segunda-feira, 24 de outubro de 2022

ESQUISTOSSOMOSE MANSONI




 DESCRIÇÃO: Doença parasitária, de evolução crônica, cuja magnitude da prevalência, severidade das formas clínicas e a evolução a caracterizam como um importante problema de saúde pública no País. Conhecida também como xistose, barriga-d’água e doença dos caramujos.

AGENTE ETIOLÓGICO: Schistosoma mansoni, um helminto pertencente à classe Trematoda, à família Schistossomatidae e ao gênero Schistosoma. São vermes digenéticos, delgados, de coloração branca e sexos separados. A fêmea adulta, mais alongada, encontra-se alojada em uma fenda do corpo do macho, denominada canal ginecóforo.

HOSPEDEIROS E RESERVATÓRIOS

Hospedeiro definitivo: O ser humano é o principal hospedeiro definitivo do S. mansoni. É nele que o parasita desenvolve a forma adulta e se reproduz sexuadamente, gerando ovos que são disseminados no meio ambiente, por meio das fezes, ocasionando a contaminação das coleções hídricas. Os primatas, marsupiais (gambá), ruminantes, roedores e lagomorfos (lebres e coelhos) são considerados hospedeiros permissivos ou reservatórios; no entanto, não está bem definida a participação desses animais na transmissão e na epidemiologia da doença, apesar da capacidade de todos em eliminar ovos nas fezes.

Hospedeiro intermediário

O ciclo biológico do S. mansoni depende da presença do hospedeiro intermediário no ambiente. Os caramujos gastrópodes aquáticos, pertencentes à família Planorbidae e ao gênero Biomphalaria, são os organismos que possibilitam a reprodução assexuada do helminto. Os planorbídeos são caramujos pulmonados e hermafroditas, que habitam coleções de água doce, com pouca correnteza ou parada, como riachos e córregos. No Brasil, as espécies Biomphalaria glabrata, B. straminea e B. tenagophila estão envolvidas na transmissão da esquistossomose. Há registros da distribuição geográfica das principais espécies em 24 estados, localizados, principalmente, nas Regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. 

MODO DE TRANSMISSÃO: O ser humano adquire a esquistossomose por meio da penetração ativa da cercária na pele. Após a infecção, as cercárias se desenvolvem para uma forma parasitária primária, denominada esquistossômulo, que inicia o processo de migração, via circulação sanguínea e linfática, até atingir o coração e, em seguida, os pulmões, alcançando o fígado, em que evoluem para as formas adultas. Nos vasos portais mesentéricos, ocorre a acomodação da fêmea no canal ginecóforo do macho, com reprodução sexuada e consequente oviposição. Uma parte desses ovos alcançam o lúmen do intestino e são eliminados com as fezes. No ambiente aquático, acontece a eclosão do miracídeo dos ovos, que é a forma ativa infectante do hospedeiro intermediário. Essa forma apresenta locomoção direcionada aos moluscos; a sua garantia de sobrevivência está diretamente relacionada ao encontro com o hospedeiro intermediário. Algumas horas após a penetração dos miracídios no caramujo, inicia-se um complexo processo de alterações morfológicas que darão origem às cercárias. Essas cercárias são liberadas dos moluscos na água sob estímulo de luz e aumento de temperatura, que ocorre naturalmente no período de meio-dia. O contato com água contaminada por cercárias durante atividades profissionais ou de lazer, como banhos, pescas, lavagem de roupa e louça ou plantio de culturas irrigadas, constitui risco de se adquirir a esquistossomose.

PERÍODO DE INCUBAÇÃO: É de duas a seis semanas após a infecção e compreende desde a penetração das cercarias até o aparecimento dos primeiros sintomas. Corresponde a fase de penetração das cercárias, seu desenvolvimento, até a instalação dos vermes adultos no interior do hospedeiro definitivo. Neste período, em raras ocasiões, há o relato de sintomas tipo astenia, cefaleia, anorexia, mal-estar e náusea.

PERÍODO DE TRANSMISSIBILIDADE: A pessoa infectada pode eliminar ovos viáveis de S. mansoni a partir de cinco semanas após a infecçãoe por um período de seis a dez anos, podendo chegar a até mais de 20 anos. Os hospedeiros intermediários começam a eliminar cercárias após quatro a sete semanas da infecção pelos miracídios. Os caramujos infectados eliminam cercárias por toda a vida, que é aproximadamente de um ano.

SUSCETIBILIDADE, VULNERABILIDADE E IMUNIDADE: Toda pessoa é suscetível, embora existam variações individuais. Há evidências de que certo grau de resistência à esquistossomose se faz presente na maioria dos indivíduos expostos em áreas hiperendêmicas. Essa resistência, em grau variável, faz com que grande parte das pessoas continuamente expostas não desenvolva infecções com grandes cargas parasitárias. Por isso, o número de pessoas com manifestações clínicas severas é reduzido, em relação ao total de portadores.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA: As manifestações clínicas correspondem ao estágio de desenvolvimento do parasito no hospedeiro. A maioria das pessoas infectadas pode permanecer assintomática, dependendo da intensidade da infecção. A esquistossomose pode ser classificada conforme a fase temporal (inicial e tardia), bem como em diferentes formas clínicas.

Fase inicial: Penetração das cercárias através da pele, originando lesões logo após o contato, ainda dentro do período de incubação. Predominam as manifestações alérgicas, sendo mais intensas nos indivíduos hipersensíveis e nas reinfecções. Além das alterações dermatológicas, ocorrem também manifestações gerais devido ao comprometimento em outros tecidos e órgãos.

Forma aguda assintomática: a maioria dos portadores não apresenta sintomas da doença.

Às vezes, a infecção em sua forma assintomática é diagnosticada a partir das alterações dos

exames laboratoriais de rotina (eosinofilia e ovos viáveis de S. mansoni nas fezes).

Forma aguda sintomática: logo após a infecção, ocorrem manifestações pruriginosas na pele, semelhantes a picadas de inseto, que podem durar até cinco dias após a infecção, conhecidas como dermatite cercariana. A febre de Katayama pode ocorrer após três a sete semanas de exposição. É caracterizada por alterações gerais que compreendem: linfodenopatia, febre, cefaleia, anorexia, dor abdominal; e, com menor frequência, o paciente pode referir diarreia, náuseas, vômitos e tosse seca. Ao exame físico, pode ser encontrada hepatoesplenomegalia. O achado laboratorial de eosinofilia elevada é bastante sugestivo, quando associado a dados epidemiológicos.

Fase tardia: Inicia-se a partir dos seis meses após a infecção e pode durar vários anos. Podem surgir os sinais de progressão da doença em diversos órgãos, chegando a atingir graus extremos de severidade, como hipertensão pulmonar e portal, ascite, ruptura de varizes do esôfago. As manifestações clínicas variam de acordo com a localização e a intensidade do parasitismo, da capacidade de resposta do indivíduo ou do tratamento instituído. Apresentam-se nas seguintes formas crônicas:

• Hepatointestinal.

• Hepática.

• Hepatoesplênica compensada.

• Hepatoesplênica descompensada.

• Vasculopulmonar.

• Forma pseudoneoplásica.

Outras localizações: nos órgãos genitais femininos, nos testículos, na pele, na retina, na

tireoide e no coração, podendo aparecer em qualquer órgão ou tecido do corpo humano.

Neuroesquistossomose (mielorradiculite esquistossomótica) é uma forma grave, capaz de

produzir paralisias, especialmente dos membros inferiores, e que pode ocorrer até a fase

inicial, mesmo quando a produção de ovos é pequena.

DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de esquistossomose mansoni é definido principalmente por meio de exames laboratoriais. O histórico da pessoa investigada e sua origem, ou ter vivido ou frequentado ambientes reconhecidamente endêmicos, e os diagnósticos sindrômicos das diferentes formas clínicas orientam o diagnóstico.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL: O diagnóstico confirmado (Figura 1) é feito pela detecção de ovos nas fezes. O método Kato-Katz (KK) é recomendado para inquéritos de rotina nas áreas endêmicas e investigações epidemiológicas. Esse método possibilita a visualização e a contagem dos ovos por grama de fezes, o que permite avaliar a intensidade da infecção e pode servir como controle de cura. O método de sedimentação espontânea, também chamado de método de Lutz ou método Hoffman, Pons e Janer (HPJ), é uma alternativa para detecção de ovos. Em áreas não endêmicas e/ou de baixa prevalência, diante de achados clínicos sugerem que a esquistossomose, com busca negativa de ovos nas fezes, cabe a investigação laboratorial por sorologia, para detecção de anticorpos IgM na reação de imunofluorescência indireta (IFI) ou de anticorpos IgG por ensaio imunoenzimático (ELISA – do inglês, enzyme-linked immunosorbent assay) com antígeno de superfície de ovos (SEA), métodos disponíveis na rede de Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). Especialmente nas áreas de baixa endemicidade, esses métodos sorológicos indiretos têm utilidade pela limitação de sensibilidade dos métodos para detecção de ovos.

Preconiza-se, também, a realização de amostragem adicional seriada de fezes com pesquisa de ovos, nos casos inicialmente negativos pelo KK, que foram positivos pela sorologia. É recomendável ainda a cuidadosa revisão da investigação epidemiológica, nos casos clinicamente suspeitos, com risco identificado de exposição a esquistossomose, sem confirmação pelo encontro de ovos e com sorologia positiva. Outros métodos, tais como as sorologias com outros antígenos, os métodos de detecção de DNA (PCR), ou detecção de antígenos no sangue ou urina, necessitam de avaliações criteriosas de desempenho, antes da inclusão no fluxo atualmente recomendado na rotina tanto de diagnóstico individual quanto em inquéritos epidemiológicos ou de monitoramento. A biópsia retal ou hepática, apesar de não indicada na rotina para detecção de ovos, pode ser útil em casos suspeitos e na presença de exame parasitológico de fezes negativo.
MÉTODOS DE EXAME POR IMAGEM
Ultrassonografia, ressonância magnética (RM) e endoscopia são de grande auxílio no diagnóstico da fibrose de Symmers e nos casos de hepatoesplenomegalia, varizes esofágicas associadas à hipertensão porta e na mielite da neuroesquistossomose.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A esquistossomose pode ser confundida com diversas doenças, em função das diferentes
manifestações que ocorrem durante sua evolução.
Dermatite cercariana: pode ser confundida com doenças exantemáticas, como dermatite
por migração de larvas de helmintos (Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Strongyloides stercoralis, Ancilostoma brasiliensis), por produtos químicos lançados nas coleções hídricas ou, ainda, por cercárias de parasitas de aves.
Esquistossomose aguda: o diagnóstico diferencial deve ser feito com outras doenças
infecciosas agudas, tais como febre tifoide, malária, hepatites virais anictéricas A e B, estrongiloidíase, amebíase, mononucleose, tuberculose miliar e ancilostomíase aguda, brucelose e doença de Chagas aguda.
Esquistossomose crônica: nessa fase, a doença pode ser confundida com outras parasitoses intestinais, como amebíase, estrongiloidíase, giardíase, além de outras doenças do aparelho digestivo, como as afecções que cursam com hepatoesplenomegalia: calazar ou leishimaniose visceral, leucemia, linfomas, hepatoma, salmonelose prolongada, forma hiperreativa da malária (esplenomegalia tropical) e cirrose hepática.
TRATAMENTO
O medicamento específico preconizado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da esquistossomose mansoni é o praziquantel, conforme orientações descritas no Quadro 1 e mediante o diagnóstico comprovado pela detecção de ovos. O praziquantel integra o Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica, sendo o único fármaco disponível e distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde aos estados e aos municípios. O fracionamento dos comprimidos expõe um sabor amargo que dificulta o tratamento das crianças. Está em desenvolvimento uma formulação pediátrica do praziquantel, por meio de um consórcio internacional, com a participação do Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz) e do Ministério da Saúde, que deverá facilitar a administração e o ajuste de dose para crianças.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

OBJETIVOS: 

• Estimar a magnitude da morbidade e da mortalidade da esquistossomose.

• Identificar grupos e áreas de maior risco.

• Detectar precocemente casos e instituir tratamento oportuno.

• Adotar medidas de controle em tempo oportuno.

• Reduzir a prevalência e a intensidade da infecção, a ocorrência de formas graves e de óbitos.

• Investigar autoctonia de caso para promover medidas de controle e intervenções necessárias

nas áreas.

• Manter a vigilância ativa com o intuito de evitar a instalação de focos onde a transmissão

está interrompida.

Fonte: Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. – 5. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2021. 1.126 p.