desde a juventude. Sabemos que função renal do paciente com mieloma melhora após a quimioterapia e que esta doença NUNCA começa na juventude. Com a suspensão do tratamento houve regressão dos sintomas e restabelecimento da saúde. Uma revisão da lâmina do mielograma desfez os equívocos e com certeza salvou uma vida. O clínico geral deve além de fazer o pré e pós operatório para os cirurgiões, também discutir com eles a indicação cirúrgica, ampliando a comum abordagem mecanicista e imediatista a que frequentemente são submetidos os pacientes.
Em resumo, sempre que se cogitar a possibilidade de cirurgia, quimioterapia, radioterapia, plasmaferese, transfusão, etc., o clínico geral tem a responsabilidade de fazer o balanço entre riscos e benefícios do procedimento em questão para aquele determinado ser humano, naquele momento e, eventualmente, naquele estabelecimento médico.
C. O clínico geral deve ser o observador de toda a equipe de saúde de um hospital, em permanente monitorização dos resultados. Ao comentar certa vez com outro clínico do hospital que vários pacientes meus estavam apresentando hiponatremia, chegamos à conclusão que o aparelho do laboratório é que estava totalmente descalibrado aquela semana. Outra feita, percebemos quatro casos de pacientes com hipoglicemia, coincidentes com a escala de plantão de determinada equipe de enfermagem, onde uma profissional não usava corretamente o haemoglucotest e, como consequência, aplicava doses de insulina diferentes das prescritas. Como clínicos gerais, num ambiente hospitalar, devemos estar atentos também à higiene e assepsia dispensada pela enfermagem aos pacientes, aos germes de aparecimento mais frequentes, aos medicamentos com poder iatrogênico conhecido, como é o exemplo dos antiinflamatórios tão admirados pelos ortopedistas e otorrinolaringologistas, visto que, quando surgem os efeitos colaterais os pacientes geralmente não voltam ao especialista e sim procuram uma emergência ou um clínico geral. Devemos denunciar o uso indiscriminado de antibióticos que tem promovido uma resistência bacteriana cada vez maior, a ponto de se prever uma ERA PÓS ANTIBIOTICOTERAPIA quando, semelhante a ERA PRÉ ANTIBIOTICOTERAPIA, os hospitais ficavam cheios de doentes com infecção, sem possibilidade terapêuticas.
Devemos observar a alimentação, a temperatura do quarto, as sondas, catéteres, drenos, etc. É comum, quando um paciente retorna do centro cirúrgico, que uma sonda permaneça fechada por descuido, propiciando, por exemplo um inoportuno vômito no pós operatório, ou uma falsa anúria. Quantas vezes já não se ministrou um diurético antes de detectar que a sonda vesical estava fechada ! É frequente que cateteres venosos (subclávia, dissecção umeral, etc ...) de uso prolongado, sejam causa de febre com calafrios por contaminação. Se não estivermos atentos podemos interpretar como piora evolutiva de outra infecção. Em caso de dúvida, tiremos o cateter. É a única forma de esclarecê-la.
Outra abordagem que frequentemente fica sendo atribuição do clínico geral , em pacientes internados, é a que propicia espaço para que os mesmos se manifestem em relação às fantasias, medos, inseguranças. A presença do clínico deve estimular a comunicação efetiva. Somos vistos pelos pacientes como aquele que faz a ligação, o elo com os outros profissionais atuantes. De uma maneira geral, o paciente prefere uma conversa honesta, aberta, sobre seus diagnósticos, exames e prognósticos, de forma que possa estar consciente das vantagens e consequências de cada ação terapêutica.
Enfim, dentro de um hospital, o clínico geral é como o engenheiro de bordo de um avião, ou seja, deve checar todos os itens antes , durante e após o tratamento para evitar surpresas desagradáveis.
D. Em relação aos novos exames complementares, novos medicamentos e novos aparelhos, penso que os clínicos não necessitam ser os primeiros a usá-los. Acho que devemos observá-los, conhecê-los, para então ter uma opinião crítica. Nem sempre o novo é inócuo, pelo contrário, a concorrência estimula um enorme número de lançamentos não raramente precoces, e muitas vezes sem a vigilância necessária pelo órgãos competentes.
Cito o exemplo da amniocentese diagnóstica durante a gestação para detectar possíveis defeitos genéticos do feto antes do parto. Quem será capaz de medir as possíveis consequências geradas a um feto, pelo fato de sua mãe estar sendo submetida a um exame invasivo, estressante, num contexto capaz de provocar grande liberação adrenérgica, sabidamente prejudicial à gestação, não só pelo ato em si, mas pela expectativa gerada com os possíves resultados e seus desdobramentos posteriores. Há indicação de um aborto? E a introdução de uma agulha passando pela pele, num ambiente até então absoluta e naturalmente estéril e que pode funcionar como excelente meio de cultura como o líquido amniótico ? E a perspectiva de futura culpa, caso a mãe não deseje ser submetida ao procedimento indicado pelo seu obstetra de confiança ? Penso que deva ser um exame de exceção e não uma quase rotina como vem sendo nos últimos tempos.
Os novos medicamentos são inventados numa velocidade impossível de ser acompanhada, dificultando a memorização dos efeitos colaterais e as reações de incompatibilidade medicamentosa sempre temidas.
5) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Clínico Geral deve ter conhecimentos mínimos em todas as áreas de relação entre um paciente e um profissional da saúde. Não precisa saber fazer os procedimentos especializados como uma cirurgia, uma medida de pressão intraocular ou uma imobilização com gesso, mas deve estar ciente das consequências inerentes aos atos dos especialistas. Os sintomas do paciente são os indicadores do desequilíbrio energético daquele ser humano que sofre. Cabe ao clínico ir além da observação da parte doente, ir em direção ao todo, identificando as possíveis causas deste desequilíbrio e conhecendo cada individual e único processo de adoecer. Para nenhum outro especialista é tão verdadeira a frase que "não existem doenças e sim, doentes." E ninguém melhor do que um clínico geral para indicar uma consulta a um especialista. Aliás, os modernos programas de saúde social são espelhados nos famosos MÉDICO DE FAMÍLIA existentes em Cuba, onde um generalista é responsável por determinada área e número de pacientes, tendo disponível uma ambulância e um hospital de apoio para os casos que não consiga resolver sem auxílio dos especialistas.
Em Buenos Aires também, uma empresa brasileira de Medicina de Grupo vem há três anos implantando uma nova forma de atuação, onde o clínico geral credenciado fica à disposição de um determinado número de clientes com possibilidades de encaminhá-los, quando julgar necessário, para um parecer especializado ou uma internação, mas sem deixar de ter a responsabilidade sobre o paciente.
Na base das iatrogenias estão frequentemente o desconhecimento, a falta de visão ampla, o descuido com detalhes, a falta de experiência, a dificuldade do profissional em enxergar suas carências em determinadas áreas e de tentar supri-las através de trocas pessoais ou estudos científicos e principalmente a ONIPOTÊNCIA que é capaz de gerar uma nuvem embassadora da visão médica adequada.
Quando o médico, principalmente especialista, se deixa levar pela robotização, negligencia o atendimento singular que cada paciente exige.
A imprudência é culposa, quando desafia os riscos, apesar do peso evidente dos mesmos, em função dos benefícios possíveis. As pequenas iatrogenias podem ser encontradas e minimizadas se estivermos atentos à elas ou podem receber um rótulo de agravação, idiopático ou outro qualquer e se perpetuar no anonimato.
Tal como um diretor de um filme, o clínico geral deve participar das filmagens em todas as cenas, sem perder a noção do roteiro como um todo. Ele não está imune às iatrogenias. Deve ter a consciência de sua importância, visto que qualquer modelo de ação médica, voltado para o diagnóstico, tratamento, prevenção, reabilitação ou pesquisa não tem apenas efeitos benéficos. E só não se arrisca à iatrogenia quem não lida com pessoas doentes. Portanto, tenhamos sempre em mente a vontade de aprender, a humildade e consciência de que podemos errar e principalmente o respeito pelo ser humano que nos permite exercer a profissão, para que não incrementemos sua carga de sofrimento com os nossos procedimentos.
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Obras Consultadas:
1. A Evolução da Medicina A. Bernardes de Oliveira - Editora Pioneira - São Paulo -1981. 2. Sinopse de Psiquiatria - Iatrogenias Adolpho Hoirisch - Editora Cultura Médica - Rio de Janeiro - 1993. 3. Iatrogenias Elementares nos Centros de Tratamento Intensivo - Levão Bogossian Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões - Vol. XXIII, No 3

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

ALZHEIMER






A doença de Alzheimer é uma doença que provoca deficiência cognitiva, afetando principalmente a memória necessária para reter novas informações. À medida que a doença evolui, várias outras funções cognitivas, como orientação, linguagem, julgamento, função social e habilidade de realizar tarefas motoras também declinam. Essa doença esta fortemente associada à idade, sendo bastante incomum antes dos 50 anos, mas podendo afetar metade das pessoas na faixa dos noventa anos. Ainda não foi encontrada uma cura, mas existem várias formas de tratamento que podem amenizar os sintomas de DA (doença de Alzheimer).Desde a descoberta da DA por Alois Alzheimer, surgiram muitas dúvidas e confusões sobre a relação dessa doença com o envelhecimento normal, uma vez que alterações microscópicas observadas no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer também se encontram em cérebros de pessoas idosas sadias. A diferença está na quantidade e distribuição dessas alterações. A senilidade é a deterioração das funções físicas e mentais resultantes da idade avançada, não tendo necessariamente relação com a DA.Demência é um termo médico utilizado para denominar disfunções cognitivas globais, podendo ocorrer em várias doenças diferentes, como doenças cerebrovasculares (AVCs), alcoolismo, AIDS, doença de Parkinson e doença de Alzheimer. Contudo, a DA é a causa mais comum de demência no mundo todo. Não se deve confundir distúrbios causados pelo envelhecimento normal com distúrbios causados pela demência, erro muito comumente cometido. Algumas alterações de memória e outras funções cognitivas são comuns em idosos sadios. Na demência, há um declínio cognitivo que resulta na perda da função (habilidade de administrar as responsabilidades em casa e no trabalho, nas atividades sociais ou nas atividades do dia-a-dia). A perda de memória sempre ocorre na demência, mas não é suficiente para o diagnóstico desta, sendo necessário o declínio de pelo menos uma outra área da função cognitiva.



Desde a época das primeiras descrições dos casos de doença de Alzheimer, sabe-se que as primeiras alterações microscópicas associadas à doença são os depósitos chamados amilóides, juntamente com anormalidades denominadas emaranhados neurofibrilares, que se desenvolvem dentro das células cerebrais. Determinar a natureza desses achados anormais trouxe opiniões importantes sobre as possíveis causas da doença de Alzheimer.
1) A proteína beta amilóide, que é a proteína específica de amilóide na doença de Alzheimer, deriva de uma proteína maior, denominada proteína precursora do amilóide (PPA), normalmente produzida por uma série de tipos diferentes de células orgânicas por vias metabólicas ainda não totalmente entendidas. Muitos pesquisadores (mas com certeza não todos) concluíram que o depósito de proteína amilóide no cérebro seja o evento-chave que leva ao desenvolvimento da doença de Alzheimer.
Uma observação importante que sustenta a idéia de que o metabolismo da PPA é a chave para o desenvolvimento da Doença de Alzheimer é a ocorrência dessa doença na maioria de indivíduos com Síndrome de Down sobreviventes além da idade de 50 anos.
2) Emaranhado neurofibrilar é uma expressão que descreve o aparecimento dentro dos neurônios de uma proteína citoesquelética densa, não sendo específicos da doença de Alzheimer e não estão uniformemente presentes em pacientes idosos com Doença de Alzheimer. O que chama a atenção é um componente particular dos emaranhados: a proteína tau, que é hiperfosforilada num paciente com Alzheimer o que difere da proteína tau de um cérebro normal. Alguns neurocientistas especulam que a fosforilação da tau e de outras proteínas pode ser um processo importante que traz disfunção celular na doença de Alzheimer.



Uma série de fatores parece aumentar a probabilidade de um indivíduo desenvolver doença de Alzheimer. A maioria desses fatores parece estar fora de controle do indivíduo.
Idade: a incidência é muito maior em pessoas com mais de 80 anos.
Hereditariedade de certos genes: a história familiar de doença de Alzheimer geralmente aumenta a probabilidade de a pessoa desenvolver a doença. Uma idade inicial relativamente jovem para a doença indica um componente genético mais forte.
Genes ligados a doença de Alzheimer: - mutação do cromossomo 21, especificamente no gene da proteína precursora do amilóide (PPA)- os genes dos cromossomos 1 e 14 - formas específicas do gene para a proteína apolipoproteína E, localizado no cromossomo 19- Apolipoproteína E: pode estar relacionada no transporte e na disposição dos fragmentos amilóides. A presença da apolipoproteína E4 representa forte fator de risco.
Metais: o alumínio e o zinco têm sido associados às alterações do tecido cerebral que ocorrem na doença de Alzheimer. Porém não há evidências diretas que liguem a exposição física a esses metais com a doença.
Síndrome de Down e doença de Alzheimer: indivíduos com síndrome de Down têm cópia extra do cromossomo 21 onde se localiza o gene para a proteína precursora do amilóide (PPA) e, portanto, possuem 50% de capacidade a mais de gerar a fonte da proteína beta-amilóide, constituinte primário das placas amilóides que se depositam no cérebro com doença de Alzheimer.
Há também estudos de fatores que poderiam reduzir o risco de desenvolver o quadro clínico ou retardar a evolução da doença.
Altos níveis de instrução: Pessoas instruídas apresentam pontuações na variação normal em testes de triagem cognitiva durante os estágios precoces de doenças demenciantes. Testes cognitivos mais difíceis podem revelar um declínio substancial e sustentam o diagnóstico.
Estrogênio: O uso de estrogênio (reposição hormonal) pode ser mais comum entre mulheres com maior nível de instrução e melhor acesso a assistência médica, podendo tais mulheres apresentar menores taxas de doença de Alzheimer. Portanto, o uso do estrogênio pode ser um marcador de risco reduzido mais do que uma droga que realmente reduza o risco. Por outro lado, pesquisas laboratoriais básicas forneceram mecanismos plausíveis pelos quais o estrogênio pode ter um efeito protetor.
Antioxidantes: altas doses de vitamina E e a medicação antioxidante selegelina podem retardar a progressão clínica da doença de Alzheimer em estágio moderado da doença.Outro ensaio sugeriu que o uso de uma formulação de gingko biloba, devido aos seus efeitos anti-oxidantes, retarda levemente o declínio cognitivo da doença de Alzheimer.



Os pacientes com Doença de Alzheimer têm dificuldade com o pensamento (cognição), com os padrões de comportamento e com a rotina diária. Cognição inclui memória, orientação, linguagem, julgamento e resolução de problemas. Os padrões de comportamento abrangem a personalidade, o humor, o nível de atividade e as percepções do ambiente. A rotina diária refere-se à capacidade de trabalhar, cuidar das necessidades pessoais e da casa, e participar da comunidade. À medida que a doença evolui, o indivíduo afetado depara-se com mais e mais desafios nessas áreas.
Geralmente, a Doença de Alzheimer se divide em três estágios: leve, moderado e grave. Cada estágio pode durar alguns anos.
Estágio Leve
- Esquecimento de eventos recentes- Comprometimento do aprendizado de novas informações - Relações de tempo levemente alteradas - Orientação espacial prejudicada fora do ambiente familiar - Dificuldade em realizar tarefas complexas - Necessidade de ser lembrado sobre os cuidados pessoais e higiene
Estágio Moderado
- Esquecimento eventual do nome e identidade de familiares e amigos - Dificuldades com a noção de tempo - Desorientação espacial dentro de casa - Dificuldade em encontrar a palavra certa e em nomear objetos - Fala menos espontânea e complexa - Incapacidade de lidar com dinheiro - Dificuldade em lidar com emergências domésticas - Perda da iniciativa - Dificuldade em realizar as atividades da vida diária (AVDs) - Incontinência urinária e fecal - Irritabilidade, agressividade - Delírios e alucinações - Perambulação
Estágio Grave
- Problemas com a memória de longo prazo - Perda gradual da orientação de tempo, lugar e pessoa - Dificuldade em terminar uma frase - Comunicação é melhor por modo não verbal - Perda total da independência - Aparência fragilizada - Irritabilidade extrema .




O diagnóstico da doença de Alzheimer é feito com base na exclusão de diversas patologias que também podem evoluir para um quadro de demência, tais como:
Traumatismos cranianos
Tumores cerebrais
Acidentes Vasculares Cerebrais
Arterioesclerose
Intoxicações ou efeitos colaterais de medicamentos
Intoxicação por drogas e álcool
Depressão
Hidrocefalia
Hipovitaminoses
Hipotireoidismo
Apesar de a presença de alguns indicadores em exames de sangue, como a apolipoproteína E (APOE) aumentarem as chances de desenvolvimento da doença de Alzheimer, um diagnóstico conclusivo só é possível através da realização de uma biópsia ou necrópsia de tecido cerebral (ver animação das alterações macroscópicas do cérebro na DA). Uma outra dificuldade na realização do diagnóstico de Doença de Alzheimer é a aceitação da demência como consequência normal do envelhecimento, fazendo com que os pacientes demorem a procurar a ajuda de um médico. Ainda não existe tratamento preventivo ou curativo para a doença de Alzheimer. No entanto existe uma série de medicamentos que ajudam a aliviar alguns sintomas. Infelizmente, estes medicamentos são apenas eficazes em um número limitado de doentes, apenas por um breve período de tempo e podem causar efeitos secundários indesejáveis.



sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

FAMÍLIA NOS DIVERSOS CONTEXTOS



Em todas as sociedades humanas, desde os primórdios da civilização, existe algum tipo de organização do convívio comum que forma uma unidade social na qual o ser humano se relaciona muito proximamente um com o outro, estabelecendo formas significativas de convivência. A família, como grupo social, tem se modificado ao longo da história da humanidade em decorrência de fatores políticos, sociais, culturais e econômicos, ocasionando mudanças no modo de vida das pessoas e da sociedade em geral.

Podemos também entender família, como uma unidade dinâmica construída por pessoas que se percebem como família, que convivem por um espaço de tempo, com uma estrutura e organização em transformação, estabelecendo objetivos comuns, construindo uma historia de vida. Os membros da família estão unidos por laços consangüíneos, de interesse ou afetividade. Tem identidade própria, possui, cria e transmite crenças, valores e conhecimentos comuns, influenciados por uma cultura e nível sócio-econômico. A família tem direitos e responsabilidades, vive num ambiente em interação com outras pessoas e famílias, escola, posto de saúde, e outras instituições em diversos níveis de aproximação. A família define objetivo e promove meios para o crescimento e desenvolvimento de seus membros e da própria comunidade10.
Embora cada família seja única em sua cultura, estrutura, organização e funcionamento, ela não está só. Ela faz parte de uma estrutura dinâmica e continua de interação com o meio que a cerca. Como um sistema social, ela apresenta limites que são permeáveis, permitindo que cada membro se relacione com o mundo exterior. Esse sistema social é também o espaço das relações entre os seus membros e entre os vizinhos, a comunidade e a sociedade.
A família cresce e se desenvolve através do processo de viver e está sujeita as mudanças nas relações internas e externas, que a atingem de modo diverso. A realidade externa da família abrange inúmeras variáveis que influenciam e transformam seu modo de viver. Os seres humanos mudam seu ambiente e são mudados por ele e essa mudança pode afetar positivamente ou negativamente o viver de cada um e de todos. Em uma família todos participam da vida de todos, formando um sistema no qual a mudança em um dos elementos leva à mudança da unidade. Assim como os indivíduos necessitam estar cientes sobre os efeitos do ambiente em sua saúde, a família necessita olhar atentamente para o seu espaço de vida e o conjunto das suas relações.
A Família e o Ciclo Vital
A família é um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros. Esse processo dual de continuidade e crescimento permite o desenvolvimento da família como unidade e, ao mesmo tempo, assegura a diferenciação de seus membros. A necessidade de diferenciação entendida como auto-expressão de cada indivíduo funde-se com a necessidade de coesão e manutenção da unidade no grupo com o passar do tempo. Teoricamente, o individuo é membro garantido em um grupo familiar que seja suficientemente coeso e do qual ele possa se diferenciar progressivamente e individualmente, tornando-se cada vez menos dependente em seu funcionamento do sistema familiar original, até poder separar-se e instituir, por si mesmo, com funções diferentes, um novo sistema.
A autonomia e a individualidade não podem ser reconhecidas separadas de um sistema plurigeracional onde o individuo é ao mesmo tempo uma parte e um todo de um sistema maior que por sua vez pertence a sistemas maiores, num processo contínuo de comunicação e integração. Entendendo-se que a família não é, pois, uma entidade estática e que está em constante processo de mudança, faz-se necessário compreender o individuo e a família simultaneamente.
As necessidades do indivíduo são um dos componentes importantes a ser considerado na formação do cidadão, pois, quando as necessidades básicas do individuo estão satisfeitas, surgem sentimentos de satisfação, felicidade, entusiasmo, fazendo com que o individuo tenha paz consigo mesmo. O contrário pode resultar em sentimento de frustração, levando o indivíduo a experimentar sentimentos desagradáveis, podendo se transformar em emoções negativas. Tais necessidades estão presentes independentes da cultura, da educação ou do meio ambiente.
As necessidades humanas básicas, referem-se à força motivadora que comanda as ações humanas, fundamentais ao ser humano e que precisam, portanto, ser satisfeitas. As Necessidades Humanas Básicas podem ser definidas como sendo estados de tensões conscientes ou inconscientes, resultantes de desequilíbrios dos fenômenos vitais que brotam sem planejamento prévio. São universais “por serem comuns a todos os seres humanos, mesmo variando de um individuo para outro, tanto na forma de se manifestarem, quanto na maneira de serem consideradas atendidas”, são vitais, “devido à sua importância para a conservação da vida”, são “latentes, porque só se manifesta com maior ou menor intensidade, a partir de um desequilíbrio instalado e não em estado de equilíbrio dinâmico”, e são infinitas e constantes, uma vez que podem se apresentar em uma diversidade de modalidades e por estarem sempre presentes no ser humano. Quando atendidas, desprendem energias, o que lhes dá uma conotação energética13.
Família, Sociedade e Cidadania,
O ser humano é essencialmente um ser ético, ou seja, capaz de agir corretamente, em função do bem comum. É necessário não somente viver, mas viver bem, em função de seu aperfeiçoamento moral, de acordo com a lei humana, e divina, em função da própria felicidade. Das leis surgem as instituições e delas, obrigações, além do culto ao sagrado e do encantamento pelo sobrenatural. O individuo é essencialmente um ser bio-psico-sócio-espiritual. Cujas partes devem se integrar de forma intima e harmoniosa, provocando uma fusão de pensamentos, sentimentos, impulsos e atos, abrangendo um todo significativo e organizado na pessoa14.
Compete à família assegurar a seus membros, bem-estar material, emocional e espiritual além de convivência em ambiente agradável, como forma de garantir, a cada um, conforme os ditames da lei e da moral, formação adequada para que possam transmitir aos descendentes uma vida perfeitamente saudável. Isso explica a capacidade de amar e sentir-se amado, útil e valorizado, nas diversas fases da vida. Esses valores morais, culturais, cívicos, materiais e outros, precisam ser transmitidos não só, através da instrução, mas, principalmente, através da educação. É no vivenciar cotidiano das experiências pessoa-a-pessoa-ambiente, experienciando um processo educativo, expressando comportamentos e características individuais, interpretando a própria história cultural, auto determinando-se, exercendo seus direitos e seus deveres, buscando a própria auto-realização, contribuindo com as questões de definição sócio-politica e cultural da comunidade, delineando a ética social vigente, que o individuo se coloca como cidadão.
O ano de 1994 foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Família. Constituiu-se também o marco/momento no qual elegeu-se a família como foco principal do cuidado profissional de saúde em atenção básica e a Estratégia Saúde da Família, como eixo estruturante da organização dos serviços no âmbito do sistema de saúde no Brasil. No PSF propõe-se superar a fragmentação dos cuidados à saúde decorrente da divisão social e da divisão técnica do trabalho em saúde; eleger a família e seu espaço social como núcleo básico central da abordagem no atendimento à saúde; humanizar as práticas de saúde e buscar a satisfação do usuário através do estreito relacionamento da equipe com a comunidade e do estimulo à organização comunitária para o exercício efetivo do controle social. Representando, assim, uma mudança substantiva no sentido da Vigilância da Saúde, onde se espera um olhar multiprofissional e uma pratica multisetorial.
Enquanto profissional, observamos que, trabalhar com famílias no campo da saúde é uma exigência cada vez maior para todos os profissionais de saúde e não apenas para aqueles que estão envolvidos com a Estratégia Saúde da Família. Para tal, os conceitos e ferramentas oriundos do campo sócio-antropológico constituem auxiliares valiosos, pois facilitam a compreensão de inúmeros processos mórbidos, bem como suas repercussões sobre os familiares de um usuário e permitem abandonar alguns preconceitos e desenvolver ações mais efetivas.
A visita domiciliar (VD), representa uma ferramenta de grande valor para os profissionais da saúde, pois através dela podemos avaliar as condições ambientais e físicas em que vivem o individuo e sua família. Permite ao profissional de saúde, estar mais próximo do cotidiano das famílias e conhecer, interpretar e vivenciar o meio onde elas vivem, identificando assim, os vários problemas que afetam sua realização.
Para proporcionar a assistência à saúde com qualidade, é necessário compreender a singularidade de cada família, pertencente a um contexto social e cultural específico que condicionam diferentes formas de viver e adoecer. Para entender as necessidades vividas pelas famílias, os profissionais de saúde utilizam-se da VD como instrumento de interação, resolutividade, procurando assistir / cuidar de forma adequada a proporcionar-lhes meios para terem uma vida mais saudável.
AS FAMÍLIAS, FRENTE À VULNERABILIDADE SOCIAL!
A gravidade do quadro de pobreza e miséria, no Brasil, constitui permanente preocupação e obriga a refletir sobre suas influências no social e, principalmente, na área de atuação junto da família, na qual as políticas públicas ainda se ressentem de uma ação mais expressiva. O Estado deve assegurar direitos e propiciar condições para a efetiva participação da família no desenvolvimento de seus filhos, porém os investimentos públicos brasileiros, na área social, estão cada vez mais vinculados ao desempenho da economia.
O Brasil nas últimas décadas vem impondo uma enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza que exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. Estudo em Economia mostrou que, de 1992 a 1999, os 25% mais pobres perderam 20% da renda e os 5% mais ricos perderam 10%. Estes dados levam a constatar que a defasagem salarial é maior para os pobres, o que amplia, ainda mais, a concentração de renda no Brasil. Pobreza não pode ser definida de forma única, mas ela se evidencia quando parte da população não é capaz de gerar renda suficiente para se ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantam uma qualidade de vida digna. Estes recursos são água, saúde, educação, alimentação, moradia, renda e cidadania.
O termo exclusão social tem sentido temporal e espacial: um grupo social está excluído segundo determinado espaço geográfico ou em relação à estrutura e conjuntura econômica e social do país a que pertence. No Brasil, esse termo está relacionado principalmente à situação de pobreza, uma vez que as pessoas nessa condição constituem grupos em exclusão social, porque se encontram em risco pessoal e social, ou seja, excluídas das políticas sociais básicas (trabalho, educação, saúde, habitação, alimentação).
Um país tem pobreza quando existe escassez de recursos ou quando, apesar de haver um volume aceitável de riquezas, estas estão mal distribuídas. O Brasil não é um país pobre, e sim um país desigual. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que analisa a pobreza, o Brasil ocupa o 9º lugar em renda per capita, dentre os países em desenvolvimento, mas cai para o 25º lugar quando se fala em proporção de pobres. Isto coloca o Brasil entre os países de alta renda e alta pobreza. Ao mesmo tempo em que está entre os 10% mais ricos, integra a metade mais pobre dos países em desenvolvimento, sendo um dos primeiros do mundo em desigualdade social. Aqui, 1% dos mais ricos se apropria do mesmo valor que os 50% mais pobres. Há no País 56,9 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza e destas, 24,7 milhões vivem em extrema pobreza.
As políticas sociais muito pouco têm contribuído para amenizar as condições de vulnerabilidade da família pobre, no entanto, há de se fazer referência ao Programa Saúde da Família – PSF, do Ministério da Saúde, como estratégia em termos de política pública que centrou seu foco na família. O PSF tem como unidade de atendimento a família em seu habitat e prevê ações que levem em conta a possibilidade de detectar no domicílio as necessidades de suporte e incrementar estratégias comunitárias, no sentido de ampliar redes de apoio social. Com atenção contínua e ativa, desenvolve ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família de forma integral e contínua, objetivando com isso melhorar a qualidade de vida dos indivíduos.
Enquanto profissional, verifica-se que o PSF implantado na região, do estudo em questão, tem apenas promovido ações básicas tais como: consultas médicas, medicamentos, palestras educativas, dentre outras. Nenhuma iniciativa tem sido realizada, no sentido de melhorar as condições de habitação, saneamento básico por exemplo. É necessário repensar as praticas em saúde, pois a realidade, em nada difere do atendimento individualista, voltado para cura da doença, e reabilitação do indivíduo.
Espera-se, portanto, que a família seja enfocada de forma concreta na agenda política dos governos para que ela possa prover sua autonomia e para que seus direitos sejam respeitados. É necessário que as políticas públicas venham em apoio à família pobre não apenas em relação à renda, mas também em relação ao acesso a bens e serviços sociais, e daí promover a qualidade de vida destas.


terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

DIARRÉIAS NA INFÂNCIA


Diagnóstico diferencial da diarréia na criança
Luciana Rodrigues Silva

Uma das características mais especiais do epitélio gastrointestinal é a rápida e contínua diferenciação e renovação dos enterócitos. A biologia molecular abre novos horizontes sobre a organização e funcionamento deste epitélio, acrescentando às funções digestivas, absortivas e secretórias, funções imunológicas, nervosas e endócrinas, que por sua vez ampliam o entendimento dos processos fisiopatológicos envolvidos na determinação das doenças.
A produção fecal de uma criança é de 5 a 10 g/kg de peso de fezes por dia, proporcionalmente mais que um adulto, que por sua vez produz 100 a 200 g diárias. Um dos fenômenos que ocorrem na diarréia é o aumento do volume de fezes. Há que se considerar que a diarréia é um sintoma e não uma doença. Durante o episódio diarréico ocorre um desequilíbrio entre os processos de absorção e secreção, e então as fezes ficam amolecidas ou liquefeitas, com aumento do número de evacuações. Diarréia pode ser um quadro auto-limitado e benigno ou até um que ameace a vida do paciente. Também pode ocorrer numa criança eutrófica ou num paciente criticamente comprometido, com repercussões diferentes.
A diarréia aguda na infância representa um problema significativo de saúde, particularmente nas crianças de baixa idade, que vivem em precárias con-dições sócio-econômicas. As crianças pequenas são as que pagam maior tributo a esta patologia; 85% das mortes por diarréia acontecem em crianças no primeiro ano de vida. A criança tem como principais características dois processos dinâmicos, representados pelo crescimento e desenvolvimento. Estes processos, para ocorrerem de modo adequado, dependem de vários fatores. Em muitas situações, podem surgir intercorrências que prejudicam a evolução natural destes processos. A diarréia é sem dúvida uma das mais freqüentes causas na parada do processo de crescimento e muitas vezes se associa nitidamente com o desencadeamento ou piora da desnutrição. As conseqüências da diarréia a curto e longo prazo são mais graves nas crianças de baixa idade. A doença diarréica aguda compreende um grupo de condições clínicas, cuja manifestação comum é a presença de fezes de consistência diminuída associada ao aumento do número de dejeções e se caracteriza por ser um quadro auto-limitado, durando no máximo até quinze dias.
Os fatores que contribuem para a diarréia aguda são múltiplos e estão descritos na tabela 4-1.
Fatores implicados na determinação da diarréia aguda da criança
. Condições desfavoráveis de gestação e má-nutrição
materna
. Baixo peso ao nascer
. Desmame precoce
. Precárias condições de habitação, saneamento e higiene
. Contaminação fecal de água e alimentos
. Falta de informação e baixa escolaridade dos pais
. Predária condição sócio-econômica
. Condição nutricional e imunológica desfavoráveis
. Idade da criança
. Grau e extensão da lesão do tubo digestivo
. Falta de orientação adequada após o desmame
. Acesso precário aos Serviços de Saúde
. Falta de orientação técnica dos profissionais
. Preconceitos culturais
Durante o episódio diarréico ocorrem fenômenos que contribuem para piorar o estado nutricional, tais como: perda excessiva pelas fezes, falta de apetite, dieta inadequada, suspensão prolongada da alimentação, antibioticoterapia intempestiva, bloqueio na absorção de nutrientes, alteração na secreção, motilidade e sais biliares e ainda intolerâncias alimentares.
A diarréia aguda é extremamente freqüente na criança e na maioria das vezes é infecciosa, no entanto outras causas podem estar relacionadas e devem ser
investigadas. É fundamental que o pediatra tenha conhecimento da fisiopatologia e dos possíveis diagnósticos diferenciais envolvidos.
A etiologia da diarréia aguda na infância pode estar relacionada com agentes infecciosos como vírus, bactérias e parasitas, ou agentes não infecciosos, como intolerância a dissacarídeos, proteínas, uso de drogas e outras condições que menos freqüentemente podem iniciar a apresentação do quadro com uma diarréia. Alguns fatores podem determinar o prolongamento do quadro diarréico, salientando-se: tratamento inadequado durante o episódio agudo, dieta incorreta, intolerância a carboidratos e proteínas, desmame precoce, baixa idade, desnutrição, episódios diarréicos anteriores, ambiente contaminado, hospitalização, supercrescimento bacteriano, tipo e virulência do agente infeccioso e deficiência de micronutrientes. (3,6)
São condições que determinam diarréia na infância:
Infecções -
rus - Rotavírus, Adenovírus, Astrovírus, Calicivírus, Vírus Norwalk
Bactérias - Shigella, Salmonella, E. coli (toxigênica, enteropatogênica, invasiva, enterohemorrágica, enteroaderente), Campylobacter, Yersinia, Aeromonas, Staphylococcus, Vibrio cholerae, Vibrio parahemolyticus, Bacillus cereus, Clostridium botulinum, Clostridium difficili, Pleisiomonas Parasitas - E. histolytica, Giardia lamblia, Ascaris, Cryptosporidium, Isospora, Strongyloides, Enterozyton bienensi Fungos Dietéticas - Superalimentação, intolerância aos carboidratos (lactose, sacarose, maltose, glicose, galactose), intolerância às proteínas (leite, soja), intolerância ao glúten (doença celíaca), dietas hiperosmolares Anatômicas e Mecânicas Intestino curto, retocolite ulcerativa, doença de Whipple, enterocolite necrozante, linfangiectasia, alça cega, má-rotação, semi-obstrução intestinal, fístulas entéricas
Bioquímicas –
Abetalipoproteinemia, deficiência de enteroquinase, retenção de quilomícrons, cloridorréia congênita, diabetes, uremia, má-absorção seletiva de vitamina B12
Desnutrição proteico-calórica
Imunológicas
Hipogamaglobulinemias, deficiência de IgA, AIDS, Wiskott- Aldrich, Ataxia-teleangiectasia, Imunodeficiências combinadas
Pancreatopatias e Hepatopatias
cirrose, atresia biliar, pancretite crônica, fibrose cística, deficiência de sais biliares
Endocrinopatias e Doenças Metabólicas
Hipertireoidismo, hiperplasia adrenal congênita, doença de Addison, hipoparatireoidismo, Doença de Wolman, uremia, cistinose, tirosinemia, Zollinger-Ellison, deficiência de zinco, hiperplasia de célula não beta, galactosemia, má-absorção de metionina, Doença de Gaucher, Doença de Niemann-Pick
Neoplasias
Carcinóide, ganglioneuroma, neuroblastoma, Zollinger-Ellisson, polipose, linfoma, mastocitose, adenocarcinoma, tumores secretores de VIP (substância vasoativa intestinal)
Tóxicas
Arsênio, chumbo, fosfatos orgânicos, sulfato ferroso, laxantes, antibióticos, cogumelos, quimioterapia, radioterapia, antibióticos (eritromicina, clindamicina, ampicilina, cefalosporinas), antiácidos com magnésio, sorbitol presente no acetaminofen, cimetidina, digoxina, colchicina)
Vasculares
Insuficiência de artéria mensentérica, hipertensão portal, isquemia intestinal
Suspensão de narcóticos
Psicogências
Cólon irritável
Outras
Hemorragia gastrointestinal, apendicite, peritonite, polipose familiar, corpo estranho, Doença de Hirschsprung, gastroenterite eosinofílica, esvaziamento rápido após cirurgias, síndrome de deprivação materna, acrodermatite enteropática, esclerodermia, neurofibromatose, Doença de Whipple, disautonomia familial (Riley-Day) .Entre as causas mais comuns de diarréia aguda estão: Infecções virais, bacterianas e parasitárias, intolerâncias alimentares, quadros pós-antibioticoterapia, distúrbios motores e psicogênicos. Entre os quadros mais graves de diarréia encontram-se: síndrome hemolítico-urêmica, desidratação grave, intoxicações alimentares, sepse, colite pseudomembranosa, gastroenterites do recém-nascido, doença de Hirschsprung, megacólon tóxico da doença intestinal inflamatória, crise celíaca e intussuscepção. Também não deve ser esquecido que eventualmente podem abrir o quadro clínico com diarréia: apendicite, doenças inflamatórias intestinais e intoxicações.
Há alguns dados que podem sugerir os agentes causadores do quadro diarréico, tais como: Salmonella (AIDS/Doença inflamatória intestinal/Anemia falciforme), Giardia lamblia (Deficiência de IgA/hipogamaglobulinemia), Cytomegalovirus (transplantados), Cryptosporidium (AIDS/exposição a animais), Pseudomonas/Candida (neutropenia), Clostridium difficile (hospitalizados/uso recente de antibióticos), Vibrio vulnificus (cirrose), Vibrio (ingestão de mariscos), Campylobacter/Yersinia (exposição a animais), Shigella (tenesmo), Yersinia (dor em fossa ilíaca direita), Shigella/E.coli enterohemorrágica (síndrome hemolítica urêmica) e Salmonella/Shigella/Campylobacter/Yersinia (síndrome de Reiter). (11,12) Outro aspecto que pode ser sugestivo é que algumas intoxicações alimentares são mais comuns em determinadas épocas do ano: nos meses quentes as mais prevalentes são Salmonella, Shigella e Staphylococcus aureus. Em alguns países, o Campylobacter jejuni é mais prevalente nos meses de primavera e outono. Surtos relacionados com Clostridium botulinum ocorrem mais no verão e outono, enquanto que Clostridium perfringens acontece mais no verão. Por outro lado, as infecções pelo vírus Norwalk e pelo Bacillus cereus ocorre durante todo o ano.
Outro aspecto a ser enfatizado diz respeito a algumas condições de maior risco para a doença diarréica, tais como: os hepatopatas crônicos têm risco 80 vezes maior e mortalidade 200 vezes maior que a população geral de apresentar diarréia por Vibrio vulnificus. Pacientes com AIDS e outras imunodeficiências, uso de corticóides, insuficiência renal crônica, neoplasias, diabetes, ou condições acompanhadas de sobrecarga de ferro têm maior risco de doença e morte. Assim como aqueles que usam por longos períodos antagonistas dos receptores-H2 e que foram submetidos à resseção gástrica, pela diminuição da acidez gástrica. (c,D). Outros pacientes de alto risco são
os transplantados, falcêmicos, que utilizam próteses ortopédicas ou cardíacas e os sépticos.
Algumas pistas epidemiológicas também podem sugerir o agente causador do quadro diarréico: creches (Shigella, Campylobacter jejuni, Cryptosporidium, Giardia lamblia, Rotavírus, Clostridium difficile); hospitalização e uso recente de antibióticos (C. difficile); piscina (Giardia, Cryptosporidium, Norwalk); viagem (diarréia do viajante); intercurso sexual anal (doenças sexualmente transmissíveis); animais de fazenda (Cryptosporidium); mariscos (Vibrio); queijo (Listeria); hamburger (E.coli enterohemorrágica); atrroz (Bacillus cereus); alimentos em conserva (Clostridium perfringens). (10). Na tabela 4-2 estão relacionados os alimentos e os enteropatógenos a eles mais relacionados como determinantes de quadros diarréicos.
Tabela 4-2 – Alimentos e associações com determinados alimentos
Carne de boi e porco - Salmonella, S. aureus, C. perfringens, E.coli enterohemorragica, B. cereus, Y. enterocolytica, L. monocytogenes, Brucella, T. spiralis
Carne de ave – Salmonella, S. aureus, Camylobacter, C. perfringens, L. monocytogenes
Ovos – Salmonella, S. aureus
Leite e queijo – Salmonella, Campylobacter, E. coli (EIEC, EHEC), Y. enterocolytica, Streptococcus grupo A, Brucella, L monocytogenes.
Verduras – C. botulinum, Salmonella, Shigella, B. cereus, vírus Norwalk
Peixe - C. botulinum, Ciguatera, veneno escombróide, Diphyllobothrium latum, Anisakiase
Mariscos – V. parahaemolytico, V. cholerae, hepatite A, vírus Norwalk e símiles, veneno paralítico, veneno neurotóxico
Comida chinesa - B. cereus, veneno glutamato monosódico
Mel – C. botulinum
Entre os agentes que têm sido relacionados com a diarréia do viajante, por ordemn de freqüência decrescente encontram-se relatados: E. coli enterotoxigenica, E. coli enteroaderente, Shigella, Salmonella, Campylobacter, Aeromonas, Vibrio, Rotavírus, E. histolytica, G. lamblia, e Cryptosporidium. Durante a diarréia aguda, ocorrem alterações no transporte de água e eletrólitos no trato digestivo, tendo como conseqüência distúrbios nos mecanismos digestivo, absortivo e secretório do intestino. Os resultados do processo diarréico são variáveis, uma vez que o quadro clínico pode ser leve com discretas repercussões sistêmicas, até formas graves acompanhadas de febre, vômitos, desidratação significativa e até óbito. O comprometimento do estado nutricional é também uma conseqüência importante sobretudo naqueles pacientes já desnutridos, de baixa idade e que fazem episódios sucessivos, além daqueles que recebem o tratamento incorreto.
A integridade do tubo digestivo é fundamental para que suas funções sejam exercidas de maneira adequada. De acordo com o grau de lesão da mucosa intestinal os processos de absorção e secreção estarão alterados. Nas crianças de baixa idade, a recuperação das infecções entéricas é mais demorada, uma vez que a migração de enterócitos é mais lenta e os mecanismos locais de defesa são ainda incipientes, portanto estas crianças apresentam maior chance de prolongar o quadro diarréico. Os níveis enzimáticos são mais baixos e as lesões propiciam a passagem de macromoléculas, facilitando o aparecimento de intolerâncias alimentares.
Por outro lado, as reservas da criança jovem são escassas, o que determina desidratação e desnutrição mais freqüentemente. O leite materno exerce um papel protetor primordial no tubo digestivo, pois é rico em lactobacilos, lactoferrina, lisozima, IgA secretória, além dos polimorfonucleares e outros fatores que impedem a proliferação e a adesão dos enteropatógenos.
O desnutrido é predisposto às infecções pela depressão do seu sistema imunológico, além de freqüentemente estar exposto aos alimentos e água contaminados.
As complicações mais freqüentes e manifestações não habituais relacionadas com os enteropatógenos mais comuns estão na Tabela 4-3. (e)
7 Tabela 4-3 Complicações mais freqüentes e manifestações não habituais relacionadas com os enteropatógenos mais comuns
Shigella – Enteropatia perdedora de proteínas, meningite, convulsão, pneumonite, síndrome hemolítica-urêmica, síndrome de Reiter (artrite, uretritte, conjuntivite), eritema nodoso, colite pós-infecciosa, reação leucemóide, apendicite, miocardite.
Salmonella não tifóide – bacteremia e infecção extra-intestinal, osteomielite, pneumonia, arterite, meningite, estado de portador, colecistite, c;alculos, colite pós-infecciosa.
Salmonella typhi – dissociação pulso-temperatura, alteração do nível de consciência, manchas róseas na pele, máculas em abdômen, miocardite, ulceração intestinal e colônica, sangramento e perfuração intestinal, hepatoesplenomegalia, supressão de medula óssea, recidiva da doença, estado de portador
Campylobacter jejuni – Aborto séptico, colecistite aguda, pancreatite, cistite, síndrome Guilliam Barre, artrite
C. fetus – meningoencefalite, artrite séptica, pneumonia, cardite, tromboflebite, aneurisma micótico aórtico, aborto séptico, febre recorrente, mialgia
Yersinia enterocolytica – poliartrite, síndrome de reiter, eritema nodoso, faringite, sepse, tireoidite, pericardite, glomerulonefrite
Clostridium difficile – enteropatia perdedora de proteína, megacólon tóxico
Já o quadro de diarréia persistente, se caracteriza por apresentar duração superior a 15 dias, e geralmente segue uma diarréia infecciosa e ocorre sobretudo em crianças pequenas. Nos lactentes há maior prevalência antes dos seis meses de idade, quando as defesas do trato digestivo ainda são incipientes, dando maior chance à instalação e perpetuação dos enteropatógenos e das lesões decorrentes de sua presença, além dos distúrbios hidroeletrolíticos e comprometimento nutricional mais significativos e freqüentes, o que determina conseqüências graves sobretudo relacionadas com desnutrição e mortalidade dos pequenos pacientes. Na tabela 4-4 estão as causas que determinam a perpetuação do quadro de diarréia aguda e na tabela 4-5 estão as crianças com maior risco de desenvolverem diarréia persistente.
Tabela 4-4 Causas que contribuem para a perpetuação da diarréia aguda:
- Má-absorção de carboidratos dissacarídios e, nas formas mais graves, até monossacarídios, a depender do grau de lesão da mucosa.
- Persistência do agente etiológico. Os agentes mais freqüentes são a E. coli enteropatogenica, o rotavírus e a Shigella.
- Intolerância às proteínas heterólogas, sobretudo às do leite de vaca.
- Má-absorção de sais biliares, especialmente se há lesão no íleo terminal.
- Supercrescimento bacteriano do intestino delgado.
- Tratamento incorreto da diarréia aguda.
Tabela 4-5 – Crianças de risco para apresentarem diarréia persistente:
- Desmame precoce
- Baixa idade
- Desnutrição protéico-calórica
- Infecção por E. coli enteropatogênica
- Uso inadequado de antibióticos
- Não reconhecimento por parte do médico de pacientes com alto risco para prolongarem um quadro agudo de diarréia.
- Baixo peso ao nascer
- Episódios repetidos de diarréia ou diarréia prévia prolongada
- Gravidade do quadro agudo de diarréia
- Deficiência de vitamina A e micronutrientes
- Conduta inadequada na diarréia aguda
- Hospitalização
- Más condições de vida
Por outro lado, a diarréia crônica tem conceito temporal ainda controverso. A maioria dos autores admite tratar-se de diarréia crônica quando a criança apresenta diarréia por um período maior que trinta dias ou quando ocorrem pelo menos três episódios num período de tempo menor que dois meses. A diarréia crônica na infância é na verdade uma síndrome, que pode ser determinada por inúmeras patologias, representadas por alterações anatômicas, bioquímicas, funcionais do tubo digestivo e/ou seus anexos.
A diarréia aguda pode ser classificada de diversas maneiras. A classificação mais simples divide a diarréia aguda em infecciosa e não infecciosa.
Pode-se também classificá-la em alta e baixa. A diarréia é alta quando há acometimento do intestino delgado, caracterizando-se por poucas dejeções, de grande volume, podendo haver restos alimentares. A diarréia baixa é aquela que traduz o envolvimento do intestino grosso, com grande número de dejeções, pouco volumosas, com tenesmo, podendo haver presença de sangue e pus. Pode ainda ser mista quando houver envolvimento de ambos os segmentos do intestino.
Outra classificação da diarréia aguda baseia-se nos mecanismos fisiopatológicos determinantes, que podem estar presentes de modo isolado ou mais freqüentemente combinados. De acordo com esta classificação, a diarréia aguda pode ser: osmolar, secretória ativa, secretória passiva, por alteração da absorção iônica, por alteração da permeabilidade e motora.
A diarréia osmolar é provocada por excesso de osmolaridade dentro da luz intestinal, havendo por conseguinte pressão osmótica superior à do plasma, o que promove passagem de água e eletrólitos para dentro do lúmen. Esta quantidade aumentada de líquidos produzida supera a capacidade de absorção, o que determina a emissão de fezes liquefeitas. Os solutos intraluminais não-absorvíveis não só retêm fluidos na luz intestinal como também estimulam a peristalse. As principais causas de diarréia osmolar são:
A) Superalimentação com carboidratos determinando sobrecarga de nutrientes em relação à capacidade absortiva
B) Ingestão de solutos não-absorvíveis como laxantes à base de magnésio, fosfato, sulfato e lactulose, que exercem ação osmótica sobre a mucosa intestinal
C) Deficiência enzimática, principalmente das dissacaridases, enzimas importantes na digestão dos açúcares, que quando não absorvidos funcionam como osmoticamente ativos. Dentre as deficiências das dissacaridases, a mais comum é a de lactase. Esta deficiência pode ser congênita (extremamente rara) ou transitória (extremamente freqüente). A deficiência adquirida ocorre comumente de modo transitório no curso dos episódios diarréicos ou em outras condições acompanhadas de lesão da borda em escova dos enterócitos, pois é aí que esta enzima se localiza. Ocorre também o componente osmolar nas diarréias infecciosas acompanhadas de reparação lenta da mucosa. Nas últimas porções do intestino, os açúcares sofrem ação das bactérias que os fermentam, havendo produção de ácido lático, com diminuição do pH fecal e estímulo da secreção, o que agrava o quadro diarréico.
Clinicamente, a diarréia osmótica se caracteriza por distensão abdominal, desconforto e cólicas, ausência de febre, fezes amolecidas, explosivas, fétidas e ácidas, com osmolaridade elevada, pH abaixo de 5 e presença de substâncias redutoras. A diarréia osmótica persiste enquanto a substância continua a ser ingerida e cede quando esta é eliminada da dieta. Devido à acidez fecal, é freqüente o encontro de irritação e assadura perianal significativa.
Na diarréia secretória, que representa o principal mecanismo envolvido nas infecções, ocorre hipersecreção de água e eletrólitos para dentro do lúmen intestinal, a partir de estímulos representados por toxinas, substâncias especiais, hormônios ou invasão de microrganismos. A diarréia secretória pode ser ativa ou passiva.
Na diarréia secretória ativa não há solução de continuidade na mucosa intestinal, que permanece íntegra. O que acontece é que determinados estímulos (toxinas da Escherichia coli toxigênica e do Vibrio cholerae, prostaglandinas, ácidos biliares, gastrina, peptídio vasoativo intestinal) ativam o mecanismo secretor ao nível das criptas das vilosidades. Estas substâncias se acoplam a determinados receptores específicos, havendo ativação da adenilciclase e maior produção de AMP e GMP cíclico, ativando a bomba eletrolítica, havendo grande secreção intestinal. A absorção permanece íntegra, o que enfatiza o uso da hidratação oral com solução glicoeletrolítica. A diarréia secretória ativa caracteriza-se por emissão de grande quantidade de fezes líquidas, caracterizadas como "água de arroz", que leva facilmente à desidratação. Em geral não há febre, ou quando há, é baixa. Não há lesão da mucosa nem sangue ou leucócitos nas fezes.
Na diarréia secretória passiva ocorrem alterações na mucosa, podendo surgir lesão no epitélio por invasão de patógenos, promovendo maior passagem de água e eletrólitos para dentro da luz e processo inflamatório da submucosa. Em algumas circunstâncias a destruição ocorre só na camada epitelial como no caso dos Rotavírus. Em outras oportunidades, na diarréia secretória passiva há invasão da mucosa com proliferação bacteriana com destruição e eventualmente invasão da corrente sanguínea com bacteremia, como é o caso de Shigella, Salmonella, E. coli enteroinvasora, E.coli enterohemorragica, Campylobacter e Yersinia. É comum nestes quadros invasivos o aparecimento de febre, fezes disentéricas com presença de leucócitos e sangue nas fezes. No mecanismo por alteração da absorção iônica, ocorre inibição da absorção do íon envolvido, havendo simultaneamente a não absorção de água, sendo o exemplo deste mecanismo a cloridorréia congênita. A diarréia é profusa com elevadas concentrações de cloro nas fezes, sendo um quadro grave devido às complicações que podem surgir como alcalose e hipocloremia.
A diarréia por alteração da permeabilidade pode acontecer em várias circunstâncias como na doença celíaca, doenças intestinais inflamatórias, enterites alérgicas, linfangiectasia, obstrução intestinal e aumento de ácidos biliares.
A diarréia motora pode ocorrer isolada ou combinada com outros mecanismos fisiopatológicos. A diarréia pode ocorrer quando há aumento de motilidade ou diminuição da mesma. Em ambas as situações há alteração no contato entre os nutrientes e a mucosa e além da predisposição ao de supercrescimento bacteriano. A motricidade alterada pode ser um dos fatores na gênese do processo diarréico, influenciando o grau de absorção e induzindo secreção reflexa.
Baseando-se em critérios clínicos, pode-se ainda dividir a diarréia aguda em inflamatória (ou sanguinolenta) e não-inflamatória (ou aquosa). As diarréias inflamatórias em geral são mais graves que as não-inflamatórias, embora estas possam promover perda de volume considerável. Entre as diarréias inflamatórias estão as causadas por Shigella, Salmonella, Amebíase, Campylobacter, Yersinia, E.coli enteroinvasiva e enterohemorrágica e Clostridium difficile; estas formas cursam com leucócitos presentes nas fezes, podendo também apresentar sangue oculto ou vivo. Entre as causas das diarréias não inflamatórias agudas estão os vírus, Vibrio cholerae, Giardia, E. coli enterotoxigenica e as fezes não apresentam leucócitos e sangue. A diarréia por Rotavírus é extremamente prevalente, sobretudo no lactente logo após o desmame, embora possa ocorrer em outras faixas etárias; acompanha-se freqüentemente de febre, vômitos e manifestações respiratórias. Em algumas circunstâncias a diarréia por Rotavírus pode apresentar sangue misturado nas fezes, mas não é o habitual.
As diarréias agudas mais comuns são as infecciosas, que são adquiridas através da ingestão de água e alimentos contaminados com microrganismos e/ou toxinas produzidas por microrganismos. Esta contaminação fecal da água, alimentos e das mãos promove habitualmente a disseminação das enteroinfecções. Fatores relacionados com o agente (quantidade do inóculo, adesão, produção de toxinas, capacidade de invasão), com o hospedeiro (integridade da mucosa, pH gástrico, muco, sistema imunológico) e com o ambiente (exposição a enteropatógenos) estão diretamente relacionados com o aparecimento da doença diarréica e sua apresentação clínica. Hospedeiros portadores de imunodeficiências são mais susceptíveis aos enteropatógenos, podendo desenvolver quadros fatais de diarréia.
Em algumas situações não se identificam os agentes etiológicos das diarréias e em outras, são identificadas associação de patógenos. Nos últimos anos têm-se identificado novos agentes causadores da diarréia infecciosa dentre os quais estão: astrovírus, Aeromonas, Pleisiomonas, Isospora e microsporídios.
A grande maioria dos pacientes com diarréia aguda não tem desidratação, no entanto a desidratação é sempre um risco que pode ocorrer nas crianças com diarréia e é a complicação mais freqüente. A desidratação ainda representa causa significativa de morte em crianças menores de um ano, apesar dos avanços e incentivos à rehidratação oral. A maior incidência de desidratação ocorre nas crianças menores de um ano, devido às características da composição corpórea das crianças neste grupo etário. As perdas por diarréia são proporcionalmente maiores quanto menor o peso da criança.
As crianças com diarréia aguda devem ser classificadas de acordo com o quadro 1, quanto ao seu estado de hidratação, para a orientação adequada do seu tratamento. De acordo com esta classificação as crianças podem se enquadrar em três grupos: sem desidratação, com algum grau de desidratação e com desidratação grave.
Quadro 1- Avaliação do estado de Hidratação do paciente com diarréia. 1. Observe
Condição
Bem, alerta
Irritado, intranqüilo, com sede
Comatoso, deprimido, hipotônico **
Olhos
Normais
Fundos
Muito fundos
Lágrimas
Presentes
Ausentes
Ausentes
Boca e língua
Úmidas
Secas
Muito secas
Sede
Bebe normal
Sedente, Bebe com avidez
Bebe mal ou não é capaz **
2. Explore
Sinal da prega
Desaparece rapidamente
Desaparece lentamente
Desaparece muito lentamente
Pulso
Cheio
Rápido e débil
Muito débil ou ausente **
Enchimento capilar *
Normal (até 3 segundos)
Prejudicado (de 3 a 8 segundos)
Muito prejudicado (mais de 8 segundos) **
Fontanela
Normal
Deprimida
Muito deprimida
3. Decida
Não tem sinais de desidratação
Se apresentar dois ou mais sinais acima tem desidratação
Se apresentar dois ou mais sinais incluindo pelo menos um sinal ** tem desidratação grave.
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